Você está na página 1de 15

A ORDEM AMBIENTAL GLOBAL NO CONTEXTO PARADOXO DA

GLOBALIZAÇÃO: estado da arte da ecologia política sob a perspectiva das contradições


intrínsecas do capitalismo.

Ana Emília Ataíde*


RESUMO

Este artigo visa compreender a relação entre a globalização e o meio ambiente, com foco nos
estudos realizados no campo da ecologia política, aonde se analisa as políticas, as instituições
e os processos da ecologia global contemporânea. Procura explanar as relações internacionais
denotando o papel dos diversos atores políticos e econômicos para a construção de uma nova
arquitetura financeira por meio de uma ordem ambiental global. As questões levantadas ao
longo do trabalho pretende esclarecer perguntas, tais como: Se a globalização é um processo
político, quem está na tomada de decisão para representar, participar, torná-la política, como e
para quem? A literatura chama a atenção para o compartilhamento das normas e princípios
entre a ordem econômica liberal e a ordem ambiental global, percebido no “compromisso do
ambientalismo liberal” traçado pela diplomacia ambiental internacional. Nesse sentido, a
Ecologia Política vai trabalhar com três dimensões de análise, ressalvando: (i.) o papel do
Estado caricaturado (a narrativa de que “não há alternativa”); (ii.) a tentativa de “naturalizar”
a Globalização (máquina sem condutor); e, (iii.) o conceito de desenvolvimento sustentável
não sendo compatível com o contexto atual da ordem econômica global (o paradoxo da
Globalização). Para tanto, mapeia o estado da arte da ecologia política sob o imperativo de
que é necessário delinear as contradições e dilemas estratégicos dos fluxos do capitalismo se
quisermos avançar significativamente em um projeto de desenvolvimento sustentável
socialmente justo em um contexto de globalização. Desse modo, ressalta a relação reciproca
na forma pela qual os problemas ecológicos mudam a “natureza da globalização” e ela, por
sua vez, acelera os padrões de mudanças climáticas já existentes. Representa, finalmente, um
esforço para a compreensão da governança ambiental na política mundial contemporânea,
visando compreender como e para quem a globalização funciona, e quais as reais perspectivas
da ação efetiva para promoção do desenvolvimento sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Ordem Ambiental Global; Globalização; Desenvolvimento


Sustentável.

* Graduada em Sociologia – FFCH/UFBA, mestranda em Relações Internacionais – PPGRI/UFBA.


INTRODUÇÃO
A racionalização do problema ambiental no século XX alcançou seu cume com a
realização da Conferência de Estocolmo, em 1972, na qual foi elaborado o Relatório do Clube
de Roma (The Limits to growth), e um novo enfoque passou a nortear a análise da crise
ambiental dando ênfase à influência do crescimento econômico para o esgotamento dos
recursos naturais. Todavia, quanto à proteção do meio ambiente, desde o século XIX, eram
levantadas medidas para defender os animais (o caso da extração de peles das Focas no mar
Berhing), e já estabelecidas a Convenção de Paris (1902), sobre a proteção das aves úteis à
agricultura, e a Convenção Internacional para a Proteção dos Pássaros (1950). No entanto, a
ideia para a construção de um Direito Internacional Ambiental só veio consolidar-se na
década de 60/70 e uma matéria especifica a se manifestar no plano internacional.

O fenômeno da globalização, concomitantemente, ganhava maior visibilidade a partir


dos anos 1970, quando combinava as transformações propiciadas com o desenvolvimento das
tecnologias e dos meios de comunicação, e “as empresas se capacitavam para
internacionalizar suas operações” (Newell, 2012:4). Neste contexto, ocorre a intensificação
dos acordos ambientais multilaterais gerando “a globalização dos regulamentos ambientais de
estados líderes a partir das Conferências Internacionais sobre o Ambiente Humano”. Segundo
Sidney Guerra (2010), os eventos propiciaram o aprofundamento das discussões entre os
estados, como mesmo mostra:
[...] a realização das referidas conferências internacionais, evidenciou-se
também a inter-relação dos estudos do ambiente com os direitos humanos na
medida em que ficou consagrada a ideia do ambiente humano e a
necessidade de compatibilizar o desenvolvimento econômico com o
ambiente equilibrado (GUERRA, 2010, p.19).

Para Steven Berstein1 (2001), o compartilhamento de normas e princípios entre a


ordem econômica e a ordem ambiental é deflagrado no "compromisso do ambientalismo
liberal", pelos quais os predicados de proteção ambiental se apresentam com a “promoção e
manutenção de uma ordem econômica liberal” (2001 apud Newell, 2012:5). O conceito de
globalização é entendido através dessa interface com a ecologia política, observada sob os
aspectos do “comércio, produção e financiamento” e os “padrões de uso dos recursos
naturais” na dimensão global das trocas e práticas transnacionais (teoria do Capitalismo
Global) entre o Norte Global e o Sul Global (teoria do Sistema-Mundo). A alocação de
recursos em determinadas localidades do planeta, denota certo padrão de investimento e
construção de infraestrutura e transportes, e mesmo a governança ambiental, através da

2
política de desenvolvimento sustentável representa uma lógica incoerente, devido ao fato de
que “os responsáveis pela luta contra os problemas ambientais e a promoção do
desenvolvimento sustentável são os mesmos atores que criam as condições para a expansão
do comércio, produção e financiamento, o que gera danos ambientais no local primeiro”
(Newell, 2012:7). Para Newell (2012:8), “a globalização pode ser melhor pensada como um
projeto político” e, portanto, um “projeto ideológico e material com uma infraestrutura
institucional correspondente” e “produto de uma determinação política” e de “insustentável
desenvolvimento”.
Na analise de Elmar Altvater (1998), ao mesmo tempo em que se criou uma nova
ordem econômica mundial, após o fim da Guerra Fria e a queda do muro de Berlim, em 1989,
a expansão do capitalismo pelo mundo gerou consigo a problemática ambiental em uma
escala global, e as regras elaboradas que deveriam conduzir a regulação também em uma
dimensão global, no entanto, não obteve mesmo resultado diante dessa racionalidade (do “fim
da historia”) em xeque. Então, a relação do social com a natureza ainda acontece sem
ressonância entre o plano local com o global. Embora as ações sejam estimuladas por meio de
acordos multilaterais entre estados poderosos e em desenvolvimento, os problemas ambientais
identificados são transnacionais e, portanto, exigem ordenamentos jurídicos que sejam
supranacionais. Nesse sentido, Altvater (1998) busca encontrar respostas para compreender de
que forma essa racionalidade, apesar de se aperfeiçoar em termos da dominação econômica
mundial consegue, por outro lado, colocar em risco o equilíbrio do ecossistema global, e
implicar para a atual configuração de desastres ambientais e mudanças climáticas na ecologia
global.
A forma como as teorias tradicionais da Economia Política Internacional não destacam
as „externalidades negativas‟ da produção capitalista ou os ambientalistas impunham um
„preservacionismo‟ exacerbado nas décadas de 70 e 80, mostrava que o que estava sendo
produzido cientificamente era uma abordagem que não conseguia conciliar o bem estar
individual com a necessidade de conservação do espaço. Somente no relatório de Brundtland,
na década de 90, o termo desenvolvimento sustentável foi cunhado politicamente, em
consonância com o documento lançado pela União Internacional de Cientistas Preocupados
(International Union of Concerned Scientists-IUCS) intitulado Estratégia de Conservação
Mundial: Conservação dos Recursos Vivos para o Desenvolvimento Sustentável (World
Conservation Strategy: Living Resource Conservation for Sustainable Development),
dissociando a noção de desenvolvimento ao que dizia respeito somente à noção da economia.

1
Bernstein, S. (2001) The Compromise of Liberal Environmentalism. New York: Columbia University Press.

3
Todavia, os conceitos elaborados pelos especialistas sobre a realidade que nos cerca,
segundo Flávia Barros-Platiau et.al. (2004:102), deve ser considerado a partir da
“superposição de duas esferas incongruentes”, sendo uma representada pelo “Mundo” e as
interações abarcadas no espaço (políticas, sociais, culturais e econômicas) e a outra
representada pela “Terra” apreendendo o “conjunto de coisas físicas e naturais”. Para ela,
nessa perspectiva, se as condições „antípodas‟ seriam melhor explanadas na teoria
antropocêntrica de Thomas Malthus e da Bíblia, e/ou na teoria de Gaia - geocêntrica de James
Lovelock, de todo modo, precisava se notar que o “Mundo englobava a Terra, ou a Terra
englobava o Mundo?”, e no debate da ecologia política se percebeu que os princípios da
„conservação e preservação‟ estão presentes, porém, emergem um terceiro enfoque: a
conciliação da abordagem antropocêntrica e geocêntrica.
Nessa linha, a ecologia política, segundo Robbins2 (2004), pretende compreender a
sociedade humana em sua dimensão sócio natural, de modo a analisar a relação entre as
estruturas de poder e os discursos políticos sobre meio ambiente. Peter Newell (2012), em seu
estudo, busca encontrar a ponte entre as teorias tradicionais da Economia Política
Internacional e da Ecologia Política (nos debates entre Peet, Robbins e Watts3) onde adota
“uma visão ecológica conceituada da política” para explicar de que maneira o
desenvolvimento capitalista impacta sobre o equilíbrio do ambiente. Segundo Newell (2012),
com Castree4 (2003), Budds5 (2004), Mansfield6 (2004) e Bakker7 (2005), encontraremos
algumas abordagens mais direcionadas para analisar praticas mercantilistas de natureza liberal
- ou teorias clássicas da Ecologia Política, enquanto, com Peluso8 (1992), Bryant e Bailey9
(1997), Paulson et.al.10 (2003), Zimmerer e Bassett11 (2003) deparamos com uma abordagem
que trata mais sob o viés da justiça ambiental e de resistência.
Para abordar a teoria tradicional da ecologia política, Newell revisa a literatura eclética
incluindo autores como Blaikie12 (1985), Rocheleau et al13 (1996), Stott e Sullivan14 (2000),

2 Robbins, P. (2004) Political Ecology: A Critical Introduction. Oxford: Blackwell.


3 Peet, R., P. Robbins and M. Watts (eds.) (2011) Global Political Ecology. London: Routledge.
4 Castree, N. (2003) Commodifying what nature? Progress in Human Geography 27(3): 273–297.
5 Budds, J. (2004) Power, nature and neoliberalism: the political ecology of water in Chile. Singapore Journal of Tropical
Geography 25(3): 322–342.
6 Mansfi eld, B. (2004) Neoliberalism in the oceans: ‘rationalization’, property rights, and the commons question. Geoforum
35(3): 313–326.
7 Bakker, K. (2005) Neoliberalizing nature? Market environmentalism in water supply in England and Wales. Annals of the
Association of American Geographers 95(3): 542–565.
8
Peluso, N. (1992) The political ecology of extraction and extractive reserves in East Kalimantan, Indonesia. Development and
Change 23(4): 49–74.
9
Bryant, R. and S. Bailey (1997) Third World Political Ecology. London: Routledge.
10
Paulson, S., L. Gezon and M. Watts (2003) Locating the political in political ecology: an introduction. Human Organisation
62(3): 205–217.
11
Zimmerer, K. and T. Bassett (2003) Political Ecology: An Integrative Approach to Geography and Environment-Development
Studies. London: Guilford Press.
12
Blaikie, P. (1985) The Political Economy of Soil Erosion in Developing Countries. London: Longman.

4
Forsyth15 (2003), e abarca as instituições de governança ambiental nos estudos de Carmin e
Agyeman16 (2011) e Peet et. al (2011). Nos estudos sobre a globalização, o autor (2012)
aborda o fenômeno com base nos estudos de Cox17 (1994) e Harvey18 (2005), onde leva em
consideração o contexto da ordem neoliberal (enquanto disciplina monetária e integração
global) durante o período de 1980 a 1990. Para Newell (2012:19), algumas características são
evidenciadas no modelo da economia global existente, e são relevantes para compreender o
potencial e limites da governança ambiental global.
Em outro ângulo, como explica Barros-Platiau (2004:114), o conceito de governança
sempre estará atribuído à ideia de democracia e/ou legitimação da comunicação aberta, e
ainda, mesmo que em uma conceptualização ideal do termo, traz intrinsecamente o que
Robert Keohane (2001)19 acredita ser a “analise do papel do processo de institucionalização
na expansão dos ideais democráticos e no fortalecimento das capacidades dos indivíduos em
nível global”. Segundo Rosenau e Czempiel (2000) e Hedley Bull20 (2002 apud Barros-
Platiau, 2004) apesar de serem “fenômenos claramente interativos”, “ordem é ao mesmo
tempo uma precondição e uma consequência do governo” e ordem mundial engloba “os
padrões ou disposições da atividade humana que sustentam os objetivos elementares ou
primários da vida social”, sendo a governança “um mecanismo de ordem”, ou “a ordem
estabelecida por meio da governança”.
Para definir o conceito de governança global, Barros-Platiau (2004) a priore, traz uma
discussão sobre a condição parcial do globalismo, e a necessidade de distinguir o significado
de globalismo e globalização, tal como ressalvado por Ulrich Beck21 e o liberal Keohane. Para
Beck (1999), a globalização significa “os processos” pelos quais os atores transnacionais
exercem influência, enquanto para Keohane (2001), vai representar o “aprofundamento da
distância em escala mundial” nessa estreita rede de conexões político-econômicas pelo mundo
(Barros-Platiau, 2004:113). Globalismo, segundo Barros-Platiau (2004:113), significa o
“estado pleno da globalização econômica”. Aqui, o conceito de governança global recebe um

13
Rocheleau, D., B. Thomas-Slayter and E. Wangari (1996) Feminist Political Ecology: Global Issues and Local Experiences.
London: Routledge.
14
Stott, P. and S. Sullivan (2000) Political Ecology: Science, Myth and Power. Oxford: Oxford University Press.
15
Forsyth, T. (2003) Critical Political Ecology: The Politics of Environmental Science. London: Routledge
16
Carmin, J. and J. Agyeman (eds.) (2011) Environmental Justice Beyond Borders: Local Perspectives on Global Inequities.
Cambridge, MA: MIT Press.
17
Cox, R. (1994) Global restructuring: Making sense of the changing international political economy. In R. Stubbs and G.
Underhill (eds.) Political Economy and the Changing Global Order. Basingstoke: Macmillan, 45–60.
18
Harvey, D. (2005) A Brief History of Neoliberalism. Oxford: Oxford University Press.
19
Keohane, Robert. Governance in a partially globalized world: presidential address, American Political Science Association,
2000. In: American Political Science Review (APSR) v.1, n.95, March, 2001, p. 1.
20
Bull, Hedley. A sociedade anárquica. Brasília: UnB, IPRI, 2002, p. 26.
21
Beck, Ulrich. O que é Globalização? Equívocos do Globalismo e respostas a Globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999,
27-30 p.

5
sentido mais normativo. Para Craig Murphy22 (2000) representa a “expansão do projeto
liberal em escala global”, e finalmente, o “Novo Multilateralismo” de Robert Cox (apud
Barros-Platiau, 2004:113).

A abordagem da ecologia política segue justamente neste sentido de enfatizar o padrão


de políticas econômicas e uso dos recursos ambientais globais para “compreensão da
sociedade humana ou das relações sócio-naturais” [Paulson et al (2003) e Robbins (2004)] e
“examinar as inter-relações políticas e de poder, as estruturas e os discursos com o meio
Ambiente” [Bryant e Bailey (1997); Stott e Sullivan 2000; Forsyth 2003; Peet e Watts23 2004;
Robbins 2004]. Para dar conta desta problemática, a ecologia política busca analisar o “papel
do Estado como caricatura” e ressaltar “as narrativas em torno do poder e da incapacidade do
Estado” para controlar o “efeito corrosivo” da globalização (naturalizada) sob o ambiente,
impactando na sua “soberania e territorialidade”, e ainda criticando o conceito de
desenvolvimento sustentável como incoerente para a realidade cíclica das crises do sistema-
mundo.

Estado da Arte da Ecologia Política


Podemos encontrar uma relação mais direta dos estudos da Ecologia Política com as
Relações Internacionais nas obras de Wolfgang Sachs e Nicolas Hildyard24, e Vandana
Shiva25, cujo enfoque é direcionado para analise de instituições de governança global sob o
viés ambiental, abordando os atores corporativos e as crises ecológicas (Newell, 2012).
Todavia, a ecologia política possui também outras linhas de pesquisa que podem ser
encontradas com enfoque nas análises sobre: ecologia política (EP) “Crítica” (Fairhead e
Leach 1998; Robbins 2000; Stott e Sullivan 2000; Forsyth 2003); EP “Feminista” (Rocheleau
et al. 1996; Rocheleau e Edmunds 1997; Shiva 1998; Schroeder 1999); EP “Primeiro/Terceiro
Mundo” (Bryant e Bailey 1997; Bryant 1999; Martínez Alier 2002; McCarthy 2002); EP
“Neo-marxista” (Blaikie 1985; Blaikie e Brookfi eld 1987; O'Connor 1998; Peet et al. 2011);
EP “Urbana” (Swyngedouw e Merrifi eld 1996; Swyngedouw 2004; Heynen et ai. 2006;
Swyngedouw et ai. 2006). Como explica Newell (2012), as abordagens não necessariamente
tomam como unidade de análise o Estado ou as instituições internacionais, contudo, para ele,
o foco desta disciplina é orientado para a questão das “trocas ecológicas desiguais”,

22
Murphy, Craig. Global governance: poorly done and poorly understood. In: International Affairs v.4, n.76, 2000, p. 789-803.
23
Peet, R. and M. Watts (eds.) (2004) Liberation Ecologies: Environment,Development, Social Movements, 2nd edn. London:
Routledge.
24 Sachs, W. (ed.) (1993) Global Ecology: A New Arena of Political Confl ict. London:
Zed Books. Chapter - Hildyard (1993) Foxes in charge of the chickens.
25 Shiva, V. (1998) Staying Alive: Women, Ecology and Development. London: Zed Books.

6
observando as causas das mudanças ambientais globais provocadas pela aceleração do
capitalismo.
Goldman26 (1998), por exemplo, nota na resistência local de certos grupos
marginalizados a oportunidade para exploração dos recursos minerais por grupos privados
globais. Através da ecologia política, o autor visa compreender a questão do acesso aos
recursos naturais, do direito à propriedade privada e dos meios pelos quais o neoliberalismo
atua através dos mecanismos de governança global para reproduzir o poder do Estado e, ter
maior alcance globalizado sobre os recursos disponíveis (Revolução Verde), mesmo através
da compra da quota de carbono. Como explica Newell e Bumpus27 (2012), o neoliberalismo
influência na produção de mercadorias em áreas menos desenvolvidas e nas comunidades
resistentes ao capitalismo. A abordagem neo-gramsciana de Levy e Newell28 (2002) denota
que através dos arranjos de governança, tais estratégias passam a “globalizar conjuntos
específicos de interesses materiais e políticos” e legitimar os projetos hegemônicos.
Embora, dentro da mesma área de estudo é possível ressalvar algumas contribuições
menos convencionais, por exemplo, de Bebbington29 (2003), no qual considera as estratégias
locais como “oportunidades de desenvolvimento” podendo constranger as agencias
internacionais através de manobras que consigam encontrar outra forma simultânea ao
impulsionar a economia global do carbono. Em um olhar mais direcionado para compreender
a economia política da governança ambiental global, Newell (2012:34) pretende abarcar os
dilemas ambientais no contexto da globalização, sob o ponto de vista da análise dos
“elementos políticos da (re) constituição e evolução histórica e material” do fenômeno. Parte
de algumas perguntas-chave para abarcar o tema da globalização, tais como: o que se
governa? Quem e como governa? Quem é governado? Em nome do que? E quais suas
implicações?.
Com base nas perspectivas convencionais, as abordagens somente abarcam o conceito
de regimes internacionais, focando na forma caricaturada do Estado, e apenas refletindo as
legislações ambientais globais sem observar a multiplicidade de atores não-estatais na arena
da tomada de decisão. Segundo Newell (2012), estas abordagens centradas no Estado refletem
somente ao nível dos “regimes”, como mostra Vloger 30(1995), buscando encontrar no estudo
das políticas ambientais globais a base analítica para conceituação dos problemas ambientais,

26
Goldman, M. (ed.) (1998) Privatising Nature: Political Strugg les for the Global Commons. London: Pluto Press.
27 Newell, P. and A. Bumpus (2012) The global political ecology of the CDM. Global Environmental Politics 12(4).
28
Levy, D. and P. Newell (2002) Business strategy and international environmental governance: toward a neo-Gramscian
synthesis. Global Environmental Politics 3(4): 84–101
29
Bebbington, A. (2003) Global networks and local developments: agendas for development geography. Tijdschrift voor
Economische en Sociale Geografi e 94(3): 297–309.
30 Vogler, J. (1995) The Global Commons: A Regime Analysis. Chichester: John Wiley & Sons.

7
sem enfatizar a questão do gerenciamento e da falta de um governo global para fazer valer
sanções mais rigorosas, ou seja, a relação de poder existente no jogo entre Estados e
instituições internacionais, para além das teorias tradicionais das Relações Internacionais.
Alguns autores, como Keohane & Nye31 (1972) e O‟Brien et.al32 (2000), introduzem
uma abordagem mais critica onde propõem a concepção de um “multilateralismo complexo”
abrindo o debate para o conceito de “transnacionalismo” ao denotar a presença dos atores não
estatais nesse contexto da política ambiental, ou mesmo com a contribuição foucaultiana de
Keeley33 (1990) a priore, e de Gale34 (1998), a posteriore, debatendo a influencia das
organizações internacionais para gerir estruturas normativas em áreas especificas. Como
ressalta Levy & Newell35 (2005), Lipschultz & Rowe (2005) e Pattberg36 (2007), é notório a
“crescente evidência de atores privados assumindo funções públicas de regulação e gestão no
que diz respeito aos recursos naturais”, embora haja estudiosos, como Saurin37 (2001),
defendendo que apesar do envolvimento de atores privados na regulação ambiental a
formulação dos arranjos institucionais não deixa de ser orientado por organizações públicas e,
portanto, não se deve recair no erro de enfatizar a “impotência do Estado”. Com esta
constatação, ao explorar a relação entre o Estado e o capital, a delegação de poder e
autoridade transferida para atores financeiros e corporativos se torna a prerrogativa para
funcionalidade da lógica de mercado, e como revela Görg e Brand 38 (2006), visa “enfraquecer
e transformar a hierarquia do governo em novos processos de governança” (Newell, 2012:
38).
Apesar de a Economia Política Internacional negligenciar o estudo vinculado à
problemática ambiental, alguns autores, tais como, Helleiner (1996) e Laferrière & Stoett
(1999), conseguem abarcar esse tema introduzindo a “teoria política verde” para ampliar o
entendimento sobre o papel do Estado e da cooperação internacional, e as teorias menos
convencionais, sobre o papel das instituições internacionais para moldar a natureza do sistema
internacional e da organização política global. Em certa medida, o modelo de exploração dos
recursos naturais advém dos “padrões de produção e investimentos”, e é reflexo da “natureza

31
Keohane, R. and J. Nye (1972) Transnational Relations and World Politics. Cambridge, MA: Harvard University Press.
32
O’Brien, R., A.M. Goetz, J.A. Scholte and M. Williams (2000) Contesting Global Governance. Cambridge: Cambridge
University Press.
33
Keeley, J. (1990) Toward a Foucauldian analysis of international regimes. International organisation 44(1): 83–105.
34
Gale, F. (1998) Cave! Hic dragones: a neo-Gramscian deconstruction and reconstruction of international regime theory.
Review of International Political Economy 5(2): 252–283.
35
Levy, D. and P. Newell (eds.) (2005) The Business of Global Environmental Governance. Cambridge, MA: MIT Press
36
Pattberg, P. (2007) Private Institutions and Global Governance: The New Politics of Environmental Sustainability.
Cheltenham: Edward Elgar.
37
Saurin, J. (2001) Global environmental crisis as ‘disaster triumphant’: the private capture of public goods. Environmental
Politics 10(4): 63–84.
38
Görg, C. and U. Brand (2006) Contested regimes in the international political economy: global regulation of genetic resources
and the internationalisation of the state. Global Environmental Politics 6(4): 101–123.

8
do estabelecimento de normas e autoridade institucional”, envolvendo atores estatais e não-
estatais, e sociedade civil organizada. Com este breve estudo, podemos notar que a ordem
ambiental acarreta em formas “transnacionais de governança global” resultantes das
mudanças na relação entre estados e mercados e entre os organismos internacionais públicos e
privados, cuja autoridade domina o ambiente e requer, portanto, uma consideração teórica
capaz de captar adequadamente essa dinâmica do capitalismo globalizado e das narrativas
dominantes que buscam legitimar e dar sustentação ao projeto neoliberal.
O Papel do Estado Caricaturado – “Sem Alternativas”
Segundo Ohmae39 (2004) e Hirst et al40 (2009), além das narrativas descreverem um
Estado “impotente” verificado nos “precedentes históricos” e em “perspectivas comparadas”,
o discurso oficial se apoia na ideia de que “não há alternativa” para o Estado. Weiss41 (1998)
e Evans (1995) reiteram a capacidade do estado para realizar “atos de intervenção ou
abstenção estratégica” e adotar um discurso inconsistente negligenciando sua real
responsabilidade em prol da construção de bases para uma “globalização neoliberal”. Como
mostra Görg e Brand (2006), existem diferentes graus de inserção entre os Estados a tal
“disciplina de mercados globais” e à adoção do modelo neoliberal, evidenciando certa
resistência a essas estratégias políticas e econômicas no plano interno por parte de alguns
atores nacionais. Newell (2008b)42 ressalta as fortes pressões que são feitas pelos Estados
neoliberais quando se faz necessário para que outros estados estabeleçam uma relação
internacional através do comercio e redes de financiamento, aderindo assim às reformas
políticas para “domesticação” do modelo econômico neoliberal (Newell, 2012:8).
Conforme Wade43 (2003) e Gallagher44 (2005), os modelos de desenvolvimento
adotados nestes Estados disciplinados pelo neoliberalismo, limita a capacidade para alavancar
a economia decorrente desta dependência criada com os investimentos estrangeiros e,
consequentemente, enfraquece a soberania nacional. Assim, “as alegações genéricas” sobre a
“impotência do Estado”, de não suportar a pressão dos Estados poderosos e aderir ao modelo
neoliberal, deflagra programas políticos nacionais fracos, sabotados pelas “elites políticas
transnacionais” (Newell, 2012:9). Segundo Joyeeta Gupta (2007:20), no discurso dos oito

39 Ohmae, K. (2004) The end of the nation state. In F. Lechner and J. Boli (eds.)The Globalization Reader. Malden, MA:
Blackwell Publishers, 214–218.
40
Hirst, P., G. Thompson and S. Bromley (2009) Globalization in Question, 3rd edn. Cambridge: Polity Press.
41
Weiss, L. (1998) The Myth of the Powerless State. Cambridge: Polity Press.
42
Newell, P. (2008b) Lost in translation? Domesticating global policy on GMOs: comparing India and China. Global Society
22(1): 117–138.
43
Wade, R. (2003) What strategies are viable for developing countries today? The WTO and the shrinking of development
space. In J. Timmons Roberts and A. Bellone Hite (eds.) (2007) The Globalization and Development Reader. Oxford: Wiley-
Blackwell.
44
Gallagher, K. (ed.) (2005) Putting Development First: The Importance of Policy Space in the WTO and International Financial
Institutions. London: Zed Books.

9
países mais poderosos do mundo (G8), o objetivo da globalização é fazer funcionar as
estratégias de redução da pobreza e manter a economia global forte, dinâmica, aberta e
crescente, porém, do outro lado, os G77 argumentam que os países do sul não compartilham
dos benefícios da globalização, e mesmo, que são excluídos deste processo provocando
assimetrias e desequilíbrios no eixo Norte-Sul, onde “a cooperação internacional para o
desenvolvimento tem sido subestimada na agenda da comunidade internacional”.
A globalização, segundo Vogel45 (1997) e Neumayer46 (2001a,b), neste contexto,
remete à capacidade da força do capital para moldar os Estados que possui legislações
ambientais mais rigorosas, ou instalar as plantas de produção em Estados com legislação
ambientais mais flexíveis - deslocadas diante desta facilidade – a depender da autonomia e
“desenvolvimento” destes países, ou como colocou Gallagher (2005), a depender das
condições propostas pelos políticos para investidores mais poderosos. Newell (2001a apud
Newell, 2012:20) ressalta o “poder das corporações” para subordinar os Estados mais
rigorosos a adotarem novas medidas e impor “menos custos aos negócios que superam a
concorrência”, inclusive “conter as iniciativas dos ativistas” que deflagram empresas
transnacionais operando no exterior somente com o objetivo de “fuga do carbono”, não
aderindo aos “custos devido ao controle de emissões de carbono” em seus países. Estas forças
sociais que impulsionam “o poder estrutural do capital” (termo cunhado por Gill e Law47,
1989), para moldar as decisões dos Estados menos poderosos, representa para Newell (2012),
a dimensão transnacional, e para Cox48 (1981, 1987), essa força será determinante para o
equilíbrio do ecossistema ao impor qual será a “forma de ordem política global” ambiental
posta em prática.
Outro aspecto relevante, observado por Newell (2012:25), diz respeito à produção dos
resíduos tóxicos e contaminação de locais através das estratégias globais de acumulação onde
a produção é deslocada para países com legislação mais flexível ou fraca, de modo a não
interromper a produção e se distanciar dos locais de consumo. Nesse contexto, como explica
Harvey49 (1981) e Okereke50 (2010), a constituição dos espaços fixos, através do
deslocamento de plantas de produção ou mesmo em acordos de “fuga do carbono”, revela “o

45
Vogel, D. (1997) Trading Up: Consumer and Environmental Regulation in the Global Economy, 2nd edn. Cambridge, MA:
Harvard University Press.
46
Neumayer, E. (2001a) Do countries fail to raise environmental standards? An evaluation of policy options addressing
‘regulatory chill’. International Journal of Sustainable Development 4(3): 231–244.
Neumayer, E. (2001b) Pollution havens: an analysis of policy options for dealing with an elusive phenomenon. Journal of
Environment Development 10(2): 147–177.
47
Gill, S. and D. Law (1989) Global hegemony and the structural power of capital. International Studies Quarterly 33: 475–499
48
Cox, R. (1981) Social forces, states and world orders: beyond International Relations theory. Millennium 10(2): 126–155. Cox,
R. (1987) Production, Power and World Order. New York: Columbia University Press.
49
Harvey, D. (1981) The spatial fi x: Hegel, von Thünen and Marx. Antipode 13(3): 1–12.

10
patrimônio como principio organizador fundamental na governança ambiental neo-liberal”.
Ainda, Sklair51 (2002a) vai destacar no processo de internacionalização de alguns Estados, a
adesão à classe capitalista transnacional, decorrente do modo como as instituições públicas
responsáveis pelo comércio e/ou finanças concedem às corporações certos poderes e
privilégios, onde os investimentos em acordos comerciais são aprovados em detrimento de
outras políticas voltadas para o trabalho, o social e o ambiental. Dessa forma, é notável o
modo como as forças sociais e políticas (as burocracias estatais globalizantes) vão influenciar
de forma estrutural na composição da globalização.
De todo modo, o discurso que considera ineficiente as instituições públicas
responsáveis por gerir bens básicos para a sobrevivência humana, como a água (o bem mais
precioso no futuro), tem tido respaldo nas bases ideológicas encabeçadas pelo Banco
Mundial, e segundo Bakker (2010 apud Newell, 2012:27), essa tentativa de privatização da
água tem demonstrado ser a solução mais obvia para a política neoliberal. Reflexo deste
contexto é encontrado naquilo que Gill52 (1995b) descreve sobre a governança global
representar a manifestação de um “novo constitucionalismo”, ou seja, a formação de “um
quadro político-jurídico para a reconstituição do capital em escala mundial” (Newell,
2012:25), nesse caso, no que diz respeito à matéria econômica e ambiental.
A Globalização Naturalizada
O caráter aparentemente descontrolado da globalização é descrito tanto na literatura
que o considera “natural”, derivada de sua evolução com o “expansionismo do capitalismo”
desde seu surgimento no século XIII (do capitalismo comercial-industrial-financeiro),
enfatizado tanto por Harvey (2010) quanto por Marx e Engels53 (1848), também defendido
por Lewis54 (1996) e Rosenburg55 (2000) enquanto um fenômeno contemporâneo
“indomável”. Conforme a literatura analisada por Newell (2012), as tendências políticas se
valem da ideologia de uma globalização naturalizada e “inevitável” adaptando o Estado à
“máquina sem condutor”, por exemplo, com Kaplinsky (2001 apud Newell, 2012:9). Esta
literatura, para Newell (2012) e Mittelmann (2000 apud Newell, 2012:10), representa uma
abstenção teórica ao não tratar da intervenção do ator político e apresentar a globalização

50
Okereke, C. (2010) Global Justice and Neoliberal Environmental Governance: Sustainable Development, Ethics and
International Co-operation. London: Routledge.
51
Sklair, L. (2002a) The transnational capitalist class and global politics: deconstructing the corporate-state connection.
International Political Science Review 23(2): 159–174.
52
Gill, S. (1995b) Theorising the interregnum: the double movement and global politics in the 1990s. In B. Hettne (ed.)
International Political Economy. London: Zed Books, 65–99
53
Marx, K. and F. Engels (1998) [1848]. The Communist Manifesto. London: Verso.
54
Lewis, N. (1996) Introduction. In V.I Lenin, Imperialism: the Highest Stage of Capitalism. London: Pluto Press.
55
Rosenburg, J. (2000) The Follies of Globalization Theory. London: Verso.

11
como um fenômeno “apolítico e benigno” e, desse modo, impede a realização de um projeto
promissor de desenvolvimento sustentável.
A literatura que abarca a globalização como um “fenômeno sem controle”, propiciado
pelo capital volátil e flexibilização das corporações transnacionais, para Newell (2012:4), não
se sustenta teoricamente. Sobretudo, como mesmo afirma, esse fenômeno tem “sempre sido, e
continua a ser impulsionado por ações deliberadas, principalmente no modo evidente como os
governos tem se submetido às Organizações Mundiais”, desenvolvendo “acordos jurídicos
para promover e proteger direitos de investimento das empresas transnacionais” e apesar da
retórica ambientalista, a “nova arquitetura financeira” ou criação de um Novo Acordo (Green
New Deal) não se aplica rigorosamente ao controle de um ecossistema equilibrado assegurado
pelo Estado. Portanto, para o autor, “a relação entre globalização e o ambiente é mediada por
políticas, instituições e processos desde o nível local até global e no setor público e privado e
não, em sua maior parte, anônimas e por forças econômicas incontroláveis como convém a
caricatura popular”.
Entretanto, essa mesma retórica infundada é justificada pela alegação de perdas e
prejuízos para o Estado, tanto com relação à exploração dos recursos naturais e/ou a perda de
competitividade e, de capital no mercado internacional, refletindo institucionalmente no
próprio tratamento com o qual a regulação ambiental - nacional e supranacional- confere à
aplicabilidade da legislação internacional em âmbito local. Dessa forma, para Newell
(2012:10), deve se observar nas “restrições que a globalização na verdade impõe aos
governos” a permissividade para “desmistificar o mercado e revelar as relações de poder por
trás dessas abstrações”. Para este, Polanyi56 (1980) quem melhor explicita o “mito do mercado
auto-regulado” em sua obra - A grande transformação, quando mostra que o mercado
desenfreado é na verdade mantido pelo Estado através de ideologias de governança
econômica e gestão ambiental, legitimadoras do fenômeno da globalização contemporânea
enquanto o “ponto final da evolução econômica”, teorizado por Fukuyama57 (1993) como “o
fim da história (the end of history and the last man)”.
As Crises cíclicas e o Desenvolvimento Insustentável
A necessidade da humanidade em se expandir geograficamente e buscar sempre novas
fontes de recursos naturais (matéria-prima) propiciou a formação de novas organizações
sociais e produção tecnológica. Notoriamente, as fases de transição da Idade da Pedra, para a
Idade do Ferro e do Bronze, denotam estes processos sociais, políticos e econômicos, que

56
Polanyi, K. (1980) [1944] The Great Transformation. Boston, MA: Beacon Press.
57 Fukuyama, F. (1993) The End of History and the Last Man. New York: Avon Books.

12
“variam de convulsões sociais (revoltas, guerras, etc.) e luxações (tais como migrações), à
mudanças culturais/ideológicas (surgimento de visões de mundo religiosas), juntamente com
reorganizações sociais e políticas” e “evolutivas mudanças sociais” (Chew, 2006:259).
Segundo Sing Chew (2006:300), tanto no mundo antigo quanto no medieval as tendências
históricas são caracterizadas por um “sistema de sobreposição de regiões centrais” sob áreas
periféricas, abrangendo vastos territórios. Através do controle politico-militar, são formados
poderosos impérios e novas conexões sistêmicas de comércio estarão sujeitas às novas crises
que reverberam “em todo o sistema fornecendo oportunidades e constrangimentos, a depender
das circunstâncias”. Com isto, Chew (2006:261) procura explanar historicamente a
degradação ecológica mundial observando o nível e a escala de exploração dos recursos
naturais pelo centro e nas regiões onde se perpetuou o domínio do ambiente espacial.
Todavia, essas mesmas mudanças climáticas e os processos de erupções naturais provocadas
pela ação antropogênica “afetaram as paisagens sociais, políticas e econômicas” incitando
agitações populacionais e crises sistêmicas no mundo ao longo do tempo.
Segundo Peet et.al. (2011), a partir da década de 70, com a intensificação e aceleração
da globalização, houve um aumento significativo da quantidade de carbono liberado na
atmosfera, acarretando numa série de medidas adotadas para que os empreendimentos
imperiais adotassem outras fontes energéticas, senão aquelas que vinham apresentando certa
vulnerabilidade no mercado, como era o caso do petróleo. Segundo Newell (2012), a disputa
por combustíveis fósseis sempre representou uma necessidade dos países mais ricos em
ampliar a produção e fornecimento ao se lançarem na corrida por novas fontes energéticas em
outros territórios (no caso do Oriente Médio principalmente), sendo para Freese58 (2003),
Kaldor et.al59 (2007) e Rupert60 (1995) esta a principal estratégia dos EUA e da Inglaterra
para promover suas Revoluções Industriais. Embora, o que estes autores argumentam é se as
crises do petróleo levaram à necessidade de mudanças para a adoção de novas fontes
energéticas “limpas”, como observou Newell e Paterson (2010 apud Newell, 2012), e as
mudanças climáticas refletem a crise do capitalismo, conforme argumenta Brunnengräber61
(2006), ou como coloca Huber62 (2008), o fato é que a relação histórica entre o uso de
combustível fóssil e o capitalismo está imbrincada. Como explica Houtart63 (2009) e Smith64

58
Freese, B. (2003) Coal: A Human History. London: Basic Books.
59
Kaldor, M., T. Lynn Karl and Y. Said (eds.) (2007) Oil Wars. London: Pluto Press.
60
Rupert, M. (1995) Producing Hegemony: The Politics of Mass Production and American Global Power. Cambridge:
Cambridge University Press.
61
Brunnengräber, A. (2006) The political economy of the Kyoto Protocol. In L. Panitch and C. Leys (eds.) Coming to Terms with
Nature: Socialist Register 2007. London: The Merlin Press, 213–231.
62
Huber, M. (2008) Energizing historical materialism: fossil fuels, space and the capitalist mode of production. Geoforum 40:
105–115.
63
Houtart, F. (2009) Agro-fuels: Big Profi ts, Ruined Lives and Ecological Destruction. London: Pluto Press.

13
(2010), outros países adotaram o uso de biocombustíveis, porém, isso implicou no aumento de
preço de produtos da alimentação básica – exemplo, o milho – gerando até revoltas
domésticas (revolta das Tortilhas, no México). Conforme Borras et.al65 (2011), houve esse
mesmo o esgotamento de recursos básicos necessários para a sobrevivência da população
local/nacional em detrimento da exportação rentável, por exemplo, na Etiópia e no Sudão,
exportadores na China.
A ideia de um capitalismo resiliente presente na obra de Altvater66 (2006), revela o
modo como o capitalismo representa senão a revolução das formas de produção estimuladoras
das “oportunidades de crescimento”. Como afirmou Marx e Engels (1848), “a classe burguesa
somente pode existir se revolucionar ininterruptamente os meios de produção”. Nessa
perspectiva, os recursos adotados (atualmente o petróleo e/ou biocombustíveis) representam
essa “oportunidade de crescimento” e podem com o tempo ser substituídas com a adoção de
outras tecnologias. Portanto, para o autor, esse “dinamismo tecnológico” é central para o
capitalismo, embora sua adoção também possa permanecer ininterrupta no decorrer do tempo.
Para Newell (2012:24), o capitalismo “só se preocupa com sua própria auto-expansão
e valorização”. Esse impulso para procura de “oportunidades de crescimento” tem levado
algumas ONGs a pressionar os detentores do capital financeiro a investir em outros tipos de
produção. Como mesmo ressalva, investir em combustíveis fósseis é ainda a oportunidade
mais lucrativa, apesar das mudanças ambientais que provoca, e representa um motivo para
continuar atraindo o investimento em sua exploração e fornecer produtos altamente
especializados mercado internacional. Segundo Karem Mingst e James Muldoon (2015), para
essa governança global ser legítima não pode ser enquadrada como um projeto econômico
americano, ocidental, ou liberal, sendo apenas compatível com o poder e a preferência dos
Estados Unidos, das multinacionais e ONGs do Norte, ou especialistas ocidentais, pelo
contrário, o imperativo para entregar bens públicos "globais" é moldar a visão das pessoas
sobre a legitimidade das instituições da governança global sob a interface do ambientalismo, e
enfatizar os impactos transnacionais gerados com o capitalismo no qual se esbarra com a
proposta de um desenvolvimento sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

64
Smith, J. (2010) Biofuels and the Globalization of Risk: The Bigg est Change in North-South Relationships Since Colonialism?
London: Zed Books.
65
Borras, J., R. Hall, I. Scoones, B. White and W. Wolford (2011) Towards a better understanding of land grabbing. The Journal
of Peasant Studies 38(2): 209–217.
66
Altvater, E. (2006) The social and natural environment of fossil capitalism. In L. Panitch and C. Leys (eds.) Coming to Terms
with Nature: Socialist Register 2007. London: Merlin Press, 37–60.

14
Conforme a consideração de Bernstein (2001), nesse “compromisso do ambientalismo
liberal” pode ver a sustentação dos pilares normativos da governança ambiental global,
através da criação de estratégias para manter as crises ambientais cíclicas alinhadas aos
“imperativos da acumulação do capital”. Essa ordem liberal conduz a ordem ambiental para
mercantilização dos serviços ambientais, por exemplo, com: a proteção e conservação de
recursos naturais por meio de compensações financeiras para comunidades afetadas; a
privatização da água em áreas inóspitas; e, a venda da quota de carbono para países
desenvolvidos que queiram comprar e “manter a estrutura de produção existente e o consumo
intacto” (Newell, 2012:25). Nesse sentido, “o destino da economia e do planeta estão
intimamente entrelaçados” e, portanto, “a história e evolução da globalização tem tido uma
influência profunda sobre a natureza da política ambiental, assim como os problemas
ecológicos trazem mudanças na natureza da globalização" (Newell, 2012:3). As contradições
intrínsecas do capitalismo tão evidentes com as crises dos sistemas - ecológico e social, revela
como a globalização não se sustenta sem as condições materiais para tal expansão. Os
problemas ambientais, então, se tornam transnacionais, cabendo às respostas institucionais
supranacionais conduzir os atores estatais no plano global a fim de proteger o gênero humano
da „era‟ do capitalismo, ameaçada por um desenvolvimento insustentável.

Bibliografia
ALTVATER, E. (1998). Global order and Nature. In: R. KEIL, D. V. BELL, P. PENZ, & L.
FAWCETT, Political Ecology: Global and Local.. London and New York: Routledge (pp.
19-42).

BARROS-PLATIAU, A. F., VARELLA, M. D., & SCHLEICHER, R. T. (2004). Meio Ambiente e


relações internacionais: perspectivas teoricas, respostas institucionais e novas dimensões
do debate. Revista Brasileira de Política Internacional, V. 47 (2), 100-130.

CHEW, S. (2006). Ecological Crisis Phases, Globalization and World-System Evolution. In: A.
JORGENSON, & E. KICK, Globalization and the Environment. Leiden - Boston: Brill (pp.
253-289).

GUERRA, S. (2010). Para uma nova governança global em matéria ambiental: a Organização
Internacional do meio ambiente. Revista de Direito da Unigranrio, V.3, 1-30.

GUPTA, J. (2007). Globalization, Environmental Challenges and North-South Issues. In: K. V. THAI,
D. RAHM, & J. D. COGGBURN, Handbook of Globalization and the encironment. Boca
Raton - Londres - New York: Routledge (pp. 449-468).

MINGST, K. A., & MULDOON JR., J. P. (2015). Global Governance and NGOs: Reconceptualizing
internacional relations for the twenty-first century. In: W. E. DEMARS, & D. DIJKEUL, The
NGO challenge for internacional relations theory. New Yourk: Routledge (pp. 65-81).

NEWELL, P. (2012). Globalization and the Environmental: Capitalism, Ecology and Power. Polity
Press (P.210).

15

Você também pode gostar