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Paripiranga
2020
ÍCARO RYAD ANDRADE SODRÉ
LARISSA FELIX DA SILVA
Paripiranga
2020
ÍCARO RYAD ANDRADE SODRÉ
LARISSA FELIX DA SILVA
BANCA EXAMINADORA
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 MÉTODO................................................................................................................ 14
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 56
ANEXOS ................................................................................................................... 59
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1 INTRODUÇÃO
2 MÉTODO
existir uma descrição minuciosa dos fenômenos e das falas dos sujeitos pesquisados.
Isso se justifica pelo fato de que os depoimentos dos sujeitos estão impregnados de
significados a respeito dos fenômenos e por essa razão, precisam ser analisados.
Uma vez que existem diferentes maneiras de apreensão da Fenomenologia, levando
também em consideração as diferentes contribuições e nuanças dos vários teóricos
que as compõem, amadurecendo e ramificando-a, propiciando assim, a inserção
deste método em diferentes áreas profissionais, seja para a Psicologia, seja para a
Filosofia.
Para Creswell (1998), o método fenomenológico é a descrição das experiências
vividas pelos sujeitos sobre um determinado fenômeno com o objetivo de buscar sua
estrutura essencial. Nesse sentido, Amatuzzi (1996) afirma que a pesquisa
fenomenológica designa o estudo do vivido, ou da experiência imediata, visando
esclarecer seu significado e seria, portanto, a pesquisa que lida com o significado da
vivência.
Usaremos a Fenomenologia desenvolvida pelo teórico Edmund Husserl como
um método a fim de ajudar na compreensão dos significados que o ser humano atribui
às suas experiências, proporcionaremos um aprofundamento nas vivências de Ivan
Ilitch, focando nas questões referentes à sua existência. Nas pesquisas que se
encarregam de investigar a relação do homem com a morte, esse modelo de pesquisa
ajuda a ir além de discussões superficiais que geralmente estão presentes quando se
trata desse tema.
Desse modo, iremos compreender o contexto em que o personagem da obra
vivenciou a eminência de sua morte, seus relatos e sua experiência guiarão uma
análise acerca do fenômeno da morte. O presente trabalho é composto por quatro
capítulos, no primeiro compreende como se deu o surgimento do método
fenomenológico a partir de Edmund Husserl. No segundo capítulo trata-se da
Fenomenologia como postura na atuação do psicólogo clínico. No terceiro capítulo,
aborda-se a questão da finitude na filosofia existencial, serão apresentados alguns
conceitos e discussões da filosofia existencial que ajudem a compreender a finitude
humana. No último capítulo analisaremos com base em teóricos que compõem a
perspectiva Fenomenológico-Existencial, os relatos da experiência da eminência da
morte de Ivan Ilitch.
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3 O MÉTODO FENOMENOLÓGICO
objeto são as coisas que são dadas, da maneira como aparecem, procurando estudar
as experiências humanas de maneira exigente, como sendo uma ciência descritiva. A
Fenomenologia seria a ciência das essências, da essência do próprio conhecimento
(HUSSERL, 2008; LIMA, 2014).
A filosofia da Fenomenologia, diferente do empirismo e do racionalismo, não
separa o sujeito do seu objeto de conhecimento, pois para ela todo objeto é objeto
para uma consciência, e esta por sua vez, será sempre consciência de algo, ou seja,
um não existe sem o outro. Para Husserl (1950) o que interessa é o fenômeno, aquilo
que aparece, aquilo que se mostra. Não interessa a existência e as coisas
características do objeto para nós. Captar a essência das coisas é captar o sentido.
Sendo assim, é através dos sentidos que captamos a essência (ALES BELLO, 2006).
A ideia fundamental da Fenomenologia de Husserl, era a noção de intencionalidade,
ainda que com outras conotações, Husserl apresenta a intencionalidade como sendo
algo inerente ao ato de conhecimento, situando-a como sendo a característica destes
atos de sempre se referirem a algo, implicarem em algum objeto de conhecimento.
(HUSSERL, 1950).
É importante destacar que Husserl manteve a ideia geral de intencionalidade
de seu amigo e mestre, o filósofo Franz Brentano, e a considerou como um grande
avanço filosófico desde Descartes. Contudo, diferentemente de Brentano, Husserl
revisitou esse conceito, identificando que a consciência intencional, em verdade, não
é única e exclusivamente psicológica, mas que é constituída por uma multiplicidade
de atos intencionais, ou seja, que cada modo de consciência tem seus objetos
(fenômenos) e vice-versa, indo para além da atribuição psicologista de Brentano
(Goto, 2007).
Dessa forma, Husserl (1966), afirma que a palavra intencionalidade não
significa outra coisa senão essa característica geral da consciência de ser consciência
de alguma coisa, de implicar, na sua qualidade de cogito, o seu cogitatum em si
mesmo. Husserl então estabelece o princípio fundamental do método fenomenológico.
A restrição da análise ao que pode ser efetiva e previamente encontrado na
consciência ou, em outras palavras, ao que se mostra a consciência (BINSWANGER,
2013). De acordo com Feijoo e Mattar (2014), a Fenomenologia busca ser o alicerce
metodológico na qual seja possível ascender uma psicologia que seja rigorosamente
científica, sendo essa totalmente pura, sem ser experimental. Castro e Gomes (2011)
afirmam que a Fenomenologia é uma maneira única de se refletir
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intenção que se tem dele é vazia, e nesse caso, a intenção é uma intuição, pois ainda
se espera que aconteça o jogo. Quando se chega ao estádio e o jogo começa, esse
agora passa a ser uma intenção cheia, pois agora ele se manifestou para aquela
pessoa. Mas quando o jogo acaba e no caminho de volta se comenta sobre o jogo,
ele passa a ser, novamente, uma intenção vazia, todavia, de uma maneira diferente
da intuição, agora no formato de memória, uma vez que, o jogo já aconteceu
(SOKOLOWSKI, 2004).
Além disso, quando se fala em Fenomenologia, é essencial que se faça uma
distinção entre atitude natural e atitude fenomenológica. Aquela está relacionada a
concepção adotada pelo senso comum. É uma atitude tomada tanto pelo cientista
quanto pelo sujeito que anda pela rua. Diz respeito a pensar que o indivíduo que está
no mundo está contido neste, entre outros sujeitos conscientes ou não, entre ideias
que já existem independente de si próprio. É uma atitude que é feita sem reflexão,
apenas pelo saber prévio, olhando o mundo de maneira ingênua (DARTIGUES, 2008).
Martin Heidegger, aluno de Husserl, apresentava a Fenomenologia como um
movimento independente da filosofia em sua história. O que para a Fenomenologia
dos atos conscientes se realiza como o automostrar-se dos fenômenos é pensado
mais originariamente por Aristóteles e por todo o pensamento e existência dos gregos
como Alétheia como o desvelamento do que se presenta, seu desocultamento e seu
mostrar-se. Em sua filosofia fenomenológica, Heidegger vai romper em parte, com os
conceitos introduzidos por Husserl e assume que a experiência diz respeito ao modo
de ser do homem no mundo e está, sempre, localizada no tempo e no espaço (ALVES,
2006).
Para Heidegger (2015), o fenômeno se mantém velado frente ao que se mostra.
Ao mesmo tempo, mostra-se diretamente, de modo a constituir o seu sentido para
quem o vivencia. O que ocorre é a possibilidade de algo que pode tornar-se fenômeno
encobrir-se a ponto de o ser chegar ao esquecimento. É a possibilidade do
esquecimento por conta do velamento do fenômeno que se tornou objeto da
Fenomenologia de Heidegger, aproximando, em seu conteúdo, o que exige tornar-se
fenômeno. Segundo Heidegger (2015), pode-se compreender que o fenômeno é o
que se mostra e o como se mostra, ou seja, Heidegger diferencia o mostrar-se e o
manifestar-se. Ele considera que a manifestação pode significar anunciar-se, mesmo
que de forma velada. Assim, o fenômeno não é uma manifestação e a manifestação
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Este não possui uma essência que seja definida a priori, ao contrário, a sua
essência é construída por ele mesmo, por suas escolhas, da qual vêm a máxima que
diz que o ser humano está condenado a liberdade, e sempre terá que fazer escolhas,
não importa quais. O ser, portanto, primeiro existe para só depois moldar a sua
essência (SARTRE, 2005). Outro ponto importante na filosofia de Sartre é o que este
diz que o ser humano é nada, ou seja, como já foi dito, ele vai se construindo,
moldando a sua essência. Mais ainda, o nada não se pode existir estando fora do ser,
e somente este pode se nadificar, pois somente sendo se pode deixar de ser, e uma
vez que o nada não é, então ele não pode nadificar-se. (SARTRE, 2005)
A Fenomenologia sartreana fala dos fenômenos visados pela consciência, pois
um fenômeno é justamente esta manifestação do ser a uma consciência que o
apreende ainda que este ser não se esgote nesta aparição. Se o ser é algo distinto do
fenômeno, se ele o sustenta, mas não se reduz ao fenômeno, se justamente o ser é
o que aparece, já que superamos o dualismo aparência/essência, como podemos
então fazer esta distinção? Para Sartre, a resposta está em entender que a “aparição”
do fenômeno é uma das infinitas manifestações do ser, que o ser é o que aparece,
mas não se reduz a este seu aparecer. Boëchat (2004), ressalta que a filosofia de
Sartre, mantendo-se atrelada ao mundo concreto e a vida cotidiana do homem, aborda
o ser através de suas infinitas manifestações.
Para explicitar essa questão, Sartre (2005) faz a distinção entre o “ser-do-
fenômeno” e o “fenômeno-do-ser”. O “ser-do-fenômeno” é o que transcende a
consciência, o que não pode ser apreendido na sua totalidade, é o inacabamento. O
“fenômeno-do-ser” nos é dado pela percepção e nos é dado através da série de suas
manifestações. Perceber um objeto é percebê-lo através desta série infinita das suas
manifestações que revelam sua essência. Mas se mantivermos as coisas reais entre
parênteses, como o fez Husserl, jamais alcançaremos a essência pois ela está no
infinito e cria-se assim outra dualidade: finito/infinito. Portanto, a essência é infinita e
inesgotável, e isto significa que ela nos escapa e que não temos acesso à sua
totalidade. Para não cair numa nova dualidade, Sartre mostra que não necessitamos
do infinito da série de aparições de uma cadeira para sabermos, reflexivamente, que
a cadeira é cadeira. O aparecer da cadeira (fenômeno-de-ser, objeto para a
consciência) já revela nele mesmo a sua essência: a essência de cadeira é o seu
próprio aparecer. Daí não haver dualidade e sim continuidade entre o fenômeno-do-
ser e o ser-do-fenômeno e vice-versa. Para Sartre (2005), a essência só existe
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A prática clínica mostra que para que isso aconteça, faz-se necessário o
estabelecimento de uma relação terapêutica acolhedora e confirmadora o suficiente
para propiciar a expressão dos fenômenos da pessoa do paciente da melhor maneira
possível, no tempo dela. Para Finlay (2011) o psicoterapeuta deve ter em mente que
a pessoa está compartilhando o que ela tem de mais íntimo e precioso, com todas as
dores e delícias de ser quem é naquele momento.
Cardinalli (2000) afirma que o terapeuta deve solicitar que o próprio paciente
perceba o que e como está vivendo, essa descrição da experiência favorece a
aproximação do paciente de si mesmo e do seu modo de viver. Dessa forma, uma
nova compreensão ou desvelamento dos sentidos em que se fundamenta a
existência, promoção da liberdade existencial com acesso a novas possibilidades de
ser e a promoção da resolutividade na condução da própria existência se apresentam
como os eixos essenciais dos objetivos apresentados pelos diferentes autores.
Assim, o psicoterapeuta assume a atitude fenomenológica no processo
terapêutico e abre-se para o mundo desvelado pelo cliente através de sua fala. Por
outro lado, com a sua postura ele acaba por incentivar o paciente a assumir também
essa atitude de questionamento reflexivo diante de sua experiência. Para Giorgi
(2009) quando o profissional estabelece uma relação com o cliente que o leva a
alternar entre a compreensão que ela tem do fenômeno que emerge na sua
consciência.
Neste encontro, a escuta e o olhar terapêuticos revelam as possibilidades que
lhes estão veladas, mas que se fazem presentes e permitem acesso a novos modos
possíveis de ser no mundo. Para Sipahi e Vianna (2002) no estabelecimento da
relação terapêutica o terapeuta deve colocar-se a serviço do outro, oferecendo-se
como companhia, aproximando-se de seus sofrimentos, cuidando de acolher seus
medos, incertezas, vergonhas, com uma escuta e um olhar que lhe permitam
aproximar-se de si mesmo.
Maria Cytrynowicz (1997) aponta que o terapeuta deve acompanhar com
disponibilidade a procura empreendida pelo paciente na busca de uma saída para as
restrições enfrentadas na sua vida. Para tanto o terapeuta deve ser capaz de
experienciar um mundo comum com ele, um mundo constituído por uma totalidade de
referências do futuro longínquo ou mesmo do passado remoto, todos presentificados
na fala do paciente. A psicoterapia fenomenológica preocupa-se com o equilíbrio
emocional do indivíduo, não usa técnicas metódicas e não propõe que os
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comportamentos perturbados sejam extintos e nem afirma que sejam uma doença,
mas sim um modo do indivíduo ser no mundo em um determinado momento. Segundo
Rudio (2001), espera-se que o paciente possa assumir um processo de existência
percebida por ele como produtiva para si e para os outros, satisfatória e realizadora
das potencialidades que possui.
Com a criança o movimento é diferente, ela dificilmente chega por si só ao
consultório do psicólogo. Na maioria das vezes ela é levada pelas mãos do adulto e
quase nunca sabe porque está ali e nem o que irá fazer. A proposta fenomenológica
é de abertura e de busca pelo sentimento original de ser da criança a partir da relação
genuína. O atendimento infantil na prática clínica com a abordagem fenomenológica,
consiste em abandonar toda e qualquer identidade estabelecida para a criança, seja
com relação a um diagnóstico, expectativa familiar ou social, entre outros modos. Em
uma postura fenomenológica, cabe então ao psicólogo deixar a criança em liberdade
e entregá-la a sua própria tutela, ou seja, à sua responsabilidade.
Para Axline (1972) a experiência terapêutica é uma experiência de crescimento.
Dá-se à criança a oportunidade de se libertar de suas tensões, de se desfazer, por
assim dizer, de seus sentimentos mais perturbadores e, assim fazendo, de ganhar
uma compreensão de si mesma que lhe permita autocontrolar-se. Através dessa viva
experiência na sala de brinquedos, ela descobre a si mesma como uma pessoa, assim
como novos caminhos que lhe permitam ajustar-se ao relacionamento humano, de
maneira saudável e realista.
O terapeuta vem possibilitar que a própria criança construa gradativamente o
significado do material que traz para a sessão terapêutica, sem a interferência
qualquer a priori do terapeuta, seja ele de caráter teórico ou oriundo de seus próprios
valores. Segundo Aguiar (2005) na interpretação se concede um significado ao que é
trazido pela criança, o terapeuta então estabelece formas específicas do uso de
recursos lúdicos para que a criança resolva o que traz como problema na descrição
fenomenológica.
No entanto, deixá-la caminhar por si mesma sem tentar desonerá-la desta
tarefa, de diferentes modos, parece ser o caminho pelo qual a criança perde a tutela
do adulto, mas ganha a si mesma. Deixá-la sozinha, consigo mesma, nesta
abordagem, é uma arte que consiste em estar sempre presente, sem mostrar a criança
que se está ali. E assim permitir que a criança por si própria possa aproximar-se,
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superior ao humano e que detém poder de definir e punir, ou seja, detém controle
sobre o rebanho que o segue. Essa proposta do filósofo é chamada de Niilismo, nesse
sentido, é tido como a inversão de valores vitais ditados pela moral cristã que
transformam o sofrimento e o desejo de buscar um sentido externo para compreender
a vida, em afirmação de poder perante, detendo domínio sobre o indivíduo. Niilismo
nas definições do autor, também consiste na denúncia desses valores que regem a
sociedade, declarando guerra a ideia de falsos deuses criados pelo homem, sejam
eles, o Estado, definições de verdade universais, as próprias instituições.
Nietzsche (2005) discute então que a superação dessa cultura pregada pelo
medo sufoca a própria existência humana em toda sua criatividade, em todas as suas
possibilidades de existir, nesse sentido, negando Deus, negando definições prévias
da ciência, bem como também negando a moral socialmente produzida para ditar
regras de certo e errado, de conduta e comportamento humano, é quando para o
filósofo, nos tornamos o super-homem, este então é um conceito também criado por
ele para exemplificar alguém que em todas as suas experiências ao longo da vida,
estava consciente de suas escolhas, um indivíduo que, regia suas regras morais sem
amparar-se em muletas do cristianismo ou qualquer outro detentor social de valores
de moral. Para Nietzsche (2005) ser super-homem ou além-homem é então um ser
livre de espírito e de coração, tendo como condição a superação de si próprio.
Contextualizando a definição de existência humana voltada para a vontade
própria para Nietzsche (1998), a finitude para o filósofo tem duas vertentes ou dois
modos como o sujeito lida com a concepção de ser finito. A primeira definição é a
morte covarde, nesse sentido pode ser definida, em suma, como a experiência da
morte como um acidente com resultado direto de um desejo de morrer. Nietzsche
(1998) aponta que nesse caso, você quer ou deseja morrer simplesmente porque vai
morrer, trazendo a falta de longevidade como suficiente para proclamar o abandono
da vida, nesse caso, os que tem essa linha de pensamento, para o autor são tidos
como pregadores da morte. Nesse sentido, o tempo vira assim como a morte, um
inerente inimigo comum do ser humano, pois quando a morte temida surge é sempre
aqui recebida como um assalto à vida, bem como um ladrão roubando o tempo de
vida do sujeito, ou seja, a concepção de finitude aqui é tida como exterior ao ser
humano, que eventualmente chegará para roubar-se seu tempo de vida.
Por outro lado, Nietzsche (1998) define também o conceito de morte voluntária,
em contrapartida ao conceito apresentado anteriormente, o ser humano que segue
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cadeira é, mas ela não existe, tudo o que não for o Dasein, apenas consiste de ente,
ou seja consiste de aparência, de algo que pode ser definido e a compreensão sobre
este ente pode ser fechada e coisificada. A definição de existência para o autor, uma
vez que só pode ser atribuída ao Dasein, se debruça em duas instâncias, a primeira
é a existência inautêntica, ou seja, é o homem do cotidiano, aquele que se deixa levar
por contingências alheias no seu dia a dia, aquele que opta por não implicar-se em
suas decisões, aquele que por fim escolhe abdicar-se de suas possibilidades e vive
amparado em muletas sociais. Já a instância da autenticidade por outro lado consiste
em implicar-se na suas próprias decisões, tomar as rédeas de suas escolhas e se
perceber enquanto possibilidades e livre de amarras sociais, cito contingências sociais
aqui apenas como uma das possibilidades de aprisionamento das decisões, e não
como único meio de livrar-se de suas próprias escolhas. Nesse sentido, a vivência na
autenticidade permite que o Dasein tome consciência de sua identidade própria, de
escolher como quer viver, o que quer escolher, e por consequência, experienciar
verdadeiramente o resultado de suas possibilidades.
Heidegger (2015) então concebe o termo Dasein “ser-aí” para apresentar a
dualidade do homem enquanto ser pensante, questionador e consciente, e que é
privilegiado por ser o único que tem noção da própria existência, bem como o ente
enquanto corpo que existe imediatamente na medida em que existe em seu cotidiano,
sem seu dia a dia. Nesse sentido, o autor aponta o conceito de angústia para a
existência, aqui a angústia está vinculada ao modo como o Dasein existe, ou seja,
está vinculado a ideia de abertura e de livre escolha que citado anteriormente, nesse
sentido, a angústia se mostra como a relação intrínseca para a tomada de decisões.
Para o autor, um sujeito que se permite viver na autenticidade, ou seja, que se permite
viver de suas escolhas próprias está também sujeito a confrontar-se com o vazio, com
o nada, com o inesperado e isso causa a angústia. A angústia aqui, para Heidegger
(2015) não pode ser compreendida necessariamente como algo negativo, essa
definição de angústia não quer dizer do contexto experienciado perante o Dasein, por
exemplo, não quer dizer sobre o que ele tem que escolher em sua liberdade, aqui a
angústia está mais atrelada a própria condição de liberdade de escolhas, de viver
autenticamente.
Ainda sobre a angústia nessa linha de pensamento, Feijoo (2010) ao analisar
a proposta de Heidegger em Ser e Tempo, resume como sendo um estado de
desencontro e reencontro, onde o sujeito se depara como um nada existencial tão
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bruto, tão visceral que acaba sendo capaz de colocar o sujeito que sofre de frente com
a pura possibilidade, a fim do mesmo se compreender como um ser livre, aberto às
escolhas, e diante dessa reflexão, o sujeito se depara com o que Heidegger (2015)
coloca como a fuga e o fechamento na existência inautêntica, ou a tentativa de
transcender, buscando pela autenticidade atribuir um sentido ao próprio ser, a própria
forma de existir, o autor também ressalta que a angústia possibilita um
posicionamento de espaço-tempo, em uma revelação privilegiada, tal por conta do
isolamento do sujeito, que o autor também conceitua esta como tal de decadência,
onde a mesma expressa ou desvela o caráter de autenticidade do sujeito, abrindo-o
para escolhas que ele pode tomar.
Para Heidegger (2015) essa angústia está implícita no Dasein também pelo fato
deste estar imerso em sua própria existência, ou seja, ele é um ser-no-mundo, pois
ele está sempre situado em um contexto de mundo, um contexto de relações com
pessoas, com coisas, com situações. Diferentemente dos entes que apenas estão no
mundo, sendo estes apenas coisas que estão em uma outra coisa maior, passíveis
de classificações e definições, a relação do Dasein com o mundo se dá sob a ótica
ontológica, ou seja, ele habita o mundo, ele se debruça sobre o mundo, ele pensa o
mundo, entretanto, para o autor, o Dasein também é considerado como extensão do
mundo.
Heidegger (2015) também conceitua o Dasein como ser-para-a-morte, uma vez
que a finitude para o autor é a única certeza que acompanha o homem desde que é
lançado para o mundo, nesse sentido, a morte não se encontra como uma distinção
exterior a vida, ela antes disso faz parte da vida. Trazendo a finitude como certeza
para o Dasein, Heidegger (2015) também a considera como sendo um fenômeno, e
que deve ser pelo homem encarado como apenas um fenômeno, entretanto, um
fenômeno que trará à tona uma noção de temporalidade da existência, ou seja, existir
para o autor é compreender-se dentro das infinitas possibilidades de ser, ao mesmo
tempo em que está sobre a certeza da finitude temporal.
Essa percepção de existência citado no parágrafo anterior, para Heidegger
(2015) só é possível quando o Dasein assume uma postura de autenticidade, nesse
sentido, a finitude para um ser autentico será compreendida como uma finalização do
processo de existir. Pensar sobre essa noção de ser finito de forma autentica também
perpassa com e pela angústia, uma vez que, experienciar o fenômeno da morte nunca
será de forma direta, ou seja, o Dasein irá refletir sempre sobre a finitude de outras
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original de ser, e compreendeu modos de agir e pensar que lhe trazem o findar de
incômodos e angústias diante da vida e dos outros homens. Por outro lado,
inautenticidade do ser não indica o homem de ser falso, mas aquele que ainda não
tomou consciência sobre si mesmo, que ainda não descobriu modos de ser que lhe
são peculiares. Isso porque ele ainda não conseguiu distinguir entre as maneiras de
pensar e agir que lhe são próprias e aquelas que possui devido as suas experiências
de vida.
Mas a morte de Ivan Ilitch não é algo tão pontual. De um lado, Prascovia, a
esposa que mente seu próprio pesar, finge acreditar que o marido não morrerá,
ignorando o fato de sua morte porvir e representa, assim, toda a vida social da alta
classe burocrata russa, que ignora as questões verdadeiramente importantes. Do
outro Guerrássim, o humilde copeiro, que cuida de Ivan como a um moribundo que o
trata como igual, que limpa as suas fezes, ele é o representante dos humildes
trabalhadores que na sua simplicidade são mais sábios. O ódio por sua esposa e o
amor pelo copeiro são dois lados de uma mesma relação a de Ivan com a sua finitude.
Diante da angústia frente a sua morte e o seu processo de adoecer. Para Sartre
(2007), a essência do homem vem de suas escolhas. Assim, quando ele é jogado no
mundo não tem essência, ele é não-ser, ou seja, ausência de ser. Deste modo,
paulatinamente ele vai tomando consciência de sua existência e do grande desejo
dele ser, mas ser é acabado, realizado.
Durante os 12 capítulos de sua obra, Tolstói contextualiza a vida de Ivan Ilitch,
seu modo de viver, as escolhas e a neutralidade diante de algumas situações que
estavam diretamente ligadas à sua existência. A discussão que aqui será proposta
focará na finitude na perspectiva da Fenomenologia-Existencial. O entendimento
filosófico-existencial da morte pode levar o homem a refletir não somente sobre qual
é o seu real sentido, mas também, poderá movê-lo a pensar sobre a maneira como
encara e define sua própria vida e modo de existir.
Para analisar a obra, levantaremos questões a partir de alguns de seus trechos
para retratar a finitude percebida ao fim da vida.
Agora que ele tinha que morrer. Comigo vai ser diferente eu estou vivo,
pensava cada um deles, enquanto as pessoas mais próximas, os assim
chamados amigos, lembravam que agora teriam que cumprir todos aqueles
cansativos rituais que exigiam as normas do bom comportamento, assistindo
ao funeral e fazendo uma visita de condolências para a viúva (TOLSTÓI,
2020, p.7).
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[...] eles jantaram e se retiraram, E Ivan Ilitch ficou sozinho, com a consciência
de que sua vida estava envenenada, e que estava envenenando a vida dos
outros, e que esse veneno não enfraquecia, mas penetrava cada vez mais
todo o seu ser. (TOLSTÓI, 2020, p. 128-129).
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Ivan Ilitch refletiu sobre como a finitude aparecia mais real a cada instante,
angustiado, ele se lembrou de uma citação de um autor, onde trazia que:
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Durante toda sua vida, o exemplo de silogismo que ele tinha aprendida na
lógica de Kiesewetter – Caio é humano e todos os humanos são mortais, logo
Caio é mortal – parecera correto só em relação a Caio, mas nunca em relação
a ele mesmo (TOLSTÓI, 2020, p. 148).
Se eu também tivesse que morrer, como Caio, eu saberia, uma voz interna
teria me falado a respeito disso, mas não havia nada parecido dentro de mim;
tanto eu, como todos os meus amigos Nós entendíamos que as coisas nunca
poderiam ser para nós como eram para Caio. Mas agora isso! [...] (TOLSTÓI,
2020, p.150)
Além daquela mentira, ou por consequência dela, o que mais torturava Ivan
Ilitch era o fato de que ninguém tinha pena dele como queria que tivessem:
em certos momentos, depois de longos sofrimentos, o que Ivan Ilitch mais
queria – por mais vergonhoso que lhe fosse admitir – era que alguém tivesse
pena dele, como se fosse uma criança doente. (TOLSTÓI, 2020, p. 170)
43
Nietzsche (2005) também aponta que, para as pessoas que encaram a finitude
como exteriores a ela, tendem a perceber o tempo como inimigo da vida, ou seja,
quanto mais o tempo passa, mais ela será assombrada pela ideia do “foi assim”, ou
seja, a pessoa desligasse do presente, e passa a viver a sombra do passado, passa
a viver em um cativeiro de rancor, de raiva e de remoço, pelas consequências das
escolhas que deixou de fazer. Perceber a “liberdade para a morte” segue a premissa
de que se é um ser humano, fadado ao finito, onde o tempo apenas é um meio do
qual utilizamos como transcendência, e não como um inimigo que permite que a vida
escorregue e escape pelas mãos.
Para Nietzsche (2005) a morte não chega como uma força externa a nós, ela é
encarada como uma possibilidade que escapa de nosso controle, assim a relação de
temporalidade não é mais uma marcação que determinará quando a finitude irá se
apresentar plenamente. Assumir-se como liberdade para a morte, denota que, assim
como nossa vida, a morte se torna possibilidade assim que surgimos, assim que
encaramos o mundo pela primeira vez, ainda sob tutela de terceiros, ou seja, ela está
presente e nos acompanha em todo tempo. Para Ivan Ilitch, viver uma vida liberto das
amarras de um pensamento onde suas escolhas possam enfim ser fruto de suas
próprias reflexões, já não é mais possível, afinal como intitulada pelo autor Liev Tolstói,
a obra narra justamente a morte de Ivan. No entanto, agora está mais claro que
interpretar a morte como o exterior da vida, coisas inanimadas e hostis estão
diretamente relacionadas a uma determinada forma de percepção da existência de
forma desvalorizada, ou mesmo degradante.
Portanto, a reinterpretação da morte por Nietzsche (2005) é antes de tudo um
exercício de características psicológicas, cujo propósito é estabelecer a vontade
humana e preparar-se para conciliar-se com seu caráter de finitude e,
consequentemente, com o conceito cultural de morte. Essa reinterpretação implica
uma reconexão com o mundo, em que não há separação entre vida e morte, ou que
a vida é apenas uma forma de morte. E como apontado também por Nietzsche (2005)
a noção de não ter mais tempo para viver uma vida plena onde lida com escolhas
próprias e as consequências destas, uma vez que só prestes a morrer Ivan torna-se
liberto dessas amarras e aceita a morte como intrínseca a ele, e não mais como uma
ladra de sua vida, a angústia deixa de ser percebida como um ato de sofrimento
inerente a dor física que estava sentindo, e passa a ser compreendida apenas como
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o que de fato a angústia é, o meio do qual o ser humano tem de defrontar-se com ele
mesmo, com sua existência.
Para Nunes (1992) a temporalidade esquecida agora retorna com força para
mostrar ao Dasein que seu significado é o tempo. Na autenticidade, o Dasein encara
sua temporalidade finita com angústia e pela angústia. O tempo deixa seu conceito
comum de viver apenas no presente e carrega uma compreensão do passado como
uma retomada do que era possível, o presente como um momento de decisão e o
futuro como uma projeção de possibilidades.
Na novela de Tolstói, Ivan Ilitch é justamente despertado de sua cotidianidade
pela angústia, no enfrentamento ainda conturbado do ser-para-a-morte, do
personagem:
A morte, entretanto, nos chama. Ela nos chama o tempo todo; está sempre
conosco, arranhando uma porta íntima, sussurrando suavemente, quase
inaudível, sob a superfície da consciência. Escondida e disfarçada,
transbordando por meio de uma variedade de sintomas, ela é fonte de muitos
de nossos estresses, conflitos e preocupações (TOLSTÓI, 2020, p. 19).
se, sendo tal disposição sua inevitável possibilidade, através da qual pode
singularizar-se.
Sendo o ser-para-a-morte, a possibilidade mais própria e insuperável do Dasein
enquanto projeto, pode-se dizer que toda angústia é, em última instância, angústia de
morte. Concluímos assim, que é na angústia que o ser-para-a-morte se mostra do
modo mais originário, propiciando-se a abertura para o fato de ser para o fim.
A morte, entretanto, nos chama. Ela nos chama o tempo todo; está sempre
conosco, arranhando uma porta íntima, sussurrando suavemente, quase
inaudível, sob a superfície da consciência. Escondida e disfarçada,
transbordando por meio de uma variedade de sintomas, ela é fonte de muitos
de nossos estresses, conflitos e preocupações (TOLSTÓI, 2020, p. 19).
Em relação ao ser-no-mundo dizemos que significa que não existe sujeito fora
do mundo, o Dasein se lança ao mundo. Para Heidegger (2015), o sentido desse
existencial se dá quando o Dasein estabelece relações com as coisas, e assume o
cuidado delas, isto é, confere um sentido a sua existência quando entra em contato
com as coisas no espaço. Em relação ao ser-com-os-outros dizemos que não existe
sujeito isolado dos outros. O sentido desse existencial está nas relações afetivas que
o Dasein estabelece com o outro e, assim, assume o cuidado dele.
Segundo Dubois (2004), o Dasein, quando lançado para o mundo e em
comunhão com os outros, vai conferindo sentido à sua existência a partir das escolhas
feitas por ele, lidando com aquelas duas instâncias. Ele pode escolher qual trabalho
irá dedicar-se, escolher com qual estudo irá se comprometer e assim por diante. Nas
escolhas que Dasein faz, diante de inúmeras possibilidades, ele está sendo, isto é,
existindo. Dentre essa variedade de possibilidades, existe uma na qual o Dasein não
pode optar. Trata-se da morte. O homem pode fazer qualquer escolha, exceto
escolher não morrer. A vida humana autêntica é aquela voltada para a possibilidade
da morte, justamente aquela que ele não pode escolher e não é voltada para as
possibilidades mundanas.
Enquanto possibilidade, a morte é a mais própria do Dasein. Ela não tem
relação alguma com o outro, muito menos com as coisas. A morte acontece com cada
homem, e assim, individualmente, o homem a experimenta, um não pode interferir de
modo algum na morte do outro. O ato de morrer coloca o Dasein num distanciamento
radical do outro, o que é indicador, positivamente, de que nesse momento o homem
tem condições de se compreender autenticamente, a partir de sua própria existência.
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O modo da minha morte pode ser mais bem percebido, segundo Áries (1997),
a partir do século XI, quando há um deslocamento de um sentido coletivo da morte
para uma compreensão da morte como algo individual. Morrer não necessariamente
significava mais afetar todo o grupo e justamente neste contexto surgiu o indivíduo
caracterizado por seus pensamentos mais íntimos, suas paixões e seus pecados. Há
todo um percurso em direção a uma individualidade que o homem acredita ser
possível manter após sua morte. O momento da morte era muito valorizado, enquanto
possibilidade de absolvição de todos os pecados e a conquista da salvação.
O modo da morte distante e próxima, já se ensaia desde o século XVI, mas é
exatamente a partir do século XVIII que suas características se tornam mais
evidentes. A morte passa a não ser mais um centro de preocupações. A absolvição
não é fundamental, por passarem a defender que o verdadeiro cristão está sempre se
preparando para a morte. O relevante neste momento é a sua obra em vida e não
mais os seus arrependimentos na hora da morte. A familiaridade com a morte
gradativamente vai dando lugar à valorização da razão e o nascimento da ciência
como aqueles que têm algo a dizer sobre a morte. O medo da morte começa a se
apresentar de forma mais evidente antes do século XIX, período a partir do qual, com
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os avanços das tecnologias, a morte passou a ser cada vez mais uma surpresa brutal.
O luto estava presente, ainda como um luto dramatizado e ritualizado.
Heidegger (2015) explica que, naquilo com que a angústia se angustia revela-
se o “é nada e não está em lugar nenhum”. Fenomenalmente, a impertinência do nada
e do lugar nenhum intramundanos significa que a angústia se angustia com o mundo
como tal. A total insignificância que se anuncia no nada e no lugar nenhum não
significa ausência de mundo. Assim, o ser-para-a-morte é, essencialmente, angústia.
Sendo a morte única certeza para o Dasein, e nela está contida todas as
possibilidades do Dasein; somente com a aceitação de sua finitude o Dasein assume-
se a partir de suas possibilidades intrínsecas. Desta forma, a angústia é um chamado
para que o Dasein entre em contato com seu ser próprio, que torne próprio daquilo
que o Dasein é.
Segundo Heidegger (2015) a angústia tem a sua raiz firmada na essência da
condição humana frente ao mundo, em um mundo de infinitas possibilidades. Mais
possibilidades infinitas de finitude, ou seja, elas são infinitas em nossa configuração
temporal-espacial de existência finita. A morte define o que se foi e o que se é, até se
encontrarem em um futuro. Estas formas de manifestação da angústia guardam em
comum o sentido de não-ser, que permanece não como um ente, mas como um ser
que necessita da contínua destruição para potencializar a criação.
Desta forma é a morte, seja ela física, espiritual, moral ou social que está em
jogo. Esta morte representada pela trindade (bio-psico-social) em si, aponta
ontologicamente para um único ser, o ser-para-a-morte. Este ser-para-a-morte é uma
verdade e somente a único presente em toda a existência, porque como comenta:
Enquanto fim do Dasein, a morte é a possibilidade mais própria, irremissível, certa e,
como tal, indeterminada e insuperável do Dasein. Enquanto fim do Dasein, a morte é
e está em seu ser-para-o-fim. Para Heidegger (2015) o significado da angústia é a
própria aceitação do destino, ou seja, a aceitação da atual situação como única, tendo
a consciência que lutar contra a nulidade da morte. A morte das escolhas é lutar contra
a própria existência. Em Heidegger, a percepção do jogo ontológico entre ser e não-
ser angustia o Dasein, mas é esta angústia que torna o homem autêntico perante suas
escolhas, com a coragem e o amor de sua própria finitude.
A partir de sua doença, desde que fora pela primeira vez ao médico, a
vida de Ivan Ilitch foi dividida em dois estados de espirito opostos que
se alternavam uma hora desespero e expectativa de uma morte terrível
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nenhum momento traz um despertar do homem para a sua própria morte, para a
finitude do seu tempo, da sua existência, nesse sentido a obra relata que:
A partir de sua doença, desde que fora pela primeira vez ao médico, a vida
de Ivan Ilitch foi dividida em dois estados de espirito opostos que se
alternavam uma hora desespero e expectativa de uma morte terrível e
incompreensível, na outra esperança e observação atenta do funcionamento
de seus órgãos (TOLSTÓI, 2020, p. 91).
forma marcante, apenas para se distrair. Ele passou sua vida ocupado, fugindo de si
mesmo.
Heidegger (2015) coloca que o ser-para-a-morte foi fundamental para
compreender que a inautenticidade de Ivan é, com efeito, uma fuga decadente da
finitude e de si mesmo. Também que seu processo de adoecimento possibilita
compreender o irremediável ser-para-a-morte do Dasein, iniciando, assim, um
processo de reflexões acerca de sua falta com relação ao seu poder-ser mais
autênticos, próprias de ser si-mesmo impede de apagar a alteridade no encontro com
os outros.
Nesses trechos, o autor aborda a forma como acontece a morte para Ivan Ilitch.
Traremos o conceito de ser-para-a-morte do filósofo Heidegger.
Foi nesse exato momento que Ivan Ilitch caiu dentro do buraco e encontrou a
luz e lhe foi revelado que sua vida não fora o que deveria ter sido, mas que
ainda era possível dar um jeito. Perguntou-se o que era, afinal, a coisa certa
e ficou quieto, escutando (TOLSTÓI, p.100).
Para os que presenciavam sua agonia, está durou mais duas horas. De sua
garganta ainda saía um som e via-se um estranho movimento de seu corpo
já sem vida. Até que a respiração ofegante e o som passaram a vir em
intervalos cada vez maiores (TOLSTÓI, p.101).
“Procurou seu antigo medo da morte não o encontrou [...] Não havia medo
porque também não havia morte” (TOLSTÓI, 2020, p.101), nesses trechos da obra de
Tolstói, são indicados alguns dos pontos fundamentais que relacionamos com o ser-
para-a-morte de Heidegger (2015), como a atitude que recusa o tema da própria
morte, pensando apenas a morte dos outros. Quando a doença de Ivan Ilitch
escancara, a sua condição de mortal, eis que todas as falsas convicções
desmoronam.
A angústia então o atormenta sem trégua, mostrando-lhe o seu ser sempre
mais próximo de um abismo que o aterroriza. Até o momento que a doença o atingiu,
sua vida prosseguia segundo uma vida normal e indiferente, orientada segundo o
impessoal público que tudo nivela. Mas com o assalto da angústia diante da morte
tudo muda. Dessa forma, nos propomos a pensar na narrativa existencial que Ivan
Ilitch busca no ato de sua morte, repensando o sentido da sua vida. Segundo
Heidegger (2015), o ser-para-a-morte é assumir o sentido próprio da existência e isso
é o que propicia ao Dasein o afastamento das ilusões do mundo público. “– A morte
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está acabada –, disse para sim mesmo. – Não existe mais –. Respirou profundamente,
parou no meio de um suspiro, esticou o corpo e morreu.” (TOLSTÓI 2020, p.101)
Antecipar a morte não é cometer suicídio, ou algo semelhante, mas é encontrar
o sentido do ser, enquanto existente. Dessa forma, o ser-para-a-morte não se
encontra mais disperso no impessoal público, mas se abre ao seu puro ser-no-mundo,
no momento em que o homem compreende o próprio ter que morrer eis que o si
mesmo é aberto e é alcançado pelo Dasein. Isso porque o ser-para-a-morte o Dasein
experimenta a morte apenas como a sua própria morte, não como aquela do outro.
Assim, quando Ivan pensa a sua morte, ele pensa a sua morte unicamente; A morte
é sempre a sua morte, no sentido de individualidade, separando uma existência da
outra.
Sua morte diz respeito unicamente a você. Assim, afirma Rée (2000), que
quando você morre, seu estar-no-mundo-com-outros chega a um fim, mas o deles,
embora possa ser afetado de um ou outro modo, continua.
Mas há um lado positivo na morte, isso se o ser humano assume o seu ser-
para-a-morte, levando em conta que a morte é um fenômeno da própria existência e
não do término dela. A morte apenas tem sentido para quem existe e se põe como um
dado fundamental da existência mesma. Assumir o ser para a morte, porém, não
significa pensar constantemente na morte e sim encarar a morte como um problema
que se manifesta na própria existência. Depois de termos morrido não podemos mais
sentir a morte. É um fato que a morte é algo que apenas podemos experimentar
indiretamente, no outro que morre. A morte tem este aspecto paradoxal de apenas
surgir quando não pode mais constituir um problema para o Dasein, a não ser que ele
assuma como a sua mais própria essência na própria existência.
Segundo Heidegger (2015), a morte é uma espécie de angústia ampliada e
mais definida na direção de uma caracterização fundamental de nossa existência.
Assim, a angústia desperta para a morte, enquanto dado temporal mais significativo
da existência, e revela a finitude da existência humana, o fato de que o homem tem
um fim, que ele morre e que sua existência acaba, ou seja, remete a um outro conceito
fundamental de Heidegger, que é o ser-para-a-morte.
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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
nada valeriam para nós essa compreensão. Ou mesmo, trazer uma análise
antropológica do que significa a morte para a cultura em que o Ivan está inserido,
também não seria relevante para fazer uma analítica da finitude, uma vez que, a
compreensão da morte pela compreensão da existência se torna mais profundo e
mais contemplativo, pode-se dizer que até mais significativo nessa perspectiva aqui
proposta.
Assim, como a existência é dinâmica em suas formas, aberta em suas
possibilidades, e finita em sua relação junto ao tempo, vale ressaltar que, dos vários
referenciais teóricos utilizados como base de compreensão desse fenômeno, ainda
que alguns beberam da fonte de outros, seja para embasar ou mesmo contrapor em
relação a sua própria perspectiva teórica, todos esses teóricos tornam-se relevantes
em seu ponto, uma vez que não existe erro para a filosofia existencialista, sendo um
agregado de ideologias e estudos embasados na percepção e interpretação da
existência humana, todos os filósofos referenciados agregam sentido para
compreender a finitude humana.
A utilização da Fenomenologia-Existencial como meio de compreensão da
finitude na obra analisada permitiu que as diferentes percepções dos demais
personagens para além de Ivan Ilitch após sua morte também fosse notada, uma vez
que se deve considerar que todos vivenciam o luto de maneiras diferentes, todos
expressam o luto com mais ou menos emoção, sendo impossível estabelecer um
padrão para como deve-se lidar com a morte do outro. É notório afirmar também que
a morte será por todos de alguma forma sentida, e necessariamente precisarão de
algum meio de expressar tristeza. No luto, você não pode se apressar para concluir o
processo, não há como aliviar a dor. Mas alguém pode estar presente para mostrar
ao enlutado que ele não está sozinho, sua dor não é absurda, ele não é fraco e é
necessário experimentar a perda.
Vale ressaltar também que, analisar uma obra complexa e cheias de detalhes
narrativos e contextuais como esta, que evocam pensamentos e falas de outros
personagens que por vezes contrapõem a narrativa trazida pelo Ivan Ilitch, narrativa
essa que foi o foco da analítica realizada nessa produção, contrapõe o contexto clínico
na utilização do método fenomenológico por exemplo, onde torna-se mais favorável
para a compreensão dos fenômenos apresentados já que temos acesso apenas ao
paciente, e a percepção do mesmo perante a existência. Feita essa ressalva, a
dinâmica de uma analítica acerca da finitude, apesar de extensa apresentada nesta,
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REFERÊNCIAS
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999.
________. Assim Falou Zaratustra. Trad. de Mário da Silva. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1998.
RUDIO, V.F. Diálogo maiêutico e psicoterapia existencial. São Jose dos Campos,
SP: Novos Horizontes, 2001.
YALOM, I. De frente para o sol: como superar o terror da morte. Rio de Janeiro, Agir
Editora, 2008.
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Sodré, Ícaro Ryad Andrade, 1995; Silva, Larissa Felix da, 1997.
A morte de Ivan Ilitch, uma ótica Fenomenológico-Existencial sobre
a finitude/ Ícaro Ryad Andrade Sodré; Larissa Felix da Silva. –
Paripiranga, 2020.
61 f.