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Glossário Valente | parte 1

Dicionário Valente
Glossário Feminista
O Glossário foi construído a partir das referências que consideramos pontos
de partida para a compreensão das temáticas de gênero e do pensamento feminis-
ta, sabendo que qualquer definição não se esgota quando da sua formulação, es-
tando sempre aberta para novas possibilidades de reflexão. A definição dos verbe-
tes, muitos deles propostas conceituais densas, visa a apresentar resumidamente
alguns elementos que compõem a discussão atual sobre as temáticas.

O Glossário feminista é uma produção do Catarinas, portal de jornalismo


especializado em gênero, feminismos e direitos humanos. Acesse em:
www.catarinas.info.

Gênero
Conjunto de valores socialmente
construídos que definem as diferentes
características (emocionais, afetivas,
intelectuais ou físicas) e os comporta-
mentos que cada sociedade designa
para homens e mulheres. Desde a
infância, somos moldados por instru-
ções que indicam qual a maneira cor-
reta de se enquadrar nestes dois polos
binários: masculino e feminino. Por
exemplo, menina brinca de boneca e
menino de carrinho. Assim, normas de
gênero são apreendidas pelos sujeitos
cotidiana e rotineiramente e, qualquer
fuga destas normas, está sujeita a
punições e violência. A desigualdade
de gênero se refere a assimetria de
poder entre o que se convencionou
como masculino e feminino, com as
características deste último desvalori-
zadas. Como um aprendizado cultural
e socialmente construído, existe a
possibilidade de mudança destas
normas. Cabe destacar que muitas
pessoas não se identificam, em parte
ou completamente, com o gênero as-
sociado às suas características físicas
sexuais. Elas podem se identificar
como pessoas transgêneras (trans),
genderqueer ou não-binárias. Já as

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Dicionário Valente

pessoas que se identificam com o gê- ficação é fonte das desigualdades e


nero associado a elas ao nascimento discriminações que vivenciamos. As
geralmente são categorizadas como pessoas que são incluídas no segun-
pessoas cisgêneras ou cis. Os Estu- do grupo são tratadas como menos
dos de Gêneros se solidificaram na humanas. Jeffrey Weeks ressalta que
academia a partir da década de 1980 a preocupação não deve ser descobrir
e fazem parte do percurso teórico do o que causa a heterossexualidade ou
pensamento feminista, que teve início a homossexualidade, mas os motivos
com os chamados estudos de mulhe- que fazem nossa sociedade privilegiar
res. Estes estudos complexificaram uma e marginalizar a outra. Já o termo
a análise sobre as relações de poder orientação sexual diz respeito à atra-
baseadas na percepção da diferença ção que se sente por outros indivídu-
sexual presente na sociedade, confor- os. Ela pode envolver ou não questões
me a definição de Joan Scott (1990), sentimentais. Algumas das nomen-
e passaram a trabalhar não somente claturas relacionadas à sexualidade:
com a desigualdade existente entre assexual, bissexual (atração por mais
homens e mulheres, mas entre ho- de um gênero - ou, por dois gêneros e
mens e homens e mulheres e mulhe- outros gêneros), heterossexual (atra-
res, assim como a possibilidade de ção pelo gênero oposto), homossexual
outras identidades de gênero. Berenice (atração pelo mesmo gênero) ou pans-
Bento (2014) classifica produção mais sexual (atração por todos os gêneros).
contemporânea como “estudos trans-
viados”, uma forma de tradução aos
estudos queer, que se caracterizam Feminismos
pelo questionamento dos binarismos
de gênero – homem e mulher, e dos Luta social, econômica e políti-
discursos que normatizam os corpos. ca que apresenta diversas vertentes
de pensamento, atuando pelo fim da
desigualdade e violência de gênero,
Sexualidade assim como o combate ao racismo, à
LGBTfobia, à xenofobia e à opressão
O trabalho de Michel Foucault de classe. Segundo a historiado-
é emblemático sobre a temática, pois ra Joan Scott (1990), a história do
aborda o processo complexo que pensamento feminista é a história de
define o que é considerado normal e recusa da construção hierárquica da
anormal no que diz respeito à sexua- relação entre masculino e feminino,
lidade. Ao contrário dos que pensam assim como uma tentativa de rever
que a história da sexualidade é mar- ou deslocar seu funcionamento em
cada pelo silêncio, Foucault se opõe e diferentes contextos. Céli Regina Jar-
afirma que ela é uma história de mui- dim Pinto (2003) salienta que desde
tos discursos. São esses discursos o século XVIII, nos primórdios da
que controlam os indivíduos, não no Revolução Francesa, existem relatos
sentido da proibição, mas de inúmeras de certa organização de mulheres
definições sobre as possibilidades do com o intuito de buscar seus direitos
corpo. Essas regulações estão envolvi- à cidadania e à presença no espaço
das em uma ideia mais ampla que de- público, pois fora dos limites da casa
fine a atividade sexual em dois grupos: restavam-lhes a vida religiosa ou a
o “bom” e o “mau” sexo. Essa classi- acusação de bruxaria. Consideramos

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que estamos vivendo hoje a quarta e a capacidade de escuta enquanto
onda feminista, marcada pela reflexão grupo com experiências específicas
e a consciência sobre as diferentes faz parte deste projeto. Segundo Dja-
experiências das mulheres a partir mila Ribeiro (2017), existe um regime
da articulação de gênero com outros de autorização discursiva que histori-
marcadores sociais, como raça e clas- camente invisibilizou e ainda invisibili-
se (podemos chamar de feminismos za certas vozes. Enquanto um concei-
da diferença), assim como perpassada to, o lugar de fala refere-se também
por novas formas de organização, ao reconhecimento de que as pessoas
mais autônomas e horizontais, e im- brancas, consideradas historicamente
pulsionada pelo uso das tecnologias como sujeitos universais, também
digitais. O ano de 2015 é considerado falam de algum lugar e que esse lugar
o marco deste novo contexto femi- ocupado é de privilégio e de poder,
nista, quando as mulheres foram às fruto da opressão histórica de ou-
ruas de todo o país protestar contra tros grupos. A localização social nas
o projeto de lei 5069/13, idealizado relações de poder é, segundo Ribeiro
pelo deputado Eduardo Cunha, que (2017), a questão central. O lugar de
propunha modificar a lei de atendi- fala direcionaria para uma ruptura na
mento às vítimas de violência sexual. dicotomia moderna do sujeito/objeto
do conhecimento a partir da ideia de
não se falar pelo oprimido, que seria
Lugar de Fala a continuação do processo histórico
de silenciamento, mas falar de/sobre
Os questionamentos sobre as aquela causa, colocando-se enquanto
possibilidades, espaços e autoridade sujeito que, apesar de ocupar uma lo-
de fala são centrais ao pensamento fe- calização social distinta, também luta
minista, principalmente nas experiên- pelo mesmo objetivo, mas sem ter as
cias encontradas no feminismo negro, experiências cotidianas dessa exclu-
lésbico e de mulheres do Sul global. são e opressão. Atuar na emergência
Tensionar a autoridade de enunciação de vozes historicamente silenciadas

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e interrompidas, propiciando uma sociedade e das práticas de opressão


multiplicidade de vozes, é a proposta a que está sujeito, e atua para que
do reconhecimento do lugar de fala. a comunidade em que está inserido
também tenha essa consciência e co-
letivamente proponha caminhos para
Empoderamento a superação da desigualdade. Para
a pesquisadora Cecília Sardenberg,
É um instrumento de luta social o termo empoderamento para as
teórico e prático, não somente indivi- feministas latinoamericanas adqui-
dual, mas também coletivo, que obje- re sentido especial ao tomar como
tiva fazer com que as minorias sociais objetivo maior do empoderamento das
saiam do lugar de subalternidade, mulheres o questionamento, a deses-
segundo a definição da feminista in- tabilização e o fim da ordem patriarcal
terseccional negra Joice Berth. O con- que sustenta a opressão de gênero.
ceito apresenta uma longa trajetória
de pensamento, tendo sido acionado
primeiramente por ativistas feministas Interseccionalidade
e por movimentos de base para depois
se tornar objeto de teorização acadê- O conceito de discriminação in-
mica, com a articulação das perspec- terseccional, formulado pela advogada
tivas feministas com as reflexões de norte-americana Kimberlé Crenshaw,
pensadores da educação, como Paulo parte do reconhecimento dos direi-
Freire. Segundo Joice Berth, o sentido tos das mulheres enquanto direitos
de poder contido no conceito parte de humanos, no âmbito internacional, do
um sentido coletivo, e não uma virada mesmo modo como a discriminação
de chave em que ao entrar na estrutu- racial é condenada como uma viola-
ra de poder será assumido o mesmo ção de direitos humanos. Entretanto,
lugar que antes era criticado, reprodu- a questão do racismo articulado ao
zindo os padrões que geram desigual- gênero não era tratada de uma forma
dade. Assim, existe um processo no específica, sendo necessário que se
qual o indivíduo se empodera ao se compreendesse que “homens e mu-
conscientizar do seu papel dentro da lheres podem experimentar situações

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de racismo de maneiras especifica- sofisticada tecnologia social hetero-
mente relacionadas ao seu gênero” normativa, colocada em operação por
(CRENSHAW, 2004, p. 9). O que a teó- diversas instituições sociais, como a
rica nos traz é a compreensão de que escola e a medicina, e que produzem
as estruturas de raça e de gênero, de os corpos-homens e corpos-mulhe-
forma combinada, colocam as mulhe- res. Uma das formas de reprodução
res negras em situação maior de vul- do modelo de heterossexualidade é
nerabilidade. São grupos específicos, a divisão entre dois sexos diferentes,
em que existe a articulação de certos que apresentam aparências naturais
marcadores sociais, como classe, se- distintas e que se atraem exclusiva-
xualidade, etc., que estão susceptíveis mente um pelo outro - homens por
a maiores discriminações e violência. mulheres e mulheres por homens.
Pensar na diferença dentro da dife-
rença é levar em consideração que
a vida das mulheres é marcada não Dia Internacional das
apenas pelo gênero, mas pela raça,
sexualidade, classe, geração e etnia. Mulheres
Diferente da história que nos
Heteronormatividade contaram durante anos, o 8 de Março
não teve início no episódio do incêndio
É o sistema ou regime que em uma fábrica que resultou na morte
considera a heterossexualidade e de centenas de trabalhadoras têxteis.
os comportamentos atribuídos a O fato ocorreu em 25 de março de
ela como a única opção
válida e “natural”, assim
como os padrões e ideias
heterossexuais, como a
monogamia. Como afirma
Richard Miskolci (2009),
trata-se de um dispositivo
histórico da sexualidade
que tem como objetivo
formar todos para se-
rem heterossexuais. Em
contrapartida, qualquer
outra sexualidade, como a
bissexualidade e a homos-
sexualidade, são vistas
como desvio, expressões
não naturais de desejo. A
heteronormatividade não
está relacionada somen-
te à sexualidade, mas
também às normas de
gênero. Segundo Berenice
Bento (2006), gênero pode
ser pensado como uma

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Dicionário Valente

1910, em Nova York, e apesar da im- CRENSHAW, Kimberle W. A intersecciona-


prudência dos patrões que fechavam lidade na discriminação de raça e gênero.
os portões para evitar furto por parte In: VV.AA.Cruzamento: raça e gênero. Bra-
das funcionárias, o incêndio não foi sília: Unifem, 2004.
deliberadamente criminoso, tampouco
para conter uma greve. Um ano antes, FOUCAULT, Michel. História da sexualida-
em 1910, as operárias que morreram de 1: A vontade de saber. São Paulo: Paz
haviam participado da greve geral do e Terra, 2014
setor têxtil, conhecida como “O Le-
vante das 20 mil”. A greve se encerrou GONZALES, Álvarez. As origens e a come-
12 dias antes das comemorações do moração do dia internacional das mulhe-
Woman’s Day, realizado todo último res. Trad. Alessandra Ceregati {et al.} -1.ed.
domingo de fevereiro. Inspirada nesta São Paulo: Expressão Popular: SOF – Sem-
data de luta organizada pelas socialis- pre viva organização feminina, 2010.
tas estadunidenses desde 1908, o Dia
Internacional das Mulheres foi aprova- Glossário da Diversidade, Secretaria de
do na Segunda Conferência de Mulhe- Ações Afirmativas e Diversidades (SAAD/
res Socialistas, em 1910, em Copenha- UFSC) Link: https://noticias.ufsc.br/fi-
gue, por iniciativa de Clara Zetkin, para les/2017/10/Gloss%C3%A1rio_vers%-
promover a luta pelo direito ao voto. C3%A3ointerativa.pdf
A data passou a ser comemorada em
8 de março, anos depois, para relem- MISKOLCI, Richard. A Teoria Queer e a So-
brar a ação das mulheres nos acon- ciologia: o desafio de uma analítica da 170
tecimentos que foram considerados normatização. Revista Sociologias. Porto
estopim da revolução de fevereiro de Alegre, ano 11, nº 21, jan/jul de 2009, p.
1917, na Rússia. Nos últimos anos, os 150-182
valores originais do Dia estão sendo
resgatados, principalmente a partir RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?
da consignada greve internacional de Belo Horizonte: Letramento, 2017.
mulheres, impulsionada em 2017 pelo
movimento conhecido como 8M. SARDENBERG, Cecília. Conceituando “Em-
poderamento” na Perspectiva Feminista
Cecília M.B. Apresentado no I Seminário
Fontes: Internacional: Trilhas do Empoderamento
de Mulheres – Projeto TEMPO’, promovido
BENTO, Berenice Alves de Melo. O que é pelo NEIM/UFBA, em Salvador, Bahia, de
transexualidade. São Paulo: Brasiliense, 5-10 de junho de 2006.
2008.
SCOTT, J. Gênero, uma categoria útil de
BENTO, Berenice. Corpos e próteses: dos análise histórica [p. 5–22]. Revista Educa-
limites discursivos do dimorfismo. In: ção e Realidade, v. 16, n. 2, Porto Alegre:
SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO Ufrgs, 1990.
GÊNERO: GÊNERO E PRECONCEITOS, 7.,
2006, Florianópolis. Anais... Florianópolis: WEEK, Jeffrey O corpo e a sexualidade. IN:
UFSC, 2006. LOURO. Guacira Lopes. O CORPO EDUCA-
DO - Pedagogias da sexualidade. Belo Ho-
BERTH, Joice. O que é empoderamento? rizonte: Autêntica, 2000.
Belo Horizonte: Letramento, 2018.

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SINJUSC
Sindicato

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(48) 9 9642 6874 Glossário Valente


Parte 1
SINJUSCTV

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Ilustrações: Manu Cunhas


Glossário Valente | parte 2
Dicionário Valente
Glossário Feminista - parte 2
O Glossário foi construído pelo Portal Catarinas a partir das referências que
consideramos pontos de partida para a compreensão das temáticas de gêne-
ro e do pensamento feminista, sabendo que qualquer definição não se esgota
quando da sua formulação, estando sempre aberta para novas possibilidades de
reflexão. A definição dos verbetes, muitas delas propostas conceituais densas,
visa a apresentar resumidamente alguns elementos que compõem a discussão
atual sobre as temáticas. As referências trazidas no final são recomendações de
leitura para uma abordagem mais aprofundada dos temas. Na edição anterior,
apresentamos os termos: Gênero, Sexualidade, Feminismos, Lugar de Fala, Em-
poderamento, Interseccionalidade, Heteronormatividade e Dia Internacional das
Mulheres.

Feminismo descolonial mo. A partir do feminismo, a domina-


ção histórica da Europa sobre outros
A subversão do processo de do- povos e suas consequências políticas
minação colonial europeia, a partir de e econômicas passam a ser tratadas
movimentos sucessivos de indepen- também a partir dos impactos no ima-
dência e que levaram ao surgimento ginário social, mas principalmente sob
dos Estados Unidos e das repúblicas o prisma cultural e suas implicações
Latino-Americanas, e, posteriormente, políticas na dominação de sujeitos a
importantes regiões do continente partir da modernidade ocidental, os
africano e da Ásia, do Pacífico e do processos de racialização e sexualiza-
Caribe, fez emergir o conceito amplo ção das relações sociais, a imposição
de descolonização (CURIEL, 2010). A de uma sexualidade obrigatória – a
reflexão sobre o deixar de ser colônia heterossexual – e da legitimação do
resultou em uma gama de conheci- pensamento único, na tentativa de
mentos como os Estudos Culturais, apagar epistemologias diversas em
os pós-coloniais e subalternos. Já a detrimento da epistemologia eurocên-
face latino-americana da dominação trica. Os movimentos de resistência à
colonial e a identificação de que este imposição colonial são alguns dos en-
sistema continua atuando fortemente foques principais dessa perspectiva.
na região têm entre as suas principais
pensadoras a argentina Maria Lugo-
nes, que teceu o conceito da coloniali- Epistemologia Feminista
dade de gênero (LUGONES, 2014), cru-
cial para o movimento que chamamos Desde os anos de 1970, a forma
de feminismo descolonial. O feminis- como o gênero impacta na construção
mo descolonial considera a existência do conhecimento vem sendo traba-
de uma matriz de dominação que lhada pelas feministas, denunciando o
reflete na imbricação dos sistemas caráter masculinista contido nas mais
de dominação, como o capitalismo, o diversas áreas do saber. Segundo
heterossexismo, o racismo e o sexis- Patrícia Ketzer (2017), a epistemologia

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Dicionário Valente

feminista denunciou a existência de corajoso, forte e agressivo, fazem


preconceitos de gênero infiltrados nas parte dessa cultura que designou
mais distintas áreas do conhecimento como devem ser cada um dos gêne-
humano. Inicialmente, a exclusão das ros, feminino e masculino. Qualquer
mulheres da produção científica foi desvio desses atributos é alvo de
um dos focos da crítica, a partir da críticas sociais, desde a primeira infân-
compreensão de que o sujeito moder- cia, resultando em violências das mais
no do conhecimento era um homem, diversas ordens. Assim, a masculi-
branco e heterossexual e que se nidade tóxica conceitua os modelos
eximia da responsabilidade pelo que de identidades masculinas que são
produzia ao defender a imparcialidade prejudiciais não só às mulheres, mas
e neutralidade da Ciência. Consideran- aos próprios homens, por serem
do a produção do conhecimento uma construídas por meio de repressões
prática também política, de suma im- rotineiras que tentam demarcar a
portância para as lutas feministas, as oposição do masculino em relação ao
pensadoras passaram a
questionar os princípios
que alicerçam a produ-
ção do conhecimento,
com a proposição de
novos métodos e a
construção de saberes
localizados, situados
contextualmente,
menos hierárquicos e
não reprodutores das
desigualdades de gêne-
ro, contidas na própria
validação do que era
considerado científico.

Masculinidade
Tóxica
A atribuição de
características fixas
aos gêneros resulta em
concepções estreitas e
Ilustração: Letícia Valério

binárias sobre o que é


ser homem ou mulher
no mundo. A mulher
enquanto alguém dócil,
passivo e que se ocupa
das atividades do cuida-
do e o homem enquanto
alguém naturalmente

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feminino. Esse modelo de masculini- para o combate do machismo e da
dade é a forma estrita que qualifica misoginia, a partir da ruptura com
traços como a violência, a virilidade a lógica patriarcal e da não repro-
e a força, e reprime, por exemplo, dução de concepções que afastam
as emoções entendidas enquanto as mulheres umas das outras.
fraquezas e consideradas atributos
do feminino. Entre os seus efeitos
está o estímulo à violência, entre elas Cultura do estupro
o estupro, a homofobia e o racismo.
A cultura do estupro é consi-
derada um problema social que se
Sororidade caracteriza pela culpabilização das
vítimas de assédio e outras violências
É entendida como a subversão sexuais e normaliza o comportamento
da rivalidade entre mulheres construí- sexual violento dos homens, segundo
da pela sociedade patriarcal e que foi definição da ONU Mulheres. O termo
impeditiva para a união delas na luta começou a ser utilizado na década de
por transformações coletivas no que 70 por feministas norte-americanas.
se refere à desigualdade de gênero. Entre os fatores que resultam nessa
Busca-se a partir dela a construção construção cultural está a natura-
de alianças entre mulheres, partin- lização de atos e comportamentos
do da empatia, da solidariedade e machistas, sexistas e misóginos,
do acolhimento, em
busca de objetivos
comuns dentro da luta
feminista. A palavra
sororidade, presente
na linguagem femi-
nista há décadas, não
existe formalmente
nos dicionários de
língua portuguesa,
situação que pode
ser considerada mais
uma das marcas do
sexismo linguístico
que ainda vivencia-
mos. A sua origem
remete ao latim sóror,
que significa “irmã”.
Dentro do feminismo,
é compreendida como
uma atitude ética e
política que compre-
ende o engajamento
subjetivo e coletivo
Ilustração: Letícia Valério
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Dicionário Valente

Ilustração: Letícia Valério

estimulando as mais diversas formas os direitos humanos, em especial os


de violência contra as mulheres. As direitos humanos das mulheres.
piadas sexistas, as cantadas nas ruas,
o assédio, o estupro e o feminicídio
são comportamentos manifestos Gaslighting, Mansplaining,
dessa cultura, fazendo com que
inseridas nela, as mulheres passem Manterrupting
a viver sob constante ameaça. A
cultura do estupro é violenta e tem Os três termos em inglês se
consequências sérias, entre elas a referem a formas de violências emo-
não denúncia dos casos de estupro cionais e psicológicas, muitas vezes
por temor de serem culpabilizadas sutis, que as mulheres enfrentam.
pela violência sofrida. Ela está pre- Gaslighting se refere à tentativa de
sente ainda nos produtos midiáticos, fazer a mulher e outras pessoas de
dentro das famílias, no próprio uso da seu âmbito de convívio acreditar que
linguagem que objetifica as mulheres, ela enlouqueceu a partir de ques-
perpassando as mais diversas esfe- tionamentos sobre sua sanidade e
ras da sociedade. A ONU Mulheres percepção sobre a realidade, gerando
alerta que a cultura do estupro fere o sentimento de incapacidade para

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discernir sobre os acontecimentos que atingem as mulheres que vivem
de sua experiência cotidiana. Já o em sociedades marcadas pela desi-
segundo termo, Mansplaining, refere-se gualdade de poder entre os gêneros
aos termos man (homem) e explaining masculino e feminino e por constru-
(explicar). Segundo Pâmela Stocker e ções históricas, culturais, econômicas,
Silvana Dalmaso (2016), o termo faz políticas e sociais discriminatórias. O
referência ao direcionamento de uma conceito surgiu na década de 1970
fala didática à mulher, invalidando o para visibilizar a violência e opressão
conhecimento dela e indicando que enfrentadas sistematicamente pelas
ela não tem capacidade de entender mulheres e que muitas vezes culmina
ou realizar alguma ação exatamente na morte delas. A nomeação desse
por ser uma mulher. Esse mecanismo crime por razões de gênero foi um
de violência psicológica deseja minar importante passo para a busca de me-
a confiança das mulheres e dimi- canismos para o seu enfrentamento,
nuir a sua autoridade sobre os mais principalmente no contexto brasileiro,
diversos assuntos. O terceiro termo, que ocupa o 5º lugar nas taxas de fe-
o Manterrupting, denuncia as cons- minicídio do mundo, segundo a OMS,
tantes interrupções que os homens sendo considerado também um pro-
costumam fazer quando uma mulher blema epidêmico por sua incidência.
está falando, interrompendo a sua
argumentação e direito de expressão.
A palavra foi utilizada inicialmente em Misoginia
análises no âmbito da política e de-
monstraram que as mulheres, mesmo A palavra misoginia surge do
ocupando cargos de poder, acabam grego misogynia, a partir da junção de
falando por um tempo muito menor “miseó”, que significa “ódio”, e gyné,
que os homens, sendo constantemen- trazido como “mulher”. É caracterizada
te interrompidas em seus discursos. como aversão e ódio às mulheres e
meninas e também às características
consideradas femininas a partir da
Feminicídio crença na superioridade dos homens e
do masculino. Em suas manifestações,
É a tipificação para o assassi- que podem ser simbólicas, psicológi-
nato de mulheres por questões de cas ou físicas, costumam ser reafirma-
gênero. Definido no Brasil a partir da dos os estereótipos atribuídos histo-
alteração do Código Penal e da cria- ricamente às mulheres no sentido de
ção da lei 13.104, de 2015, considera confinar as suas existências ao espaço
como crime hediondo quando ocorre doméstico e reafirmar a sua submis-
no âmbito da violência doméstica e são aos homens. As consequências da
familiar e quando existe menosprezo misoginia são as múltiplas violências
ou discriminação pela sua condição sofridas pelas mulheres, incluindo a
de mulher. De acordo com o dossiê do objetificação sexual destas. A articu-
Instituto Patrícia Galvão, o feminicídio lação entre a misoginia e o racismo
enquanto um crime de ódio é a ex- afeta diretamente as mulheres negras
pressão fatal das diversas violências e leva à grave desumanização a partir

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Dicionário Valente

da objetificação delas. Como mani- triarcalizar e descolonizar o Estado Brasilei-


festação de uma sociedade machista, ro – um olhar pelas políticas públicas para
está presente em piadas, músicas mulheres indígenas. [Tese de Doutorado].
e conteúdos midiáticos, como as Programa de Pós-Graduação em Direito.
propagandas, entre outros âmbitos Universidade de Brasília (UNB). Brasília,
culturais. Em alguns países, a miso- 2016. Disponível via < http://repositorio.unb.
ginia é considerada crime de ódio. br/bitstream/10482/22132/1/2016_L%-
C3%ADviaGimenesDiasdaFonseca.pdf >
Acesso em 04/09/2017.
Fontes:
SMITH, Andrea. A violência sexual como
CURIEL, Ochy. Hacia La construcción de uma ferramenta de genocídio. Revista Es-
um feminismo descolonizado. In: MIÑOSO, paço Ameríndio, Porto Alegre, v. 8, n. 1,
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a las prácticas teórico-políticas del feminis- <https://seer.ufrgs.br/EspacoAmerindio/
mo latino-americano. Buenos Aires: Em La article/view/47357/29960 > Acesso em
Frontera, 2010. 13/01/2019.

LUGONES, María. Rumo a um feminismo BENITES, Sandra ARA RETE. Nhe’ẽ, reko
descolonial. Revista Estudos Feministas, v. porã rã: nhemboea oexakarẽ Fundamento
22, n. 3, Florianópolis: UFSC, 2014. da pessoa guarani, nosso bem-estar futuro
(educação tradicional): o olhar distorcido
KETZER, Patricia. Como pensar uma Episte- da escola [TCC] UFSC, 2015. Disponível
mologia Feminista? Surgimento, repercus- via < http://licenciaturaindigena.ufsc.br/
sões e problematizações. Argumentos, n. files/2015/07/Sandra-Benites_TCC.pdf >
18, v. 9, Fortaleza: UFC, 2017. Acesso em 05/03/2018.

STOCKER, Pâmela Caroline; DALMASO,


Silvana Copetti. Uma questão de gênero:
ofensas de leitores à Dilma Rousseff no Fa-
cebook da Folha. Rev. Estud. Fem. [online].
2016, vol.24, n.3, pp.679-690.

https://www.geledes.org.br/voce-sabe-o-
-que-e-masculinidade-toxica/

https://nacoesunidas.org/por-que-falamos-
-de-cultura-do-estupro/

https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.
br/feminicidio/

Outras leituras
recomendadas:
FONSECA, Lívia Gimenes Dias da. Despa-

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Glossário Valente | parte 3
Glossário Valente
Glossário Feminista - parte 3
O Glossário foi construído pelo Portal Catarinas a partir das referências que
consideramos pontos de partida para a compreensão das temáticas de gêne-
ro e do pensamento feminista, sabendo que qualquer definição não se esgota
quando da sua formulação, estando sempre aberta para novas possibilidades de
reflexão. A definição dos verbetes, muitos deles propostas conceituais densas,
visa apresentar resumidamente alguns elementos que compõem a discussão
atual sobre as temáticas. As referências trazidas no final são recomendações
de leitura para uma abordagem mais aprofundada dos temas. Na edição ante-
rior, apresentamos os termos: Feminismo descolonial, Epistemologia feminista,
Masculinidade tóxica, Sororidade, Cultura do estupro, Gaslighting, Mansplaining,
Manterrupting, Feminicídio e Misoginia.

Branquitude Mulherismo
Para Lia Schucman, a branqui- Patrícial Hill Collins analisou
tude é construída como um cons- em artigo as várias definições para
tructo ideológico de poder, em que os o termo mulherismo, presentes na
brancos tomam sua identidade racial obra de Alice Walker, e os motivos
como norma e padrão. Já os outros que levaram muitas mulheres negras
grupos que não são enquadrados norte-americanas a preferirem o termo
nesta norma aparecem ora como mar- no lugar do feminismo negro. Segundo
gem, ora como desviantes, ora como Hill Collins, Walker situa o mulherismo
inferiores. Segundo a pesquisadora, na história concreta da opressão racial
ser branco significa ocupar o lugar e de gênero de mulheres negras, e
simbólico de branquitude, o que nada propõe que esta história concreta em
tem relação com questões genéticas, sua especificidade leva à promoção
mas com posições e lugares sociais de uma visão de mundo acessível
que os sujeitos ocupam, dependen- principalmente, ou até exclusivamen-
do de circunstâncias históricas e te, às mulheres negras. Pressupõe
culturais. Desta forma, sujeitos que então uma diferença ao feminismo
ocupam esse lugar social foram e são decorrente das diferentes experiências
sistematicamente privilegiados no históricas de mulheres negras e bran-
que se refere ao acesso a recursos cas com o racismo. O Mulherismo,
simbólicos e materiais. Para Ricardo segundo Hill Collins, a partir da pro-
Corrêa, em artigo escrito ao Geledés, posição de algumas autoras, fornece
a branquitude é o que cimenta a uma maneira para que as mulheres
estrutura racista e mantém os negros negras abordem a opressão de gê-
distantes dos espaços de poder. nero, sem excluir os homens negros,
uma das principais críticas que são
tecidas ao feminismo. Já o mulheris-

18
Glossário Valente

mo africano, de acordo com a filósofa o termo feminismo negro desestabi-


Katiuscia Ribeiro, é uma preposição liza o racismo no interior do próprio
política emancipatória pensada por feminismo, apresentando-o como uma
Clenora Hudson, que, ao pesquisar ideologia e movimento político bran-
o lugar participativo das mulheres co. Dessa forma, desafia a brancura
africanas na História, identificou nelas presumida do feminismo e lembra as
o lugar de poder, sabedoria, ensina- mulheres brancas que elas não são
mentos e luta, de quem sempre esteve as únicas e nem “a norma” feminista.
à frente da agência de seu povo. Mas, segundo Hill Collins, várias dificul-
dades acompanham o uso do termo
“feminismo negro”. Um deles envolve o
Feminismo Negro problema de equilibrar as preocupações
genuínas de mulheres negras contra
Movimento social protagonizado as pressões contínuas para absorver
por mulheres negras tem como objetivo e reformular tais interesses no âmbito
trazer para o debate e dar visibilidade das estruturas feministas brancas.
às pautas dos direitos das mulheres
negras. Surge no Brasil na década de
1970, a partir da forte reivindicação das Amefricanidade
mulheres negras sobre as diferenças en-
frentadas por elas e em questionamen- Categoria cunhada pela brasi-
to e tensionamento à hegemonia das leira Lélia Gonzales destaca o es-
mulheres brancas nas lutas feministas. quecimento da influência negra na
Patrícia Hill Collins considera que utilizar formação histórico-cultural do conti-

19
nente americano. Ao analisar a obra emocional construída pelo machismo,
de Lélia, Claudia Pons Cardoso afirma pelo racismo, pela classe e silenciada.
que a amefricanidade, mais do que Para a autora, a sororidade está con-
tratar da escravização enquanto uma tida dentro da dororidade, mas nem
experiência comum no continente, sempre o contrário acontece. Assim,
assim como a dominação e a colo- ao não se sentir incluída totalmente
nialidade, centraliza a resistência na no termo caro ao feminismo, Vilma
valorização e no resgate de saberes constrói um novo conceito a partir
produzidos por mulheres negras e de um lugar de pertencimento, que
indígenas na direção da descoloniza- também é o lugar de suas ancestrais
ção dos saberes produzidos, inclusive e marcado pela ausência histórica.
dos próprios saberes feministas. Lélia
dilapida o conceito de amefricanidade
a partir de diferenças dessa “Améri- Colonialidade do poder
ca Africana”, que aqui se construiu a
partir da resistência e ressignificação A formulação do sociólogo pe-
de práticas e vivências localizadas, ruano Aníbal Quijano parte da cons-
não no impulso de resgatar algo de tatação de que a estrutura de poder
um passado longínquo ou as “sobre- colonial não desapareceu com o fim
vivências de culturas africanas”. Ao do colonialismo, em sua forma explí-
costurar o português com elementos cita e formal, mas permanece produ-
linguísticos africanos, ela critica os zindo diversas discriminações sociais,
preconceitos linguísticos e o racismo como as raciais, étnicas ou nacionais.
contido nessas hierarquias. Assim, Segundo o autor, isso pode ser consta-
ela destaca a importância negra na tado na distribuição de poder e riqueza
formação histórico-cultural de diver- mundial estabelecida a partir das
sos países, principalmente do Brasil. distinções de raça, etnias ou nações,
entre as populações colonizadas e as
colonizadoras. De acordo com Quija-
Dororidade no, a colonialidade é um dos elemen-
tos constitutivos do padrão mundial
O conceito nasce de uma crítica de poder capitalista, sustentando-se
à ideia de sororidade, termo que em na imposição de uma classificação
latim significa irmã. Vilma Piedade, em de raça e etnia, aspecto central desse
livro sobre o tema, aborda a dororida- padrão de poder e que opera em diver-
de a partir da localização da mulher sas dimensões da existência social,
negra, considerando que a sororidade sejam elas subjetivas ou materiais. Ao
não basta, pois foi pensada dentro de debater o conceito de Quijano, Eduar-
um projeto feminista construído para do Restrepo e Axel Rojas consideram
a mulher branca, de classe média, oci- que foi da perspectiva da ideia de raça
dental e instruída. Para ela, a unidade que os colonizadores forjaram identi-
e a irmandade muitas vezes acontece dades negativas para as populações
pela dor, a dor da violência sofrida colonizadas e de origem africana,
pelas mulheres negras cotidianamen- eliminando a heterogeneidade das
te. A dor física, moral, patrimonial e identidades originais. Essas classifica-

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Glossário Valente

ções hierárquicas impostas às popu- dradas. Para Lugones, a colonialidade


lações da América e ligadas a um pa- de gênero também continua presente
drão de poder foram posteriormente entre nós na intersecção entre gêne-
disseminadas em todo o mundo com ro, classe e raça como construções
a expansão do capitalismo colonial. centrais ao poder capitalista mundial.

Colonialidade de gênero Racismo Estrutural


Ao considerar a lacuna contida De acordo com Silvio Almeida,
nas abordagens sobre a colonialidade pensar o racismo como estrutural sig-
no que se refere às questões de gêne- nifica não entendê-lo como fenômeno
ro em sua relação com o poder, a teóri- conjuntural, como uma anomalia ou
ca Maria Lugones reflete sobre a colo- patologia social. A noção de racismo
nialidade a partir da dicotomia central estrutural destaca que o racismo
da modernidade colonial, a divisão constitui as relações sociais no seu
entre humanos e não humanos. A padrão de normalidade, sendo um
partir dessa divisão hierárquica, só ci- modo de estrutura social. Ou seja, o
vilizados, os europeus no caso, foram racismo é uma forma de normalidade,
considerados homens e mulheres. Já de normalização, de compreensão das
os povos que viviam no continente an- relações, constituindo as ações não só
tes da intrusão e as pessoas trazidas conscientes, como também as incons-
à força da África e escravizadas, fo- cientes. Ele aborda três instâncias do
ram classificadas como não humanas, racismo estrutural, que são: a eco-
seres selvagens, bestiais e não gen- nômica, a política e a subjetiva. Isso

21
faz com que o sistema econômico ou sua concepção inicial, se realiza como
político brasileiro, funcionando em sua um ato de escrita das mulheres ne-
normalidade, com suas normas, im- gras, uma ação que busca desfazer as
pacte de forma direta na desigualdade imagens do passado. A escrevivência
enfrentada pela população negra. O traz as experiências e vivências das
racismo estrutural e estruturante das pessoas negras, onde a concepção da
relações sociais e da formação dos escrita surge da sua condição de ser e
sujeitos é detectado também no fato estar no mundo. Na escrita das mulhe-
de que, mesmo entre pessoas que res negras, as vivências e trajetórias
são contra essas violências geradas assumem um caráter político-pessoal
pela desigualdade, não há nenhuma engajado capaz de pautar as suas
política e reação efetiva para se lutar demandas. Como afirma Evaristo:
contra isso. Ou seja, a violência contra “a nossa escrevivência não é para
pessoas negras é naturalizada. A adormecer os da casa-grande, e sim
morte sistemática de jovens negros acordá-los de seus sonos injustos.”
nas periferias não causa o choque que
deveria causar, por exemplo. A ausên-
cia de pessoas negras em certos lo- Referências:
cais, como os postos de maior poder e
prestígio, também é naturalizada, sen- ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutu-
do outro reflexo do racismo estrutural. ral? Belo Horizonte: Letramento, 2018.

ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade:


Afrocentricidade Notas sobre uma posição disciplinas. In.:
Afrocentricidade: uma abordagem episte-
Molefi Kete Asante definiu a mológica inovadora. Org. Elisa Larkin Nas-
afrocentricidade como um tipo de cimento. São Paulo: Selo Negro, 2009.
pensamento, perspectiva e prática
que compreende os africanos como CARDOSO, Cláudia Pons. Amefricanizando
sujeitos agentes de fenômenos, o feminismo: o pensamento de Lélia Gonza-
incidindo sobre sua própria imagem lez. Estudos Feministas, v. 22, n. 3, Floria-
cultural e conforme seus próprios nópolis, UFSC, 2013. p. 965-986
interesses. A afrocentricidade é
compreendida por Asante como uma EVARISTO, Conceição. A escrevivência e
questão de localização, uma vez que seus subtextos. In.: Escrevivência: a escrita
os africanos vêm atuando às mar- de nós - reflexões sobre a obra de Concei-
gens da experiência eurocêntrica. ção Evaristo. Org. Constância Lima Duarte;
Isabella Rosado Nunes. 1ª edição. Rio de
Janeiro. Mina Comunicação e Arte. 2020.
Escrevivência
GONZALES, Lélia. Primavera para as Rosas
O neologismo escrevivência, Negras – Lélia Gonzales em primeira pes-
refere-se ao ato de escrever as vivên- soa. São Paulo: Diáspora Africana, 2018.
cia da população negra, e foi cunhado
pela escritora Conceição Evaristo. Em GONZALEZ, Lélia, Por um feminismo afro-

22
Glossário Valente

-latino-americano: ensaios, intervenções e Sites:


diálogos. Org. Flávia Rios; Marcia Lima. 1ª
Edição. Rio de Janeiro. Zahar, 2020 https://www.geledes.org.br/a-relacao-de-
-poder-e-o-vitimismo-branco/
HILL COLLINS, O que é um nome? Mulheris-
mo, Feminismo Negro e além disso. Cader- https://www.almapreta.com/editorias/o-
nos Pagu, v. 51, Campinas: Unicamp, 2017. -quilombo/mulher-preta-mulherismo-africa-
na-e-outras-perspectivas-de-dialogo
LUGONES, María. Rumo a um feminismo
descolonial [p. 935-952] Estudos Feminis- https://www.geledes.org.br/feminismo-ne-
tas, v.22, n. 3, Florianópolis: UFSC, 2014. gro-sobre-minorias-dentro-da-minoria/

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder


e Classificação Social. IN: SANTOS, Boa-
ventura de Souza; MENESES, Maria Paula.
Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições
Almedina, 2009

RESTREPO, Eduardo; ROJAS, Axel. Inflexión


decolonial: fuentes, conceptos y cuestiona-
mientos. Popayán: Universidad del Cauca,
2010.

SCHUCMAN. Lia Vainer. Entre o “encardi-


do”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça,
hierarquia e poder na construção da bran-
quitude paulistana [tese]. São Paulo: Univer-
sidade de São Paulo, Instituto de Psicologia;
2012.

SCHUCMAN, Lia Vainer. Sim, nós somos


racistas: estudo psicossocial da branquitu-
de paulistana. Psicol. Soc. [online]. 2014,
vol.26, n.1 [cited 2020-02-17], pp.83-94

PIEDADE, Vilma. Dororidade. São Paulo:


Nós, 2017.

23
SINJUSC
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Parte 3
SINJUSCTV

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