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DUE - Perguntas Frequentes
DUE - Perguntas Frequentes
7. Acordo Schengen
O Acordo de Schengen assinado a 14 de junho de 1985, entre a Alemanha, a Bélgica, a
França, o Luxemburgo e os Países Baixos, visava suprimir gradualmente os controlos nas
fronteiras internas e instaurar um regime de livre circulação. A Convenção de Schengen
veio completar o acordo, tendo sido assinada em 1990.
Fazer parte do espaço sem controlos nas fronteiras internas significa que: não é efetuado
controlo nas fronteiras internas do Espaço Schengen (ou seja, nas fronteiras entre dois
Estados Schengen); efetuam-se controlos harmonizados nas fronteiras externas, com base
em critérios claramente definidos (ou seja, nas fronteiras entre um Estado Schengen e um
Estado não Schengen).
Atualmente, o Espaço Schengen abrange 26 países Estados-Membros da União
Europeia, excetuando-se a Irlanda e o Reino Unido que apenas aderiram parcialmente, e
quatro países que não são Membros da União – Liechtenstein, Islândia, Noruega e Suíça.
É importante referir 2 sistemas: o Sistema de Informação Schengen (SIS), que foi criado
para ajudar a manter a segurança interna nos Estados Schengen, na ausência de controlos
nas fronteiras internas, constituindo, por conseguinte, um dos pilares da cooperação
policial; o Sistema de Informação sobre Vistos (VIS), que consiste num sistema
informático que liga os consulados Schengen em países terceiros, as autoridades
nacionais competentes e todos os pontos de passagem da fronteira externa dos Estados
Schengen - os nacionais de certos países terceiros precisam de visto para entrar no Espaço
Schengen.
Embora Schengen tenha começado por ser uma convenção intergovernamental, todo o
seu acervo foi integrado no quadro jurídico e institucional da União Europeia aquando da
entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, em 1999.
Ora, a liberdade de circulação de pessoas constitui um direito fundamental assegurado
pela União Europeia aos seus cidadãos, permitindo que estes viajam, trabalhem e vivam
em qualquer país da União, sem serem submetidos a formalidades especiais. A
cooperação
Schengen vem reforçar esta liberdade permitindo que sejam atravessadas as suas
fronteiras internas, sem se ser objeto de controlos fronteiriços.
(No entanto, os cidadãos da UE têm o direito de livre circulação quando viajam na
União, independentemente de o país fazer ou não parte de Schengen. Quando chegam a
um Estado da União Europeia não pertencente ao Espaço Schengen, os cidadãos da UE,
em princípio, só são sujeitos a controlos mínimos para a verificação da sua identidade,
com base nos documentos de viagem.)
8. Principais funções do Banco Central Europeu
A União Europeia tem entidades com funções de gestão, sendo o Banco Central
Europeu (13º, nº1, TUE) uma delas.
Como principal instrumento da política monetária da União, foi criado o Sistema
Europeu de Bancos Centrais (SEBC), que define e executa a sua política monetária (127º,
nº2 TFUE), tendo, no entanto, como objetivo principal a manutenção da estabilidade dos
preços. Deverá estar ao serviço de uma economia de mercado e de livre concorrência.
De acordo com o artigo 282º, nº1, TFUE, o SEBC é composto pelo Banco Central
Europeu e pelos bancos centrais nacionais cuja moeda seja o euro (estes últimos
constituem o Eurosistema).
Assim, o BCE possui personalidade jurídica própria (282º, nº3, TFUE) e tem órgãos
próprios, sendo estes a dirigir o SEBC. Goza de total independência no exercício dos seus
poderes e na gestão das suas finanças, estando os seus atos sujeitos ao controlo de
legalidade por parte do TJUE (263º, parte 1, TFUE).
Os artigos 283º e 284º regulam a sua composição orgânica, sendo que o seu principal
órgão é o Conselho, composto pelos membros da Comissão Executiva do Banco e pelos
Governadores dos bancos que fazem parte do Eurosistema. A Comissão Executiva é
composta pelo Presidente do Banco, pelo Vice-Presidente e por quatro vogais.
Cabe ao BCE o direito exclusivo de autorizar a emissão de notas de banco em euros na
União (128º, nº1, TFUE), adota regulamentos e toma as decisões necessárias para o
desempenho das atribuições cometidas ao SEBC (definição e execução da política
monetária da União, realização de operações cambiais, detenção e gestão das reservas
cambiais oficiais dos Estados-Membros, promoção do bom funcionamento dos sistemas
de pagamento - artigo 3º, Estatutos do SEBC e do BCE e artigo 127º, nº2, TFUE); formula
recomendações e pareceres.
No desempenho da sua competência no domínio monetário, o BCE tem importantes
funções deliberativas e consultivas, devendo ser consultado sobre qualquer proposta de
ato da União nos domínios das suas atribuições; e pelas autoridades nacionais sobre
qualquer projeto no domínio das suas atribuições (127º, nº4, TFUE). Pode, ainda, aplicar
multas ou sanções pecuniárias temporárias às empresas, em caso de incumprimento de
obrigações decorrentes dos seus regulamentos e decisões (artigo 34º, Estatutos do
SEBC/BCE).
A crise económica que surgiu sobre a União Europeia no final da década anterior veio
expor algumas fragilidades que esta julgava já ter ultrapassado. A incapacidade da União
Económica e Monetária para, de modo célere e eficaz, conter a crise revelou as
insuficiências no plano institucional e a desigualdade dos Estados no que toca aos seus
sistemas económicos e financeiros. De modo a superar a crise, foi necessário um
aprofundamento da União Económica e o reforço da supervisão bancária, sendo que tudo
isto levou a um reforço do papel do Banco Central Europeu.
9. Fases do processo por incumprimento
O TJUE pronuncia-se sobre os processos que são submetidos à sua apreciação. Os tipos
de processos mais comuns são os seguintes: questões prejudiciais (interpretação da
legislação), ações por incumprimento (aplicação da legislação), recurso de anulação
(anulação de atos legislativos europeus), ações por omissão (obrigação de ação), ações de
indemnização (aplicação de sanções).
Vejamos, então, o regime das ações por incumprimento. Previsto nos artigos 258° a
260° do TFUE, este procedimento, da competência exclusiva do TJUE, aplica-se quando
se considera que um Estado-Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por
força do direito comunitário. O comportamento contestado pode ser tanto positivo (ação)
como negativo (omissão).
O processo inicia-se com uma fase administrativa informal: na prática, a iniciativa
compete à Comissão Europeia, enquanto guardiã dos Tratados, agindo por iniciativa
própria ou após queixa de um Estado-Membro (ou de cidadãos europeus). A Comissão
desencadeia este procedimento enviando à autoridade nacional competente do Estado
incumpridor uma notificação, ficando esta possibilitada a responder às imputações que
lhe são feitas (258º, TFUE).
O Estado-Membro incumpridor pode adotar as medidas necessárias à reposição da
legalidade ou pode o processo terminar, com base na sua resposta, caso a Comissão
considere que não há motivos que fundem o incumprimento.
No entanto, pode acontecer o Estado-Membro recusar cumprir as suas obrigações ou
não responder à carta de notificação. Entramos, assim, na fase administrativa formal, que
se conclui com o envio de um parecer fundamentado pela Comissão que contém os
seguintes elementos: identificação precisa dos comportamentos imputáveis ao Estado;
identificação das normas jurídicas violadas pelo comportamento imputado ao Estado;
fixação de um prazo para reposição da legalidade (normalmente de um a dois meses).
Caso este parecer não seja respeitado, a Comissão Europeia pode recorrer ao TJUE. Se
o processo tiver sido desencadeado por outro país da UE, este poderá submeter o caso ao
Tribunal, mesmo que a Comissão não emita um parecer fundamentado (259º).
Passamos, então, para a 1ª fase contenciosa, onde o TJUE instrui o processo e determina
se existe ou não incumprimento, através de um acórdão de natureza declarativa, com força
obrigatória. No caso de declarar verificado o incumprimento, o Estado-Membro em causa
deve tomar as medidas necessárias para se conformar com o direito da União.
A última fase (2ª fase contenciosa) ocorre caso o Estado-Membro não toma as medidas
necessárias para a execução do acórdão, sendo condenado pelo TJUE ao pagamento de
uma quantia fixa ou progressiva correspondente a uma sanção pecuniária (260º, TFUE).
O Tratado de Lisboa veio trazer uma inovação ao artigo 260º, no seu nº3: para o caso
de incumprimento formal da obrigação de comunicação de medidas de transposição de
diretivas, a Comissão poderá, logo ao propor a ação no Tribunal, indicar o montante da
quantia fixa ou da sanção pecuniária compulsória a pagar por esse Estado, havendo uma
compressão das duas fases contenciosas numa só.
10. União Europeia, atualmente, vinculada ao respeito por direitos fundamentais
A evolução do sistema jurídico da União Europeia tornou a matéria da proteção dos
direitos fundamentais uma questão nuclear no seu ordenamento.
Mesmo antes do Tratado de Lisboa, o TJ já se pronunciava acerca dos direitos
fundamentais, considerando-os como património jurídico das Comunidades. Em vários
acórdãos (Stauder, Nold, entre outros), defendeu que o respeito pelos direitos
fundamentais faz parte dos princípios gerais de Direito, devendo a salvaguarda desses
direitos ser assegurada no quadro da estrutura e dos objetivos da Comunidade.
O Tratado de Lisboa veio aprofundar o grau de proteção e salvaguarda dos direitos
fundamentais até então vigentes na União, ampliando o seu âmbito. O artigo 6º, do TUE,
na sua nova redação, passou a referir a Carta Dos Direitos Fundamentais da União
Europeia como fonte de Direito, atribuindo-lhe o mesmo valor jurídico que os Tratados.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi motivada pela necessidade
de reunir num texto único o conjunto de direitos dos cidadãos europeus e conferir-lhes
visibilidade. Foi proclamada a 7 de dezembro de 2000, sem efeito jurídico vinculativo,
constituindo apenas um compromisso político. A 12 de dezembro de 2007, foi novamente
proclamada, sendo que todas as dúvidas quanto ao seu caráter vinculativo foram
dissipadas com o Tratado de Lisboa, que veio determinar que a Carta obriga nos mesmos
moldes em que os Tratados UE e TUE obrigam.
Ainda neste âmbito, é necessário referir a Convenção Europeia dos Direitos do Homem:
assinada em 1950 pelo Conselho da Europa, a CEDH é um tratado internacional destinado
a proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais na Europa. Nos trabalhos
preparatórios do Tratado de Maastricht, o TJ defendeu que o TUE passaria a afirmar, de
forma expressa, que a CEDH vigorava na ordem jurídica da União enquanto conjunto de
princípios gerais de Direito Comunitário, mas a adesão da União àquela Convenção
ficaria excluída, posição essa que foi adotada.
O problema da adesão da União à CEDH foi retomado pouco depois, entendendo o TJ
que a adesão só poderia ter lugar mediante prévia modificação dos Tratados. As relações
entre a União e a CEDH manter-se-iam assim até ao Tratado de Lisboa, que veio impor
a sua adesão à Convenção (artigo 6º, nº3, TUE).
Mesmo após o Tratado de Lisboa, o TJ, em 18 de dezembro de 2014, emitiu um parecer
negativo relativamente à compatibilidade do projeto de acordo de adesão com os Tratados
UE. Está em debate uma nova solução que permita satisfazer a obrigação de adesão
prevista no Tratado e que tenha em conta todos os aspetos referidos pelo Tribunal no seu
parecer.
Assim, o respeito pelos direitos fundamentais constitui um pilar-base da União
Europeia, sendo uma das condições de adesão à mesma - qualquer Estado da Europa que
respeite os princípios assentes no artigo 2º do TUE, pode dirigir um pedido à União para
se tornar membro (artigo 49.º do TUE). Ou seja, respeitar aquele conteúdo normativo
apresenta-se como conditio sine qua non para adquirir o status de membro da União.
11. Princípios da efetividade e da equivalência
Os princípios da efetividade e da equivalência são princípios afirmados pelo TJUE no
quadro da aferição da autonomia dos Estados-membros na definição de regras nacionais.
O Princípio da efetividade impõe que as regras nacionais não possam tornar impossível
ou excessivamente difícil a efetivação de um direito decorrente da ordem jurídica
europeia.
O Princípio da equivalência determina que as regras nacionais não podem tratar de
modo mais desfavorável um direito decorrente da ordem jurídica europeia por
comparação a direitos decorrentes da ordem jurídica nacional.
12. Principais competências da Comissão Europeia, nomeadamente em sede de
procedimento legislativo
O art.º 17.º do TUE enumera as funções da Comissão Europeia: 1) promover o interesse
geral da união; 2) velar pela aplicação dos tratados; 3) controlar a aplicação do direito da
União; 4) executar o orçamento e gerir os programas; 5) assegura a representação externa
da União; e 6) toma a iniciativa da programação anual e plurianual da União com vista à
obtenção de acordos interinstitucionais. O nº2 do art.º 17.º do TUE consagra um poder de
iniciativa legislativa da Comissão Europeia.
Ainda que tenha o poder de iniciativa legislativa, a Comissão corresponde ao órgão
executivo da União, que se traduz na sua competência para executar atos nos termos do
art.º 290.º do TFUE. A comissão não é assim, o órgão legislativo principal.
Nos termos do art.º 258.º do TFUE a Comissão pode formular um parecer quando
qualquer dos Estados membros incumpra qualquer uma das obrigações decorrentes dos
Tratados, dando a esse Estado a oportunidade de apresentar as suas observações, antes
de, nos termos do art.º 258.º/2 recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
O processo legislativo ordinário é uma das formas da União Europeia legislar – consiste
na adoção de um regulamento, diretiva ou decisão, conjuntamente pelo Parlamento e Pelo
Conselho da EU. Dá-se em 4 fases principais: 1) a comissão apresenta uma proposta ao
conselho e ao parlamento europeia; 2) o Conselho e o parlamento adotam uma proposta
legislativa em primeira ou segunda leitura; 3) no caso de ambas as instituições não
chegarem a acordo apos a segunda leitura – é convocado o Comité de Conciliação; 4) se
o texto acordado pelo Comité de Conciliação puder ser aceite por ambas as instituições
em terceira leitura – o ato legislativo é adotado.
No caso de a proposta ser rejeitada em qualquer fase do processo, ou se não se chegar
a um consenso entre o parlamento e o Conselho, então a proposta não é adotada e o
processo termina. Conferir art.º 289.º e 294.º do TFUE.
13. Ação de anulação
O recurso de anulação é um dos recursos que podem ser interpostos perante o Tribunal
de Justiça da União Europeia (além deste existem p.e. o mecanismo de reenvio
prejudicial, a ação de indemnização, ou a ação de omissão).
O recurso de anulação é um procedimento jurisdicional interposto perante o Tribunal
de Justiça da União Europeia (TJUE) que permite fiscalizar a legalidade dos atos adotados
pelas instituições, os órgãos ou os organismos europeus. Encontra-se previsto no art. 263.º
e 264.º do TFUE. Nos termos do art. 263.º do TFUE pode ser interposto por qualquer
Estado-membro, pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho ou pela Comissão. O tribunal
pode ainda conhecer os recursos interpostos pelo Tribunal de Contas, pelo BCE e pelo
Comité das Regiões para salvaguardar as respectivas prerrogativas. Mais ainda, pode
qualquer pessoa singular ou coletiva interpor, nos termos dos parágrafos 1 e 2 do art.
263.º do TFUE, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e
individualmente respeito.
As ações de anulação podem ser interpostas com fundamento em: 1) incompetência, 2)
violação de formalidades essenciais, 3) violação dos Tratados ou de qualquer norma
jurídica relativa à sua aplicação e 4) desvio de poder.
14. Pode um Estado-membro ser sancionado por desrespeito a direitos
fundamentais?
A União Europeia funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da
liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito pelos direitos
humanos, inclusive os direitos das pessoas pertencentes a minorias, tal como estabelecido
no artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE).
Porém, o único mecanismo, além da vinculação da EU à Carta dos Direito
Fundamentais, que existe para garantir uma proteção eficaz dos direitos fundamentais nos
Estados-Membros é o previsto no art. 7.º do TUE. Assim, mediante proposta
fundamentada de um terço dos Estados membros, do Parlamento Europeu ou da
Comissão Europeia, o Conselho pode verificar a existência de risco de violação grave por
um Estado membro dos valores previstos no art. 2º do TUE. Neste caso, antes de agir, o
Conselho ouve o Estado-Membro em questão e poderia fazer recomendações nos termos
do art. 258.º do TFUE.
No caso destas recomendações não forem seguidas e o país em questão não adotar as
medidas sugeridas, o Conselho poderá decidir suspender alguns dos direitos concedidos
a esse país, como o direito de votar no próprio Conselho – art. 7.º/3 do TFUE. Este
procedimento, no entanto, nunca foi aplicado, podendo estas medidas ser posteriormente
alteradas ou revogadas como previsto no nº4 deste mesmo artigo.
Este procedimento foi recentemente acionado pela Comissão no que toca à Polónia e
pelo Parlamento em relação à Hungria.
15. Sustentação conceptual que deu origem à formulação da doutrina do efeito
direto
Primeiramente cabe entender o que se entende por “doutrina do efeito direto”.
É atualmente, juntamente com o princípio do primado, um princípio fundamental e
estruturante do Direito da União Europeia e estabelece que os indivíduos têm a
possibilidade de inovar imediata e diretamente uma disposição europeia perante o tribunal
nacional ou europeu. Esta invocação apenas poderá ser feita de determinados atos
europeias e quando observados os seguintes pressupostos: 1) a disposição invocada deve
ser suficientemente clara e precisa; 2) deve ser incondicional, e 3) deve conceder um
direito específico sobre o qual o cidadão pode basear uma reivindicação.
O efeito direito do direito europeu foi consagrado pelo Tribunal de Justiça no acórdão
Van Gene en Loss de cinco de fevereiro de 1963. Neste acórdão o tribunal afirmou que o
Direito europeu acarreta além das obrigações para os países da EU, mas também direitos
para os particulares. Assim os particulares podem prevalecer-se destes direitos e invocar
diretamente as normas europeias perante os tribunais nacionais, além dos europeus, não
sendo, sequer necessário que o país da EU integre a norma europeia em questão na sua
ordem jurídica.
O efeito direito pode assumir dois aspetos: um feito vertical – exercido nas relações
entre os particulares e o país, o que significa que os particulares podem invocar uma
norma europeia em relação ao país; e um efeito horizontal – exercido entre os particulares,
o que significa que um particular pode invocar uma norma europeia em relação a outro
particular.
Caberá referir, que o efeito direto depende do tipo de ato, deste modo: 1) os
regulamentos têm sempre efeito direto – o art. 288.º do TFUE precisa que os regulamentos
são diretamente aplicáveis nos países da EU. O TJ específica no acórdão Piloti de catorze
de dezembro de 1971 que se trata de um efeito direto completo; 2) as diretivas – que
vinculam os Estados-membros quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às
instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios – art. 288.º do TFUE,
porém, sendo atos que devem ser transpostos pelos Estados-membros para o seu direito
nacional, apenas em determinadas situações gozam e um efeito direto – o TJ estabeleceu
na sua jurisprudência que uma diretiva tem um efeito direito quando as suas disposições
são individuais e suficientemente claras e precisas (como assim já se terá referido), e
quando o país da EU não tiver transposto a directiva no prazo previsto – acórdão Van
Duyn de quatro de dezembro de 1974. Porém, nestes casos, o efeito direto apenas é
vertical. Mais ainda, os países da EU têm a obrigação de aplicar as diretivas, mas não
podem invocá-las contra os particulares – isto resulta do acórdão Ratti de cinco de abril
de 1979.
16. Composição da Comissão Europeia
A Comissão Europeia tem origem remota na Alta Autoridade da Comunidade Europeia
do Carvão e do Aço (CECA). Posteriormente, os Tratados CEE e CEEA criaram uma
Comissão para cada uma destas duas Comunidades (Comunidade Económica Europeia e
Comunidade Europeia da Energia Atómica, respetivamente). Mais tarde, o Tratado de
fusão criou uma Comissão para as três comunidades. Com o Tratado de Maastricht, a
Comissão passou a ter competência, no quadro da União, passando a designar-se de
Comissão Europeia ou Comissão da União Europeia. O Tratado de Lisboa manteve esta
denominação, como se pode observar no art 13º/1, TUE.
De acordo com o disposto no art 17º/5, TUE, a Comissão Europeia é composta por um
número de membros, incluindo o seu Presidente e o Alto Representante da União para os
Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, correspondente a 2/3 do número dos
Estados-Membros, salvo se o Conselho Europeu, deliberando por unanimidade, decidir
alterar esse número – neste caso, os membros são escolhidos de entre dos nacionais dos
Estados-Membros, com base num sistema de rotação rigorosamente igualitária entre os
Estados (princípio da igualdade dos Estados, art 244º, TFUE e art 4º/2, 1ª parte, TUE).
O Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, propõe ao Parlamento
Europeu um candidato ao cargo de Presidente da Comissão. O Presidente do Parlamento
Europeu convida o candidato a proferir uma declaração e a apresentar as suas orientações
políticas ao Parlamento, a qual será seguida de debate, no qual poderão participar os
membros do Conselho Europeu. De seguida, o Parlamento Europeu, em escrutínio
secreto, elege a individualidade proposta, por maioria dos membros que o compõem
(trata-se de uma maioria difícil). Se daí advir um resultado positivo, a votação assume a
natureza de eleição pelo Parlamento. Caso o candidato não obtenha a maioria dos votos,
o Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, terá de indicar um novo
candidato no prazo de um mês (art 17º/7, par.1, TUE).
O processo de nomeação dos outros comissários consta no art 17º/7, par.2, TUE. O
Conselho, de comum acordo com o Presidente eleito, aprova a lista das outras
personalidades que tenciona nomear membros da Comissão. Esta lista será elaborada em
conformidade com as sugestões apresentadas por cada Estado-Membro, segundo os
critérios definidos nos arts 17º/3, par.2 e 17º/5, par.2, TUE. A única exceção a este
processo de designação é a nomeação do Alto Representante – nos termos do art 18º/1,
TUE, este órgão é escolhido pelo Conselho Europeu, por maioria qualificada e com o
acordo prévio do Presidente da Comissão.
17. Limites do primado do Direito da União Europeia
O primado foi criado e elaborado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça,
nomeadamente através dos Acórdãos COSTA VS ENEL (no qual se concluiu que a
transferência de direitos e obrigações da ordem jurídica interna para a ordem jurídica
comunitária implicava uma limitação definitiva dos poderes soberanos dos Estados-
Membros), SIMMENTHAL (do qual resulta que o juiz nacional tem o dever de considerar
inaplicável qualquer regra ou ato de Direito nacional contrário a uma regra ou ato de
Direito da União – efeito ab-rogatório do primado – e ainda que a entrada em vigor de
uma regra ou ato de Direito da União impede a aprovação de novos atos legislativos
nacionais que sejam incompatíveis com eles – efeito bloqueador do primado) e
FACTORTAME (onde o Tribunal de Justiça reconheceu ao juiz nacional o direito de, a
título cautelar, suspender a aplicação de um ato estadual suscetível de ser considerado
contrário ao Direito da União mesmo se o Direito interno não lhe conferir competência
para o efeito).
Quando o Tribunal de Justiça começou a criar, através da sua jurisprudência, o primado
do Direito da União Europeia, definiu que sempre que existisse um conflito entre uma
norma de Direito nacional e uma norma do Direito da União, havia uma supremacia desta
última, aparentando um carácter absoluto. Contudo, com o apoio de alguns tribunais
constitucionais nacionais, o TJ realçou a necessidade salvaguardar os direitos
fundamentais dos cidadãos (por exemplo, no Acórdão do Tribunal Constitucional alemão,
caso Solange I, e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional italiano, casos Frontini e
Granital). Ou seja, a prevalência do DUE sobre os Direitos estaduais não devia chegar ao
ponto de sacrificar direitos fundamentais que, numa relação de conflito entre um ato da
União e um ato estadual, se encontravam mais bem protegidos por este último. Para o
Direito da União Europeia, o primado é um valor essencial e uma exigência existencial,
mas a proteção dos direitos fundamentais é ainda mais importante.
18. Requisitos para a proibição pelo TFUE da prática de um preço
discriminatório:
Perante uma situação em que o juiz nacional é chamado a aplicar as normas relativas às
práticas restritivas da concorrência, deve delimitar os mercados relevantes em causa e
determinar se deverá aplicar somente o Direito nacional, ou se também tem de recorrer
às normas do Direito da União Europeia.
A Lei nº18/2003 (Lei da Concorrência) aplica-se a práticas restritivas da concorrência
“que ocorram em território nacional ou que neste tenham ou possam ter efeitos”.
Já os arts 101º e 102º, TFUE, aplicam-se às práticas que sejam “suscetíveis de afetar o
comércio entre os Estados-Membros”. O critério da afetação do comércio entre Estados-
Membros recebeu uma interpretação muito ampla pelo TJUE, implicando o
preenchimento cumulativos de três requisitos:
▪ Deve estar em causa uma atividade económica;
▪ A prática deve ser suscetível de afetar o comércio entre Estados-Membros (deve
ser possível determinar se a prática em questão pode vir a exercer uma influência
direta ou indireta, atual ou potencial, nas correntes de trocas entre os Estados-
Membros, prejudicando assim a realização dos objetivos de um mercado único
entre os Estados-Membros – de acordo com a jurisprudência do TJUE, presume-
se que existe afetação do comércio entre EMs sempre que esteja em causa um
mercado que cobre a totalidade do território de um EM);
▪ A afetação deve ser sensível. Por força do primado do Direito da União Europeia,
a lei da concorrência não pode levar à autorização de práticas proibidas pelos arts
101º e 102º, TFUE.
O art.º 102º, TFUE, que corresponde ao art.º 6º, da Lei da Concorrência, proíbe práticas
unilaterais pelas quais uma empresa usa o seu poder de mercado para adotar
comportamentos anti concorrenciais que prejudicam os consumidores – a aplicação do
artigo requer a verificação cumulativa das seguintes condições:
▪ Tratar-se de uma empresa com posição dominante em pelo menos um dos
mercados relevantes;
▪ Esta posição dominante tem de dizer respeito a uma parte substancial do mercado
interno;
▪ A empresa tem de adotar um comportamento abusivo;
▪ Esta situação tem de ocorrer no território nacional ou repercutir efeitos no mesmo
(Direito nacional) e, simultaneamente, afetar o comércio entre Estados-Membros
(Direito Europeu).
O TUE não explica o que se entende por posição dominante, pelo que a jurisprudência
procurou aflorar este conceito (inicialmente o Acórdão United Brands definiu-a como
uma “posição de poder económico detida por uma empresa que lhe permite afastar a
manutenção de concorrência efetiva no mercado em causa e lhe possibilita comportar-se,
em medida apreciável, de modo independente em relação aos seus concorrentes, aos seus
clientes e, finalmente, aos seus consumidores”).
No Direito nacional, a posição dominante é definida como a situação de uma empresa
que atua num mercado no qual não sofre concorrência significativa ou assume
preponderância relativamente aos seus concorrentes – no fundo, transmite-nos a ideia de
poder de mercado.
O Direito da Concorrência não proíbe a detenção de posições dominantes. O problema
existe a partir do momento em que a empresa com posição dominante utiliza o seu poder
de mercado para adotar práticas abusivas, nomeadamente através de comportamentos
discriminatórios. Segundo a jurisprudência, “uma empresa em posição dominante tem
uma responsabilidade especial de não prejudicar, através do seu comportamento, uma
concorrência efetiva e não falseada no mercado comum”.
19. Quatro principais fases da teoria da integração económica
Após a 2ª Guerra Mundial, os países europeus preocuparam-se em reforçar a cooperação
económica entre Estados soberanos. A par deste processo, à luz das explicações clássicas
e neoclássicas do comércio internacional, David Ricardo criou a teoria das vantagens
comparativas, da qual surgiu, consequentemente, uma nova modalidade de
relacionamento económico entre os países independentes, mas próximos do ponto de vista
territorial, político, cultural, social, jurídico e económico – a integração económica
internacional. Eram conhecidas diversas formas de integração económica internacional,
mas estas só se expandiram depois da 2ª Guerra Mundial.
A zona de comércio livre é a primeira fase da teoria da integração económica e, no
fundo, pressupõe a liberdade de circulação de bens entre os territórios dos Estados nela
participantes, sem compromissos quanto à unificação dos direitos aduaneiros por eles
aplicados, podendo dar lugar a operações de desvio de comércio para aproveitamento dos
encargos aduaneiros comparativamente mais baixos exigidos por algum dos Estados-
membros no respetivo território. Entre muitos exemplos da zona de comércio livre,
destacam-se a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), criada em 1960 pelo
Tratado de Estocolmo (por iniciativa do Reino Unido e da qual Portugal foi um membro
fundador), e o Acordo de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA), celebrado a 1
de janeiro de 1994, entre o Canadá, os Estados Unidos e o México.
A zona de livre comércio constitui o passo preparatório para a instituição da união
aduaneira.
A união aduaneira esteve na origem do processo que conduziu à unificação alemã no
século XIX, com antecedentes desde 1818 e consolidação em 1833, ampliando-se e
consolidando-se sucessivamente até à criação do Império Alemão em 1871. A sua criação
era um dos objetivos centrais do Tratado de Roma, que entrou em vigor em 1958, e foi
aplicado nos seis países que o assinaram. A união aduaneira visava eliminar todos os
direitos aduaneiros e restrições entre os Estados-Membros; criar uma pauta aduaneira
comum, aplicável em toda a Comunidade Europeia às mercadorias provenientes de países
terceiros; e adotar uma política comercial comum como vertente externa.
A terceira fase da integração económica é a criação do mercado interno, que foi prevista
ainda no Tratado de Roma de 1957, em vigor desde 1958. Exigia-se o estabelecimento de
um Mercado Comum (cuja denominação foi alterada pelo Ato Único Europeu para
“Mercado Interno”), de forma a permitir a livre circulação dos trabalhadores, dos serviços
e dos capitais, contribuindo para a melhoria das condições de vida dos Estados-Membros.
A União Económica e Monetária (UEM) constitui a última fase da integração
económica e resultou de uma Conferência intergovernamental realizada em dezembro de
1991, em Maastricht. É um processo que visa harmonizar as políticas económicas e
monetárias dos Estados-Membros, através da criação de uma moeda única, o euro. A
UEM realizou-se em três etapas:
▪ Na primeira, que decorreu entre 1 de julho de 1990 e 31 de dezembro de 1993,
reforçou-se a coordenação das políticas económicas e intensificou-se a
cooperação entre os bancos centrais;
▪ Numa segunda fase, entre 1 de janeiro de 1994 e 31 de dezembro de 1998,
procurou-se assegurar a estabilidade dos preços e finanças públicas sólidas. Foi
criado o Instituto Monetário Europeu e, posteriormente, o Banco Central Europeu
(BCE), em 1998.
▪ Por fim, a 1 de janeiro de 1999, houve uma fixação irrevogável das taxas de
câmbio e introduziu-se a moeda única nos mercados cambiais e nos pagamentos
eletrónicos. Foi nesta terceira fase que se deu a adoção do euro como moeda única.
OUTRA RESPOSTA
Após o Tratado de Nice, surge a Declaração de Laeken, que é aprovada pelo Conselho
Europeu de 15 de dezembro de 2001, em Bruxelas. Desta declaração resulta a convocação
de uma Convenção, com vista à preparação da Conferência Intergovernamental, que iria
decidir as questões essenciais para o futuro da União Europeia. Com efeito, a Convenção
Europeia sobre o Futuro da Europa, presidida pelo antigo Presidente francês Valéry
Giscard d’Estaing, deliberou publicamente, refletindo a preocupação de dotar a União de
uma melhor repartição de competências, de promover a democracia, a transparência e a
eficácia, e ponderou ainda a possibilidade de elaborar um texto constitucional para a
União.
As opções adotadas na Convenção foram transpostas para o Tratado da Constituição. O
Tratado foi aprovado pelos Chefes de Estado e de Governo dos 25 Estados-Membros a
18 de junho de 2004, mas carecia de ratificação por todos os Estados-Membros da União
Europeia. Apesar do apoio entusiástico do Parlamento Europeu e do “sim” dos referendos
espanhol e luxemburguês, este tratado não se chega a concretizar pela recusa de
ratificação de França e da Holanda (na sequência da derrota do projeto em referendos
populares). A sua rejeição em referendo por dois dos países fundadores da União, abriu
um período de reflexão sobre o modelo da Europa e a sua estratégia de ação no mundo, o
que levou ao abandono do Tratado Constitucional e à procura de uma nova solução para
a revisão dos Tratados.
O Tratado de Lisboa herdou todos os projetos e questões elencadas na Convenção
Europeia sobre o Futuro da Europa e posteriormente, no Tratado Constitucional.
21. O princípio da subsidiariedade na ordem jurídica europeia
O princípio da subsidiariedade encontra-se consagrado no art. 5º/3 do TUE e Protocolo
(2) relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.
A finalidade geral do princípio da subsidiariedade é garantir um determinado grau de
autonomia a uma autoridade subordinada a uma instância hierarquicamente superior, ou
a uma autoridade local em relação ao poder central. Isto implica uma repartição de
competências entre diversos níveis de poder, princípio que constitui a base institucional
dos Estados com estrutura federal.
Aplicado ao contexto da União Europeia, este princípio serve de critério regulador do
exercício das competências não exclusivas da União. Exclui a intervenção da União
quando uma matéria pode ser regulamentada de modo eficaz pelos Estados-Membros a
nível central, regional ou local e confere legitimidade à União para exercer os seus
poderes quando os objetivos de uma ação não puderem ser realizados pelos Estados-
Membros de modo satisfatório e a ação a nível de União puder conferir um valor
acrescentado.
Nos termos do art. 5º/3 TUE, para que as instituições da União Europeia intervenham
deverão estar preenchidas 3 condições prévias: a) não pode tratar-se de um domínio da
competência exclusiva da União (isto é, deve ser um competência não exclusiva); b) os
objetivos da ação considerada não podem ser suficientemente alcançados pelos Estados-
Membros (necessidade); c) devido às dimensões ou aos efeitos da ação considerada, esta
pode ser mais bem alcançada ao nível da União (valor acrescentado).
Este princípio é aplicável apenas aos domínios de competências não exclusivas
partilhadas entre a União Europeia e os Estados-Membros; aplica-se a todas a instituições
da União e tem importância prática, em particular, no âmbito dos processos legislativos;
nos termos do 5º/3 segundo parágrafo, e art. 12º/b do TUE, os parlamentos nacionais
velam pela observância do princípio de acordo com o processo previsto no Protocolo 2;
o respeito por este princípio pode ser controlado “a posteriori” (após a adoção do ato
legislativo), mediante recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
22. Medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa
Os arts. 34º e 35º do TFUE proíbem as medidas de efeito equivalente a restrições
quantitativas. No seu acórdão Dassonville, o TJUE considera que qualquer
regulamentação comercial aplicada pelos Estados-Membros, que é suscetível de entravar,
direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente o comércio intracomunitário deve ser
considerada medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa. A argumentação
do Tribunal de Justiça foi mais desenvolvida no acórdão Cassis de Dijon, que estabelece
o princípio segundo o qual qualquer produto legalmente fabricado e comercializado num
Estado-Membro, em observância das suas normas justas e tradicionalmente aceites, e dos
processos de fabrico desse país, deve ser admitido no mercado de qualquer outro
Estado-Membro. Esta foi a argumentação fundamental subjacente ao debate sobre a
definição do princípio de reconhecimento mútuo, aplicável na ausência de harmonização.
Em consequência, mesmo na ausência de medidas de harmonização europeias (direito
derivado da UE), os Estados-Membros são obrigados a permitir que mercadorias que são
legalmente produzidas e comercializadas num Estado-Membro circulem e sejam
colocadas nos seus mercados.
Um aspeto importante a sublinhar é o facto de o âmbito de aplicação do artigo 34.º do
TFUE ser limitado pelo acórdão Keck, nos termos do qual certas modalidades de venda
não são abrangidas pelo âmbito de aplicação desse artigo, desde que sejam de caráter não-
discriminatório (isto é, se são aplicáveis a todos os operadores que exercem a atividade
no território nacional, e afetam da mesma maneira, de direito e de facto, a comercialização
de produtos nacionais e de produtos provenientes de outros Estados-Membros).
O artigo 36.º do TFUE permite aos Estados-Membros adotar medidas de efeito
equivalente a restrições quantitativas, quando essas medidas são justificadas por um
interesse geral não-económico (por exemplo, moralidade pública, ordem pública ou
segurança pública). Tais derrogações ao princípio geral devem ser estritamente
interpretadas, e as medidas nacionais não podem constituir um meio de discriminação
arbitrária ou uma restrição dissimulada ao comércio entre Estados-Membros. Por último,
as medidas devem ter um efeito direto no interesse geral que visam proteger, e não podem
exceder o nível necessário (princípio de proporcionalidade).
Além disso, o Tribunal de Justiça reconheceu no seu acórdão Cassis de Dijon que os
Estados-Membros podem adotar derrogações à proibição de medidas de efeito
equivalente com base em exigências imperativas (atinentes, designadamente, à eficácia
dos controlos fiscais, à proteção da saúde pública, à lealdade das transações comerciais e
à defesa dos consumidores). Os Estados-Membros devem notificar a Comissão das
medidas derrogatórias nacionais. A fim de facilitar a supervisão de tais medidas
derrogatórias nacionais, foram introduzidos procedimentos de intercâmbio de
informações e um mecanismo de controlo.
23. As práticas restritivas da concorrência
O art.º 101º TFUE, que corresponde na legislação nacional ao art. 4º LC, proíbe
coligações entre empresas que restringem a concorrência (coordenação de
comportamento entre concorrentes – práticas horizontais, ditas “cartéis” – ou entre
empresas em diferentes níveis do mercado – práticas verticais). Esta proibição requer a
verificação cumulativa das seguintes condições:
i. Existir um acordo ou uma prática concertada entre empresas, ou uma decisão de
uma associação de empresas;
ii. Que ocorra no território nacional ou nele tenha ou possa ter efeitos – Direito
nacional – e que seja suscetível de afetar o comércio entre EMs – Direito Europeu;
iii. Que tenha por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência
no mercado nacional – Direito nacional – e no mercado interno – Direito Europeu;
iv. Que o seu efeito restritivo da concorrência seja sensível, i.e. significativo;
Porém, como o objetivo da política de concorrência é – no que aparenta ser a
presentemente ótima dominante e sem prejuízo da controvérsia existente nesse domínio
– a maximização do bem-estar dos consumidores, reconhece-se que nem todas as
coligações são negativas, sendo autorizadas aquelas que, embora restringindo a
concorrência de modo sensível, contribuam para aquele objetivo, preenchendo
determinados requisitos de isenção individual ou categorial. também se permitem
restrições concorrenciais necessárias para a prossecução de um serviço de interesse
económico geral.
Os acordos e decisões de associações de empresas que violem o art. 101º TFUE/ art. 4º
LdC, e que não cumpram todos os requisitos de uma isenção individual ou categorial,
estão viciados de nulidade.
Os conceitos de “acordo”, “prática concertada” e “decisão”, neste contexto, receberam
uma interpretação muito ampla e funcional. Trata-se de conceitos que “incluem, do ponto
de vista subjetivo, formas de conluio que são da mesma natureza e só́ se distinguem umas
das outras pela respetiva intensidade e pelas formas como se manifestam”.
ACORDOS: São considerados “acordos”, para efeitos do Direito da Concorrência -
contratos, acordos de transação judicial, acordos de cavalheiros, etc. Não é necessário que
o “acordo” tenha sido reduzido a escrito, que se consiga determinar a sua data exata, que
tenha uma pretensão de vinculação formal das partes ou que seja judiciável. A questão
coloca-se, portanto, essencialmente ao nível da prova de uma vontade comum acordada.
Nas palavras do Tribunal: “Segundo jurisprudência constante, para que haja acordo, na
aceção do artigo 101º do Tratado, basta que as empresas em causa tenham expressado a
sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada. Nestas
condições, não é pertinente analisar, contrariamente ao que defende a recorrente, se as
empresas em causa se consideraram obrigadas - jurídica, factual ou moralmente - a adotar
o comportamento acordado”.
A expressão da vontade comum pode ser implícita: “o facto de apenas um dos
participantes nas reuniões (de cartel) controvertidas ter revelado as suas intenções não é
suficiente para excluir a existência de um acordo ou de uma prática concertada”. Uma
empresa que participe numa reunião de cartel só não será́ considerada participante no
acordo se se tiver distanciado formalmente, perante as restantes participantes, do
conteúdo dessa reunião.
A dificuldade de obter provas da participação em cartéis, especialmente para cada
empresa e em cada momento dum cartel duradouro, levou o Tribunal a considerar a
existência de ― infrações únicas e continuadas, reconhecendo que “uma empresa pode
ser considerada responsável por um cartel global mesmo que se prove que só́ participou
diretamente em um ou vários dos elementos constitutivos deste, se, por um lado, sabia,
ou devia necessariamente saber, que a colusão em que participava, em especial através de
reuniões regulares organizadas durante vários anos, se inscrevia num dispositivo de
conjunto destinado a falsear o jogo normal da concorrência, e, por outro, que esse
dispositivo compreendia o conjunto dos elementos constitutivos do cartel”. Mas isto não
significa que o Tribunal aceite sempre que cartéis com objetos semelhantes ou
relacionados constituam um único cartel.
Chamamos a atenção para a problemática da fronteira entre acordos e práticas
unilaterais, em especial no contexto de relações verticais (pense-se, por exemplo, numa
circular enviada por um construtor de automóveis aos seus concessionários, exigindo a
adoção de um comportamento contrário aos interesses destes). A jurisprudência tem
oscilado drasticamente no nível de exigência na determinação da existência de acordo ou
consentimento. Embora não seja uma questão que surja frequentemente, os casos
marginais merecerão uma análise atenta das mais recentes orientações jurisprudenciais,
que nem sempre são instintivas
PRÁTICAS CONCERTADAS: Uma prática concertada é “uma forma de
coordenação entre empresas que, sem que se tenha chegado a concluir um acordo
propriamente dito, substituiu conscientemente os riscos da concorrência por uma
cooperação prática entre empresas”. Para cair no âmbito da proibição, esta cooperação
prática deve ter por objeto ou efeito levar a “condições de concorrência que não
correspondam as condições normais do mercado, tendo em conta a natureza dos produtos,
a importância número das empresas, bem como o tamanho e a natureza do mercado em
causa”.
A proibição de práticas concertadas tem um especial impacto ao nível da troca de
informações entre concorrentes: “importa recordar que os critérios de coordenação e de
cooperação constitutivos de uma prática concertada devem ser interpretados à luz da
conceção inerente as disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual
qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que
pretende seguir no mercado comum. Se é exato que esta exigência de autonomia não
exclui o direito dos operadores económicos de se adaptarem inteligentemente à atuação
conhecida ou prevista dos seus concorrentes, opõe-se todavia rigorosamente a qualquer
estabelecimento de contactos diretos ou indiretos entre tais operadores, que possa quer
influenciar a atuação no mercado de um concorrente atual ou potencial, quer permitir a
esse concorrente descobrir a atuação que o outro ou os outros operadores decidiram adotar
ou planeiam adotar nesse mercado (...). O Tribunal de Justiça declarou, assim, que, num
mercado oligopolístico fortemente concentrado (...), a troca de informações é suscetível
de permitir as empresas conhecer as posições no mercado e a estratégia comercial dos
seus concorrentes e, deste modo, de alterar sensivelmente a concorrência que existe entre
os operadores económicos. Daqui decorre que a troca de informações entre concorrentes
é suscetível de infringir as regras da concorrência quando atenua ou suprime o grau de
incerteza quanto ao funcionamento do mercado em causa, tendo por consequência a
restrição da concorrência entre empresas”.
Não é necessário provar que a prática concertada em questão tenha tido efetivamente
um efeito sobre o mercado, já que o que se proíbe são as práticas cujo “objetivo ou efeito”
seja de restringir a concorrência. Presume-se que a informação obtida através de certos
contactos entre concorrentes será́ depois usada por estes. Porém, esta posição suscita
dificuldades ao nível da prova e da distinção conceptual entre acordos e práticas
concertadas. O Tribunal parece ter- se mostrado recetivo a considerar lícita uma mera
troca de informações que não tenha chegado a produzir qualquer efeito, mas inverte-se a
esse nível o ónus da prova (ou seja, uma vez demonstrada uma prática concertada que
tem por objeto restringir a concorrência, as empresas participantes podem ainda procurar
demonstrar a sua não implementação ou ausência de efeitos no mercado).
Esta figura traduz uma reação à frequente dificuldade de provar a existência de cartéis.
Pretende-se permitir a prova da existência de coligações entre empresas (um “consenso
mental”) com base em indícios de cooperação com o objetivo ou resultado de eliminar a
incerteza no processo concorrencial (ainda que não haja propriamente um plano de Ação
comum). A dificuldade desta abordagem está em distinguir as situações de
comportamento paralelo justificadas pela estrutura e características do mercado relevante
(o paralelismo é típico de oligopólios) daquelas que só́ são justificáveis, numa atitude
economicamente racional de maximização do lucro, na presença de conluio entre
empresas. A demonstração da existência de práticas concertadas exige amiúde complexas
análises económicas, tendo o Tribunal já́ discordado da conclusão da Comissão Europeia
nalguns casos.
Embora, em teoria, as práticas concertadas sejam claramente distintas de acordos, na
prática a fronteira entre os dois conceitos é difícil de traçar, em especial no caso de
práticas complexas e duradouras. A jurisprudência comunitária aceitou, assim, a
possibilidade de qualificar uma prática como um acordo e/ou prática concertada.
DECISÕES DE ASSOCIAÇÕES DE EMPRESAS: Como uma das formas mais
naturais (e frequentes) de colusão num mercado, em especial na presença de um número
elevado de operadores, passa pela organização através de associações, o Direito da
Concorrência proíbe igualmente as decisões anti concorrenciais de associações de
empresas, permitindo a responsabilização a imposição de coimas a estas, em exclusivo
ou em paralelo com os seus membros.
Uma associação está sujeita ao Direito da Concorrência se os seus membros forem
empresas (pelo menos em parte das suas catividades), ou se os seus membros são, por sua
vez, associações de empresas (e.g., o caso da FIFA), não sendo necessário que a
associação tenha uma catividade económica própria.
Uma decisão de associação de empresas pode ser o próprio acordo constitutivo da
associação, as regras sobre o seu funcionamento, uma recomendação de cláusulas gerais
de contratação, um acordo concluído pela associação com outra entidade, etc. Como no
caso dos acordos, não é necessário que a decisão tenha a pretensão de ser vinculativa dos
membros.
São proibidos os acordos, práticas concertadas e decisões de associações de empresas
que tenham por objeto ou como efeito impedir, falsear ou restringir a concorrência. Esta
formulação geral da proibição é acompanhada de exemplos de alguns tipos de práticas
que se entendem restritivas da concorrência: “a) Fixar, de forma direta ou indireta, os
preços de compra ou de venda ou interferir na sua determinação pelo livre jogo do
mercado, induzindo, artificialmente, quer a sua alta quer a sua baixa; b) Fixar, de forma
direta ou indireta, outras condições de transação efetuadas no mesmo ou em diferentes
estádios do processo económico; c) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o
desenvolvimento técnico ou os investimentos; d) Repartir os mercados ou as fontes de
abastecimento; e) Aplicar, de forma sistemática ou ocasional, condições discriminatórias
de preço ou outras relativamente a prestações equivalentes; f) Recusar, direta ou
indiretamente, a compra ou venda de bens e a prestação de serviços; g) Subordinar a
celebração de contratos à aceitação de obrigações suplementares que, pela sua natureza
ou segundo os usos comerciais, não tenham ligação com o objeto desses contratos.”
Como indica a letra do Tratado e da lei, só é necessário demonstrar que uma prática
coletiva tem um efeito anti concorrencial se o seu objeto não for, por si só, anti
concorrencial. Isto facilita largamente a prova da violação do 101º TFUE / Art. 4º LdC
nos casos de acordos com objeto anti concorrencial. Nos restantes casos, é necessário
provar, pelo menos, a possibilidade de um efeito anti concorrencial, o que implica juízos
económicos complexos. Esta distinção parte da constatação de que certo tipo de práticas
colusivas tem uma probabilidade tão elevada de serem prejudiciais para os consumidores
que seria despiciendo e demasiado oneroso exigir a prova do seu efeito anti concorrencial.
O “Objeto” da prática corresponde ao seu sentido e fim objetivo, no respetivo contexto
económico e jurídico, e não à intenção das partes. A jurisprudência europeia tem vindo a
identificar os seguintes tipos de acordos como sendo anti concorrenciais pelo seu objeto:
a. Acordos horizontais de fixação de preços, de troca de informação sobre preços e
de repartição de mercados (parecendo lógico incluir-se também a restrição da
produção ou das vendas); e
b. Acordos verticais de fixação de preços ou de proibição de exportações.
Práticas colusivas com outros conteúdos (e.g. exclusividade territorial de distribuidores
sem proibição de exportações; nível mínimo de aquisições; requisitos no âmbito de
sistemas seletivos de distribuição; etc.) exigirão uma análise dos seus efeitos efetivos e
potenciais, após a definição do(s) mercado(s) relevante(s).
O tipo de efeito anti concorrencial varia consoante a prática, podendo reconduzir-se a
efeitos ao “nível dos preços, produção, inovação e variedade ou qualidade dos bens e
serviços”, no mercado em que estão cativos os participantes na prática ou em mercados
associados (a montante, a jusante ou conexos).
Esta análise pressupõe a consideração da situação hipotética dos mercados afetados na
ausência da prática em causa. Nas palavras do Tribunal, “é necessário, para efeitos de
analise da aplicabilidade desta disposição a um acordo, ter em conta o quadro concreto
em que produz os seus efeitos, nomeadamente o contexto económico e jurídico em que
operam as empresas em causa, a natureza dos produtos e/ou serviços visados por esse
acordo e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado”, o que inclui a
consideração dos termos em que os acordos em questão “se possam combinar com outros
para ter um efeito cumulativo na concorrência”. Isto implica, nomeadamente, que se tenha
em conta a existência de “feixes de acordos”.
As restrições contratuais têm, assim, frequentemente que ser submetidas a analises de
proporcionalidade, podendo ser permitidas na medida em que forem necessárias,
adequadas e proporcionais à promoção de objetivos legítimos. Este é especialmente o
caso de restrições acessórias ao objeto principal dum contrato (e.g. cláusula de não-
concorrência futura, por determinado período, num contrato de transmissão dum negócio)
Embora a letra do 101º TFUE possa sugerir que qualquer restrição da concorrência é
abrangida pela proibição, cedo foi esclarecido pelo Tribunal que apenas as restrições
“sensíveis” da concorrência são abrangidas (sejam elas por objeto ou efeito): “um acordo
não é abrangido pela proibição do artigo quando tenha apenas um efeito insignificante no
mercado, atendendo à fraca posição das pessoas em causa no mercado do produto em
questão”8. Esta precisão já́ consta da letra do Art. 4º LdC.
Note-se que esta discussão só tem sentido no âmbito da proibição de práticas coletivas,
já́ que a proibição do Art. 102º TFUE / Art. 6º LdC, por definição, pressupõe a existência
de poder de mercado (posição dominante) e, portanto, a possibilidade de afetação
sensível.
A aplicação da regra de minimis (“de minimis non curat praetor”) deve atentar na
existência de “feixes de acordos”. Quando se analise um acordo idêntico a muitos outros
presentes no mesmo mercado (e.g. contrato-tipo entre um fornecedor e seus
distribuidores), é o impacto cumulativo destes acordos idênticos que deve ser tido em
conta para aferir da sensibilidade da restrição, e não apenas o impacto do acordo
especificamente em causa. Assim, por exemplo, numa Acão que vise a declaração da
nulidade de um contrato de distribuição entre o principal produtor num dado mercado e
um pequeno distribuidor local, haverá́ ainda assim um efeito sensível se esse contrato for
idêntico aos restantes realizados pelo mesmo produtor (devendo até ter-se em conta as
práticas idênticas de outros produtores), sempre que se cubra, por essa via, pelo menos
30% do mesmo mercado.
Procurando aumentar a segurança jurídica na aplicação deste critério, a Comissão
publicou uma Comunicação sobre esta matéria (não vinculativa), a qual estabelece níveis
de quotas no mercado relevante abaixo dos quais se presume que um acordo (ou uma
prática concertada ou decisão de associação de empresas), não restringe a concorrência:
i. Acordos entre concorrentes horizontais (efetivos ou potenciais): quota agregada
das partes < 10%;
ii. Acordos entre não concorrentes (efetivos ou potenciais): quota individual < 15%;
ou
iii. No caso de efeitos cumulativos devidos a redes paralelas de acordos de várias
empresas (feixes de acordos): quota < 5%
Esta presunção a que o executivo europeu se Auto vinculou não se aplica a restrições
consideradas particularmente graves (e.g. fixação de preços, repartição de mercados,
limitação da produção...). Não é claro, porém, à luz da jurisprudência, que se possa aplicar
um nível de exigência maior, em termos de quotas de mercado, as restrições graves,
apenas devido à sua substância, já́ que o impacto no mercado depende essencialmente do
poder de mercado das partes. Em qualquer caso, o principal propósito da exclusão operada
na Comunicação é de reservar o direito de apreciação casuística.
O limiar dos 5% da quota de mercado tem origem jurisprudencial. Segundo o Tribunal:
“uma empresa que detenha cerca de 5% do mercado relevante é uma empresa com
importância suficiente para que o seu comportamento seja, em princípio, capaz de afetar
o comercio”.
Ainda assim, na áptica dum tribunal nacional, será́ sempre uma apreciação casuística
que se imporá́ , até por ser errado adotar uma análise puramente quantitativa neste plano.
Na prática, o Tribunal Europeu parece tender para considerar a existência de uma afetação
sensível sempre que essa afetação seja possível (ainda que de modo algo remoto).
O Art. 102º TFUE, que corresponde na legislação nacional ao Art. 6º LdC, proíbe
práticas unilaterais pelas quais uma empresa usa o seu poder de mercado para adotar
práticas anti concorrenciais que prejudicam os consumidores. Esta proibição requer a
verificação cumulativa das seguintes condições:
Tratar-se de uma empresa (ou mais que uma empresa) com posição dominante em pelo
menos um do(s) mercado(s) relevante(s)
I. Que a posição dominante diga respeito a uma parte substancial do mercado
interno;
II. Que a empresa adote um comportamento abusivo; e
III. Que ocorra no território nacional ou nele tenha ou possa ter efeitos – Direito
nacional – e que seja suscetível de afetar o comércio entre EMs – Direito Europeu.
A figura do abuso de posição dominante encontra-se ainda numa situação relativamente
fluida. Por um lado, tendo havido apenas um número reduzido de casos (em comparação
com as práticas coletivas), os princípios gerais estão claramente definidos, mas há́ vários
detalhes que ainda não foram inteiramente esclarecidos na jurisprudência. Por outro lado,
as críticas aos fundamentos e justificação económica das posições adotadas pela
Comissão Europeia levaram esta a iniciar um processo de revisão da aplicação do Art.
102º. Adotou-se em 2008 um documento que pretende clarificar a interpretação a seguir
no futuro quanto aos abusos com efeitos de exclusão do mercado.
POSIÇÃO DOMINANTE: O Tratado não explica o que seja uma posição dominante,
pelo que esta tarefa foi deixada à jurisprudência. Segundo o Tribunal, uma posição
dominante é “uma posição de força económica de uma empresa que lhe permite impedir
a manutenção de concorrência efetiva no mercado relevante, por ter o poder de se
comportar, em larga medida, de modo independente dos seus concorrentes, clientes e, em
última linha, dos seus consumidores”.
Trata-se, porém, de uma definição que parece mais restritiva do que se tem evidenciado
na sua aplicação jurisprudencial subsequente. De facto, o Tribunal esclareceu no ano
seguinte que uma posição dominante não impede que exista alguma concorrência, mas
permite à empresa em causa, “se não determinar, pelo menos ter uma influência
apreciável nas condições em que se desenvolverá a concorrência”.
No Direito nacional, a posição dominante é definida como a situação de uma “empresa
que atua num mercado no qual não sofre concorrência significativa ou assume
preponderância relativamente aos seus concorrentes”. Em suma, deter uma posição
dominante significa ter “poder de mercado”.
Caso uma empresa detenha um monopólio conferido por lei, a sua posição dominante
será́ indiscutível. Note-se que, como uma posição dominante é relativa ao mercado
relevante, até uma pequena empresa pode ser uma empresa com posição dominante,
dependendo das características do mercado relevante (local, regional ou nacional) em que
atue.
A definição de mercados assume um papel crucial no contexto da determinação da
existência de uma posição dominante. Quanto mais pequeno ou específico for o mercado,
mais provável se torna que a empresa visada detenha uma quota de mercado muito
elevada (e.g. uma empresa pode ter uma posição dominante no mercado das bananas, mas
não o ter se o mercado relevante incluir outras frutas).
A determinação da existência de uma posição determinante depende, em geral, “da
combinação de vários fatores que, considerados separadamente, não são necessariamente
determinantes”. Entre estes fatores, a quota de mercado da empresa visada é
especialmente importante, ainda que ponderada no contexto da estrutura do mercado (em
especial, por comparação com as quotas de mercado dos concorrentes). “Embora a
importância das quotas de mercado possa variar de um mercado para outro, pode-se
legitimamente concluir que quotas muito elevadas [e duradouras] são, em si mesmas, e
salvo em circunstâncias excecionais, prova da existência de uma posição dominante”.
Ou seja, embora uma quota de mercado elevada não se traduza automática e
necessariamente em poder de mercado, na prática, as quotas de mercado têm sido
utilizadas pela jurisprudência como estabelecedoras de presunções que permitem
simplificar análises que seriam, de outro modo, demasiado complexas, sem prejuízo de
invariavelmente se discutirem outros fatores. O Tribunal estabeleceu, em especial, a
presunção de que uma quota de mercado de pelo menos 50%, na ausência de
circunstâncias excecionais, é prova suficiente da existência de uma posição dominante.
Ao mesmo tempo, há́ exemplos de empresas com quotas de mercado inferiores a 50%
(rondando os 40%) que o Tribunal concluiu terem uma posição dominante, com base em
vários fatores.
Além da quota de mercado, merecem destaque outros fatores recorrentemente
considerados na jurisprudência:
a. barreiras à entrada ou à expansão do mercado: podem ser impostas por lei ou
resultarem da necessidade de investimentos avultados não recuperáveis, de
economias de escala, de acesso privilegiado a matérias-primas, da necessidade de
redes de distribuição especificas e complexas, da conduta da empresa dominante
(e.g. se esta oferece sistematicamente descontos seletivos clientes que sejam
visados por potenciais concorrentes); e
b. poder de mercado do lado dos clientes (e.g. frequentemente o caso das grandes
superfícies comerciais relativamente a produtores ou distribuidores).
Além da posição dominante detida por uma única a empresa, a jurisprudência europeia
admite a possível existência de uma posição dominante coletiva (questão tipicamente
associada aos mercados oligopolistas). Tanto o Art. 102º TFUE como o Art. 6º LdC falam
de abusos de posição dominante por “uma ou mais empresas”. Trata-se de uma das
questões mais controversas do Direito da Concorrência e cujas características estão ainda
por consolidar. No entanto, no ordenamento interno, a questão é facilitada por uma
previsão expressa na Lei da Concorrência, que descreve esta situação como “duas ou mais
empresas que atuam concertadamente num mercado, no qual não sofrem concorrência
significativa ou assumem preponderância relativamente a terceiros”. Note-se que a
atuação “concertada” das empresas que detém uma posição dominante coletiva implica a
possibilidade de aplicação simultânea do Art. 102º e do Art. 101º TFUE.
O Tribunal tem discutido a questão da dominância coletiva não apenas no contexto do
Art. 102º TFUE, mas também ao abrigo do sistema comunitário de controlo de
concentrações entre empresas, onde se usa como teste de proibição destas operações a
criação ou reforço de uma posição dominante. Os critérios utilizados na jurisprudência
do controlo de concentrações serão largos, mas não completamente, transponíveis para o
regime de práticas restritivas da concorrência. No âmbito do Art. 102º TFUE, o Tribunal
afirmou que: “nada impede, em princípio, que duas ou mais entidades económicas
independentes estejam, num dado mercado, unidas por laços económicos tais que, por
virtude desse facto, detenham uma posição dominante relativamente aos outros
operadores no mesmo mercado. Este pode ser o caso, por exemplo, quando duas ou mais
empresas independentes tem em conjunto, através de acordos ou licenças, uma vantagem
tecnológica que lhes confere o poder de se comportarem, em larga medida, de maneira
independente dos seus consumidores, dos seus clientes e, em última linha, dos seus
consumidores”.
Este conceito viria ainda a evoluir. Primeiro esclareceu-se que a “posição dominante
coletiva exige (...) que as empresas do grupo em causa estejam suficientemente ligadas
entre si para adotarem a mesma linha de atuação no mercado”. Pouco depois, o TJUE
fixou os princípios vigentes nesta matéria no Acórdão Compagine Maritime Belge140.
Veja-se ainda o resumo posteriormente elaborado pelo TGUE: “A conclusão de que
existe uma posição dominante coletiva depende da verificação de três condições
cumulativas: em primeiro lugar, cada membro do oligopólio dominante deve poder
conhecer o comportamento dos outros membros, a fim de verificar se eles adotam ou não
a mesma linha de Acão; em segundo lugar, é necessário que a situação de coordenação
tacita possa manter-se no tempo, quer dizer, deve existir um incitamento a não se afastar
da linha de conduta comum no mercado; em terceiro lugar, a reação previsível dos
concorrentes atuais e potenciais, bem como dos consumidores não põe em causa os
resultados esperados da linha de Ação comum”.
O Direito da Concorrência não proíbe a detenção de posições dominantes, ou sequer de
monopólios. Um concorrente pode ser tão eficiente que os restantes acabem por sair do
mercado ou verem as suas quotas tornarem-se ínfimas. O Direito da Concorrência só́ se
preocupa com essa situação a partir do momento em que a empresa com posição
dominante use o seu poder de mercado para adotar práticas abusivas. Desde que a
concorrência se faça puramente com base no mérito, o seu resultado será́ , em princípio,
benéfico para os consumidores.
Embora o Art. 102º TFUE / Art. 6º LdC não inclua uma norma de justificação, como
no caso do Art. 101º TFUE / Art. 5º LdC, a jurisprudência tem admitido a apresentação
de certos argumentos de defesa pelas empresas acusadas de abusos de posição dominante.
Embora se trate de discutir se existe de facto um abuso, a logica acaba por ser semelhante
aquela a que se assiste no contexto das praticas coletivas, especialmente devido à inversão
do ónus da prova: “embora o ónus da prova quanto à existência das circunstancias
constitutivas de uma violação do artigo 82.° CE impenda sobre a Comissão, é, todavia, à
empresa dominante em causa, e não à Comissão, que incumbe, se for o caso, antes do fim
do procedimento administrativo, invocar uma eventual justificação objetiva e apresentar
argumentos e elementos de prova a esse respeito. Compete, em seguida, à Comissão, se
pretender concluir pela existência de um abuso de posição dominante, demonstrar que os
argumentos e os elementos de prova invocados pela referida empresa não procedem e
que, por conseguinte, a justificação apresentada não pode ser acolhida.
O Art. 7º da Lei da Concorrência proíbe os abusos de dependência económica, também
chamados abusos de posição dominante relativa. A posição dominante relativa é diferente
da posição dominante (absoluta) prevista no Art. 102º TFUE e no Art. 6º LdC por não
traduzir uma independência geral de atuação no mercado relevante, mas apenas
relativamente a um fornecedor ou cliente específico.
Considera-se existir uma posição dominante relativa (dependência económica) se o
fornecedor ou cliente dependente não dispuser de “alternativa equivalente”, o que
sucederá apenas quando estejam preenchidos os dois requisitos do nº 3 do Art. 7º LdC:
(i) “o fornecimento do bem ou serviço em causa, nomeadamente o de distribuição, for
assegurado por um número restrito de empresas”; e ii) “a empresa não puder obter
idênticas condições por parte de outros parceiros comerciais num prazo razoável”.
Trata-se de uma norma pensada para as relações verticais (entre produtores e
distribuidores) e herdada da anterior legislação da concorrência (inspirada no Direito
alemão e francês), que não encontra paralelo no Direito Europeu, defronta-se com sérias
dificuldades de justificação económica e nunca foi aplicada pela Autoridade da
Concorrência. As propostas de reforma da Lei da Concorrência incluem frequentemente
a defesa da eliminação desta norma.
24. União aduaneira europeia
A existência de uma União Aduaneira envolve os seguintes aspetos:
▪ a livre circulação de mercadorias entre as duas partes da União Aduaneira
(inteiramente produzidas ou introduzidas em livre prática após a sua importação
de países terceiros);
▪ o alinhamento pela tarifa externa, incluindo regimes preferenciais, e a
harmonização de medidas de política comercial;
▪ a criação de normas comuns em matéria de legislação aduaneira e a prestação de
assistência mútua em matéria aduaneira;
▪ a criação de normas comuns relativamente a outras legislações (propriedade
intelectual, concorrência, tributação, etc.).
As trocas comerciais entre a UE e os países com os quais a UE tem uma União
Aduaneira são abrangidas por dois tipos diferentes de legislação:
I. Os produtos abrangidos pela União Aduaneira poderão circular livremente na
União Aduaneira caso:
▪ sejam inteiramente obtidos ou produzidos na União Aduaneira;
▪ sejam provenientes de países terceiros e tenham cumprido todas as
formalidades aduaneiras necessárias (incluindo, sempre que necessário,
o pagamento de direitos aduaneiros).
II. Para os produtos não abrangidos pela União Aduaneira, na maioria das vezes o
comércio basear-se-á no ACL celebrado entre os parceiros envolvidos e as
Regras de Origem serão estabelecidas nos Protocolos relevantes.
Em qualquer dos casos, os produtos terão de fazer-se acompanhar de um documento
que ateste o seu estatuto e/ou a sua origem.
A primeira das “quatro liberdades” económicas fundamentais, a livre circulação de
mercadorias, concretiza-se, designadamente, através da criação de uma União Aduaneira,
que “abrange a totalidade do comércio de mercadorias e implica a proibição, entre os
Estados-Membros, de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de quaisquer
encargos de efeito equivalente, bem como a adoção de uma pauta aduaneira comum nas
suas relações com países terceiros” (art. 28º/1 TFUE), esclarecendo-se que estão
abrangidos quer os produtos originários dos Estados-Membros, como os produtos
provenientes de países terceiros que se encontrem “em livre prática” ou “livre trânsito”
nos Estados-Membros (28º/2 TFUE). A adoção de uma Pauta Aduaneira Comum da
Comunidade (agora da União) – com direitos aduaneiros e outras condições comerciais
iguais em todos os Estados-Membros nas relações com países terceiros – simboliza a
harmonização nesse domínio através de uma política exterior comum.
Tanto a União Aduaneira como a Política Comercial Comum constituem domínios de
competência exclusiva da União, pelo que apenas ela pode legislar e adotar atos
juridicamente vinculativos em matéria de política aduaneira e de política comercial
comum. Consequentemente, os Estados-Membros só o poderão fazer se habilitados, e nos
termos de tal habilitação, com o fim de dar execução aos atos da União Europeia,
conforme o disposto no art. 2º/a/e e 3º/1 do TFUE.
Os direitos aduaneiros são imposições pecuniárias ou tributos (impostos) exigidos pelo
Estado aos importadores ou exportadores de produtos, respetivamente, provenientes de
outros Estados para consumo ou outro tipo de utilização no território nacional e também
com origem neste último e destinados a outros Estados, aquando da respetiva entrada ou
saída de um território aduaneiro autónomo, ou seja, exigidos por ocasião da transposição
da fronteira entre territórios aduaneiros distintos, podendo o respetivo montante
pecuniário ser calculado e basear-se na natureza, peso ou volume do bem.
Uma efetiva livre circulação de mercadorias exige, no plano intracomunitário, ou intra-
União: a proibição de (quaisquer) restrições quantitativas, correntemente designadas
“quotas”, ou “contingentes”, quer na “importação” (entrada no território do Estado-
Membro) quer na “exportação” (saída do território do Estado-Membro) de mercadorias,
de e para outros Estados-Membros, bem como de todas as medidas de efeito equivalente,
nos termos dos arts. 34º e 35º TFUE; aproximação de determinadas políticas económicas
dos Estados-Membros, ou até a respetiva unificação, quando necessária(s) ao bom
funcionamento do Mercado Interno – designadamente das políticas comercial e de
concorrência da União.
As proibições enunciadas às liberdades encontram-se previstas no direito comunitário
desde, pelo menos, o Tratado de Roma de 1957. Todavia, o cumprimento pleno da
liberdade de circulação de mercadorias foi gradual, tendo obrigado a um labor sucessivo
de precisão do respetivo conteúdo, através de uma cada vez mais densa jurisprudência do
Tribunal de Justiça, sempre que este foi chamado a resolver conflitos que opuseram
empresas e autoridades dos Estados-Membros na aplicação daquelas disposições
europeias. Na noção de acordo a substância prevalece sobre a forma. E a verdade é que
os acordos restritivos da concorrência são garantidos por um mecanismo de autotutela,
pelo menos enquanto servirem os interesses comuns dos infratores em detrimento dos
interesses dos seus clientes e dos consumidores em geral.
25. Brexit
Antes de ser abordado e analisado o processo de saída do Reino Unido da União
Europeia, fará sentido perceber que tipo de percurso o país fez no seu relacionamento
com a integração europeia.
Desde já, é de ressalvar a ausência do Reino Unido do clube dos fundadores, não
estando o mesmo disposto a aceitar a conceção supranacional que presidia às
Comunidades Europeias, tendo tomado a iniciativa de criar uma zona de comércio livre,
de modo a não ficar à margem dos efeitos que as Comunidades iam ter – assim, em 1960,
surge a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre).
Em 1963, face à evolução do processo de integração europeia, o Reino Unido decide
pedir a abertura de negociações com as Comunidades com vista à sua adesão. Apenas
com a renúncia de Charles De Gaulle à Presidência francesa, é dada uma resposta positiva
ao pedido, em 1973 (após duas prévias rejeições à adesão).
Quando a adesão se concretizou, abriu-se apenas uma via de relacionamento
relativamente distanciado, vindo o Reino Unido a marcar as suas sistemáticas distâncias
à integração europeia, nunca havendo uma tentativa de desempenhar um papel de relevo
nas Comunidades. São exemplos desse distanciamento a rejeição do euro e a recusa em
aceitar a Carta Social Europeia, entre outros.
Assim, a vitória do referendo pela saída do Reino Unido é lida de outra forma ao ser
levado em devida conta este processo histórico.
Em 1975, foi realizado um referendo sobre a permanência ou não do país na
Comunidade Económica Europeia (CEE), sendo que o resultado da votação foi favorável
à permanência.
Em 2016, após intensas negociações, os dirigentes da UE conseguiram um acordo de
modo a reforçar o estatuto especial do Reino Unido na União, após as preocupações
manifestadas pelo então Primeiro-Ministro David Cameron. Apesar deste novo quadro, a
23 de junho de 2016, os cidadãos do Reino Unido votaram a favor da saída da União
Europeia.
Em dezembro de 2016, os 27 dirigentes e os presidentes do Conselho Europeu e da
Comissão emitiram uma declaração em que anunciavam estar prontos a encetar
negociações com o Reino Unido assim que este tenha efetuado a notificação nos termos
do artigo 50º, do TUE - a notificação é levada a cabo a 29 de março, de 2017.
Em 19 de junho de 2017, Michel Barnier, negociador-chefe da UE, e David Davis,
ministro para a Saída da União Europeia, lançaram a primeira ronda de negociações do
Brexit. Além da estrutura das negociações e de futuras questões, a abertura das
negociações centrou-se no seguinte: questões relacionadas com os direitos dos cidadãos,
o acordo financeiro, a fronteira da Irlanda do Norte, outras questões de separação.
Após sete rondas de negociações, em 29 de janeiro de 2018, a Comissão Europeia
publicou o projeto de acordo de saída entre a União Europeia e o Reino Unido.
Depois de inúmeras negociações, rejeições de acordos e prorrogações do prazo, é
aprovado o acordo de saída, desenhado por Boris Johnson, novo Primeiro-Ministro inglês.
Johnson manteve grande parte da versão inicial do documento (concebida por Theresa
May), mas sem o ponto mais controverso, o chamado "backstop", uma cláusula que
pretendia evitar o retorno de uma fronteira fechada entre a Irlanda do Norte (que é parte
do Reino Unido) e a República da Irlanda (que é um país independente e integrante da
UE).
Às 23h00 GMT do dia 31 de janeiro de 2020, o Reino Unido deixou de ser um Estado-
Membro da União Europeia e entrou em vigor o Acordo de Saída, que garante uma saída
ordenada desse país da União Europeia. O Acordo de Saída prevê um período de transição
que se estende até 31.12.2020, durante o qual iniciar-se-á a negociação das futuras
relações entre a União Europeia e o Reino Unido.
Uma das grandes questões que se coloca é a da Irlanda: pela proposta de Johnson, uma
fronteira alfandegária será efetivamente criada entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido.
Algumas mercadorias, ao entrar na Irlanda do Norte serão submetidas a inspeções e terão
de pagar impostos de importação — o valor será reembolsado caso as mercadorias
permaneçam no território e não encaminhadas à Irlanda. Atualmente, não há postos de
fronteira, barreiras físicas ou verificações de pessoas ou mercadorias que cruzam da
Irlanda para a Irlanda do Norte.
Além do comércio, muitos outros aspetos futuros terão de ser negociados: polícia,
partilha de dados e segurança; normas e segurança da aviação; acesso às áreas de pesca,
etc.
26. Antecedentes das Comunidades
A história da Europa caracteriza-se pela constante procura da unidade.
No período pós-medieval, surge o imperativo ético e político de modelos idealistas de
“paz perpétua”. Este movimento europeu foi apoiado por vários visionários,
nomeadamente Antoine Marini, Duque de Sully, William Penn, Abade Saint-Perre,
Rosseau e Bentham.
No século XIX, destacam-se vários pensadores da unidade europeia: Conde Saint-
Simon, Benjamin Constant (defende a ideia de um federalismo assente na união pacífica
dos povos europeus e no respeito da liberdade das nações federadas) e Ernest Renan (olha
a Europa como uma confederação de Estados reunidos por uma ideia comum de
civilização).
Entre 1939 e 1945, concretizou-se o projeto de união dos países BENELUX (assinam
o Tratado da União Aduaneira em 1944, para vigorar a partir de 1948) e houve ainda a
tentativa, por parte de Winston Churchill e Jean Monet, de unir politicamente a França e
o Reino Unido (o não ocorreu).
Após a 2ª guerra mundial, a retórica europeísta é retomada no discurso de Winston
Churchill (1946), em Zurique, o qual apela à criação de uma estrutura que permita a
Europa “crescer e viver em paz”, através da reconciliação franco-alemã e do afastamento
do Reino Unido de um plano de integração política – “é preciso criar uma espécie de
Estados Unidos da Europa”.
A 13 de março de 1947, Truman discursa acerca da situação vivida na Grécia, realçando
a necessidade de assistência financeira e económica para restaurar a ordem e segurança
interna.
Perante o cenário catastrófico vivido na Europa, a 5 de junho de 1947 é anunciado o
Plano Marshall (assim denominado devido a George Marshall, o Secretário de Estado dos
EUA). Este plano visava motivar a integração europeia com a ajuda económica dos EUA,
através da implementação de um programa económico de reconstrução da Europa. Foi
necessário impor uma política de comércio livre, que administrasse o Plano Marshall.
Com efeito, a 16 de maio de 1948, fundou-se a Organização de Cooperação Económica
Europeia (OCEE, atual OCDE). O êxito do Plano Marshall criou uma experiência de
planeamento económico, de natureza diversa da planificação soviética, e habituou os
dirigentes europeus a trabalhar em conjunto.
Relativamente ao problema da rivalidade franco-alemã, Robert Schuman (Ministro
francês dos Negócios Estrangeiros), a 9 de maio de 1950, inspirado pelo discurso de Jean
Monet (um estadista que abdicou do plano político para se dedicar ao plano económico),
anunciou um plano que pôs em marcha o processo de integração europeia – esta política
vai ser traçada a partir da Declaração Schuman. Esta Declaração concretiza a ideia que
Churchill já expressara em Zurique – a paz e o progresso da Europa passariam
necessariamente pela cooperação franco-alemã. Schuman propõe que a produção franco-
alemã de carvão e aço seja colocada sob uma Alta Autoridade Comum.
A Declaração Schuman inicia, por outro lado, um método de construção europeia
faseada (tal como o mesmo afirma, “A Europa não se fará de uma só vez, nem de acordo
com um plano único. Far-se-á através de realizações concretas que criarão, antes de mais,
uma solidariedade de facto”). Pensou-se que a fusão dos interesses económicos
contribuiria para melhorar o nível de vida e constituiria o primeiro passo para uma Europa
mais unida, pelo que a adesão à CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) foi
aberta a outros países. A 3 de julho de 1950, os países do BENELUX, Itália, França e
Alemanha manifestaram publicamente a vontade de aderir à CECA (a criação desta
Comunidade ocorreu em 1951, com o Tratado de Paris).