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OS LIBELOS DA DIPLOMACIA BRASILEIRA EM DEFESA DA HILEIA AMAZÔNICA

Ana Emília Magrinelli Lisboa Ataíde1

RESUMO

Este artigo visa compreender as manobras adotadas pela diplomacia ambiental brasileira nas rodadas
de negociação sobre mudanças climáticas ao longo da segunda metade do século XX, para defender o
patrimônio natural nacional – a Hileia Amazônica. Para tanto, serão analisados a postura da diplomacia
nas principais conferencias da ONU e, posteriormente, das Partes da Convenção do Clima, para tratar
sobre a questão do desmatamento e seu efeito sobre o aquecimento global (e impacto ambiental
transnacional). Nesse sentido, os libelos2 são por ora levantados contra a ordem ambiental global que
declarou a Hileia como Patrimônio Natural da Humanidade desde 2003, o que implicaria no direito
relativo sobre o território por parte do Estado brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Hileia Amazônica; Diplomacia Ambiental Brasileira; Governança Ambiental


Global; Mudanças Climáticas.

INTRODUÇÃO

A primeira organização internacional que congregou Estados-Nação através de uma diplomacia


multilateral foi reunida após a Primeira Grande Guerra, em 1919, ficando conhecida como o
Congresso de Viena. A partir dos encontros organizados para discutir a política internacional no século
XX, estas organizações foram sendo criadas, e destas, destaca-se a Liga das Nações como a de maior
expoente, que culminou na criação da ONU-Organização das Nações Unidas, em 1945. Ao se fundar
um tratado internacional entre Estados-nações, desde então, se afirmou a criação de uma personalidade
jurídica internacional, e apesar de sua ação ser direcionada supostamente para intermediar a política
entre os estados-membros, “é preciso considerar que as outras entidades estão sujeitas ao Direito
Internacional contemporâneo, e em particular às Organizações Internacionais intergovernamentais”3
(SALCEDO, 1991 apud GUERRA, 2010, p.7).

Para José Ridruejo (2006)4, o sistema internacional atual se configura como heterogêneo, visto que
apesar de desempenhar um importante papel junto aos Estados-membros, as organizações
internacionais possuem “relativa independência e se encontram em condições de tomar decisões
autônomas e desempenhar funções específicas” (RIDRUEJO, 2006 apud GUERRA, 2010, p.6). Os
problemas que insurgem a nível nacional extrapolam as fronteiras territoriais e, portanto, necessitam

1 Graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas São Lázaro (UFBA), com habilitação em Sociologia.
Mestranda em Relações Internacionais pelo Instituto de Humanidade, Artes e Ciências Milton Santos (UFBA).
2
Libelo (é) sm (lat libellu) 1 Dir Exposição articulada do que se pretende provar contra um réu. 2 Artigo ou escrito que envolve acusação a
alguém. 3 Certificado usado pelos libeláticos.
3
SALCEDO, Juan Antonio Carrillo. Curso de derecho internacional. Madrid: Tecnos, 1991.
4
RIDRUEJO, José A. Pastor. Curso de derecho internacional público. 10. ed. Madrid: Tecnos, 2006, p.649
da intervenção da sociedade internacional. Desse modo, enquanto sujeitos de direito internacional as
organizações internacionais “têm produzido transformações importantes no campo das relações
internacionais” ao longo do tempo.

Segundo Guerra (2010, p.12), o “desabrochar do movimento ambiental no plano global decorreu das
grandes Conferências Internacionais sobre Meio Ambiente”, realizada pela ONU, destacando-se a de
Estocolmo (1972) e a do Rio de Janeiro (1992). A problemática ambiental envolve os prejuízos para o
desenvolvimento humano, da natureza, e está subjacente à própria evolução da matéria enquanto
recursos últimos e não renováveis, também colocando em risco a espécie humana a nível global.
Destarte,

[...] se tratando de matéria ambiental evidencia-se que os Estados não podem


isoladamente resolver os problemas. Em muitos casos, as lesões ao meio ambiente são
transnacionais, impossibilitando as ações dos Estados numa possível intervenção,
como por exemplo, na emissão de gases poluentes que produzem efeitos nefastos na
atmosfera, nos rios, lagos, mares; na produção de energia nuclear e produção do lixo
atômico; na devastação das florestas e preservação da biodiversidade (GUERRA,
2010, p.13).

Após a primeira conferencia realizada pela ONU em Estocolmo, em 1972, a realização das referidas
conferências internacionais, evidenciaram também a inter-relação dos estudos do ambiente com os
direitos humanos na medida em que ficou consagrada a ideia do ambiente humano e a necessidade de
compatibilizar o desenvolvimento econômico com o ambiente equilibrado (GUERRA, 2010, p.19).
Esse cenário possibilitou a construção, em 1988, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do
Clima (IPCC, 2007) que define desde então a alteração do sistema climático no planeta e como explica
Ribeiro (2001, apud GAMBA, 2012, p.3), se intensificou os acordos multilaterais entre Estados para
consolidação de uma “Ordem Ambiental Internacional sobre o Clima”.

Conforme Duarte (2004), o Relatório “Nosso Futuro Comum”, construído na Conferencia Rio+20,
mostrou que tanto a pobreza e o uso de tecnologias ultrapassadas implicam na exploração excessiva
dos recursos naturais, gerando poluição, e revelando-se num fator negativo para a preservação do
ambiente natural, como, a população rica ser causadora da degradação ambiental devido aos padrões
insustentáveis de consumo. Deste modo, a construção de uma agenda ambiental internacional se deu
sob diferentes matrizes, envolvendo ciência, politica, e importantes correntes filosóficas onde se
discute a transferência de recursos financeiros e tecnologias sustentáveis entre países desenvolvidos e
os em desenvolvimento, a fim de controlar a problemática transnacional.

Assim, apesar dos Estados serem os protagonistas nas negociações, uma multiplicidade de novos
atores da política internacional se tornam relevantes para condução das tomadas de decisões sobre
mudanças climáticas. Tais processos são engajados pela ONU, por instituições financeiras, como no
caso do Banco Mundial, que mantem relações com movimentos ambientalistas, e por outros atores,
exemplo da OMC, estabelecendo contato com algumas organizações não-governamentais (ONG).

2
Segundo Ribeiro (2004 apud GAMBA, 2012, p.10), essa interação gera uma nova rede, cujos atores
estão agregados por “uma complexa rede de relações sociais especializadas e dispersas”, cuja agenda
passa a ser construída a partir de reuniões sazonais, destes grupos empresariais, de organizações não-
governamentais e instituições multilaterais atuantes que podem contestar a soberania do Estado a
depender dos interesses em jogo.

É notável o fato de a ética política ser pautada no calculo racional sobre os reais danos que traria as
mudanças climáticas para a economia, moral essa ao ver de Geraldo Teixeira Jr., construída sob o viés
da acumulação capitalista, onde menospreza a importância de preservar o meio ambiente, enxergando-
o somente como uma alternativa e não obrigação. Por este motivo, o governo britânico solicitou um
estudo oficial dos custos da mudança climática (“The Economics of Climate Change” publicado em
2006 e conhecido como “Stern Review”5) de modo a revelar os verdadeiros impactos do desequilíbrio
ambiental para economia mundial, estimulando governos e corporações para agirem com tal
finalidade. Portanto, para Teixeira Jr. (2009, p.84) a resposta a essa demanda requer maior
responsabilidade pelos políticos e empresas, principalmente por se tratar de um “processo de
modernidade invertida”, onde se “defende o impulso e subjuga a razão”.

A ORDEM AMBIENTAL GLOBAL E O LIBELO DO BRASIL

Segundo Mello (2006 apud GAMBA, 2012, p.5), apesar a inserção do Brasil na formulação de
políticas ambientais em prol de uma governança global ambiental, sua posição aconteceu “de forma
descontínua e setorial”, com insuficiente gestão de recursos para aplicar na política ambiental em
território nacional. Segundo Gamba, com base nas pesquisas de Viola (2002) e Mello (2006), a
estratégia política do governo brasileiro em sediar no ano de 1992 a Conferência das Nações Unidas
sobre Clima, no Rio de Janeiro, envolvia o interesse de receber recursos internacionais para colocar em
atuação seu programa neoliberal e, sobretudo, se defender das acusações internacionais de degradação
da Amazônia. Após definida a Convenção-Quadro, na qual se propunha estabilizar a emissão de gases
de efeito estufa na atmosfera até 2000, o Brasil se manteve como um país de média intensidade na
geração do carbono (por unidade de PIB), e defendeu o “Princípio das Responsabilidades Comuns,
porém Diferenciadas”, onde media o grau de responsabilidade da ação antrópica para as mudanças
climáticas entre as várias nações desenvolvidas e em desenvolvimento.

No Protocolo de Quioto, considerado o documento mais importante da Ordem ambiental Internacional


sobre o Clima, desde 1997, estabeleceu-se ações obrigatórias para redução de gases nocivos para a
atmosfera e o Brasil ocupou lugar de liderança entre o Grupo dos 77/China, além de propor sanções
severas em caso de não cumprimento dos acordos. Em 2005, quando o protocolo entra em vigor, as
Conferencias das Partes (COPs) foram sendo realizadas anualmente, e com o aprofundamento da

5
“Stern Review on the Economics of Climate Change”. Disponível em < http://www.hm-treasury.gov.uk/
sternreview_index.htm >).
3
produção cientifica sobre o tema, com a publicação do IPCC em 2007, intensificou-se a pressão social
para ratificação de um novo acordo.

Nas COPs posteriores, exemplo da realizada em Copenhagen - Dinamarca (COP-15), em 2009, como
explica Viola (2010 apud GAMBA, 2012, p.6) e Abranches (2010 apud GAMBA, 2012, p.7), as
expectativas acerca dos novos acordos se frustraram, principalmente devido à falta de recursos
financeiros e de avanço tecnológico para ações de mitigação, e também a desintegração dos grupos dos
77/China por conta das contradições internas, deriva novos subgrupos: “Aliança de Pequenas Ilhas, o
BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China) e o grupo africano”; além da União Europeia se opor aos
EUA e à China.

Nessa mesma conferência (COP-15), o governo do Brasil elaborou um documento onde propunha que
cada país assumisse metas de redução de emissão voluntariamente, porém, houve rejeição devido à
falta de um quórum que o legitimasse. Segundo Goldemberg (2010 apud GAMBA, 2012, p.7) a
proposta da delegação brasileira era sugerir a redução de “36,1% a 38,9% das emissões de gases de
efeito estufa, abaixo do que seriam suas emissões em 2020”. Todavia, o governo apoiou a REDD
(Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), possibilitando a transferência de recursos
para o país. Na COP-16, como mostra Gamba (2012, p.8), realizada em 2010, no México, o Brasil
apresentou um inventário nacional de emissões tardiamente, demonstrando o resultado das políticas e
programas de redução de emissão de gases poluentes no país; na COP-17, realizada em 2011, em
Durban-África, 194 países optaram pela continuidade do Protocolo de Quioto, e definiram a criação de
um Fundo Verde Climático.

Todavia, a Diplomacia brasileira tem se empenhado em promover políticas de paz e ajudar regiões
afetadas por desastres ambientais, como no caso do Haiti, em 2010. Aliado a União Europeia e Estados
Unidos, o Brasil tem aderido ao acordo climático, e movimentado a produção de biocombustível em
parceria com estes, contribuindo para o setor de transporte e, consequentemente, diminuindo a emissão
de CO² no ambiente. Porem, como ressalva o ambientalista Roberto Smeraldi6 (apud TEIXEIRA JR.,
2009, p.82), as noticia sobre o desmatamento na Amazônia já viraram rotina, como se representasse
um fenômeno naturalizado. Nesse sentido, a manobra da diplomacia brasileira na arena internacional
depreende desta repercussão que na medida em que se adensa, põem em conflito os interesses do
estado brasileiro na defesa de sua soberania e, de forma objetiva, de sua hileia amazônica.

A DEFESA DA HILEIA AMAZÔNICA

A Floresta Amazônia representa uma vasta área com baixa densidade demográfica, detendo a maior
bacia hidrográfica do mundo, se espalhando por nove países latino-americanos: Bolívia, Brasil,
Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. No Brasil, essa região é

6
Saiba a opinião de especialistas sobre o segundo maior desmatamento da história da Amazônia – 20 maio 05. Disponível
em < http://www.amazonia.org.br/ noticias/print.cfm?id=161833 > . Acesso em 26 mar 09.
4
dividida por nove estados, sendo eles: Acre, Amazônia, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará,
Rondônia, Roraima e Tocantins. Segundo Paulo Barreto et al7. (2005 apud TEIXEIRA JR., 2009,
p.66), somente nessa área do bioma nacional (14 milhões de ha) estão localizadas 69% de toda a
população do norte, situada em apenas 5,6% de área urbanizada. Dentre os problemas sociais mais
notificados, conforme revelou Leonardo Sakamoto8 (2005 apud TEIXEIRA JR., 2009, p.67), de 1995
a 2005, foram registrados mais de 15 mil casos de trabalhadores escravizados na região pelos
latifundiários, sendo destes, 80% identificados na atividade pecuária e 10% na agricultura de soja e
algodão. Todavia, segundo Teixeira Jr. (2009), o brasileiro ainda mantém em seu imaginário o orgulho
de sua extensa biodiversidade e natureza, e o governo se utiliza dessa visão romântica de forma
utilitária, colocando a questão da soberania em conflito com a da ecologia.

Teixeira Jr. (2009), ao analisar a conduta da diplomacia brasileira, observa que a soberania brasileira
foi posta em cheque a partir das negociações sobre mudanças climáticas entre os estados
desenvolvidos e em desenvolvimento, onde os mais ricos visavam se apropriar de parte do território do
Brasil alegando que os problemas causadores do efeito estufa eram desencadeados pelo desmatamento
– e esse era desenfreado no caso da floresta Amazônica. Para fazer frente a essa pressão internacional,
com o golpe de 1964, a força militar nacional orientada pela doutrina de Segurança Nacional da Escola
Superior de Guerra, representada pelo coronel Golbery de Couto e Silva, usou da manobra geopolítica
para “inundar de civilização a Hiléia Amazônica, a coberto dos nódulos fronteiriços, partindo de uma
base avançada constituída no centro-oeste em ação coordenada com a progressão leste-oeste segundo o
eixo do grande rio9”.

A partir de então, muitos projetos governamentais de agropecuária, mineração, rodovias, hidrelétricas


foram sendo implantados (BASA-Banco da Amazônia S.A; SUDAM-Superintendência do
desenvolvimento da Amazônia; SUFRAMA-Zona Franca de Manaus; Transamazônica; Perimetral
Norte; Grande Projeto Carajás) causando grande impacto ambiental na região, embora tenham sido
planejados para atenuar a pressão externa, e afirmar seu domínio sobre o território amazônico. Esse
paradigma desenvolvimentista que norteou a politica externa durante muitas décadas proporcionou
diversos planos na região amazônica, se intensificando a partir dos anos 80, na integração regional
com os países limítrofes, como foi o Tratado de Cooperação Amazônica, o Projeto Calha Norte e o
SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia).

Outro fator de grande preocupação internacional é o desmatamento e degradação ambiental provocado


por diversos atores que se organizam para gerar uma rede cíclica de devastação na região. Segundo

7
BARRETO, Paulo; SOUZA JR, Carlos; ANDERSON, Anthony; SALOMÃO, Rodney e WILES , Janice. Pressão Humana
no Bioma Amazônia. In: O Estado da Amazônia. Imazon 2005. p.2. Disponível em: < http://www.globalforestwatch.
org/common/pdf/HumanPressure_policy_brief_portuguese.pdf >. Acesso em 25 mar. 09.
8
SAKAMOTO, Leonardo. Crime em dobro na selva. Revista Terra n° 159, julho 2005. p.14-18. & Segundo a revista, as
fontes dos dados são: ONG Repórter Brasil, Ministério do Trabalho e Emprego, e Comissão Pastoral da Terra.
9
COUTO E SILVA, Golbery do. Conjuntura política nacional, o poder Executivo & Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora, 1981.p.47.
5
Teixeira Jr., o Banco Mundial aponta os pecuaristas como os principais agentes causadores da
devastação ambiental na região amazônica. Contudo, como observado por Sakamoto (2005), esse
desmatamento se expande recaindo uma parcela desta responsabilidade nos subsídios de créditos
financiados pelo próprio governo federal para agricultores que, por sua vez, compram a terra dos
pecuaristas grileiros para plantar monoculturas, e este, inescrupulosamente, avança em direção a novas
áreas de floresta nativa, degradando quilômetros de mata adentro com a ajuda de madeireiros locais.
Com isso, o estímulo ao agronegócio e a falta de controle do estado brasileiro na região, desencadeia
uma onda de ciclos de devastação por parte de diversos atores sociais atuando de forma conjunta e
desenfreada.

A partir da década de 80, com a consolidação de uma agenda ambiental internacional, e através de
várias iniciativas e acertos, o estado brasileiro fora assumindo compromissos com as outras Partes. Na
ECO-92 ou Cúpula da Terra, a diplomacia brasileira começa a desempenhar um papel de liderança
ambiental, e são ratificados importantes documentos, como: a Convenção da Biodiversidade, do
Clima, a Agenda 21, e outros. A priore a intenção da diplomacia brasileira era deixar mais evidente o
principio da politica ambiental internacional onde delimitava a responsabilidade de cada país, com
destaque para os mais desenvolvidos. O “Princípio das Responsabilidades Comuns, Porém
diferenciadas” entrava em vigor na Eco-92, e a partir de então, todas as metas obrigatórias
estabelecidas pelos países ricos eram rebatidos e renegociados pelos diplomatas brasileiros nas rodadas
da COP.

Segundo Teixeira Jr. (2009, p.70), a Cúpula da Terra teve grande proporção no mundo, principalmente
por ser a primeira realizada após a Guerra Fria, e ainda, gerar a Convenção do Clima, ratificada por
190 países, em seu art. 4, estando previsto a elaboração, por cada uma das partes, de um “inventário
nacional” contendo “as fontes dos reservatórios e os sumidouros de carbono”. Com o lançamento do
segundo IPCC, em 1995, e realização da 1ª COP- Conferencia das Partes da Convenção, em Berlim e,
posteriormente, a 3ª COP, em 1997, em Quioto, resulta no protocolo onde as partes se comprometiam
em reduzir 5% nas emissões até 2012.

O Protocolo de Quioto, acordo firmado no Japão, em 1997, para maior rigor dos estados na redução da
emissão de gases nocivos para atmosfera, teve como prerrogativa a ênfase dos cientistas nos fatores
antropogênicos como o principal causador do efeito estufa. O objetivo era senão a “reversão da
tendência histórica do crescimento das emissões iniciadas nesses países há cerca de 150 anos”
(TEIXEIRA, 2009, p.71), e denotar o principal agente poluidor – os países industrializados. Todavia,
apesar dos esforços para mitigar os efeitos da poluição atmosfera, a demora para entrar em vigor (10
anos), e mesmo o descompromisso dos Estados Unidos (que propuseram fazer acordos bilaterais e
pagar para países em desenvolvimento a quota de emissão), causaram certo descrédito em relação ao
avanço até então conferido.

6
Embora o Brasil obtivesse um papel de liderança desde a Eco-92, segundo Marijane Lisboa10 (2002
apud TEIXEIRA 2009, p. 74), a diplomacia brasileira manteve uma postura “medíocre” no campo
ambiental, e somente manifestou um maior protagonismo com a proposta do FDL-Fundo de
Desenvolvimento Limpo. Entretanto, a proposta foi recusada por alguns países desenvolvidos que
seriam os responsáveis por subsidiar o fundo, contrapropondo o MDL-Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo, com o qual se comercializariam as quotas entre os países do G77 e Anexo I.
Segundo Teixeira Jr. (2009), essa flexibilização facilitou para a diplomacia brasileira negociar a ajuda
com financiamentos e fornecimento de tecnologia dos países ricos para os em desenvolvimento, e
futuramente criar um fundo para subsidiar o controle do desmatamento na região Amazônica, em
2008, dando então grande impulso para as políticas de mudança climática na região e assegurar sua
soberania geopolítica.

Como observa Teixeira Jr. (2009), a Amazônia já vinha sendo alvo de grandes disputas na arena
internacional desde o ciclo da borracha (1840-1910), e a partir da década de 70, sua visibilidade se
torna ainda maior com a morte de Chico Mendes evidenciando o desmatamento desenfreado na região.
Segundo Eduardo Viola (2002 apud TEIXEIRA JR., 2009, p.73), “a floresta Amazônica foi percebida
como um ônus por causa do desmatamento e não como um trunfo por causa do serviço global de
sequestro de carbono. O suposto implícito dos negociadores brasileiros era que o país não conseguiria
colocar um freio significativo no desmatamento da Amazônia”. Para Teixeira Jr., essa postura nas
negociações pode ter contribuído para o Brasil demorar 10 anos até liberar o inventário de emissão
como exigia a Convenção do Clima desde 1994. Nesse inventário, o Brasil conseguiu mostrar que em
2004, 75% das emissões provinha do desmatamento, e o país contribuía em 3% para a emissão
global11.

Conforme o MMA-Ministério do Meio Ambiente12, de 1994 a 2004, houve uma progressão crescente
no indicador do desmatamento na Amazônia, chegando no ano seguinte à Convenção aumentar em
quase 100% (1995), tendendo a queda de 1996 até 2001, quando a partir de 2003 recupera novamente
o crescimento do indicador. Entretanto, os indicadores tem demonstrado a expansão das atividades
agrícolas em áreas de floresta, deflagrada na aliança da classe política do governo com a bancada
ruralista produtora de commodities para abastecer tanto o mercado interno como o externo.

Com a elaboração do Plano Nacional sobre Mudança Climática, principalmente colocando os


interesses econômicos individuais em jogo, o próprio fundo criado para conter o desmatamento na
Amazônia teve maior impulso devido à cooperação bilateral com a Noruega e, posteriormente, com a
Alemanha, que também asseguravam seus interesses para no futuro não sofrerem com as

10
LISBOA, M. Em Busca de uma Política Brasileira de Meio Ambiente: três exemplos e uma exceção à regra. In São Paulo
em Perspectiva: Política internacional.2002. p.44.
11
Emissões brasileiras. Disponível em: <http://www.mudancasclimaticas. andi.org.br/node/654> . Acesso em 28 mar 09.
12
Fonte: Ministério do Meio Ambiente. Recuperado e disponível em:
<http://www.amazonia.org.br/guia/detalhes.cfm?id=161681&tipo=6&cat_id=1&subcat_id=>. Acesso em 26 mar 09.
7
transformações geográficas provocadas pelo derretimento das calotas polares. O fenômeno do
derretimento das geleiras é provocado, sobretudo, pelo aquecimento global, e assegurar a conservação
de um bioma tão importante para o planeta, como a Amazônia, passaria a se tornar algo muito
importante para os países próximos dos polos terrestres. O Comitê Interministerial13 no ano de 2008
lança então o plano de metas, onde propõe a “redução do desmatamento em 40% no período 2006-
2010, relativamente à média dos dez anos do período de referência do Fundo Amazônia (1996-2005), e
30% a mais em cada um dos dois quadriênios seguintes, relativamente aos quadriênios anteriores”.

Em Nairóbi, o governo brasileiro então lança de forma independente o fundo voluntario, e convida os
outros países a participarem mediante a entrega de um “Diploma” certificando os contribuintes
historicamente. Todavia, para Teixeira Jr. (2009, p.82) a forma como os diplomatas brasileiros

[...] lidam com os temas referentes à região nas negociações internacionais é


extremamente contraproducente. Agindo desta maneira o Brasil se desfaz do maior
recurso que qualquer um gostaria de possuir como instrumento para uma negociação
ambiental internacional, o próprio meio ambiente. Impressiona ver que o Estado
prefere lutar internacionalmente para que se mantenha o problema interno, do que agir
internamente para se beneficiar tanto da resolução do problema, quanto de uma
melhor inserção na política internacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalmente, embora o Brasil seja detentor de parte de um patrimônio natural da humanidade tão
cobiçado e ainda possuir grandes reservas de minério, petróleo e recursos naturais de um modo geral,
no entanto, representa uma potência energética global conservadora, atraindo altos financiamentos
para proteger os ecossistemas sem contudo, contribuir de forma efetiva para a política internacional de
mitigação das mudanças climáticas. O governo federal responsável por implantar politicas ambientais
nesta região, precisa encarar os reais problemas que assolam a Amazônia, e perceber que esta questão
está para além do ideário centrado na soberania, e retenção dos recursos naturais pelo poder estatal
nacional, devendo obter resultados mais significativos para o equilíbrio do ambiente global e
perpetuação de uma Hileia preciosa, considerada o berço do futuro e pulmão do mundo.

Como dispõe Joana Pereira (2013, p.105), apesar de o Brasil ter desempenhado um papel reformista de
vanguarda na arena internacional sobre mudanças climáticas, no qual:

[...] assume claramente uma posição independente da divisão Norte/Sul e


estabelece como princípio prioritário da sua política externa a formulação de
um acordo global com forte promoção da descarbonização e, [...] continua a
defender a necessidade de desenvolver e financiar políticas, medidas e

13
Comitê Interministerial sobre Mudanças do Clima – Plano Nacional Sobre Mudança do Clima . Dezembro de 2008.
Disponível em: <http://www.mma.gov.br/ estruturas/imprensa/_arquivos/96_01122008060254.pdf >. Acesso em 29 mar 05.
8
mecanismos de adaptação aos efeitos adversos inevitáveis das alterações
climáticas (PEREIRA, 2013, p.105).

No entanto, notoriamente o governo brasileiro, explica Pereira (2013:106), vem pautando sua política
externa em uma posição de resistência, principalmente por estabelecer aliança diplomática Norte/Sul,
com “países emergentes extremamente poluentes e conservadores em matéria ambiental, tais como
China e Índia”, travando o processo de mitigação das mudanças climáticas. Portanto, devido a sua
importância na geopolítica da América do Sul e do mundo, o Brasil deve efetivamente adotar uma
politica de transição para uma economia de baixo carbono² e não somente angariar recursos para
implantar politicas ambientais que no fundo estão sendo elaboradas pela bancada ruralista, dispondo de
interesses dos mais controversos possíveis, colocando em risco um patrimônio que apesar de pertencer
ao Estado brasileiro, representa o futuro para as gerações presentes e que ainda estão por vir.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DUARTE, Lílian. A POLÍTICA AMBIENTAL INTERNACIONAL: UMA INTRODUÇÃO. CENA


INTERNACIONAL. Revista de Análise em Política Internacional. Ano 6 . Número 1 . Jun 2004, 150
f.

GAMBA, Carolina. O Brasil na Ordem Ambiental Internacional sobre o Clima. IV Encontro


Nacional da ANPPAS, Belém-PA. Set, 2012, 14 f.

GUERRA, Sidney Cesar Silva. Para uma nova governança global em matéria ambiental: A
Organização Internacional do meio ambiente. Revista de Direito da Unigranrio, v. 3, p. 1-30, 2010.

PEREIRA, Joana C. O Brasil e a governança climática global (2020-2024): entre o conservadorismo


e o reformismo de vanguarda/ Brazil and global climate governance (2020-2024): between
conservatism and avant-garde reformismo. Publicação da Associação Brasileira de Relações
Internacionais: CARTA INTERNACIONAL, Vol. 8, n.1, Jan-Jun, 2013 [p.91 a 110].

TEIXEIRA JR, Geraldo Alves. A Politica externa brasileira e a Amazônia nas Negociações sobre
Mudança Climáticas. Revista História & Perspectivas, Uberlândia (41): 59-84, jul.dez.2009.

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