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INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO II Patrícia Carneiro Da Silva
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO II Patrícia Carneiro Da Silva
Componentes do sistema
O sistema jurídico é composto por princípios jurídicos e por regras jurídicas.
PRINCÍPIOS JURÍDICOS
Podem ser tidos como programáticos, formais ou materiais:
o Princípios jurídicos programáticos – definem os fins e os objectivos que devem
ser alcançados pelo sistema jurídico. Apresentam, assim, uma função
orientadora: tornam obrigatórias todas as medidas que favoreçam a obtenção
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dos objectivos e fins definidos e proibidas todas as que impeçam vir a alcançá-
los.
EXEMPLO: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária – art 1º CRP.
A realização da democracia económica, social e cultural, bem como o aprofundamento da
democracia participativa – art 2º CRP
o Princípios formais – optimizam a efectividade do direito na sociedade, ao
construir uma ordem jurídica orientada pela justiça, pela confiança e pela
eficiência. O princípio da justiça impõe um sistema jurídico justo e equitativo; o
princípio da confiança impõe que o sistema jurídico seja previsível; o princípio da
eficiência torna obrigatório que o sistema jurídico procure sempre os melhores
resultados com o menor dispêndio de recursos (o sistema é tanto mais eficiente
quanto menos complexo for). Estes princípios formais são tanto constitutivos
como regulativos: o direito não pode ser construído sem eles e, ao mesmo
tempo, eles regulam situações jurídicas e fornecem critérios de solução.
o Princípios materiais – são a concretização dos princípios formais. Estes princípios
podem ser mais ou menos contingentes, realizando apenas uma função
regulativa. Cada um dos princípios formais é concretizado por vários princípios
materiais:
Princípio formal Princípios materiais
Princípio da igualdade: o que é igual deve ser
tratado de forma igual e o que é desigual deve ser
Princípio da justiça tratado de forma desigual;
Princípio da proporcionalidade: os meios
utilizados devem ser adequados aos fins que são
pretendidos.
Princípio de que a alteração da lei deve ser
Princípio da justificada por razões objectivas;
confiança/segurança Princípio de que a ignorância da lei não justifica a
sua violação;
Princípio da não retroactividade da lei nova.
Princípio da alocação dos meios necessários para
Princípio da atingir os objectivos definidos;
Princípio da alocação dos meios suficientes para
eficiência
atingir os objectivos definidos (evita redundâncias
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e a sobre-regulação).
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Autonomia do sistema
Para que o sistema jurídico seja autónomo, é necessário que este comporte princípios
e regras que possam ser avaliados como válidos à luz do próprio sistema. Parte da
doutrina defende que a validade do sistema jurídico assenta numa regra, diferente de
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Funcionamento do sistema
O sistema jurídico pode ser analisado de acordo com a sua construção, consistência e
abertura.
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Diferem por terem por base diferentes ideias de normatividade: a norma fundamental representa um
pressuposto da validade das regras do sistema, enquanto a regra de reconhecimento trata da aceitação
social das regras. A norma fundamental é necessária para justificar a validade das regras e a regra de
reconhecimento apenas reconhece como direito aquilo que é aceite como direito.
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Lógica da acção
A lógica da acção refere-se às opções de conduta – acção ou omissão – que o agente
tem em certo momento. Os agentes podem ser confrontados com regras contraditórias
sobre direitos ou deveres. Pode também dar-se o caso de haver direitos ou deveres cujo
gozo ou cumprimento impede o gozo ou cumprimento de outros direitos ou deveres.
Tal só nos mostra que, apesar da consistência do sistema, é impossível gozar todos os
direitos ou cumprir todos os deveres que constam de regras válidas.
Um sistema é consistente quando qualquer obrigação pode ser cumprida sem violar
qualquer outra e quando qualquer permissão pode ser gozada sem violar nenhuma
obrigação. Apesar disso, não é possível garantir que todos os direitos possam ser
gozados em simultâneo e que todas as obrigações possam, também elas, ser
simultaneamente cumpridas. Não é, assim, possível assegurar a consistência pragmática
de um sistema.
Esta impossibilidade de assegurar a consistência pragmática do sistema faz com que
se gerem por vezes conflitos, sendo possível isolar os mais frequentes: conflitos
interpessoais de direitos – impossibilidade de vários titulares gozarem dos mesmos
direitos ao mesmo tempo – e os conflitos unipessoais de deveres – impossibilidade de
uma mesma pessoa cumprir ao mesmo tempo todos os seus deveres.
o Colisão interpessoal de direitos homogénea – os direitos incompatíveis são
todos da mesma espécie;
o Colisão interpessoal de direitos heterogénea – os direitos conflituantes são de
espécies distintas;
o Conflito unipessoal de deveres homogéneo – os deveres pertencem à mesma
espécie;
o Conflito unipessoal de deveres heterogéneo – os deveres pertencem a espécies
diferentes.
A análise aos conflitos de deveres implica uma referência aos actos supra-rogatórios,
sendo estes aqueles cuja prática é louvada, mas cuja omissão não é censurada. O direito
positivo fornece alguns critérios para resolver este conflito de direitos: a
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Frequentemente relacionada com um direito potestativo
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Lei Nova
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Lei Antiga
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Direito transitório
É Direito Transitório aquele que resolve os problemas gerados pelos conflitos das leis no
tempo. Este direito pode ser material – aquele que escolhe, entre a LA e a LN, qual será
a lei aplicável – ou formal – direito que comporta regimes específicos, um regime
especial e um regime geral.
o Regimes específicos – vigoram em alguns ramos do direito, como direito penal
ou processual;
o Regime geral – está presente nos arts 12º e 13º CC. É, também, tido como o
regime legal subsidiário;
o Regime especial – está presente no art 297º CC.
O direito transitório formal é constituído por regras de conflitos, uma vez que é através
deste que é feita a escolha entre a LA e a LN.
Solução do conflito
Existem quatro soluções possíveis para resolução do conflito das leis no tempo e no
espaço:
o Aplicação imediata da LN – art 12, nº1, 1ª parte e nº2, 2ª parte CC
o Sobrevigência da LA – art 12º, nº 2, 1ª parte CC
o Retroactividade da LN – art 12, nº 1, 2ª parte e art 13º, nº 1 CC
o Retroconexão da LN – art 12º, nº 1, 1ª parte CC
Disto resulta a necessidade de avaliar se a situação jurídica tem um conteúdo
dependente ou independente do seu facto constitutivo. Admite-se, com base nisto, duas
hipóteses:
o A situação jurídica tem sempre o mesmo conteúdo, independentemente do
título que lhe corresponde – art 12º, nº 2, 2ª parte
EXEMPLO: direito de propriedade é sempre igual, seja o título da sua aquisição um contracto de compra
e venda, um testamento ou a usucapião.
o A situação jurídica tem um conteúdo variável, que depende do respectivo título
constitutivo – art 12º, nº2, 1ª parte CC
EXEMPLO: o conteúdo de um contracto
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das obrigações decorrentes de contratos já celebrados – não afecta os efeitos já produzidos por esses
contractos.
Essa retroactividade da LN tem limitações: na CRP está vedada a retroactividade a leis
penais5, fiscais e leis restritivas de direitos, liberdades e garantias. A lei interpretativa6,
por contrário, tem geralmente carácter retroactivo – art 13º, nº 1 CC. Essa
retroactividade não atinge, no entanto, nem o cumprimento de obrigações, nem a
sentença que adquiriu a força de caso julgado por não ser impugnável, nem a
transacção, nem os casos análogos. Se uma lei for falsamente interpretativa – lei é pelo
legislado classificada como tal ma apresenta afinal conteúdo inovador – esta não deixa
de poder ser retroactiva.
Pode dar-se o caso de a LN ser menos exigente quanto aos requisitos de validade de
um acto do que era a LA. Nesta situação, decorre do art 12º, nº2, 1ª parte CC que tal
não interfere com os actos jurídicos praticados aquando da vigência da LA. A aplicação
da LN não torna assim válido o que era inválido aos olhos da LA. No enanto, o mesmo
não acontece se a LN definir que são válidos actos que, praticados durante a vigência
da LA, preenchem os requisitos de validade presentes na LN – retroactividade in
mitius.
Pode dar-se o caso de esta retroactividade in mitius não ser expressa, por razão de a
LN não ter sentido confirmativo.
Na ordem jurídica portuguesa são admitidos os seguintes graus de retroactividade:
o Retroactividade ordinária (art 12º, nº 1, 2ª parte CC) – diz respeito a todos os
efeitos produzidos pela LA.
o Retroactividade agravada (art 13º, nº 1 CC) – diz respeito a apenas alguns dos
efeitos produzidos pela LA.
o Retroactividade quase extrema – diz apenas respeito ao caso julgado obtido
antes da vigência da LN.
o Retroactividade extrema – não diz sequer respeito ao caso julgado anterior à
vigência da LN. Só é admissível em matéria sancionatória e se a LN for mais
favorável ao agente.
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Exceptua-se o caso em que a LN apresenta um conteúdo mais favorável que a LA (mesmo que a LN mais
favorável não seja retroactiva, ela não deixa de ser aplicada às condenações anteriores à sua entrada em
vigor, pelo que se pode dizer ser este caso redundante).
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Lei que realiza a interpretação autêntica e um acto normativo
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PARTE II
§ 16º Linguagem e Direito
Generalidades
O direito constrói-se através de fontes e essas exprimem-se por meio de enunciados
linguísticos. A linguagem integra em si três dimensões:
o Extensional/conceptual/classificatória – a extensão de um conceito é
determinada pela realidade extralinguística a que ele se refere, pela sua
referência;
o Intencional/tipológica/ordinatória – a intenção de um conceito é o seu sentido,
isto é, o que ele exprime.
Só depois de se perceber qual a intenção de um conceito podemos determinar a
realidade a que este se refere.
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Dualidade da linguagem
Em termos de linguagem jurídica, mais importante do que a confirmação de que os
conceitos possuem uma extensão e uma intenção é entender que o legislador se pode
exprimir tanto numa dimensão conceptual ou classificatória – que se reflete nos
conceitos jurídicos – como numa dimensão tipológica ou ordinatória – que se reflete
nos tipos legais.
Cabe fazer a distinção entre conceitos determinados e conceitos indeterminados.
o Conceitos determinados – são conceitos que possuem uma extensão
determinada. Podem ser normativos ou empíricos.
o Normativos – são próprios de uma ordem normativa; são conceitos que
só têm significado no âmbito de uma ordem normativa. EXEMPLO: acto
jurídicos. Englobam-se nestes os que têm uma acepção extrajurídica, mas
que para o direito só valem com o seu sentido jurídico. EXEMPLO: documento
o Empíricos – são conceitos próprios de uma realidade não normativa.
EXEMPLO: águas
o Conceitos indeterminados – são conceitos de extensão variável, ou seja,
conceitos vagos. Comportam em si um núcleo de significado certo, rodeado por
significados cada vez mais incertos. O juízo sobre um conceito indeterminado
por levar a um de três resultados:
o O conceito indeterminado é indiscutivelmente aplicável;
o O conceito indeterminado é manifestamente não aplicável, porque a
situação concreta está para além do que pode ser abrangido pela sua
parte incerta;
o O conceito indeterminado não é nem manifestamente aplicável, nem
claramente não aplicável, porque apesar da situação não se incluir no
núcleo certo do conceito, não é certo que não se inclua na parte incerta.
O problema dos conceitos indeterminados prende-se com o facto de eles
poderem ser concretizados em diferentes medidas, só podendo ser
compreendidos e aplicados através de uma concretização em que se ajuíza o que
neles se integra e o que deles se exclui.
Cabe ainda falar dos chamados tipos legais. Podemos falar de um tipo médio e de um
tipo constitutivo.
o Tipo médio – o que se verifica com maior frequência; o que é mais comum.
EXEMPLO: aluno médio.
o Tipo constitutivo – o que é característico ou essencial; o que nos permite
distinguir uma realidade perante outras. EXEMPLO: gastronomia tipicamente
portuguesa.
Redução tipológica
Através da distinção entre linguagem classificatória e linguagem ordinatória podemos
retirar a distinção entre conceito e tipo. O conceito tem uma função classificatória,
dado que procura distinguir realidades; o tipo tem uma função ordinatória, permitindo-
nos ordenar várias realidades de acordo com as suas características. Enquanto o
conceito é sempre mais ou menos abstracto; o tipo é sempre mais ou menos concreto.
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Divisio e partitio
o Divisio – divisão da extensão de um conceito; divisão de um género nas suas
espécies;
o Partitio – decomposição de um conceito nas suas notas características.
A divisio é própria da dimensão conceptual da linguagem e, assim, de um sistema
fechado. A partitio, por contrário, é própria da dimensão tipológica da linguagem e,
portanto, de um sistema aberto. A divisio é a divisão de um conceito mais extenso – o
género – em todos os conceitos menos extensos – as espécies – que esse comporta. A
partitio é a decomposição de um conceito nos seus elementos característicos – esta está
na base da construção do tipo.
O tipo constrói-se com o decorrer de várias operações:
1. Através da partitio, o conceito é decomposto nos seus elementos típicos;
2. Cada um desses elementos é conjugado com elementos semelhantes de outros
conceitos.
EXEMPLO: contracto de compra e venda apresenta uma exigência formal (art 875º CC), pelo que, em
conjunto com outros negócios jurídicos, pode ser englobado no tipo dos negócios formais.
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Hermenêutica jurídica
A interpretação jurídica é a actividade através da qual se compreende uma fonte do
direito. Pode, neste âmbito, dizer-se que o texto da lei é a fonte e que a regra é o que
se extrai desse texto. Assim, é através da interpretação que se chega à regra contida
ana fonte. A interpretação não é, por isso, um acto. É um processo que visa retirar da
fonte o seu significado prático.
A tarefa da interpretação é a da concretização da lei em cada caso, pelo que é a
aplicação da lei. Para que se conheça a regra extraída da fonte é sempre necessário
saber quais os casos aos quais essa fonte é aplicável. Destes princípios retiram-se vários
corolários:
o A fonte não contém nenhum significado em si mesma, sendo o seu significado
aquele que lhe é dado pelo intérprete;
o Entre a fonte e a regra só se interpõem os casos – a fonte é o modo de revelação
da regra e esta revela-se através da aplicação dessa mesma fonte aos casos.
o Os casos a que a fonte é aplicável não são determinados depois da construção
da regra, mas sim antes desta. Parte-se do mundo para a regra e não o contrário.
o O conhecimento prático que resulta da interpretação da fonte antecede o
conhecimento teórico – conhecimento do que a fonte prescreve, pois que só é
possível saber o que a fonte prescreve depois de saber a que casos esta se aplica.
A hermenêutica jurídica implica um método, pois nenhuma fonte assegura ela mesma
a correcção da interpretação que a ela pode ser feita. Não sendo nunca um fim em si
mesmo, a hermenêutica jurídica é sim uma ferramenta para a aplicação do direito. A
vinculação à lei7 implica a vinculação ao método da sua interpretação.
A subsunção é a relação que existe entre duas extensões quando uma destas está
incluída na outra. Esta não representa um elemento da aplicação da regra, mas sim um
elemento da construção da regra aplicável, pois que esta é tida como o juízo que
permite determinar quais os casos abrangidos pela fonte e, assim, permite chegar à
regra. A subsunção levanta o problema da integração de um facto concreto na previsão
geral e abstracta da fonte. O problema está em perceber como podemos fazer a ponte
entre o facto concreto e a previsão geral e abstracta. A subsunção implica uma
comparação entre o facto concreto e o tipo legal utilizado na lei. Por exemplo, ao
conceito “abuso de direito” – conceito indeterminado – são subsumíveis todas as
condutas que possam ser consideradas abuso de direito.
A interpretação de uma fonte de direito é sempre pragmática, dado que a determinação
da regra presente numa fonte é sempre determinada pelos casos aos quais a fonte é
aplicável. Assim, é necessário comparar o facto em questão com factos que a lei, sem
7
Emanação directa do princípio da separação de poderes, pois esta significa que nenhum intérprete pode
assumir as funções que cabem ao legislador – o que está constitucionalmente previsto em relação aos
tribunais mas que se aplica a todos os intérpretes do direito.
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qualquer dúvida, se aplica. Se entre estes factos houver analogia, então o facto em
questão é subsumível à lei. A subsunção é assim a comparação entre vários conceitos.
Sem o caso não é assim possível extrair a regra contida na fonte.
Para que seja interpretada, a lei pode ser decomposta um elemento determinado –
estatuição – e num elemento indeterminado – previsão da lei. Disto resulta o facto de
o resultado da previsão ter de ser compatível com a estatuição. A interpretação é assim
feita da estatuição para a previsão. Este processo é sempre necessário, uma vez que
sem ela não é possível a compreensão da fonte. Contrária a isto é a ideia de que a
interpretação não é necessária quando não houver ambiguidade do texto ou quando o
significado da fonte for claro. No entanto, esta perspectiva assenta na ideia errada de
que a interpretação apenas serve para clarificar, quando na realidade esta é
indispensável para determinar o significado da fonte. Só após a interpretação se pode
saber qual a regra que dela resulta de forma inequívoca.
A interpretação jurídica enfrenta, para além de problemas específicos da ordem
jurídica, problemas de:
o Ambiguidade sintática – verifica-se quando a construção da expressão origina
dúvidas sobre o seu significado. EXEMPLO: “A Maria trouxe vinho do Porto”
o Polissemia ou ambiguidade semântica – verifica-se quando a mesma palavra
pode ter vários significados, dependendo do contexto. EXEMPLO: “É proibido comer
ou fumar na sala de aula”
o Vagueza do significado – verifica-se quando as palavras possuem um significado
indeterminado. EXEMPLO: “É proibida a circulação de carros com pneus gastos”.
o Modificabilidade do significado – verifica-se quando as palavras variam de
significado ao longo do tempo. EXEMPLO: liberdade.
A par destas existem complicações de ordem jurídica, tais como:
o Proliferação legislativa – há uma enorme produção legislativa impossibilitando
assim a certeza de que, na interpretação de uma fonte, não se está a descorar
uma outra determinada para essa interpretação.
o Hermetismo da linguagem jurídica – a linguagem usada na escritura das leis nem
sempre é clara para aqueles com um conhecimento dito normal (de não jurista)
do direito.
Os critérios de interpretação da lei estão presentes no art 9º CC, estando determinado
que a existência de uma lei interpretativa não exclui a necessidade de interpretação.
Influencia apenas no facto de ser necessário interpretar a lei interpretada de acordo
com a lei interpretativa e vice-versa.
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Finalidades da interpretação
No que toca à finalidade da interpretação, podemos identificar uma orientação
subjectivista e uma orientação objectivista.
o Orientação subjectivista – a finalidade da interpretação é a reconstrução da
intenção do legislador. Caso haja um conflito entre o legislador e um intérprete,
prevalece a posição do legislador. (Savigny e Windsheid)
o Orientação objectivista – a finalidade da interpretação é a determinação do
significado objectivo da lei, independentemente de qual tenha sido a intenção
do legislador. De acordo com esta, em caso de conflito, prevalece a posição do
intérprete.
Escolher uma orientação objectivista ou subjectivista pode influenciar todo o processo
de interpretação e, por conseguinte, a regra que pode resultar desse mesmo processo.
Actualmente, apesar de em versões distintas, tende a prevalecer a concepção
objectivista. Em todas essas versões está presente que o que realmente importa é o
sentido da lei. Estas concepções geram uma importante consequência – não há
nenhuma continuidade entre a produção da lei e a sua interpretação.
A favor das correntes objectivistas estão os argumentos da igualdade perante a lei, da
impossibilidade de determinar a intenção do legislador histórico8 e da necessidade de
assegurar a integração da lei no ambiente social. Relativamente à argumentação
utilizada em tribunal, é frequente invocar a relevância da vontade do legislador, pois
essa é a intenção com a qual o legislador agiu.
Se a lei é um enunciado linguístico através do qual o legislador estabelece um
determinado dever para os destinatários, então cabe saber se, independentemente de
se adoptar uma orientação objectivista, não importa sempre ter em conta a vontade
do legislador. A resposta é negativa. Mesmo que essa vontade seja conhecida, isso não
justifica nem que o legislador possa invocar contra eles a sua intenção nem que os
destinatários possam utilizar a seu favor a intenção do legislador. Isto porque ninguém
pode ser prejudicado por uma intenção do legislador que não está expressa no texto
da lei. O que conta, por força do art 9º CC, é o que está expresso na lei. É aqui que reside
a diferença entre a interpretação da lei e a interpretação de negócios jurídicos – na
interpretação da lei, a intenção do legislador não se pode sobrepor ao sentido objectivo
da lei; na interpretação de negócios jurídicos, para que se proteja o declarante, há uma
prevalência da sua vontade real.
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Há uma impossibilidade de definir uma vontade comum a todos os intervenientes no processo
legislativo.
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Elementos da interpretação
A interpretação da lei tem de obedecer a determinadas regras. A essas regras dá-se o
nome de elementos da interpretação. É com estas que se torna possível não só escolher
entre várias interpretações, como determinar se a interpretação feita é correcta ou
incorrecta.
Savigny estabeleceu, como elementos da interpretação: o elemento gramatical
(sentido literal da lei), o elemento lógico (construção lógica da lei), o elemento
sistemático (conexão sistemática existente entre as várias regras que constam da lei) e
o elemento histórico (circunstância que motivou a elaboração da lei). Os elementos que
hoje se utilizam não diferem muito destes estabelecidos por Savigny. A interpretação
da lei resulta da análise da sua letra, do que resulta da sua história, da sua teleologia
e da sua contextualização no sistema jurídico em que se insere.
Consideram-se, actualmente, como elementos da interpretação: o elemento literal, o
elemento histórico, o elemento sistemático e o elemento teleológico. Os elementos
histórico e sistemático, em conjunto, são elementos de contexto e, em conjunto com o
elemento teleológico, representam os elementos não literais da interpretação.
O presente no art 9º CC aplica-se a qualquer lei em sentido material, pelo que se
estende aos actos regulamentares. Este processo vale, mutatis mutandis, para a
interpretação de cada um dos seus preceitos. Se a regra jurídica é o resultado do
processo de interpretação, então é errado falarmos em “interpretação da regra”.
No ordenamento português, distingue-se entre uma hierarquia relativa ao método de
interpretação e uma hierarquia relativa ao resultado da interpretação.
o Hierarquia relativa ao método da interpretação – advém do art 9º, nº 1 CC que
a interpretação deve reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos,
pelo que há uma superioridade do elemento gramatical perante os outros;
o Hierarquia relativa ao resultado da interpretação – advém também do art 9º,
nº 1 CC que os elementos não literais prevalecem sobre o elemento gramatical.
A partir dos vários elementos de interpretação é possível construir uma meta-regra de
prevalência – a dimensão pragmática da lei prevalece sobre o que resulta da sua letra.
Os elementos da interpretação apresentam um valor próprio, devendo todos eles ser
utilizados e nãos e podendo utilizar mais do que os resultantes do art 9º CC. São, estes,
critérios normativos. Tendo cada um deles um valor próprio conclui-se que valem de
forma diferente em cada situação.
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Significado literal
O processo de interpretação da lei começa com a análise da sua letra, com o objectivo
de compreender o seu significado. A letra da lei não é apenas um dos elementos da
interpretação, mas sim a base textual da mesma. Esta deve, como resultado de uma
análise do art 9º CC de acordo com uma perspectiva actualista, ser interpretada de
acordo com o seu significado actual.
O elemento literal tem uma dimensão sintática – que diz respeito à estrutura gramatical
da lei e que a considera na total do seu enunciado – e uma dimensão semântica – que
se refere ao significado das palavras utilizadas na lei e no contexto da sua estrutura. Na
determinação do significado literal da lei é necessário observar certas regras: o
intérprete não deve deixar de atribuir um significado a todas as expressões da lei e é
necessário evitar a atribuição de significados incompatíveis – significados que não
respeitam relações de implicação ou de equivalência entre palavras ou expressões.
É necessário distinguir as palavras de linguagem jurídica, de linguagem técnica e de
linguagem corrente.
o Palavras de linguagem jurídica – devem ser interpretadas de acordo com o
significado que estas possuem no direito em geral ou no ramo do direito em que
se insere a lei interpretada. É neste âmbito que reside a importância das
definições legais.
o Palavras de linguagem técnica – devem ser interpretadas com o significado que
elas têm no respectivo campo do conhecimento, a menos que haja que concluir
que elas são empregues com o seu sentido mais corrente.
o Palavras de linguagem corrente – devem ser interpretadas com o significado
que possuem no seu uso quotidiano.
A letra da lei tem um valor próprio, impondo assim dois limites – há que considerar que
o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que o legislador soube exprimir o
seu pensamento em termos adequados; não pode ser considerado pelo intérprete um
significado que não tenha na letra da lei a mínima expressão verbal. Deste segundo
princípio retiram-se duas ilações – a letra da lei representa um limite a todos os outros
elementos da interpretação; não pode ser qualificada como interpretação a conclusão
do intérprete que não seja compatível com a letra da lei.
A letra da lei pode sempre ser ultrapassada pelo espírito da lei, uma vez que nada exige
que o intérprete se cinja apenas ao que na lei está directamente expresso. O que se
exige, sim, é que haja uma correspondência, ainda que mínima se for esse o caso, entre
a interpretação e a letra da lei. Cabe aferir, então, até onde pode ir a interpretação. De
acordo com uma perspectiva objectivista, a interpretação da lei pode ir até onde os
elementos não literais da interpretação permitirem. Tanto se pode ficar pelo
significado literal da lei, como se pode restringir – interpretação restritiva – ou alargar
– interpretação extensiva – esse mesmo.
A interpretação da lei parte do seu significado literal para a consideração dos
elementos não literais da interpretação. No entanto, após isso, é necessário retornar
ao elemento literal para aferir se a interpretação foi feita conforme o significado desse.
Este é um princípio que advém do art 9º, nº2 CC.
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Elemento histórico
O elemento histórico, também elemento genético, diz respeito à justificação da fonte.
É o que nos informa acerca do motivo que levou à produção da fonte, dos factos que
levaram o legislador a produzir uma lei sobre determinada matéria e acerca de quais
as necessidades que era suposto a lei satisfazer. Está presente no art 9º, nº 1, CC.
Dentro deste elemento podemos identificar aspectos objectivos e subjectivos:
o Aspectos objectivos – dizem respeito à situação social e jurídica existente no
momento da formação da lei. Aqui pertencem os precedentes normativos e
doutrinários, bem como a occasio legis.
o Precedentes normativos
Históricos – leis que antecederam a lei que se interpreta;
Doutrinários – leis vigentes em diferentes ordenamentos
jurídicos aquando da formação da lei.
o Precedentes doutrinários – diz respeito ao ambiente doutrinário no qual
foi elaborada a lei em interpretação.
o Occasio legis – trata do condicionalismo que esteve presente na
formação da lei. Qualquer lei tem implicações na realidade política,
social, económica e cultural que se vive no momento em que esta vigora.
o Aspectos subjectivos – dizem respeito à intenção do legislador que produziu a
lei. Para ajudar a determinar essa intenção podem ser usados certos meios
auxiliares: exposições oficiais de motivos, trabalhos preparatórios, anteprojectos
e projectos que antecederam a sua versão final, bem como a discussão que teve
lugar nos órgãos legislativos. Pode também contar-se com os preâmbulos dos
diplomas legais. Disto tudo resulta que a intenção do legislador é muito mais
uma construção do intérprete do que, de facto, a intenção do legislador
propriamente dita.
O elemento histórico tem ainda uma dimensão evolutiva, que se resume à necessidade
de saber qual a interpretação que tem sido dada, pela jurisprudência e pela doutrina,
a uma determinada lei após o início da sua vigência. Torna-se, para isso, essencial
conhecer a aplicação da lei, pois só através disso poderemos interpretar essa fonte.
Elemento sistemático
O elemento sistemático tem por base o princípio segundo o qual o significado de uma
lei resulta do seu contexto. Este elemento impõe uma interpretação sistemática, mas
não garante por si que o resultado dessa interpretação seja conforme o sistema. Caso
essa solução não seja, de facto, conforme o sistema, torna-se necessário resolver o
conflito normativo. A resolução pode passar pela revogação ou invalidade de uma das
regras, pela classificação de uma como excepcional ou especial perante a outra, ou
ainda pela escolha de uma dessas por meio de uma ponderação dos respectivos
interesses.
O elemento sistemático está consagrado no art 9º, nº 1 CC, quando este impõe que se
considere a unidade do sistema jurídico. É deste que resulta a imposição de a lei seja
interpretada no respectivo ambiente sistemático, pois nenhuma lei deve ser
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interpretada enquanto separada das outras leis com as quais naturalmente se relaciona.
Este elemento sistemático orienta-se por meio do princípio da igualdade, na medida
em que o que é igual deve ser tratado de forma igual. O facto de a interpretação ocorrer
no contexto em que a lei vigora faz com que seja evitada ambiguidade semântica das
palavras da lei.
Podemos considerar o elemento sistemático segundo uma perspectiva histórica e
segundo uma perspectiva actualista:
o Perspectiva histórica – o intérprete considera a integração sistemática que
existia no momento de produção da lei;
o Perspectiva actualista – o intérprete considera a integração sistemática da lei na
actualidade.
O art 9º CC aponta claramente para que este elemento seja entendido segundo uma
perspectiva actualista. O elemento sistemático expressa-se em duas vertentes:
o Relação de contexto – o intérprete só pode interpretar a lei depois de a
enquadrar no conjunto mais vasto em que esta se integra;
o Princípio de consistência – princípio que representa não só uma consequência
da unidade do sistema jurídico mas também um preceito necessário para essa
unidade.
O elemento sistemático traduz-se em duas regras interpretativas, uma de carácter
positivo e uma outra de carácter negativo.
o Regra positiva – o significado atribuído à lei tem de ser o que mais se conforma
com as restantes fontes ou com os outros preceitos da mesma fonte.
o Regra negativa – impede que o intérprete atribua à lei um significado que não
seja consistente com outras fontes ou com outros preceitos da mesma fonte.
No enquadramento sistemático da lei podemos ter em conta um contexto vertical e um
contexto horizontal:
o Contexto vertical – trata da conexão da lei com outras leis de hierarquia superior
que tratam da mesma matéria. Este contexto implica que tenhamos por base a
fonte de produção, havendo assim a considerar diversas modalidades de
interpretação:
o Interpretação conforme à Constituição;
o Interpretação conforme ao direito europeu;
o Interpretação conforme ao direito ordinário.
o Contexto horizontal – trata da conexão da lei com outras leis de igual hierarquia
que tratam da mesma matéria, tanto no mesmo como em diferentes regimes
jurídicos. Este contexto mostra-se relevante quando tratamos da interpretação
de uma lei especial ou excepcional. A interpretação de uma lei especial tem de
ter em conta a respectiva lei geral, bem como a interpretação da lei excepcional
tem de ter em conta a respectiva lei geral. Já a interpretação da lei remissiva tem
de ter em conta a lei para a qual essa primeira remete.
Da unidade do sistema jurídico decorre o princípio da consistência. Este mostra-se
essencial não só para encontrar o significado da lei na unidade do sistema jurídico, mas
também para afastar significados incompatíveis com essa mesma unidade. Conclui-se
assim que a unidade do sistema é construída pelo intérprete através da sua actividade
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
de interpretação das fontes. Essa consistência é essencial não só no sistema jurídico mas
também em cada um dos seus subsistemas.
Elemento teleológico
O elemento teleológico diz respeito à finalidade da lei. Procura, assim, determinar quais
são os objectivos que a lei pode prosseguir. Distingue-se do elemento histórico porque,
enquanto este procura justificação para a produção da lei, o elemento teleológico
procura a finalidade que justifica a vigência dessa mesma lei. Impõe-se ao intérprete,
assim, que descubra a ratio legis. Este elemento pode ser retirado do art 9º, nº 1 CC e
pretende determinar o espírito da lei. Para entender a finalidade da lei, é necessário
primeiro entender o que esta estatui, pelo que poderá ser necessário considerar o
enquadramento sistemático da lei.
A teleologia pode ser observada de acordo com uma perspectiva histórica e de acordo
com uma perspectiva actualista:
o Perspectiva histórica
o Perspectiva histórica subjectivista – o intérprete procura discernir a
finalidade que o legislador procurava prosseguir com a lei;
o Perspectiva histórica objectivista - o intérprete procura discernir a
finalidade que a lei poderia realizar no momento em que foi elaborada;
o Perspectiva actualista – o intérprete atribui à lei um significado que corresponda
à finalidade que ela pode realizar no momento em que está a ser interpretada.
Manda o Direito Positivo, no art 9º, nº 1 CC, adoptar a perspectiva actualista.
Para determinar a teleologia da fonte mostra-se necessário observar o ambiente sócio-
económico, político e cultural em que a fonte está a ser interpretada. Para além destes,
é também necessário atender a factores jurídicos. A interpretação da lei deve
considerar princípios do sistema jurídico e do respectivo subsistema em que a lei se
insere. Disto se retira que a lei deve ser interpretada em consonância com os princípios
formais e materiais que concretiza. Cabe ao intérprete descobrir qual o princípio
formal ou material que fundamenta a lei. Uma boa interpretação será aquela que
conseguir uma optimização do princípio subjacente à lei interpretada. Em caso de
dificuldade do intérprete em definir o princípio subjacente à lei em interpretação, há
que realizar uma ponderação entre os princípios de justiça, confiança e eficiência e
escolher o que melhor se adequar aos interesses que a lei protege.
Para que seja determinada a teleologia da fonte, é preciso atentar às consequências da
mesma. Disto resulta que, havendo duas ou mais teleologias possíveis, cabe ao
intérprete evitar as que sejam incompatíveis com o sistema e escolher a que melhor
se concilia com esse mesmo sistema. A melhor interpretação é assim a que acrescenta
alo de novo ao sistema e permite dessa maneira proteger interesses que antes não se
encontravam protegidos.
Para que a interpretação seja feita de forma certeira mostra-se necessário que se tenha
atenção a experiências da vida quotidiana, através das regras de experiência. É com
estas que o intérprete ganha uma noção do que melhor se adequa à normalidade da
vida em sociedade.
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
Interpretação declarativa
A interpretação declarativa é a que resulta da coincidência entre o significado literal e
o espírito da lei. É, portanto, uma interpretação secundum litteram, em que a
dimensão semântica coincide com a dimensão pragmática.
Podemos ter uma interpretação declarativa lata, média e restrita:
o Interpretação declarativa lata – aquela em que o significado literal é o mais
extenso possível;
o Interpretação declarativa restrita – aquela em que o significado literal é o
menos extenso possível;
o Interpretação declarativa média – aquela em que o significado literal é o que
corresponde ao significado mais frequente da palavra.
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
Interpretação reconstrutiva
O significado literal e o espírito da lei podem, no entanto, não coincidir. Se assim
acontecer, estamos perante uma interpretação reconstrutiva – é necessário reconstruir
o significado da lei a partir do seu texto e com apoio no seu espírito. Só vale como
espírito da lei, no entanto, aquele que tenha um mínimo de correspondência com a
letra da mesma – art 9º, nº 2 CC.
Esta atribuição de um significado à lei interpretada pode ser mais ampla ou mais
restrita, pelo que podemos distinguir a interpretação extensiva da interpretação
restritiva:
o Interpretação extensiva – é aquela em que o resultado da interpretação é mais
amplo do que o significado literal da lei. O espírito da lei ultrapassa a sua letra,
ficando nós com uma interpretação praeter letteram, em que a dimensão
pragmática da lei vai para além da sua dimensão semântica. Disto resulta que
haverá casos que não são abrangidos pela letra da lei, mas que acabam por o ser
pelo seu respectivo espírito. A interpretação extensiva tem presente um juízo de
agregação – o que vale para a parte deve valer igualmente para o todo. Cabe
referir que a interpretação extensiva pode ser a base da criação de uma regra
excepcional.
Diferente da interpretação extensiva é a interpretação declarativa lata, pois que nesta
segunda o significado da lei é o seu significado literal mais extenso, não indo o espírito
da lei para lá do que é esse significado literal. Também não deve a interpretação
extensiva ser confundida com os casos em que cabem na previsão legal não só os casos
nela presentes mas também os casos a eles análogos.
o Interpretação restritiva - o resultado da interpretação é mais restrito do que é o
significado literal da lei, pois que o espírito da lei fica aquém da letra da mesma.
Esta é uma interpretação citra litteram, na qual a dimensão pragmática da lei
fica aquém da sua dimensão semântica. Prevalece um juízo de desagregação –
o que vale para o todo só deve valer para a parte. Nesta interpretação, a letra da
lei é derrotada pelo seu espírito, implicando este que a lei seja interpretada
como se comportasse uma excepção. Há uma self defeasibility, pois que a lei se
diminui a si mesma. EXEMPLO: a letra da lei define que essa lei é aplicável ao caso C, com a
característica x. Pela interpretação restritiva esta não se aplicará, por exemplo, ao caso D com as
características x e y. A lei aplica-se a todos os casos que tenham a característica x, excepto
aqueles que tenham outra para além dessa.
A interpretação restritiva leva assim à inaplicabilidade da lei a factos ou
situações que são abrangidos pela sua letra, pelo que estes terão que ser
regulados por outro regime jurídico. Disto resulta a necessidade de saber como
se determina esse regime jurídico, o que leva a três situações:
o O caso não tem relevância jurídica, pertencendo assim ao espaço livre
de direito;
o A interpretação restritiva da lei deixa espaço para que se aplique uma
outra lei, também vigente no ordenamento;
o A interpretação restritiva da lei não leva à aplicação de uma outra lei
vigente, pois que este não tem em si nenhuma lei que se aplique aos
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
factos ou situações que não são abrangidos ela lei interpretada. Dá-se
assim a construção de uma regra excepcional que se aplicará aos factos
ou situações em questão.
Diferente da interpretação restritiva é a interpretação declarativa restritiva. Nesta, o
significado da lei é o seu significado literal menos extenso (por contrário da
interpretação declarativa lata).
Desconsideração da regra
O art 203º CRP estabelece que os tribunais se vinculam à lei, para garantir o Estado de
Direito e a separação de poderes. Desta norma decorre a prevalência da lei sobre
qualquer intuição do juiz. A vinculação do juiz não é á letra da lei mas sim à
interpretação da mesma, ou seja, à interpretação declarativa, à interpretação
extensiva e à interpretação restritiva.
A vinculação do juiz à lei deixa em aberto o problema de saber em que condições este
juiz pode não aplicar a regra inferida da fonte. Para tal é necessário proceder a uma
análise da interpretação ab-rogante e da interpretação correctiva.
o Interpretação ab-rogante –
o Interpretação correctiva – manifesta-se tanto na aplicação da lei a um caso que
esta exclui (eliminação de uma excepção prevista na lei), como na não aplicação
da lei a um caso que ela abrange (criação de uma excepção não prevista na lei).
Dizia Aristóteles que a interpretação correctiva é a base da equidade.
Diferente da interpretação correctiva é a interpretação restritiva ou extensiva. Nestas,
os elementos não literais levam a uma extensão ou redução do seu significado literal.
Na interpretação correctiva, a letra e o espírito da lei são ambos desconsiderados, pois
que a lei deixa de se aplicar a um caso que abrange. O Direito Português, como outras
ordens jurídicas, exclui a interpretação correctiva – art 8º, nº 2 CC – uma vez que o
dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o
conteúdo do preceito legal. Trata-se de respeitar a separação entre as funções
jurisdicional e legislativa. Uma interpretação correctiva da lei seria uma interpretação
contrária aos critérios de interpretação presentes no art 9º CC e contrária à própria lei
interpretada – levaria a uma interpretação contra legem em duplo sentido.
O art 8º, nº 2 CC resolve o problema ao estatuir que o intérprete – maxime, o juiz – está
vinculado à lei. Disso resulta que este não pode ser culpabilizado pelas suas decisões,
quando estas são simplesmente resultado da sua vinculação à lei.
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
Conclui-se, assim, que só existe lacuna quando de nenhuma fonte pode ser retirada
uma regra que se possa aplicar a determinado caso. Esta questão é abrangida pelo art
10º CC, sendo preciso fazer dele uma interpretação extensiva, pois que o problema de
integração de lacunas só se coloca quando falta, em absoluto, qualquer regra para
regular o caso. Diferentes das lacunas legais são as insuficiências axiológicas do sistema
jurídico – as lacunas axiológicas. Nestas, ocorre que algo deve estar regulado, não
porque a completude do sistema assim o exija, mas porque se entende que o sistema
deve conter uma solução para um caso ou não deve dar a um caso a mesma solução
que dá a outro.
Como causas da existência de uma lacuna no sistema podemos ter:
o O facto de o legislador não querer regular uma determinada matéria;
o O facto de a técnica legislativo ser deficiente, dado que o legislador não previu
todas as situações que devia ter previsto;
o O facto de a fonte não ter valor jurídico, dado que a fonte que regula uma
determinada matéria é inexistente, inválida ou ineficaz;
o O facto de a evolução social ou tecnológica ter aberto uma lacuna que não
existia anteriormente.
As lacunas representam uma inevitabilidade. No entanto, é possível combatê-las. A
lacuna pressupõe uma incompletude do sistema jurídico, pelo que decorre da junção
de dois factores: um factor negativo – ausência de regulamentação – e um factor
positivo – exigência dessa regulamentação.
Há, no entanto, doutrina que defende a impossibilidade de o ordenamento jurídico ser
incompleto. É o caso de Kelsen, que defendeu que quando a ordem jurídica não
estabelece qualquer proibição, então está implícita uma permissão para realizar ou
não realizar o que não é proibido. Disto resultaria, diz o autor, a obrigatória
completude do sistema. No entanto, tal não é verdade: o facto de o sistema não ter
uma conduta como proibida não faz com que ele seja completo, pois que basta que ele
exija uma regulamentação diferente da não proibição da conduta para que não haja
completude. Diferente de o legislador estabelecer que tudo o que não é proibido é
permitido, é o legislador não se pronunciar sobre se o que não é proibido deve ser
considerado permitido. No primeiro caso estamos perante um sistema fechado; no
segundo, estamos perante um sistema incompleto.
O art 10º CC estabelece os critérios para a integração de lacunas presentes no sistema.
São estes:
o Analogia – art 10, nº 1 CC;
o Regra hipotética criada no espírito do sistema – art 10º, nº 3 CC;
Da existência destes critérios resulta que, apesar de poder haver um sistema incompleto
quanto às fontes, não pode haver um sistema incompleto quanto às regras. Tal
acontece porque o sistema abarca critérios para se completar a si próprio. Fala-se de
uma incompletude no sistema, mas não do sistema. Só há lacuna se o caso em questão
não fizer parte do espaço livre de direito. Uma lacuna encontra-se sempre “no direito”,
estando o espaço livre de direito “à volta do direito”.
No ordenamento jurídico português é claro que a aplicação de um regime a casos
análogos aos quais esse regime se aplica é um caso de existência de lacunas no sistema,
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
até porque a analogia é um dos critérios presentes no art 10º CC para a integração
destas lacunas. Se a analogia pode ser tida com um indício de incompletude, então
torna-se claro que um sistema que não admite a analogia não pode comportar
nenhuma incompletude. Há sistemas e até subsistemas que a excluem, como é o caso
do direito penal, relativamente às regras que qualificam um factor como crime. A
analogia também está excluída dos casos em que o facto a que se aplica é o único que
pode desencadear a aplicação dessa mesma regra. EXEMPLO: a regra “aquele que perfizer 18
anos torna-se maior”.
A incompletude do sistema é uma impossibilidade não só quando o sistema é completo,
mas também quando o sistema é fechado. No sistema fechado não há lacunas porque
o sistema não admite a sua aplicação a casos omissos – tudo o que não é proibido é
permitido. Um sistema completo representa quase que uma impossibilidade prática.
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
o Juiz tem de, ainda assim, proferir uma decisão acerca do caso em questão. Esta
é a solução que vigora no ordenamento jurídico português, por força do
disposto no art 8º CC.
Para que o juiz possa então decidir relativamente ao caso omisso é necessário que o
próprio sistema lhe faculte ferramentas para isso. Para que as lacunas sejam integradas,
o art 10º CC estabelece dois métodos – a analogia e a regra hipotética.
Analogia jurídica
A analogia representa, dizia Aristóteles, a comunhão de qualidades em dois
particulares. Pressupõe a partilha de pelo menos uma qualidade entre duas realidades
distintas.
Por força do art 10º, nº 2 CC, a analogia jurídica aplica-se sempre que, no caso omisso,
se justifique a aplicação da regulamentação aplicável ao caso presente na lei. Há
restrições à utilização da analogia jurídica no âmbito do Direito Penal e do Direito
Fiscal. No art 11º CC está presente que as regras excepcionais não comportam
aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva. Atenta-se aqui para o facto
de, como visto, não haver interpretação extensiva de regras mas sim de fontes. A
solução presente no art 11º CC advém do facto de o conjunto da regra excepcional e da
regra geral não poder admitir nenhuma lacuna. No entanto, esta solução nem sempre
é satisfatória. É então necessário encontrar um critério que permita justificar a
proibição da aplicação analógica das regras excepcionais presente no artigo em causa.
Esse critério assenta na distinção entre uma excepcionalidade substancial e uma
excepcionalidade formal:
o Excepcionalidade substancial – aquela que origina um ius singulare – direito que
é introduzido por mostrar utilidade substancial em relação à regra geral. É
incompatível como a aplicação analógica a casos omissos;
o Excepcionalidade formal – contraria uma regra geral sem contrariar quaisquer
valores fundamentais do sistema jurídico ou, apesar de contrariar os valores
fundamentais da regra geral, se apoie em outros valores fundamentais. É
compatível com a aplicação analógica a casos omissos.
O art 10º, nº 2 CC determina que há analogia sempre que, no caso omisso, haja
justificação para que seja aplicada a regulamentação do caso previsto na lei. A analogia
implica que comparemos duas realidades simultaneamente idênticas e diversas, sendo
então importante aferir qual o critério que nos permitirá tirar essas conclusões. O
critério é o seguinte: os casos são semelhantes se eles apresentarem as mesmas
características essenciais, pelo que são análogos os casos que pertencem a um mesmo
tipo. Pode assim dizer-se que o raciocínio analógico é também um raciocínio tipológico.
A analogia jurídica assenta num juízo valorativo, uma vez que não só a escolha entre o
que é considerado essencial ou não é feita com base nisso, como esse é necessário para
comparar as características essenciais do caso previsto e do caso omisso. Para que a
aplicação analógica seja correcta, é necessário que a consequência prevista para o caso
previsto seja adequada ao caso omisso.
A distinção entre a interpretação da fonte e a aplicação analógica da regra é clara: a
interpretação destina-se a retirar a regra da fonte; a aplicação analógica destina-se a
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
aplicar a regra obtida através da interpretação ao caso omisso. Mais difícil é a distinção
entre a interpretação extensiva e a aplicação analógica. Conclui-se que a aplicação
analógica começa onde a interpretação extensiva acaba, pois que esta segunda não
abrange ainda assim os casos omissos.
Há duas modalidades da analogia, que diferem de acordo com a forma como se
descobrem os princípios formais e materiais que permitem a solução jurídica:
o Analogia legis – utiliza-se na procura dos princípios orientadores de um regime
jurídico. Há uma regra jurídica que regula um caso semelhante;
o Analogia iuris – utiliza-se, na procura desses princípios, uma pluralidade de
regras jurídicas. Não há uma regra jurídica que regule um caso semelhante, mas
decorre do ordenamento jurídico um princípio que torna possível solucionar o
caso. Não há assim, neste caso, uma verdadeira lacuna, pois que há um princípio
aplicável ao caso em análise. Assim, esta modalidade de analogia não pode ser
incluída no art 10º CC como forma de interpretação de lacunas, pois que esta
pressupõe a inexistência de uma.
Regra hipotética
Não havendo um caso análogo ao caso omisso, a lacuna é preenchida por meio da
criação de uma regra hipotética – a regra que o intérprete criaria se houvesse de legislar
dentro do espírito do sistema (art 10º, nº 3 CC). Esta só serve como modo de integração
de uma lacuna, claro está, se não for possível aplicar a analogia. A regra hipotética é
também excluída se o sistema jurídico for fechado.
A regra que o intérprete constrói deve ter sempre em conta os princípios de
generalidade e abstracção característicos das regras jurídicas, pelo que estão afastados
critérios como a discricionariedade ou a equidade. Esta regra tem de respeitar o que é
já o espírito do sistema, tendo assim de considerar os princípios materiais e formais
presentes no mesmo. O mesmo vale para qualquer subsistema jurídico.
A construção de uma regra hipotética é uma solução subsidiária para a integração de
lacunas em relação à aplicação analógica de uma regra. No entanto, em ambas as
soluções são essenciais os princípios, dado que estes servem (na analogia) para verificar
se o regime é adequado para regular o caso omisso e servem (na regra hipotética) como
base de criação da mesma. No direito português, pode assim dizer-se, a integração de
lacunas orienta-se por meio de princípios formais e materiais.
A regra hipotética não cria direito, pois que não é fonte de direito. Nada impede, no
entanto, que não seja tida como uma forma de construção jurisprudencial de direito.
SOLUÇÃO DE CASOS CONCRETOS
§22º Critérios de solução
Generalidades
Um caso com relevância jurídica pode ser resolvido por via normativa ou não
normativa. Os critérios normativos são leis, gerais e abstractas, pelo que assentam num
princípio de universalização – todos os casos semelhantes devem ser decididos do
mesmo modo. Os critérios não normativos, por sua vez, são critérios que se baseiam
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
num princípio de especialidade – cada caso deve ser decidido atendendo às suas
particularidades.
A escolha entre os critérios normativos ou não normativos prende-se com optar por
uma prevalência da confiança ou optar por uma prevalência da justiça. A escolha de
critérios normativos dá uma maior confiança, pois que há uma certa previsibilidade; a
escolha de critérios não normativos dá prevalência à justiça, dado que há a
possibilidade de resolver o caso de forma individual e concreta, atendendo a todas as
suas características.
Há ainda possibilidade de optar entre uma aplicação automática da lei ou a
intermediação de um órgão decisório na solução de um caso concreto. Na primeira
situação, o caso concreto é resolvido sem que intervenha qualquer decisor. O mesmo
não acontece se se optar por critérios não normativos, pois que será nesse caso
necessária a intervenção de um órgão que aplique os critérios.
Critérios normativos
Os critérios normativos são os que conduzem à aplicação de uma regra jurídica na
resolução de um caso concreto.
Se houver no ordenamento jurídico apenas uma regra que regule o caso, então será
essa, naturalmente, a que se aplicará. Se, por contrário, houver várias regras passíveis
de serem aplicadas ao caso em questão, pode ocorrer uma de três situações:
o Cumulação de regras – todas as regras são aplicadas ao caso, pois que estas
levam a efeitos jurídicos diferentes e são compatíveis entre si. Esta situação é
bastante frequente, uma vez que o ordenamento jurídico olha para a mesma
questão de várias perspectivas diferentes.
o Concurso de regras – qualquer das regras pode ser aplicada, pois que todas elas
levam ao mesmo efeito jurídico. Este implica uma relação de alternatividade
entre as regras em causa, sendo qualquer delas utilizável.
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
o Conflito pragmático de regras – só uma das regras pode ser aplicada, pois que
elas são incompatíveis entre si. A escolha entre estas regras é feita com base nos
princípios da especialidade, da subsidiariedade e da consumpção. Se uma regra
for especial perante outra, então será essa a que prevalece; se uma regra for
subsidiária e outra for principal, prevalece a regra principal; se uma regra
consumir outra, então só se aplica a regra comsumptiva.
Os princípios jurídicos são também critérios normativos de decisão de casos concretos.
Teoria processual
Alexy criou a chamada teoria processual da argumentação, com base no facto de as
questões práticas poderem ser resolvidas através da argumentação. É possível nesta
distinguir bons e maus fundamentos, argumentos válidos e inválidos.
Para que possamos falar de um discurso prático racional, dizia Alexy, é necessário que
se verifique o cumprimento de certas regras e formas de argumentação próprias do
discurso prático. Entende o autor que a razão prática é a faculdade de chegar a
conhecimentos práticos através do sistema de regras próprias do discurso. O discurso
jurídico, por sua vez, ocorre num ambiente que limita os argumentos que podem ser
pelos seus participantes utilizados.
A correcção de uma decisão pode ser obtida através de um discurso prático, mas tal
não significa que esse discurso conduza à obtenção de um consenso entre os
participantes, nem que a decisão que dessa argumentação resulta seja correcta.
Alexy distingue entre a justificação interna – que diz respeito à questão de saber se a
decisão decorre logicamente das premissas constantes da fundamentação – e a
justificação externa – que trata da correcção das premissas que constituem a
fundamentação.
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
atingir a verdade, mas a sua utilização não garante a obtenção da verdade. Para além
disso, as regras em causa pressupõem um ambiente ideal em que ocorre a discussão, o
que nem sempre se verifica.
A teoria processual da argumentação falha quando determina que o seu grande
objectivo é a obtenção de um consenso. Na realidade, o verdadeiro objectivo é a
demonstração de que qualquer discordância da solução encontrada é irracional. Nesta
linha, o dissenso pode ser racional ou irracional. Para que este possa ser considerado
irracional mostra-se necessário que se verifiquem certas regras na discussão:
o Regra da universalidade;
o Regra da exaustão;
o Regra da igualdade;
o Regra do contraditório;
o Regra do ónus da prova;
o Regra da indiscutibilidade.
Observadas estas, todo o dissenso será necessariamente irracional, pois que a
argumentação racional não se destina a obter a racionalidade do consenso, mas sim a
irracionalidade do dissenso. Garantida a racionalidade do discurso, diz o Professor
Regente, é assegurada a irracionalidade do dissenso. Fala da teoria de Alexy como uma
teoria muito optimista, pois que na maioria das vezes não há consenso entre as partes
após a observância de todas as regras supostas.
Matéria de direito
Podemos distinguir, nesta matéria, três tipos de argumentos que permitem descobrir
no sistema jurídico regras derivadas de outras regras:
o Argumente a simile – é um argumento com base na analogia entre dois ou mais
casos. Deste se retira que, se A é um caso análogo a B, então o argumento que
vale para o caso A valerá também para o caso B. Baseia-se no princípio de
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
Coerência externa
Esta passa pela correcção das premissas de facto e de direito. Implica a determinação
dos factos relevantes, bem como a correspondência desses factos com a previsão da
regra escolhida. Implica, assim, a conjugação de elementos cognitivos – para a
determinação das premissas de facto -, de elementos valorativos – para a construção
da regra aplicável e para a concretização do efeito que decorre dessa regra – e de
elementos volitivos – para a tomada da decisão.
As provas têm como objectivo demonstrar a veracidade dos factos. Estas recaem sobre
determinados factos – os objectos das provas – utilizam determinados meios – os meios
das provas – e destinam-se a ser valoradas pelos tribunais. Um argumento é derrotável
se a sua força puder ser questionada por factos que não põem em questão as suas
premissas. No que toca ao problema da distribuição do ónus da prova, determinou-se
o seguinte:
o O autor só tem de provar os factos constitutivos do direito de que se arroga;
o O réu tem de provar qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito invocado pelo autor.
O valor da prova, por sua vez, pode ou não ser fixado pela lei. Se o for, falamos de
provas legais ou tarifadas. Se não o for, falamos de provas livres, pois que estas são
livremente valoradas pelo julgador. É exemplo de uma prova livre a prova testemunhal.
Para estas relevam geralmente regras da experiência, que permitem normalmente
inferir resultados indiscutíveis9.
Depois da realização da prova, verificar-se-á uma de três situações:
o A prova realizada levou a que se considerasse o facto como provado;
o A prova realizada levou a que se considerasse o caso como não provado;
o A prova realizada foi insuficiente, não permitindo tirar conclusões.
Nas duas primeiras situações não se verifica qualquer problema. A terceira, porém,
levanta questões. Há nesta a necessidade de encontrar um critério que permita
ultrapassar a dúvida em causa: o tribunal decide contra a parte sobre a qual recai o
ónus de provar o facto controvertido. A solução é distinta se estivermos no âmbito do
processo penal: a presunção de inocência do arguido leva à aplicação do princípio in
dubio pro reu, que determina que a dúvida é resolvida em favor do arguido.
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“Se se provar que A, a determinada hora de certo dia, estava no Porto, então prova-se que não estava,
nesse mesmo momento, em Lisboa”
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
Coerência interna
A coerência interna trata da adequação da decisão com as respectivas premissas de
facto e de direito.
A aplicação da regra jurídica é feita tendo por base um silogismo judiciário:
Premissa maior – regra jurídica;
Premissa menor – facto incluído na previsão da regra jurídica;
Conclusão – constituída pelo efeito jurídico da aplicação da regra jurídica ao facto.
A falta de coerência entre as premissas e a conclusão é assim um vício lógico, levando
à nulidade da decisão. A este esquema de silogismo judiciário podem ser feitas duas
críticas: há uma inversão metodológica, pois que o ponto de partida é a circunstância
da vida que leva à necessidade de intervenção do direito e não a regra jurídica; a
premissa menor não é apenas a descrição de um facto, não podendo esta ser
independente da premissa maior. Assim, mais correcto seria dizer:
“Aconteceu x”
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Ano 1,TA, ST6
Patrícia Carneiro da Silva
Aceitabilidade da decisão
A decisão não pode abstrair-se de factores externos, como factores sociais, culturais,
étnicos, (…). A observância do ambiente em que se toma determinada decisão
possibilita uma aceitabilidade racional.
É inevitável uma certa subjectividade na tomada de uma decisão, não podendo essa ser
controlada por qualquer critério. Apesar disso, há um facto objectivo que permite a
diminuição dessa subjectividade – é ele o imperativo relativo à interpretação e
aplicação uniformes do direito aos casos análogos. Esta é ditada pelos critérios da
confiança e da justiça.
Para a concretização de efeitos indeterminados que por vezes é necessariamente
levada a cabo pelo aplicador, é necessário atender a certos critérios. Geralmente, dar-
se-á prevalência aos princípios materiais e formais que estão subjacentes à regra
aplicável. Tenta-se assim optimizar os princípios da justiça, da confiança e da eficiência
que estejam subjacentes à regra. Quando houver mais do que um princípio presente,
levar-se-á então a cabo uma ponderação entre eles.
Ver efeito jurídico indeterminado – página 36
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