Tratamento Interceptivo Precoce e Acompanhamento Do Crescimento Do Padrão Esquelético III: Relato de Caso

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c a s o • c l í n i c o

Tratamento interceptivo precoce e


acompanhamento do crescimento do padrão
esquelético III: relato de caso
a b c Resumo

INTRODUÇÃO: O padrão III esquelético pode ser diag-


nosticado por uma relação sagital inadequada entre a
maxila e a mandíbula, decorrente de retrusão maxilar
e/ou prognatismo mandibular. O tratamento interceptivo
precoce, que aproveita a idade do paciente, tem demons-
d e
trado extrema relevância clínica e científica, levando a
um controle mais harmonioso do padrão de crescimento.
OBJETIVO: O presente estudo relata o caso clínico de uma
paciente com diagnóstico de Padrão III esquelético, que foi
acompanhada durante todo o seu crescimento. Paciente
do sexo feminino, 7 anos de idade em seu primeiro exame

a) Ivan de Souza SILVA 1 clínico, foi diagnosticada com má oclusão de Classe III,
mordida cruzada posterior bilateral e mordida cruzada
b) Ana Luiza Giovanardi VASCONCELOS2
anterior. As características faciais provavelmente foram
c) Guilherme Milanese CAPELOZZA3 herdadas de seu pai, que também foi diagnosticado como
d) Sílvia Augusta Braga REIS1 Padrão III esquelético. O tratamento interceptivo envolveu
expansão rápida da maxila e protração maxilar utilizando
e) Leopoldino CAPELOZZA FILHO3
máscara facial. O tratamento ortodôntico corretivo, na fase
adulta, visava discretas melhoras oclusais, sem qualquer
1. Universidade de São Paulo , Faculdade de Odontologia, Departamento
de Ortodontia (Bauru/SP, Brasil).
pretensão de alteração facial. RESULTADOS: Apesar do
prognóstico inicial supostamente desfavorável, devido a
2. Faculdade FAIPE - Instituto de Pesquisa e Ensino, Departamento de
Ortodontia (Belo Horizonte/MG, Brasil). fatores genéticos, observou-se importante melhora no
3. Universidade Sagrado Coração, Departamento de Ortodontia (Bauru/ equilíbrio oclusal e facial. Isso demonstra a importância
SP, Brasil).
da intervenção precoce para corrigir o crescimento facial,
permitindo a normalização do equilíbrio da face e da oclu-
Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de
são. CONCLUSÃO: O acompanhamento do crescimento da
propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos
produtos e companhias descritos nesse artigo. O(s) paciente(s) que paciente mostra que pode ser possível evitar uma cópia
aparece(m) no presente artigo autorizou(aram) previamente a publicação
ambiental de um modelo genético.
de suas fotografias faciais e intrabucais, radiografias ou outros exames
imagiológicos e informações diagnósticas.
Palavras-chave

Ortodontia Interceptiva. Má oclusão de Classe III.


Como citar: Silva IS, Vasconcelos ALG, Capelozza GM, Reis SAB, Capelozza Filho L.
Early interceptive treatment and growth follow-up of skeletal pattern III: a case Prognóstico. Técnica de expansão palatina.
report. Clin Orthod. 2023 Jun-Jul;22(3):61-73.
DOI: https://doi.org/10.14436/2675-486X.22.3.061-073.art
Endereço para correspondência: Ivan de Souza Silva
Enviado em: 25/08/2022 - Revisado e aceito: 24/11/2022 E-mail: : ivandesouzaodonto@gmail.com

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INTRODUÇÃO retrusão maxilar, isolada ou combinada com


leve prognatismo mandibular8. O protocolo de
Indivíduos com padrão esquelético III são iden- Expansão Rápida da Maxila (ERM) associado
tificados por uma diminuição do degrau sagital à Tração Reversa da Maxila (TRM) apresenta
maxilomandibular, seja por retrusão maxilar tempo de tratamento curto, colaboração mui-
e/ou por prognatismo mandibular . Essa dis- 1
tas vezes aceitável, levando a melhorias maxi-
crepância esquelética pode estar associada ou lares sagitais e transversais e uma rotação da
não a um componente vertical e transversal. 1
mandíbula no sentido horário9. Esse conjunto
No aspecto facial, observa-se a presença de um de movimentos proporciona maior equilíbrio
perfil reto ou côncavo, a região infraorbitária é facial, aumento da altura facial e convexida-
deficiente, e a linha queixo-pescoço é alargada . 2
de do perfil10. Esses resultados são possíveis
Devido à natureza esquelética do padrão III, a quando a abordagem é realizada no momen-
relação sagital dentária tende a uma Classe III, to adequado — dentição mista precoce, coin-
embora não haja norma que generalize todos os cidindo com a erupção dos incisivos superio-
casos . Em pacientes com padrão esquelético III,
3
res — e com protocolos de tratamento corretos10.
pode ser encontrada Classe I e, mais raramente,
uma relação sagital dentária de Classe II3. Entre os fatores apontados como favoráveis
ao prognóstico, a intervenção precoce e o
A discrepância esquelética sagital no padrão III diagnóstico de retrusão maxilar sobreposta
é facilmente reconhecida e acarreta impactos ao prognatismo mandibular são os mais im-
psicossociais significativos, principalmente portantes11. Estudos anteriores utilizando me-
na infância . A possibilidade de comprometi-
4
didas cefalométricas poderiam predizer o su-
mento da harmonia facial ultrapassa a relação cesso desse tratamento. Baccetti et al.12 obser-
dentária, sendo determinada pela genética do varam que pacientes com aumento da altura
indivíduo, que definirá o padrão de cresci- facial posterior e do ângulo da base do crânio,
mento5. Características contidas na informa- bem como aumento do ângulo entre o plano
ção genética herdada dos pais influenciam no mandibular e a base do crânio, tinham prog-
prognóstico do tratamento do padrão esque- nóstico desfavorável, com previsibilidade de
lético III até o fim do período de crescimento 83,33%. Nardoni et al.13 constataram que o au-
ativo6. Embora a deficiência maxilar seja mais mento da altura facial sem divergência entre
comum, a suspeita de discrepância esquelé- o eixo condilar e o plano mandibular piorou
tica devido ao prognatismo pressupõe uma o prognóstico, com previsibilidade de 88,5%.
investigação da similaridade parental7. Os fa- Souki et al.14 observaram que o aumento do
tores genéticos são o fator etiológico primário ângulo goníaco também revela uma tendência
e podem levar a um prognóstico desfavorável a um pior prognóstico.
se uma abordagem precoce não for realizada . 7

A estabilidade pós-tratamento é um fator im-


O tratamento precoce do padrão esquelético III portante que deve ser considerado. Inoue et
tem se mostrado eficaz principalmente quan- al.15 descobriram que o fator mais decisivo que
do o componente desequilibrado advém da afetava a estabilidade do tratamento inicial do

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padrão esquelético III era a distância horizontal também, a dificuldade de prognóstico mesmo na
entre os molares superiores e inferiores na Re- presença de um determinante genético, delimi-
lação Cêntrica (RC). A instabilidade foi associada tando as possibilidades do tratamento inicial.
a uma distância horizontal maior que 0,5 mm e,
quando essa distância ultrapassou 3,5 mm, não DIAGNÓSTICO
houve estabilidade . 15

Paciente do sexo feminino, leucoderma, 7 anos


Havendo possibilidade de tratamento precoce de idade, apresentou-se para tratamento orto-
espera-se que a relação sagital seja definitiva- dôntico/ortopédico no primeiro período tran-
mente corrigida, ou pelo menos favorecendo um sitório da dentição mista. Imagens extrabucais
futuro tratamento corretivo compensatório 10,16
. (Fig. 1) e intrabucais (Fig. 2), exames radiográfi-
Entretanto, não deve ser descartada a possibi- cos (Fig. 3) e modelos de gesso intrabucais (Fig. 4)
lidade de recidiva ou, mesmo, a necessidade de foram solicitados. Após análise facial e evidência
procedimento cirúrgico futuro durante o con- genética como fator etiológico, uma vez que seu
trole do padrão de crescimento . 16
pai possui características semelhantes (Fig. 5), a
paciente foi diagnosticada como Padrão esque-
Assim, o presente relato de caso tem como obje- lético III com deficiência maxilar, má oclusão de
tivo apresentar a conduta e o acompanhamento Classe III bilateral, biprotrusão, mordida cruza-
prolongado de uma paciente do sexo feminino da anterior e posterior bilateral. A paciente apre-
que foi submetida a tratamento interceptivo do sentava um pequeno desvio da oclusão central
padrão esquelético III na infância e posterior tra- para habitual, mas não o suficiente para mudar
tamento no fim da adolescência. Será discutida, o diagnóstico de Classe III.

Figura 1: Fotografias extrabucais iniciais.

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Figura 2: Fotografias intrabucais iniciais.

A. B. C.

Figura 3: Radiografias iniciais: A) panorâmica, B) oclusal superior e C) telerradiografia de perfil.

Figura 4: Modelos iniciais.

OBJETIVOS DO TRATAMENTO

O objetivo do tratamento interceptivo foi esti- favoráveis para o crescimento facial e permitin-
mular o crescimento maxilar para corrigir o do a eliminação da mordida cruzada anterior e
padrão esquelético III, estabelecendo condições posterior, bilateralmente.

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Figura 5: Imagens extrabucais, intrabucais e radiografias do pai do paciente.

ALTERNATIVAS DE TRATAMENTO pia com máscara facial, a partir dos 5 anos de


idade17,18. A terapia alternativa para pacientes
O método mais recomendado para o trata- com 10 anos ou mais que não tiveram a opor-
mento ortopédico precoce do padrão esquelé- tunidade de interceptação precoce seria trata-
tico III é a expansão rápida da maxila e tera- mento ortopédico ancorado em mini-implan-

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tes ou miniplacas, a fim de evitar tratamentos PLANO DE TRATAMENTO


ortodôntico-cirúrgicos19,20. Como o padrão III
esquelético associado à má oclusão de Clas- A estratégia de tratamento consistiu em terapia
se III e mordida cruzada anterior não é au- ortopédica com ERM associada à TRM com uso
tocorrigido, o tratamento não interceptativo de máscara facial. Um expansor de Haas (Fig. 6)
condena pacientes com graves e moderadas foi instalado, com uma modificação em sua es-
discrepâncias a limitações estéticas e funcio- trutura, para não utilizar os primeiros molares
nais . Essas limitações da idade avançada po-
21
superiores permanentes como dentes de anco-
deriam ser tratadas apenas com abordagem ragem posteriores. Grampos em “C” foram cola-
ortodôntico-cirúrgica . Pacientes com alte-
21
das na superfície vestibular de caninos decíduos
rações esqueléticas leves ou moderadas sem superiores22. Essas modificações foram descritas
queixas estéticas poderiam ser submetidos a em 1999, quando as alterações recomendadas fo-
tratamento corretivo compensatório . 21
ram introduzidas e justificadas pelos autores22.

Figura 6: Disjuntor de Haas com ganchos


anteriores para protração maxilar.

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PROGRESSO DO TRATAMENTO foram removidos e instalada uma contenção re-


movível. A paciente foi acompanhada a cada seis
O protocolo de ativação do expansor foi: ¼ de meses até o fim da adolescência, para controle
volta pela manhã e ¼ de volta à noite, desde o do desenvolvimento facial e erupção dentária.
dia seguinte à sua instalação até que a expan- Ela teve um resultado muito bem-sucedido du-
são fosse identificada clinicamente por um rante todo o período de crescimento (Fig. 8)
diastema entre os incisivos centrais superiores. e, aos nove anos de idade, novas fotografias e
Imediatamente após, a ativação foi reduzida radiografias foram tiradas para comparações.
para 1/4 de volta por dia, durante duas semanas, Os resultados oclusais positivos justificaram o
quando foi obtida a expansão necessária. A TRM adiamento do tratamento ortodôntico corretivo.
foi realizada por seis meses e iniciada assim que Observou-se alteração significativa na oclusão
a disjunção foi detectada pelo diastema, usando e no equilíbrio facial da paciente, apresentan-
a máscara facial presa em ganchos anteriores do-se com padrão esquelético I e relação sagital
soldados ao aparelho de Haas. A colocação an- dentária em Classe I. Portanto, os autores suge-
terior dos ganchos foi projetada para reduzir os rem que a origem da relação maxilomandibu-
efeitos rotacionais no plano mandibular (rota- lar inicial foi principalmente ambiental, mesmo
ção horária). Em seguida (Fig. 7), os aparelhos com algum fator esquelético.

Figura 7: Fotografias e radiografia intermediárias, após expansão e terapia com máscara facial.

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Figura 8: Fotografias e radiografia intermediárias, antes da segunda fase, com tratamento ortodôntico corretivo.

A segunda fase teve início em maio de 2005, com escolhidas favoreceram a retroinclinação dos
duração de um ano e sete meses, se encerrando incisivos inferiores, auxiliando na compensação
em dezembro de 2006. Durante o tratamento orto- da Classe III na arcada inferior. A prescrição I foi
dôntico corretivo (Fig. 9), foram utilizados braque- utilizada na arcada superior porque o paciente
tes Straight-wire superior e inferior (prescrição I foi diagnosticado com biprotrusão; portantom
Capelozza e prescrição III Capelozza, respectiva- não era ideal aumentar a inclinação dos incisivos
mente), e foi realizado alinhamento superior e in- centrais superiores usando a prescrição III em
ferior até fio de aço 0,019”X 0,025”. As prescrições ambas as arcadas. Após o tratamento, seguiu-se a

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Figura 9: Fotografias e radiografia intermediárias, durante a segunda fase


(tratamento ortodôntico corretivo).

retração anterossuperior, mantendo espaço ade- DISCUSSÃO


quado para futuras reanatomizações dos dentes
#12 e #22. A reanatomização dos incisivos laterais Ao longo de sua história, a Ortodontia desenvol-
superiores foi uma demanda estética da paciente. veu mecanismos e conceitos com o objetivo de
aumentar a previsibilidade do crescimento dos
RESULTADOS DO TRATAMENTO pacientes, principalmente daqueles com discre-
pâncias esqueléticas diagnosticadas na infância.1
Um resultado facial e oclusal favorável foi alcan- O Padrão esquelético III, originalmente definido
çado ao fim do tratamento (Fig. 10). As medidas por Capelozza Filho1 como indivíduos que apre-
cefalométricas e as sobreposições dos traçados sentam más oclusões devido a um passo sagital
revelam melhoras na relação sagital oclusal e reduzido entre maxila e mandíbula, independen-
esquelética e na posição labial (Tab. 1 e Fig. 11). temente da posição molar de suas arcadas dentá-
As melhoras cefalométricas ocorreram especial- rias, apresentam importantes distúrbios estéticos
mente nas alterações favoráveis no SNA, ANB, e funcionais. Esses pacientes devem se beneficiar
CoA, IMPA e 1-PP. Melhoras na relação maxilo- de procedimentos de intervenção precoce1,2.
mandibular, comprimento maxilar e aumento
da altura facial foram observadas. Ao contrá- O método mais recomendado para o tratamento
rio do pai dessa paciente, a oportunidade de se ortopédico da má oclusão de Classe III é a ERM
submeter a um tratamento intervencionista em associada à máscara facial, iniciando-se na den-
tempo adequado levou à melhora das suas rela- tição mista precoce, a partir dos 5 anos de ida-
ções esqueléticas e oclusais, fortalecendo a hi- de — se a criança e a família estiverem prepara-
pótese de remoção da etologia da discrepância. das para o tratamento23. Segundo Foersch et al.24,

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Figura 10: Fotografias extrabucais e


intrabucais finais.

Figura 11: Sobreposições dos traçados


cefalométricos: A) Tratamento intercep-
A. B.
tivo; B) Tratamento ortodôntico corretivo.

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Tabela 1: Medidas cefalométricas das fases Interceptiva e Corretiva.

TRATAMENTO INTERCEPTIVO TRATAMENTO CORRETIVO


PRÉ-TRATAMENTO PÓS-TRATAMENTO PRÉ-TRATAMENTO PÓS-TRATAMENTO
SNA 80,5° 83° 86° 94,5°
SNB 79,5° 79° 82,7° 87,2°
ANB 1° 4° 3,3° 7,3°
CoA 81,8 mm 86,6 mm 88,6 mm 89,1 mm
CoGn 110 mm 112,9 mm 114,5 mm 114,8 mm
LAFH 60 mm 63 mm 63 mm 66,8 mm
SN-GoGn 34° 36° 34,1° 32,8°
1.NA 25° 22° 27,9° 13,9°
1-NA 5 mm 6 mm 7,3 mm 0,31 mm
1.NB 34,5° 28° 32° 27,9°
1-NB 7,5 mm 7,5 mm 8,7 mm 8,2 mm
IMPA 96,5° 91° 97,3° 92,1°
1.PP 109° 113° 112° 107°

a ERM abre as suturas circum-maxilares, me- cientes com má oclusão de Classe III tratados
lhorando a mecânica da terapia da má oclusão precocemente com ERM e TRM tenham apre-
de Classe III. Outro fator importante é que a te- sentado alterações esqueléticas e dentoalveo-
rapia com máscara facial é eficaz em pacientes lares significativas. Essas alterações estão
em crescimento, mas os resultados são limita- presentes por um movimento maxilar anterior
dos em pacientes com mais de 10 anos25. (SNA) e rotação inferior e posterior mandibu-
lar (SNGoGN, LAFH), bem como retroinclinação
Os benefícios da terapia intervencionista são ine- dos incisivos inferiores (IMPA) e protrusão do
gáveis, possibilitando ao paciente a oportunidade lábio superior (1.PP) (Tab. 1). O monitoramento
de passar pela adolescência com melhor função do crescimento revelou maiores aumentos no
mastigatória e estética facial, melhorando a au- comprimento maxilar e, consequentemente,
toestima e a autoimagem . Mesmo que o paciente
17
na AFAI, embora o crescimento vertical man-
precise da cirurgia no futuro, tanto o tratamen- dibular tenha mostrado algum padrão contro-
to cirúrgico, quanto a dificuldade da abordagem lado entre as fases.
futura e os aspectos cirúrgicos são consideravel-
mente reduzidos21. Estabelecer para o futuro as- Considerando os aspectos cefalométricos predi-
pectos ortodônticos favoráveis também justifica tivos para um prognóstico favorável ou desfavo-
a opção de tratamento interceptativo mesmo em rável, o resultado desse relato de caso concorda
discrepâncias moderadas e severas .
12,13,21 26
com os achados de Souki et al.14, onde a paciente
apresentava no início do tratamento um ângulo
Os achados cefalométricos concordam com os goníaco de 147° e não necessitou de abordagem
resultados de Silva Filho et al.27, em que os pa- cirúrgica durante todo o acompanhamento.

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No caso clínico descrito, a presença do fator CONCLUSÃO


genético do padrão esquelético III detectado
em seu pai, que necessitou de tratamento or- A expansão rápida da maxila e a tração reversa
todôntico cirúrgico, manteve o prognóstico da maxila com máscara facial são os protocolos
duvidoso. Uma história ao longo da vida de preferidos para o tratamento interceptivo do pa-
uma mordida cruzada não corrigida e per- drão esquelético III. Esses tratamentos devem ser
das dentárias determinou uma diminuição realizados preferencialmente em pacientes com
na AFAI e rotação anti-horária da mandíbu- dentição mista precoce, quando são bem acei-
la — uma condição morfologicamente grave, tos e promovem as mudanças mais consistentes,
que pode ter sido causada ou agravada por mesmo que o histórico familiar da discrepân-
esses fatores locais. O tratamento intercep- cia comprometa o prognóstico em longo prazo.
tativo realizado em tempo adequado restau- No caso clínico apresentado, a paciente manteve
rou o equilíbrio facial e a oclusão da paciente as características de equilíbrio facial alcançadas
a uma condição homeostática, que tende a com o tratamento precoce, o que permitiu um
se manter durante seu crescimento. Assim, tratamento corretivo com excelentes resultados
embora o prognóstico traçado para a filha estéticos e oclusais ao fim de seu crescimento.
ecoasse o grave comprometimento das carac-
terísticas oclusais e faciais do pai, foi refuta-
do pelo tempo, reforçando a tese dos fatores Early interceptive treatment and
etiológicos locais 1. Os desfechos reforçam o
growth follow-up of skeletal pat-
mérito da abordagem interceptativa.
tern III: a case report
Durante o acompanhamento do crescimento, Abstract
notou-se que a paciente manteve uma longa Introduction: Skeletal pattern III can be diagnosed by
linha queixo-pescoço, compensada por uma an inadequate sagittal relationship between the max-
maior profundidade de sua maxila. A deficiên- illa and mandible, due to maxillary retrusion and/or
cia maxilar, detectada inicialmente pela análise mandibular prognathism. The early interceptive treat-
facial subjetiva, análise radiográfica e pelas ca- ment taking advantage of patient’s age has shown
racterísticas faciais do pai do paciente, também extreme clinical and scientific relevance, leading to
beneficiou o prognóstico da intervenção pre- a more harmonious growth pattern. Objective: The
coce, reconhecidamente eficaz no tratamento present study reports a clinical case of a patient diag-
de problemas maxilares como causa do padrão nosed as skeletal pattern III, who has been followed-up
esquelético III2,3. throughout her growth. This female patient, 7 years old
on her first clinical examination, was diagnosed with a
O caso clínico apresentado reforça a impor- Class III malocclusion, bilateral posterior and anterior
tância e a necessidade do tratamento precoce crossbite. Facial features were probably inherited
da ERM e TRM em pacientes com padrão es- from her father, who was also diagnosed as skeletal
quelético III, preferencialmente na dentição pattern III. Interceptive treatment involved rapid
mista precoce, mesmo que haja fator genético maxillary expansion and maxillary protraction with
da discrepância. facemask therapy. Corrective orthodontic treatment,

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on adulthood, aimed slight occlusion improvements and occlusal functionality. Conclusion: Patient’s
without any facial change pretension. Results: Despite growth follow-up shows that it may be possible to
the supposedly unfavorable initial prognosis due to avoid an environmental copy of a genetic model.
genetic factors, an important improvement in occlusal
and facial balance was observed, demonstrating the Keywords
importance of early intervention to correct facial Interceptive Orthodontics. Angle Class III maloc-
growth, allowing the normalization of facial balance clusion. Prognosis. Palatal expansion technique.

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© Dental Press Publishing | Clin Orthod. 2023 Jun-Jul;22(3):61-73 [ 73 ]

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