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Bacharelado em Psicologia

ÍCARO RYAD ANDRADE SODRÉ


LARISSA FELIX DA SILVA

A MORTE DE IVAN ILITCH, UMA ÓTICA


FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL SOBRE A FINITUDE

Paripiranga
2020
ÍCARO RYAD ANDRADE SODRÉ
LARISSA FELIX DA SILVA

A MORTE DE IVAN ILITCH, UMA ÓTICA


FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL SOBRE A FINITUDE

Monografia apresentada no curso de graduação


do Centro Universitário AGES como um dos pré-
requisitos para obtenção do título de bacharel
em Psicologia.

Orientadora: Profª. Beatriz Reis.

Paripiranga
2020
ÍCARO RYAD ANDRADE SODRÉ
LARISSA FELIX DA SILVA

A MORTE DE IVAN ILITCH, UMA ÓTICA FENOMENOLÓGICO-


EXISTENCIAL SOBRE A FINITUDE

Monografia apresentada como exigência parcial para


obtenção do título de bacharel em Psicologia à
Comissão Julgadora designada pela Coordenação
de Trabalhos de Conclusão de Curso da Ages.

Paripiranga, _____ de ____________ de _____.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Beatriz Andrade


Oliveira Reis
Ages

Profª. Calila Mireia


Pereira Caldas
Ages
A nós, pois de outra forma essa produção não existiria.
AGRADECIMENTOS

Ícaro Ryad Andrade Sodré

A minha dupla, Larissa, por me suportar em todos os sentidos nessa jornada


puxada de fim de graduação, estágio e, principalmente, nesse processo de
monografia.
Aos meus pais, que lutaram tanto quanto eu nesses cinco anos de estrada,
desde quando decidir optar por Psicologia como opção de carreira e de projeto de
vida, por estarem ao meu lado independente de tudo, sempre com palavras de apoio
e gestos de carinho em todos os momentos.
A minha madrinha, Ivaneide, que sempre se mostrou disposta a me apoiar
nessa jornada, sempre atenta e zelando para que eu me mantivesse disposto,
juntamente a ela, agradeço também ao apoio dos demais membros da minha família,
sempre dispostos a ajudar.
Aos meus companheiros de jornada acadêmica na Psicologia e Dasein’s, que
vou levar para a vida toda, Ana Maria, Francisco Vitor, Maico, Adriano, Luana,
Luziane, Pamera e Lucas Nauan, serão futuros profissionais que sei que posso contar
para toda a vida, e que também contarão com meu apoio, meu respeito e admiração.
A Nusmária, por estar junto a mim em praticamente todos os momentos dessa
dura jornada, foi uma grata surpresa com um coração enorme que esbanja amor por
onde passa, e que pretendo manter sempre por perto.
À orientadora, Beatriz Reis, em especial, e também aos demais professores
que me apresentaram as diversas Psicologias, e que, para além do campo acadêmico,
apresentaram as diversas formas de ser no mundo, ajudando a ampliar meu campo
de visão e perceber de diferentes maneiras o mesmo fenômeno, compreenderam
meus momentos quietos durante as aulas e enxergaram além do que eu conseguia
ver, e direta ou indiretamente me mostraram que a vida vai além de um conjunto de
momentos, de um apanhado de fenômenos, de uma junção de comportamentos, a
vida vai além de senti-la, de expressá-la ou mesmo de percebê-la.
A todos, que fizeram de alguma forma perceber que estou sempre em estado
de abertura, hoje engajado em um projeto de vida e que, de maneira consciente,
porém agraciado pela angústia, sou responsável pelos caminhos que seguirei,
escolhendo caminhar. Um agradecimento póstumo, muito embora sempre antes
expresso, a minha segunda mãe, Amália, que sempre me deu ótimos conselhos de
vida, mostrando os melhores caminhos a seguir.

Larissa Felix da Silva

A Ícaro, minha dupla de monografia, por todas as noites em claro, pela


paciência, gentileza e companheirismo, pela força que tivemos para terminar a
graduação. A Ana Maria, por todas as risadas, por toda angústia compartilhada, por
dizer que conseguiríamos. A Gisla, por todas as tardes maravilhosas, por tantas
risadas, por me ouvir em todas as minhas loucuras e por toda aventura que tivemos.
A Bárbara, por todas as grandes histórias em nossa república que levarei para a vida,
obrigada por me acompanhar em grande parte do meu trajeto acadêmico e por
estarmos juntas em momentos difíceis, ao seu filho Luís Miguel por muitas risadas e
por tanto carinho. As minhas colegas de república Valdicléia, Andressa e Crislaine por
uma boa convivência e pelas risadas que deixaram o processo mais leve.
A minha irmã, Raynielle por toda a atenção e carinho, as minhas sobrinhas
Anna Clara, Anna Luiza e Anna Laura, por tanto amor que me deram durante o
processo, a minha mãe por me mostrar tanta força e incentivar com tantas palavras
inspiradoras. A minha grande amiga Viviane por todas as conversas inspiradoras, pelo
incentivo que tem me dado em tantos aspectos da minha vida.
Aos professores, Jameson Thiago, por me apresentar a Fenomenologia de uma
forma extraordinária, ao professor Saulo por todas as manhãs com suas aulas
excepcionais, por tanto cuidado e carinho com seus alunos, ao professor Elder por me
mostrar a psicologia de uma forma única. A professora Beatriz por tanto aprendizado
em nossas supervisões clínicas, por tantas descobertas e por me fazer amar ainda
mais a Fenomenologia. A José Ánderson por tanto amor, carinho e delicadeza que
me cobriu durante as etapas finais da minha graduação.
A vida é um milagre.
Cada flor,
com sua forma, sua cor, seu aroma,
cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
com sua plumagem, seu voo, seu canto,
cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
o espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
o tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte. Bendita a morte, que é o
fim de todos os milagres.

Preparação para a morte de Manuel Bandeira


RESUMO

A finitude humana é objeto de interesse e de estudo através de diversas áreas do


conhecimento, abordando diferentes métodos de análise que buscam decifrar ou
apenas compreender esses processos biológicos ou sócio-históricos. Entretanto,
diferentemente dos modelos científicos tradicionais que compreendem o ser humano
através da decomposição de suas partes em fragmentos considerados menos
complexos. Tal lógica considera possível que, compreendendo como cada fragmento
funciona, tem-se o entendimento do funcionamento do todo complexo, e o estudo
sobre a morte partindo deste referencial teórico não é diferente. Os aspectos sócio-
históricos na busca da compreensão do fenômeno da finitude, por outro lado, buscam
compreender como um contexto cultural em determinado período de tempo
compreende ou mesmo lidam com as nuances da morte e do morrer como ato, ou
seja, buscam analisar como um grupo social seja em micro ou macro escala
compreende a finitude e como está relacionada dentro dessa cultura. Com outra linha
de pesquisa, a Fenomenologia-Existencial pretende analisar o fenômeno da finitude
através do modo como este é percebido, compreendido, e expressado pelo sujeito
individual. Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo: analisar o fenômeno
da finitude na obra literária “A morte de Ivan Ilitch”, do renomado autor russo, Liev
Tolstói. Como base teórica para essa análise literária, buscaremos trazer
contribuições de renomados filósofos existencialistas, bem como autores que
fortemente contribuíram para o avanço e consolidação do método Fenomenológico-
Existencial. Personalidades que contribuíam com a filosofia existencialista como
Martin Heidegger, Friedrich Nietzsche, Jean-Paul Sartre, Sören Kierkegaard, dentre
outros que tiveram suas principais teorias utilizadas como base para compreender o
fenômeno da finitude alavancada na obra analisada, tendo como base
necessariamente, os relatos narrados do personagem Ivan Ilitch. Essa noção de tratar
a finitude como um fenômeno, e não uma coisa simplesmente dada como o ato de
morrer, bem como a utilização dos relatos de quem está de fato vivenciando tal
fenômeno, como base para compreender o processo de finitude deste, são
embasados também no método Fenomenológico, ou seja, em desvelar o fenômeno
pelo próprio apresentar do fenômeno. Portanto, apresentamos o método Fenomenológico
como mecanismo de compreensão, ou melhor, como um método de aproximação e
apropriação do fenômeno tal qual ele se apresenta, a partir do próprio personagem.
A utilização de teóricos e pensadores existencialistas para embasar as falas do
personagem Ivan Ilitch, uma vez apoiando-se no método Fenomenológico como
ferramenta de busca e desvelamento do fenômeno finitude, tem como objetivo a
compreensão única e exclusivamente da finitude deste, ressaltando a premissa
existencialista de que, todo ser humano é único e em abertura, abertura essa que o
joga para um universo de possibilidades incertas e que necessitam de atribuição de
sentidos também próprias para este, entretanto com uma única certeza, qual seja, a
finitude. Apesar de ser fenômenos atribuídos a um contexto literário, analisar a
presente obra, utilizando-se do modelo Fenomenológico Existencial, permite que
possamos compreender as diferentes percepções acerca da finitude.

PALAVRAS-CHAVE: Finitude. Fenomenologia. Existencialismo. Morte de Ivan Ilitch.


ABSTRACT

Human finiteness is object of interest and study in several areas of knowledge,


addressing different methods of analysis that seek to decipher or just understand from
biological to socio-historical processes. However, unlike traditional scientific models
that understand the human being through the decomposition of its parts into less
complex fragments. Such logic considers the possibility that, in understanding how
each fragment works, there is an understanding of the functioning of the whole
complex, and the study of death based on this theoretical framework is no different.
Socio-historical aspects in the search for understanding the phenomenon of finitude,
on the other hand, seek to understand how a cultural context in a certain period of time
comprehends or even deals with the nuances of death and dying as an act, that is,
they pursue to analyze how a social group, whether on a micro or macro scale,
understands finitude and how it is connected with that culture. With another line of
research, Existential Phenomenology intends to analyze the phenomenon of finitude
through the way it is perceived, understood and expressed by the person as an
individual. Under this light, the present work aims to analyze the phenomenon of
finitude in the literary work “The death of Ivan Ilitch”, by the renowned Russian author,
Liev Tolstói. As theoretical basis for this literary analysis, we will seek to present
contributions from renowned existentialist philosophers, as well as authors who
strongly contributed to the advancement and consolidation of the Existential
Phenomenological method. Personalities who contributed to existentialist philosophy
such as Martin Heidegger, Friedrich Nietzsche, Jean-Paul Sartre, Sören Kierkegaard,
among others who had their main theories used as a basis for understanding the
phenomenon of leveraged finitude in the work in question, based necessarily on the
reports narrated by Ivan Ilitch’s character. This idea of treating finitude as a
phenomenon and not something simply given in the act of dying, as well as the use of
the reports of those who are actually experiencing such phenomenon, as a foundation
for the understanding of its finitude process, are also based in the Phenomenological
method, that is, in unveiling the phenomenon by presenting the phenomenon itself.
Therefore, Phenomenological method is presented as a mechanism of understanding,
or rather, as a method of approaching and appropriating the phenomenon as it
appears, as of the character itself. The use of existentialist theorists and thinkers to
support the speeches of Ivan Ilitch’s character, once relying on the Phenomenological
method as a instrument for the search and unveiling of the phenomenon of finitude,
aims at the unique and exclusive understanding of its finiteness, emphasizing the
existentialist premise that every human being is unique and open, an opening that
launches him into a universe of uncertain possibilities and that needs to be assigned
meanings that are also proper for him, but with a single certainty, that is finitude.
Despite being phenomena attributed to a literary context, analyzing this study using
the Existential Phenomenological model allows us to understand the different
perceptions about finitude.

KEYWORDS: Finitude. Phenomenology. Existentialism. The Death of Ivan Ilitch.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 MÉTODO................................................................................................................ 14

3 O MÉTODO FENOMENOLÓGICO ........................................................................ 16

4 A FENOMENOLOGIA NA CLÍNICA PSICOLÓGICA ............................................ 25

5 O FENÔMENO DA FINITUDE NA FILOSOFIA EXISTENCIAL ............................ 30

6 ANÁLISE DA FINITUDE EM A MORTE DE IVAN ILITCH .................................... 37

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 53

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 56

ANEXOS ................................................................................................................... 59
10

1 INTRODUÇÃO

A problemática da finitude humana como objeto de estudo e pesquisa não é


algo novo na história da filosofia, entretanto, para a filosofia existencialista os
parâmetros para se conceber os estudos partem da premissa de que, assim como a
existência é única para cada pessoa, a compreensão da morte também deve ser
estudada a partir da experimentação individual, sendo assim, qualquer forma de
explicar a eminência deste fenômeno para essa base filosófica parte da percepção do
sujeito ao refletir sobre relação entre vida e finitude (NIETZSCHE, 2005).
A finitude na filosofia existencial sempre fez parte do processo do
desenvolvimento humano, porém apesar de ser um processo natural em que todos
estão fadados a enfrentar em algum momento, falar sobre a morte nessa perspectiva
filosófica não é simples, muito embora pelo fato das compreensões sobre tal
fenômeno serem de âmbito pessoal, uma vez que toda e qualquer forma de explicar
a finitude através da filosofia parta de uma ideia metafórica, tendo em vista que,
encarada como um fechamento do ciclo da existência daquele sujeito, só resta a
reflexão antecipada da própria finitude (NIETZSCHE, 2005).
Sabe-se que a finitude é a única certeza presente na existência humana, sendo
assim o ser humano cotidianamente está convidado a experimentar a angústia de
deparar-se com ela a qualquer momento. Yalom (2008) abordando essa temática
argumenta que o ser humano, apesar de constantemente se encontrar conectado com
a certeza de sua finitude, não tem controle da mesma, seja quando ou como irá
definitivamente encontrá-la. Nesse sentido, corroborando com as colocações trazidas
pelo autor, Forghieri (2012) acrescenta também que, apesar da presença do
fenômeno da finitude ser constante na vida do sujeito, a forma como este irá
experimentá-la depende da maneira como a sociedade onde o mesmo está inserido
o experimenta. Dessa forma, a autora também sugere que a maneira como
compreendemos e lidamos com a nossa finitude pode ter ligação também como a
maneira como projetamos sentido verdadeiro para nossa existência.
Observar o fenômeno da morte através de teorias já estabelecidas pela ciência
seria analisar uma parcela ou um viés desse fenômeno em si, e não abarcaria uma
compreensão total do mesmo. Nesse sentido, estaríamos aqui analisando uma
11

redução do fenômeno com pressupostos teóricos prontos, ou seja, abarcaríamos


pontos específicos que poderiam ser explicados de maneiras específicas, mas que
não contemplaria o fundamental em questão, que seja a experiência relatada de quem
de fato experenciou tal fenômeno. Nesse sentido, não se pretende ser descartado o
modelo iluminista ou tratá-lo como incoerente, pois ele explica e define muitas coisas
metodologicamente pontuando, no entanto o mesmo não contempla explicar como
vivenciamos algo, como percebemos fenômenos, como trazemos luz de coisas do
mundo para nossa consciência. Assim faz-se necessário utilizar a redução
fenomenológica.
De uma maneira geral, o método fenomenológico tem como excelência o
pressuposto de que o mundo só pode ser compreendido, analisado e ou explicado a
partir da maneira como o sujeito percebe e experimenta o mesmo. Dessa forma, para
o autor não há um mundo previamente estabelecido que precede a noção de
consciência do sujeito, da mesma forma que não há uma consciência que se dê de
maneira a anteceder o mundo onde ela exista. Assim, para a Fenomenologia de
Edmund Husserl, a qual será utilizada como método que guiará a compreensão da
experiência vivenciada de Ivan Ilitch na obra analisada, a consciência será sempre
direcionada para algo que envolva o mundo em si, da mesma forma que o mundo só
pode ser compreendido através do movimento de intencionalidade do sujeito, que o
percebeu e experienciou de alguma forma.
A redução fenomenológica pode ser compreendida como uma suspenção do
juízo a respeito das coisas em si. Para Husserl, essa redução fenomenológica,
também cunhada pela filosofia como epoché, termo esse retirado do grego antigo, no
qual significa um estado de repouso mental, onde nada afirmamos ou negamos, ou
seja, olhar para o fenômeno sem tentar resolvê-lo, consiste então em colocar entre
parênteses as definições já existentes sobre o mundo e analisar o fenômeno pelo
próprio fenômeno. Ou seja, a epoché consiste em deixar de lado compreensões
prévias que abarquem uma explicação a priori do fenômeno a ser apreendido. Como
mencionado anteriormente, a não utilização de explicações da ciência convencional
ou de outros modelos teóricos de investigação acerca da finitude, a fim de tentar
explicar o fenômeno da morte analisada na obra, faz com que esta experiência
pessoal do fenômeno pelo personagem Ivan Ilitch tenha de fato um significado próprio
que, a partir da redução fenomenológica, torna-se possível compreender como o
personagem vivenciou e deu consciência a tal enfrentamento.
12

A noção de intencionalidade também cunhada pelo autor Edmund Husserl está


relacionada ao modo como existimos no mundo, como experienciamos e vivenciamos
fenômenos, ou seja, a intencionalidade aqui se dá como característica fundamental
da consciência, por ser através dela que o tomamos consciência das coisas do mundo.
Nesse sentido, o sujeito está sempre voltado para fora de si, no sentido de que está
sempre à procura de sentidos tanto para compreender fenômenos por ele percebidos
quanto também para compreender a si mesmo nessa relação de dualidade. Trazer o
método fenomenológico a fim de abarcar um entendimento sobre a experiência da
eminente morte de Ivan Ilitch, irá permitir que a análise proposta por este trabalho não
seja feita partindo de pressupostos teóricos e científicos já estabelecidos em nossa
sociedade.
Kierkegaard (2013) compreende que a existência ocasiona angústia em
sujeitos que buscam entender seus motivos, tentando incessantemente atribuir-lhe
um sentido. Diante disso, é possível perceber que o paradoxo da existência entre a
vida e a morte, causa sentimentos contrários, como o medo e a insegurança, pois é
algo previamente desconhecido, ou seja, não há uma essência programada a priori
que dê sentido para tal existência. Busca-se então compreender o fenômeno da morte
de Ivan Ilitch à luz da Fenomenologia com o intuito de analisar os significados que o
personagem deu ao se deparar com a experiência dessa eminência, tornando
consciente através de extensas reflexões acerca do mesmo.
Compreender a partir de uma obra literária as diferentes maneiras de perceber
fenômenos presentes na vida de Ivan Ilitch e, principalmente, refletir sobre como se
deu o fechamento de seu ciclo de vida, possibilita que possamos agregar em outros
âmbitos de nossa vida, seja no meio acadêmico ou não e, trazendo para fora da obra
de Tolstói reflexões sobre outras maneiras de perceber a finitude humana, bem como
também, a partir da utilização de referenciais teóricos citados através de autores e
pensadores que embasam o método Fenomenológico-Existencial, como
embasamento gerador de reflexão, ou seja, pensar a finitude através da obra literária
de Liev Tolstói em questão gera reflexões importantes para compreendermos
diferentes contextos, seja para pensar as possibilidades de lidar com a existência e
também a finitude.
A intenção desta produção então foi analisar a experiência de finitude da obra
“A morte de Ivan Ilitch”, romance do escritor Russo Liev Nikolaiévitch Tolstói, a partir
da perspectiva Fenomenológico-Existencial. Fez-se também necessário entender
13

como a filosofia Existencialista aborda as questões de vida e morte, mais


especificamente teóricos como Jean-Paul Sartre, Martin Heidegger, Karl Jarpers,
Enzo Paci, Emmanuel Lévias, Søren Kierkegaard, que serão entendidas as questões
como a angústia experienciada pelo personagem por exemplo, serão estudadas com
base em obras desses autores que trataremos durante o decorrer desse estudo. Fora
analisada nesta produção a partir de alguns trechos desta obra acerca de como se
deu a existência de Ivan Ilitch, a dificuldade em desenvolver suas próprias
singularidades, por evitar de pensar no seu posicionamento existencial, não se
colocando às convenções sociais e a morte inesperada. A morte não é, portanto,
considerada como um simples fato ou algo da qual o homem se possa fugir.
14

2 MÉTODO

A pesquisa é do tipo bibliográfica, de natureza qualitativa. Nesse propósito,


segundo Gil (1999), o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da
investigação das questões relacionadas ao fenômeno em estudo e das suas relações,
mediante a máxima valorização do contato direto com a situação estudada, buscando-
se o que era comum, mas permanecendo, entretanto, aberta para perceber a
individualidade e os significados múltiplos. Segundo Bogdan e Biklen (1994) existem
várias formas de se fazer pesquisa qualitativa, mas todas têm o mesmo objetivo que
é compreender o contexto, o significado e o processo pelo qual ocorre a experiência
para com o fenômeno em estudo. Embora algumas divergências teóricas possam ser
encontradas, grande parte dos pesquisadores qualitativos identificam-se de algum
modo com a perspectiva fenomenológica como fonte de investigação e ou acesso ao
fenômeno.
Neste trabalho, foi utilizada, como procedimento metodológico, a pesquisa de
revisão bibliográfica. A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já
elaborado, constituído, principalmente, de livros encontrados em acervos de livre
acesso, e artigos científicos retirados de plataformas como: Periódicos Eletrônicos de
Psicologia (PePSIC) e Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO) importantes
para o levantamento de informações básicas sobre os aspectos direta e indiretamente
ligados à nossa temática. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no
fato de fornecer ao investigador um instrumental analítico para qualquer outro tipo de
pesquisa, mas também pode esgotar-se em si mesma (VERGARA, 2000).
Utilizaremos o método fenomenológico como um recurso apropriado para
auxiliar na análise literária. Propomos aqui a análise literária dos acontecimentos da
vida do personagem de Leon Tolstói, onde ilustraremos a partir do livro questões da
finitude na fenomenologia-existencial, partindo dessa abordagem, analisaremos o
mundo vivido do sujeito com a finalidade de investigar o sentido ou o significado da
vivência para a pessoa em determinada situação, com o intuito de buscar a estrutura
essencial ou invariante do fenômeno (ANDRADE; HOLANDA, 2010).
Para Silva (2014), uma das características da pesquisa qualitativa com
referencial fenomenológico é o seu caráter descritivo. Segundo essa autora, deve
15

existir uma descrição minuciosa dos fenômenos e das falas dos sujeitos pesquisados.
Isso se justifica pelo fato de que os depoimentos dos sujeitos estão impregnados de
significados a respeito dos fenômenos e por essa razão, precisam ser analisados.
Uma vez que existem diferentes maneiras de apreensão da Fenomenologia, levando
também em consideração as diferentes contribuições e nuanças dos vários teóricos
que as compõem, amadurecendo e ramificando-a, propiciando assim, a inserção
deste método em diferentes áreas profissionais, seja para a Psicologia, seja para a
Filosofia.
Para Creswell (1998), o método fenomenológico é a descrição das experiências
vividas pelos sujeitos sobre um determinado fenômeno com o objetivo de buscar sua
estrutura essencial. Nesse sentido, Amatuzzi (1996) afirma que a pesquisa
fenomenológica designa o estudo do vivido, ou da experiência imediata, visando
esclarecer seu significado e seria, portanto, a pesquisa que lida com o significado da
vivência.
Usaremos a Fenomenologia desenvolvida pelo teórico Edmund Husserl como
um método a fim de ajudar na compreensão dos significados que o ser humano atribui
às suas experiências, proporcionaremos um aprofundamento nas vivências de Ivan
Ilitch, focando nas questões referentes à sua existência. Nas pesquisas que se
encarregam de investigar a relação do homem com a morte, esse modelo de pesquisa
ajuda a ir além de discussões superficiais que geralmente estão presentes quando se
trata desse tema.
Desse modo, iremos compreender o contexto em que o personagem da obra
vivenciou a eminência de sua morte, seus relatos e sua experiência guiarão uma
análise acerca do fenômeno da morte. O presente trabalho é composto por quatro
capítulos, no primeiro compreende como se deu o surgimento do método
fenomenológico a partir de Edmund Husserl. No segundo capítulo trata-se da
Fenomenologia como postura na atuação do psicólogo clínico. No terceiro capítulo,
aborda-se a questão da finitude na filosofia existencial, serão apresentados alguns
conceitos e discussões da filosofia existencial que ajudem a compreender a finitude
humana. No último capítulo analisaremos com base em teóricos que compõem a
perspectiva Fenomenológico-Existencial, os relatos da experiência da eminência da
morte de Ivan Ilitch.
16

3 O MÉTODO FENOMENOLÓGICO

A Fenomenologia é o estudo ou a ciência do fenômeno. Como tudo o que


aparece é fenômeno, o domínio da Fenomenologia é praticamente ilimitado e não
poderíamos, pois, confiná-la numa ciência particular. Franz Brentano, filósofo, foi
pioneiro na ideia da Fenomenologia como método de investigação e se preocupou em
encontrar no campo da psicologia uma característica que separasse os fenômenos
psicológicos dos físicos. Foi a partir de tal tentativa que ele desenvolveu sua doutrina
célebre da intencionalidade como componente determinante dos fenômenos
psicológicos (SPIEGELBERG, 1963).
Segundo Münch (1997), o termo intencionalidade é de crucial importância na
filosofia brentaniana. Os fenômenos psíquicos na filosofia de Brentano são
caracterizados por aquilo que os escolásticos da Idade Média chamavam de in-
existência (ou existência em, dentro de) intencional de um objeto na consciência, ou
o que poderíamos chamar de referência a um conteúdo, ou ainda, de direcionamento
a um objeto. Aqui, “in-existência intencional” significa, literalmente, a existência de
uma intentio dentro do que pretende ser, como se encaixado nele. Mais tarde,
Brentano vai abandonar o termo, pois ele acreditava que a sua opinião tinha sido mal
interpretada. Para ele, por exemplo, a cor vermelha é um fenômeno físico, mas ao se
relacionar com a consciência, torna-se um fenômeno psíquico.
Dessa maneira, não usa a expressão intencionalidade, mas in-existência
intencional para distinguir os fenômenos psíquicos dos fenômenos físicos. Segundo
ele, o fenômeno psíquico se distingue dos demais por se referirem sempre a um
objeto, bem como a um conteúdo de consciência, por meio de mecanismos puramente
mentais (CRISHOLM; SIMONS, 1998).
A Fenomenologia de Edmund Husserl sofreu grande influência da filosofia
brentaniana. Esta trata-se de um método de descrição e análise da consciência, que
busca compreender o fenômeno tal como ele aparece. É um modo pelo qual se
pretende aproximar-se do que quer se investigar buscando o fenômeno. Fenômeno é
aquilo que se apreende pelos sentidos (DARTIGUES, 2008). Para Edmund Husserl
(1950) sem a sua Fenomenologia não seria possível nenhuma outra filosofia, já que
essa se propõe a explicar todas as ciências de maneira mais rigorosa, pois o seu
17

objeto são as coisas que são dadas, da maneira como aparecem, procurando estudar
as experiências humanas de maneira exigente, como sendo uma ciência descritiva. A
Fenomenologia seria a ciência das essências, da essência do próprio conhecimento
(HUSSERL, 2008; LIMA, 2014).
A filosofia da Fenomenologia, diferente do empirismo e do racionalismo, não
separa o sujeito do seu objeto de conhecimento, pois para ela todo objeto é objeto
para uma consciência, e esta por sua vez, será sempre consciência de algo, ou seja,
um não existe sem o outro. Para Husserl (1950) o que interessa é o fenômeno, aquilo
que aparece, aquilo que se mostra. Não interessa a existência e as coisas
características do objeto para nós. Captar a essência das coisas é captar o sentido.
Sendo assim, é através dos sentidos que captamos a essência (ALES BELLO, 2006).
A ideia fundamental da Fenomenologia de Husserl, era a noção de intencionalidade,
ainda que com outras conotações, Husserl apresenta a intencionalidade como sendo
algo inerente ao ato de conhecimento, situando-a como sendo a característica destes
atos de sempre se referirem a algo, implicarem em algum objeto de conhecimento.
(HUSSERL, 1950).
É importante destacar que Husserl manteve a ideia geral de intencionalidade
de seu amigo e mestre, o filósofo Franz Brentano, e a considerou como um grande
avanço filosófico desde Descartes. Contudo, diferentemente de Brentano, Husserl
revisitou esse conceito, identificando que a consciência intencional, em verdade, não
é única e exclusivamente psicológica, mas que é constituída por uma multiplicidade
de atos intencionais, ou seja, que cada modo de consciência tem seus objetos
(fenômenos) e vice-versa, indo para além da atribuição psicologista de Brentano
(Goto, 2007).
Dessa forma, Husserl (1966), afirma que a palavra intencionalidade não
significa outra coisa senão essa característica geral da consciência de ser consciência
de alguma coisa, de implicar, na sua qualidade de cogito, o seu cogitatum em si
mesmo. Husserl então estabelece o princípio fundamental do método fenomenológico.
A restrição da análise ao que pode ser efetiva e previamente encontrado na
consciência ou, em outras palavras, ao que se mostra a consciência (BINSWANGER,
2013). De acordo com Feijoo e Mattar (2014), a Fenomenologia busca ser o alicerce
metodológico na qual seja possível ascender uma psicologia que seja rigorosamente
científica, sendo essa totalmente pura, sem ser experimental. Castro e Gomes (2011)
afirmam que a Fenomenologia é uma maneira única de se refletir
18

epistemologicamente, conduzindo a investigação, de maneira geral, das práxis


científicas. Dessa forma, Husserl acredita que qualquer psicologia que deseja ser
rigorosa, precisará partir da Fenomenologia.
Husserl (1950), ao direcionar os esforços da Fenomenologia para construir o
pensamento que capte o sentido das coisas e não o fato em si, apresenta duas etapas
que denomina: redução eidética e redução transcendental. A redução eidética é onde
se verifica que à consciência se apresenta uma pluralidade de coisas, que são
esboços, aspectos dos objetos, devendo-se eliminar alguns desses aspectos para se
chegar à essência do objeto, que é intuída, constituindo uma “essência lógica”, que
não é dada empiricamente. Nota-se a percepção da essência do objeto intencional e
a relação que ele pode estabelecer com outros objetos intencionais, relações essas
como a comparação e a associação, por exemplo. Já a redução transcendental,
busca-se compreender quem é o sujeito que elabora o sentido. Entretanto, não é a
compreensão do sujeito como indivíduo, como sujeito concreto (HUSSERL, 2008).
Sendo assim, ao apresentar a Fenomenologia como método, abre um caminho para
captarmos a essência das coisas, da compreensão do fenômeno, daquilo que se
manifesta consciência, ou seja, a redução não deve só colocar entre parênteses o
mundo exterior ao sujeito, mas também o eu empírico, o sujeito tal como ele apresenta
na vivência vivida.
De acordo com Capalbo (1984), sem ter a pretensão de negar a realidade do
objeto em si, Husserl pretende considerar o objeto imanente em si mesmo, e, por
conseguinte, desligá-lo da relação com o objeto em si. Uma das ideias principais da
Fenomenologia é a de que “toda consciência é consciência de alguma coisa”. Assim,
a consciência se define essencialmente em termos de intenção voltada para um
objeto. Perceber não receber sensações na psique. Não nos é possível separar
fenômeno e coisa em si. O fenômeno é conhecido diretamente, sem intermediários,
ele é objeto de uma intuição originariamente doadora. Para a Fenomenologia
husserliana não há fenômeno que não seja fenômeno para uma consciência, não há
consciência sem que ela seja consciência de algo, sem que ela seja determinada
como uma certa maneira de visar os objetos, o mundo. Para toda modalidade da
consciência intencional temos uma correspondência ou uma certa maneira do objeto
se apresentar à consciência.
Husserl ainda postula três estruturas formais da Fenomenologia, sendo estas
as partes e todos; a estrutura de identidade numa multiplicidade e, por fim, a estrutura
19

de presença e ausência. A primeira dessas estruturas, partes e todos, apresentam


que o todo pode ser avaliado de duas formas diferentes, sendo estes pedaços e
momentos. O primeiro deles refere-se as partes que podem existir e serem
apresentadas mesmo que estejam separadas do todo, por exemplo, uma folha pode
existir mesmo separada da árvore, ou um soldado existe mesmo longe do pelotão, ou
seja, são partes independentes (SOKOLOWSKI, 2004). Os momentos são partes em
sentido contrário aos pedaços, quer dizer, eles são não-independentes, não podendo
existir separado do todo, é o exemplo da visão, que não pode existir sem o olho; o tom
musical, o qual não existe sem estar presente a algum som.
Segundo Sokolowski (2004), o todo também pode ser chamado de concretum,
podendo existir por si mesmo, de maneira concreta. Os pedaços, que são
independentes, podem vir a se tornarem concretum. O que não acontece com os
momentos, no qual só podem ser experienciados, existindo somente com outros
momentos. Quando estes são considerados por eles mesmos, estes são chamados
de abstracta, ou seja, são pensados de maneira abstrata. É possível, desse modo, se
falar em tom musical sem, no entanto, falar de som. Mas isso só é possível por causa
da linguagem, pois esta permite aos sujeitos falarem de momentos separados de suas
partes complementares e de seu todo.
Outra estrutura formal da Fenomenologia é a identidade em multiplicidades, na
qual se apresentará que qualquer identidade, seja de alguém, um objeto ou situação,
possui dentro de si inúmeras formas de se apresentar, isto é, multiplicidades. É
possível compreender melhor isso quando se pensa em um cubo, que possui lados,
perfis que são independentes entre si, possuindo uma identidade diferente da
identidade do cubo como um todo. No entanto, este pode ser representado por meio
de todas aquelas partes. Outro exemplo é uma música, que possui sua própria
identidade, no entanto cada vez que alguém diferente a canta ou a toca, esta se torna
diferente da outra versão (SOKOLOWSKI, 2004).
Presença e ausência é a terceira das estruturas da Fenomenologia. Esses dois
termos correspondem aquilo que é chamado de “intenções cheias” e “intenções
vazias”. As primeiras dizem respeito àquilo que está presente, diante de quem
intenciona. Já as segundas, relacionam-se com aquilo que está ausente. Isso pode
ficar mais claro a partir do exemplo de alguém que vai assistir a um jogo. Enquanto se
dirige ao estádio essa pessoa vai conversando sobre o jogo, sobre o que se espera
dele, no entanto, o jogo está ausente, pois ele ainda não aconteceu. Desse modo, a
20

intenção que se tem dele é vazia, e nesse caso, a intenção é uma intuição, pois ainda
se espera que aconteça o jogo. Quando se chega ao estádio e o jogo começa, esse
agora passa a ser uma intenção cheia, pois agora ele se manifestou para aquela
pessoa. Mas quando o jogo acaba e no caminho de volta se comenta sobre o jogo,
ele passa a ser, novamente, uma intenção vazia, todavia, de uma maneira diferente
da intuição, agora no formato de memória, uma vez que, o jogo já aconteceu
(SOKOLOWSKI, 2004).
Além disso, quando se fala em Fenomenologia, é essencial que se faça uma
distinção entre atitude natural e atitude fenomenológica. Aquela está relacionada a
concepção adotada pelo senso comum. É uma atitude tomada tanto pelo cientista
quanto pelo sujeito que anda pela rua. Diz respeito a pensar que o indivíduo que está
no mundo está contido neste, entre outros sujeitos conscientes ou não, entre ideias
que já existem independente de si próprio. É uma atitude que é feita sem reflexão,
apenas pelo saber prévio, olhando o mundo de maneira ingênua (DARTIGUES, 2008).
Martin Heidegger, aluno de Husserl, apresentava a Fenomenologia como um
movimento independente da filosofia em sua história. O que para a Fenomenologia
dos atos conscientes se realiza como o automostrar-se dos fenômenos é pensado
mais originariamente por Aristóteles e por todo o pensamento e existência dos gregos
como Alétheia como o desvelamento do que se presenta, seu desocultamento e seu
mostrar-se. Em sua filosofia fenomenológica, Heidegger vai romper em parte, com os
conceitos introduzidos por Husserl e assume que a experiência diz respeito ao modo
de ser do homem no mundo e está, sempre, localizada no tempo e no espaço (ALVES,
2006).
Para Heidegger (2015), o fenômeno se mantém velado frente ao que se mostra.
Ao mesmo tempo, mostra-se diretamente, de modo a constituir o seu sentido para
quem o vivencia. O que ocorre é a possibilidade de algo que pode tornar-se fenômeno
encobrir-se a ponto de o ser chegar ao esquecimento. É a possibilidade do
esquecimento por conta do velamento do fenômeno que se tornou objeto da
Fenomenologia de Heidegger, aproximando, em seu conteúdo, o que exige tornar-se
fenômeno. Segundo Heidegger (2015), pode-se compreender que o fenômeno é o
que se mostra e o como se mostra, ou seja, Heidegger diferencia o mostrar-se e o
manifestar-se. Ele considera que a manifestação pode significar anunciar-se, mesmo
que de forma velada. Assim, o fenômeno não é uma manifestação e a manifestação
21

é dependente de um fenômeno. Nesse sentido, a Fenomenologia heideggeriana


proporciona uma compreensão, pois procura valorizar o ser na sua singularidade.
A valorização do ser passa a possuir rigor científico e se fundamenta nas
características do existir. A Fenomenologia se ocupa em explicar as estruturas em
que a experiência se verifica, descrevendo-as em suas estruturas ontológicas
universais. Por isso, Heidegger (2015) buscou a construção de conhecimentos numa
filosofia com foco na compreensão da experiência vivida pelo ‘ser-aí’ (Dasein) em seu
existir no mundo para a interpretação e elaboração dos conhecimentos. Este ‘ser-aí’
é entendido como o ente que possui, em seu modo de ser, entre outras coisas, a
possibilidade de questionar-se e de buscar o sentido de ser sendo no mundo
(HEIDEGGER, 2015).
Assim, Heidegger não se dispôs a estabelecer um método, mas, sim,
conhecimentos filosóficos que valorizem o contexto da experiência vivida no
fenômeno, assim como os das experiências anteriores do próprio pesquisador. Tempo
e espaço são fundamentais para a interpretação dos modos do ‘ser-aí’ (HEIDEGGER,
2015). Heidegger (2015), por meio da Fenomenologia de Husserl e das escolas
fenomenológicas que surgiram, superou toda tradição filosófica ocidental, abrindo
horizontes para novas concepções, trazendo assim um novo começo para a filosofia.
A história da Fenomenologia e do movimento fenomenológico está diretamente ligada
ao final do século XIX, por meio da concepção de Husserl que verdadeiramente iniciou
o movimento fenomenológico, atraindo diversos seguidores em todo o mundo.
Ao criar uma terminologia própria, Heidegger (2015) busca compreender o
sentido do ser. Ele denomina o modo de ser do homem como Dasein, que significa
ser-aí. Tal termo busca colocar em evidência o modo como a questão do ser se
apresenta para esse ente que nós mesmos somos: diferentemente de outros entes,
cujo ser reside na dimensão ontológica, em nossa experiência o ser está onticamente
assinalado, pois para esse ente está em jogo em seu ser esse ser ele mesmo. Assim,
nosso modo próprio de ser consiste em tornar-se, vir a ser o que se é, em uma relação
íntima com o ser mesmo.
Segundo Heidegger (2015), o ser quando perde as suas possibilidades, quando
ele não consegue mais se transformar, ele torna-se um é, termo que também é
empregado para o ente, a coisa, porque, por exemplo, uma flor é, ela é uma flor, não
consegue ser outra coisa, diferente do ser que está sempre mudando, mas para que
essas mudanças ocorram, isso só é possível pela existência do tempo, da
22

temporalidade, pois se não há tempo, não há também mudança A relação entre


filosofia e conhecimento empírico, descoberta pela Fenomenologia hermenêutica irá
mostrar que o processo da pré-compreensão que, desde sempre, acompanha a
estrutura do ser-aí, é condição de possibilidade de qualquer acesso do conhecimento
científico a seus objetos (STEIN, 2002, p. 18).
Jean Paul Sartre, filósofo francês seguidor de Husserl e Heidegger. Em sua
literatura, Sartre expõe a Fenomenologia contra uma tradição metafísica que
estabelece o ser como uma substância que subjaz por trás da coisa que nos aparece,
que por sua vez esconde a coisa em si como invólucro: o dualismo entre a essência
da coisa e a aparência que a manifesta. Assim, como em Husserl, para Sartre, tudo
está em ato, ou seja, a aparência encerra toda a essência da coisa. Sendo cada
fenômeno revelador, do que a coisa mesma é, não há mais uma essência por trás das
coisas, se com isso entende uma substância por trás da coisa, esta é exatamente
aquilo que aparece.
Mas não apenas isso, para Sartre (2005), o ser de um fenômeno não se reduz
a sua aparição nem pode ser dado pela soma da série de suas aparições. O ser deste
fenômeno existe mesmo quando não aparece a consciência, quer dizer: o fenômeno
que me aparece revela todo seu ser, mas o ser deste fenômeno não suprime quando
o fenômeno não aparece. Diferente de Husserl, para Sartre o ser de um fenômeno
não se reduz ao conhecimento que eu tenho dele. Dessa maneira, esta resistência da
coisa é o que frequentemente se apresenta a consciência como aquilo que eu não
sou, uma modalidade de ser radicalmente outra, e, portanto, de forma alguma
derivada de minha consciência.
Ele dirá que o primeiro ser que é encontrado na investigação ontológica, é o da
aparição, o fenômeno que se apresenta a qualquer pessoa de alguma forma, em que
é possível se falar, se comunicar, ter um certo entendimento. Esse filósofo francês
demonstrará que o ser nunca poderá ser definido como uma presença, assim como
acontece com o objeto, pois este pode se ausentar e deixar de ser objeto, porém a
própria ausência também é ser, porque não estar aí. Sartre (2005), vai afirmar que o
ser pode se revelar de três maneiras na qual estas são: o ser é o que é, o ser é e o
ser é em-si. Este último é apresentado pelo filósofo como sendo tudo o que não possui
consciência, nem mesmo de si ou do mundo, apenas é. E nisso se mostra a diferença
da consciência humana, pois ela tem entendimento de si própria e também do mundo,
é a nova definição de ser que ele chama de para-si.
23

Este não possui uma essência que seja definida a priori, ao contrário, a sua
essência é construída por ele mesmo, por suas escolhas, da qual vêm a máxima que
diz que o ser humano está condenado a liberdade, e sempre terá que fazer escolhas,
não importa quais. O ser, portanto, primeiro existe para só depois moldar a sua
essência (SARTRE, 2005). Outro ponto importante na filosofia de Sartre é o que este
diz que o ser humano é nada, ou seja, como já foi dito, ele vai se construindo,
moldando a sua essência. Mais ainda, o nada não se pode existir estando fora do ser,
e somente este pode se nadificar, pois somente sendo se pode deixar de ser, e uma
vez que o nada não é, então ele não pode nadificar-se. (SARTRE, 2005)
A Fenomenologia sartreana fala dos fenômenos visados pela consciência, pois
um fenômeno é justamente esta manifestação do ser a uma consciência que o
apreende ainda que este ser não se esgote nesta aparição. Se o ser é algo distinto do
fenômeno, se ele o sustenta, mas não se reduz ao fenômeno, se justamente o ser é
o que aparece, já que superamos o dualismo aparência/essência, como podemos
então fazer esta distinção? Para Sartre, a resposta está em entender que a “aparição”
do fenômeno é uma das infinitas manifestações do ser, que o ser é o que aparece,
mas não se reduz a este seu aparecer. Boëchat (2004), ressalta que a filosofia de
Sartre, mantendo-se atrelada ao mundo concreto e a vida cotidiana do homem, aborda
o ser através de suas infinitas manifestações.
Para explicitar essa questão, Sartre (2005) faz a distinção entre o “ser-do-
fenômeno” e o “fenômeno-do-ser”. O “ser-do-fenômeno” é o que transcende a
consciência, o que não pode ser apreendido na sua totalidade, é o inacabamento. O
“fenômeno-do-ser” nos é dado pela percepção e nos é dado através da série de suas
manifestações. Perceber um objeto é percebê-lo através desta série infinita das suas
manifestações que revelam sua essência. Mas se mantivermos as coisas reais entre
parênteses, como o fez Husserl, jamais alcançaremos a essência pois ela está no
infinito e cria-se assim outra dualidade: finito/infinito. Portanto, a essência é infinita e
inesgotável, e isto significa que ela nos escapa e que não temos acesso à sua
totalidade. Para não cair numa nova dualidade, Sartre mostra que não necessitamos
do infinito da série de aparições de uma cadeira para sabermos, reflexivamente, que
a cadeira é cadeira. O aparecer da cadeira (fenômeno-de-ser, objeto para a
consciência) já revela nele mesmo a sua essência: a essência de cadeira é o seu
próprio aparecer. Daí não haver dualidade e sim continuidade entre o fenômeno-do-
ser e o ser-do-fenômeno e vice-versa. Para Sartre (2005), a essência só existe
24

enquanto essência da aparição do objeto, fenômeno-de-ser; ela só existe como


consequência fática da nossa relação com o objeto e nos é acessível através do
fenômeno-de-ser, das aparições. O ser não se esgota em suas aparições e ele existe
para além de suas manifestações, mas todo e qualquer acesso ao ser-do-fenômeno
dá por essa manifestação, Sartre (2005, p.20) afirma que “não podemos dizer nada
sobre o ser salvo consultando este fenômeno de ser, a relação exata que une o
fenômeno-de-ser ao ser-do-fenômeno deve ser estabelecida antes de tudo”.
Para Perdigão (1995), a Fenomenologia sartrena permitiu ao filósofo francês
não só a superação de dicotomias como também a de “verdades estabelecidas”.
Segundo este autor, Husserl propôs um “retorno às coisas mesmas” para contestar o
positivismo e suas “verdades eternas” e à Fenomenologia era possível descrever o
fenômeno tal como se apresenta à consciência, por um método descritivo.
(PERDIGÃO, 1995, p.32)
Assim, dá-se por evidente por si mesmo o que é uma “percepção”, quando
precisamos é saber o que é isso, qual a essência da percepção. Daí porque a
Fenomenologia é chamada de ciência eidética. Em outras palavras, em geral só se
entende as coisas superficialmente: o ser humano dá como “já sabido” precisamente
aquilo que ainda precisa ser elucidado. O ponto de partida é o sujeito do
conhecimento, e não o conhecimento. A Fenomenologia permite, então, que o filósofo
investigue a própria consciência em relação eterna com o mundo, que se caracteriza
pela significação. Para Sartre (2005), o psicólogo considera o estado psíquico de
modo a lhe retirar qualquer significação e o Fenomenólogo, ao contrário, parte do
princípio que todo fato humano é por essência significativo e é a esta significação que
ele deve dirigir-se. E por isso mesmo, é a consciência que ele interrogará, pois, neste
sentido não é algo vindo de fora, “ele só existe na medida em que aparece, isto é, em
que é assumido” pela realidade humana. (SARTRE, 2005, P.28)
25

4 A FENOMENOLOGIA NA CLÍNICA PSICOLÓGICA

A prática clínica fenomenológica é perpassada pela compreensão do terapeuta


para com o paciente a partir de seu próprio existir, o aproximando de si mesmo e de
seu modo de viver, podendo viver a situação terapêutica de forma autêntica, captando
a essência e o sentido desse modo de ser no mundo. No âmbito da psicoterapia de
base fenomenológica, o profissional busca capturar a experiência vivida com o foco
nos sentidos pessoais, ou seja, conectar-se a pessoa do paciente as questões de
experiências. Segundo Finlay (2011) o fazer fenomenológico requer foco na
experiência vivida e nos seus significados, uso da descrição rica e rigorosa,
preocupado com as questões existenciais.
Para isso, o psicólogo deve dispor a situação terapêutica de tal forma que o
paciente se sinta aceito. Segundo Cardinalli (2000) a partir dessa vivência de
aceitação e a possibilidade oferecida pelo contexto clínico de compreender-se, ocorre
a mudança terapêutica. Dessa maneira, também salienta a necessidade do terapeuta
de estar disponível ao paciente, uma vez que existe a busca pela mudança na terapia.
Pompéia (1997) pontua que o terapeuta deve abordar a vivência pessoal do
paciente, ou seja, sua experiência, uma vez que o psicoterapeuta se presta a
compreender o problema que se apresentava de fato. Esse abordar a vivência pode
ser melhor feito através da descrição das experiências do paciente. Dessa maneira, o
psicoterapeuta fenomenológico não analisa a pessoa de maneira técnica e
sistemática, nem busca compreender seus segredos inconscientes, mas vem
buscando compreender cada pessoa enquanto um ser único e singular, que possui
experiências próprias.
May (1976) afirma que o encontro é uma expressão de ser e refere-se
especificamente ao encontro que acontece na hora terapêutica, quando estabelece
um relacionamento total entre duas pessoas, que envolve certo número de diferentes
níveis, mostrando o modo peculiar de experimentar o mundo e a vida, tendo como
intuito potencializar sua existência e encontrar novas maneiras de compreender e lidar
com suas dificuldades, ampliando seus horizontes existenciais.
26

A prática clínica mostra que para que isso aconteça, faz-se necessário o
estabelecimento de uma relação terapêutica acolhedora e confirmadora o suficiente
para propiciar a expressão dos fenômenos da pessoa do paciente da melhor maneira
possível, no tempo dela. Para Finlay (2011) o psicoterapeuta deve ter em mente que
a pessoa está compartilhando o que ela tem de mais íntimo e precioso, com todas as
dores e delícias de ser quem é naquele momento.
Cardinalli (2000) afirma que o terapeuta deve solicitar que o próprio paciente
perceba o que e como está vivendo, essa descrição da experiência favorece a
aproximação do paciente de si mesmo e do seu modo de viver. Dessa forma, uma
nova compreensão ou desvelamento dos sentidos em que se fundamenta a
existência, promoção da liberdade existencial com acesso a novas possibilidades de
ser e a promoção da resolutividade na condução da própria existência se apresentam
como os eixos essenciais dos objetivos apresentados pelos diferentes autores.
Assim, o psicoterapeuta assume a atitude fenomenológica no processo
terapêutico e abre-se para o mundo desvelado pelo cliente através de sua fala. Por
outro lado, com a sua postura ele acaba por incentivar o paciente a assumir também
essa atitude de questionamento reflexivo diante de sua experiência. Para Giorgi
(2009) quando o profissional estabelece uma relação com o cliente que o leva a
alternar entre a compreensão que ela tem do fenômeno que emerge na sua
consciência.
Neste encontro, a escuta e o olhar terapêuticos revelam as possibilidades que
lhes estão veladas, mas que se fazem presentes e permitem acesso a novos modos
possíveis de ser no mundo. Para Sipahi e Vianna (2002) no estabelecimento da
relação terapêutica o terapeuta deve colocar-se a serviço do outro, oferecendo-se
como companhia, aproximando-se de seus sofrimentos, cuidando de acolher seus
medos, incertezas, vergonhas, com uma escuta e um olhar que lhe permitam
aproximar-se de si mesmo.
Maria Cytrynowicz (1997) aponta que o terapeuta deve acompanhar com
disponibilidade a procura empreendida pelo paciente na busca de uma saída para as
restrições enfrentadas na sua vida. Para tanto o terapeuta deve ser capaz de
experienciar um mundo comum com ele, um mundo constituído por uma totalidade de
referências do futuro longínquo ou mesmo do passado remoto, todos presentificados
na fala do paciente. A psicoterapia fenomenológica preocupa-se com o equilíbrio
emocional do indivíduo, não usa técnicas metódicas e não propõe que os
27

comportamentos perturbados sejam extintos e nem afirma que sejam uma doença,
mas sim um modo do indivíduo ser no mundo em um determinado momento. Segundo
Rudio (2001), espera-se que o paciente possa assumir um processo de existência
percebida por ele como produtiva para si e para os outros, satisfatória e realizadora
das potencialidades que possui.
Com a criança o movimento é diferente, ela dificilmente chega por si só ao
consultório do psicólogo. Na maioria das vezes ela é levada pelas mãos do adulto e
quase nunca sabe porque está ali e nem o que irá fazer. A proposta fenomenológica
é de abertura e de busca pelo sentimento original de ser da criança a partir da relação
genuína. O atendimento infantil na prática clínica com a abordagem fenomenológica,
consiste em abandonar toda e qualquer identidade estabelecida para a criança, seja
com relação a um diagnóstico, expectativa familiar ou social, entre outros modos. Em
uma postura fenomenológica, cabe então ao psicólogo deixar a criança em liberdade
e entregá-la a sua própria tutela, ou seja, à sua responsabilidade.
Para Axline (1972) a experiência terapêutica é uma experiência de crescimento.
Dá-se à criança a oportunidade de se libertar de suas tensões, de se desfazer, por
assim dizer, de seus sentimentos mais perturbadores e, assim fazendo, de ganhar
uma compreensão de si mesma que lhe permita autocontrolar-se. Através dessa viva
experiência na sala de brinquedos, ela descobre a si mesma como uma pessoa, assim
como novos caminhos que lhe permitam ajustar-se ao relacionamento humano, de
maneira saudável e realista.
O terapeuta vem possibilitar que a própria criança construa gradativamente o
significado do material que traz para a sessão terapêutica, sem a interferência
qualquer a priori do terapeuta, seja ele de caráter teórico ou oriundo de seus próprios
valores. Segundo Aguiar (2005) na interpretação se concede um significado ao que é
trazido pela criança, o terapeuta então estabelece formas específicas do uso de
recursos lúdicos para que a criança resolva o que traz como problema na descrição
fenomenológica.
No entanto, deixá-la caminhar por si mesma sem tentar desonerá-la desta
tarefa, de diferentes modos, parece ser o caminho pelo qual a criança perde a tutela
do adulto, mas ganha a si mesma. Deixá-la sozinha, consigo mesma, nesta
abordagem, é uma arte que consiste em estar sempre presente, sem mostrar a criança
que se está ali. E assim permitir que a criança por si própria possa aproximar-se,
28

entregue a si mesma o mais demoradamente possível, de uma experiência de si


mesma.
De acordo com Axline (1972) o terapeuta deve assumir uma atitude diferente
daquela dos outros adultos com os quais a criança convive, no sentido de que deve
ser permissivo e aceitador, não dar ordens e não apressar a criança por impaciência.
Seu papel não é passivo e sim de alerta, de sensibilidade e de constante apreciação
daquilo que a criança diz ou faz. São necessários uma compreensão e um genuíno
interesse pela criança, de modo a encorajá-la a compartilhar seu mundo interior.
A questão refere-se à improdutividade da criança e à pretensão com a
psicoterapia é a de que a criança possa entrar na cadência das determinações do
mundo moderno. Espera-se que a criança seja estudiosa, alegre, comunicativa,
esperta, ou seja, tenha as características necessárias para se tornar um adulto
produtivo. Aquelas que não se mostram com recurso, potencial para a produtividade,
são alvos de preocupação da escola e dos pais. E por não corresponderem ao
potencial requerido no mundo da técnica, recebem o rótulo de criança-problema. Para
Cardinalli (2005) que todas as possibilidades do paciente devem ter uma chance de
emergir e não devem considerar as ideias, desejos ou julgamentos pessoais do
analista, assim o terapeuta deve cuidar do paciente sem interferir a partir das suas
próprias referências e sentidos.
Segundo Souza (2010), a atividade clínica, na sua plenitude fenomenológica,
poderá se caracterizar como a suspensão dos preconceitos intelectuais e afetivos da
atitude cotidiana de ocupação utilitária de si e do mundo, para deixar vir ao encontro
aqui que se mostra, tal como se mostra a partir de si, em suas múltiplas possibilidades.
Maria Cytrynowicz (1997) e Cardinalli (2005) concebem que a relação paciente-
terapeuta compõe o cerne do processo psicoterápico, já que este ocorre graças a um
espaço comum entre essas duas figuras, trabalhando no sentido de promover
mudanças na vida do paciente. Tais mudanças se expressam através de uma nova
compreensão de sua vida, que se amplia; ou através de novos modos de ser, que são
desvelados, porém cabe ao paciente a condução da própria vida. Portanto em todo
processo de cuidado o terapeuta acompanha o paciente no seu empreendimento; isso
implica a necessidade de um olhar clínico próprio à psicoterapia; a necessidade de
aceitar o paciente nos seus modos de ser; esclarecer a tonalidade afetiva que ilumina
a clareira do ser e tempera a experiência; aproximar-se do paciente e sua experiência,
compartilhando com o paciente.
29

David Cytrynowicz (1978/1997) estabelece a postura do psicoterapeuta como


a de auxiliar o paciente no processo de desvelamento de suas possibilidades.
Concebe-se que tal auxílio, ou seja, promover as condições para que o paciente
desvele suas possibilidades, também pode estender-se a outros contextos.
Na literatura clássica, o trabalho do psicólogo orientado pela perspectiva
Fenomenológico-Existencial está alicerçado na relação paciente-terapeuta. No que
concerne à Ludoterapia essa relação se materializa mais nos atos do que no diálogo
propriamente dito. Em outras palavras, com crianças a experiência de estar em terapia
não se dá, majoritariamente, pelo o que o terapeuta fala ou o que fala com o terapeuta,
antes, acontece na experiência da aceitação, da permissividade, da compreensão do
sofrimento e na livre vivência de sentimentos.
Para Rogers (1987) a relação paciente-terapeuta na Ludoterapia se diferencia
dessa mesma relação no processo terapêutico adulto, visto que a vivência dela
acontece mais nas ações do que nas palavras. É importante salientar também que a
criança não tem tanta necessidade de elaborar verbalmente suas percepções e
vivências como adulto, pois isso se dá através da brincadeira. Porém, esse brincar é
diferente daquele que acontece em outros contextos, pois trata de brincar-em-relação
com o psicoterapeuta que naquele momento se volta inteiramente disponível ao outro
no caso a criança. Portanto, o brincar na perspectiva fenomenológica foi considerado
como uma experiência que desperta e liberta a criança para o mundo, possibilitando
a experiência do seu jeito acompanhado por um adulto, o psicoterapeuta,
compreensivo, acolhedor e respeitoso, proporciona para a criança oportunidade de se
reconhecer responsável pela sua existência. Dessa maneira, a liberdade para
expressar-se através do brincar na companhia do adulto receptivo é suficiente para
proporcionar efeitos terapêuticos tais como o amadurecimento de seu eu e do seu
auto suporte.
30

5 O FENÔMENO DA FINITUDE NA FILOSOFIA EXISTENCIAL

A finitude humana é um dos temas bases para a Filosofia Existencialista, nesse


sentido, pelo fato de ser um dos pilares fundamentais da filosofia o não se limitar a
dar uma resposta que defina e contemple como verdade única de algo, não seria
diferente para os estudos sobre a finitude. Nesse sentido, serão discutidos com base
em alguns filósofos alguns conceitos que buscam desvelar o fenômeno da finitude. A
existência compreende nessa vertente filosófica como realidade singular, vivida
individualmente, ou seja, pressupõe-se de temas fundamentais para contemplar a
existência concreta, ou para compreendê-la de fato, tais temas como a liberdade, a
angústia e a finitude são pilares que vários filósofos existencialistas trazem suas
contribuições de estudos e pensamentos. Para fundamentar a discussão sobre a
finitude na filosofia existencialista, é necessário sobretudo compreender como esta
corrente filosófica busca entender a própria existência humana. Antes de mais nada,
vale ressaltar que, o estudo sobre a existência aqui foge das definições tanto
biológicas quanto religiosas e de origem espirituais. É importante ressaltar que
Kierkegaard não era filósofo existencialista, mas que produziu uma filosofia da
existência.
Assim, nesse sentido Sören Kierkegaard (1813-1855) ao analisar o ser humano
mais a fundo, percebe que a existência sobrepõe meras teorias até então
desenvolvidas que busquem contemplar a mesma, ou seja, há sempre algo que
escapa da explicação que não será capaz de ser explicada em sua totalidade.
Kierkegaard (2010) então discute o homem como um indivíduo, ou seja, um ser
singular que se diferencia de qualquer outro. Nesse sentido para o autor as teorias
que buscavam compreender e explicar o ser humano acabaram se tornando em suma,
concepções classificatórias e universais, algo que a priori definiriam quem o sujeito é
por outros meios que não o próprio sujeito. Kierkegaard (2010) compreende então
cada indivíduo como sendo uma subjetividade absoluta, única e não passível de
definições prévias à sua própria existência, bem como o autor traz a finitude como
condição insuperável do indivíduo, e a maneira como cada sujeito irá experienciar
essa finitude será também individual.
31

Segundo Kierkegaard (2010), para o indivíduo existir de forma consciente ou


plena e livre de amarras universais ou alheias a ele que o conduzam, será preciso
voltar-se primeiramente em sua própria interioridade. Nesse sentido, o autor quer dizer
que, apenas refletindo sobre sua vida, suas escolhas, suas percepções é que o
mesmo se perceberá como um ser de liberdade, um indivíduo livre para ir e vir. Nessa
perspectiva o autor aponta que o indivíduo é também um ser em constante movimento,
ele não é fixo por essência, bem como não é acabado em sua construção, pensar o
indivíduo como movimento é também pensar suas escolhas como mutáveis e não
totalitárias.
Outro que discute bastante acerca da existência humana e a relação desta com
a finitude é o filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900). O autor aborda que,
historicamente a sociedade vem buscando entender a noção de existência humana
baseando-se em conceitos e definições externas a própria existência, ou seja, tanto
teorias científicas, como também a religião, acabavam por classificar e justificar o
homem e assim inviabilizando o pensamento individual do mesmo. Nietzsche (2005)
entende que, não é possível contemplar uma compreensão acerca da existência
humana baseando-se em explicações alheias a própria existência, nesse sentido o
filósofo combatia todos os tipos de regras morais que definiam e sustentavam a ideia
de valores sociais e culturais.
Nietzsche (2005) então utilizou a moral cristã e a própria ideia de Deus como
exemplo, citando que a mesma se utilizava de uma moral dos escravos para combater
uma moral dos senhores. A definição de moral dos senhores, para o filósofo trata-se
de uma noção de liberdade humana, trazendo o ser humano como centro da sua
própria vida, assim, com regras e valores morais próprios que trouxesse à tona
consequentemente uma afirmação de vida, tornando-o detentor de suas escolhas e
de suas verdades. Contrapondo essa ideia de superioridade humana, Nietzsche
(2005) aponta o cristianismo então como detentor de uma moral de escravos, nesse
sentido o ser humano seria apenas um entre uma multidão, ou alienado perante um
rebanho que não precisava utilizar de reflexões acerca da vida ou das coisas alheias
visto que tudo baseia-se então em definições previamente estabelecidas, ou seja,
essa ideia cristã para o filósofo pregava uma fidelidade não há própria vida, mas a
algo externo a ele.
Nesse sentido, Nietzsche (2005) ao conceituar a ideia da morde de Deus,
tratava-se da morte do sentido metafísico que rege o sistema de crença em um ser
32

superior ao humano e que detém poder de definir e punir, ou seja, detém controle
sobre o rebanho que o segue. Essa proposta do filósofo é chamada de Niilismo, nesse
sentido, é tido como a inversão de valores vitais ditados pela moral cristã que
transformam o sofrimento e o desejo de buscar um sentido externo para compreender
a vida, em afirmação de poder perante, detendo domínio sobre o indivíduo. Niilismo
nas definições do autor, também consiste na denúncia desses valores que regem a
sociedade, declarando guerra a ideia de falsos deuses criados pelo homem, sejam
eles, o Estado, definições de verdade universais, as próprias instituições.
Nietzsche (2005) discute então que a superação dessa cultura pregada pelo
medo sufoca a própria existência humana em toda sua criatividade, em todas as suas
possibilidades de existir, nesse sentido, negando Deus, negando definições prévias
da ciência, bem como também negando a moral socialmente produzida para ditar
regras de certo e errado, de conduta e comportamento humano, é quando para o
filósofo, nos tornamos o super-homem, este então é um conceito também criado por
ele para exemplificar alguém que em todas as suas experiências ao longo da vida,
estava consciente de suas escolhas, um indivíduo que, regia suas regras morais sem
amparar-se em muletas do cristianismo ou qualquer outro detentor social de valores
de moral. Para Nietzsche (2005) ser super-homem ou além-homem é então um ser
livre de espírito e de coração, tendo como condição a superação de si próprio.
Contextualizando a definição de existência humana voltada para a vontade
própria para Nietzsche (1998), a finitude para o filósofo tem duas vertentes ou dois
modos como o sujeito lida com a concepção de ser finito. A primeira definição é a
morte covarde, nesse sentido pode ser definida, em suma, como a experiência da
morte como um acidente com resultado direto de um desejo de morrer. Nietzsche
(1998) aponta que nesse caso, você quer ou deseja morrer simplesmente porque vai
morrer, trazendo a falta de longevidade como suficiente para proclamar o abandono
da vida, nesse caso, os que tem essa linha de pensamento, para o autor são tidos
como pregadores da morte. Nesse sentido, o tempo vira assim como a morte, um
inerente inimigo comum do ser humano, pois quando a morte temida surge é sempre
aqui recebida como um assalto à vida, bem como um ladrão roubando o tempo de
vida do sujeito, ou seja, a concepção de finitude aqui é tida como exterior ao ser
humano, que eventualmente chegará para roubar-se seu tempo de vida.
Por outro lado, Nietzsche (1998) define também o conceito de morte voluntária,
em contrapartida ao conceito apresentado anteriormente, o ser humano que segue
33

essa linha de pensamento diferentemente de desejar a morte porque se morre, aqui


o deseja-se a morte porque possibilita afirmar a si mesmo. Nesse sentido o filósofo
aponta que, o ser humano não mais trata a morte como um estranho que assalta sua
vida, aqui a morte é pessoal, ou seja, é intrínseco do ser humano. Nietzsche (1998),
portanto, com o conceito de morte voluntária concilia a relação do ser humano com o
tempo, em que possibilita que o mesmo não perceba a finitude como morrer no tempo
errado, assim como no conceito de morte covarde, mas sim de morrer a tempo.
Essas interpretações acerca da finitude apresentada por Nietzsche (1998),
querem dizer também sobre a noção de existência humana, ou seja, para o filósofo o
viver percebendo a morte como um algo exterior e hostil a própria condição de vida
humana, e atrelado a isso, apegar-se a valores morais e religiosos que colocam a
morte como o fim dessa vida para contemplar uma outra vida eterna, acaba por
desvalorizar a própria existência humana. Em contrapartida, lidar com a finitude como
algo inerente seu, e não um ladrão de tempo por assim dizer, reinterpreta também a
condição da existência humana, a vida e a morte então torna-se uma só, ou seja, o
sujeito não irá encarar a sua finitude como algo hostil e que lhe roubará seu tempo de
vida, o seu pode ser futuro agora interrompido, o sujeito está sob uma equivalência
entre o amor a vida e o desejo de morrer, ou seja possibilita uma reconexão humana
com o mundo tal como ele é, e não uma separação de vida e morte.
Martin Heidegger (1889-1976), um dos autores mais influentes da filosofia
existencialista pensou a finitude como única determinação do ser humano em sua
existência, para o autor, desde que o homem surge ao nascer ele está sendo então,
lançado para o mundo de forma que, todas as possibilidades de existência a priori não
são determinadas, mas sim consequências de escolhas próprias, até mesmo quando
permite guiar-se por contingências alheias, essa vivência inautêntica também é fruto
de escolhas próprias. Heidegger (2015) então implementa uma distinção do homem
em dois termos bases, o ôntico, que está submetido ao ente, e o ontológico que está
submetido ao ser. O autor utiliza ente, comumente difundido na filosofia para
conceituar o ser humano enquanto corpo, enquanto objeto, por outro lado o conceito
de Ser está voltado para a consciência humana, para o não conceitual, para a
singularidade ou individualidade, para o que vai além do corpo físico.
Nesse sentido, para Heidegger (2015) a existência está apenas para o homem,
ou seja, não dá para dizermos que uma cadeira existe, que um cachorro existe por
exemplo, eles para o autor apenas são entes, um cachorro é, mas ele não existe, uma
34

cadeira é, mas ela não existe, tudo o que não for o Dasein, apenas consiste de ente,
ou seja consiste de aparência, de algo que pode ser definido e a compreensão sobre
este ente pode ser fechada e coisificada. A definição de existência para o autor, uma
vez que só pode ser atribuída ao Dasein, se debruça em duas instâncias, a primeira
é a existência inautêntica, ou seja, é o homem do cotidiano, aquele que se deixa levar
por contingências alheias no seu dia a dia, aquele que opta por não implicar-se em
suas decisões, aquele que por fim escolhe abdicar-se de suas possibilidades e vive
amparado em muletas sociais. Já a instância da autenticidade por outro lado consiste
em implicar-se na suas próprias decisões, tomar as rédeas de suas escolhas e se
perceber enquanto possibilidades e livre de amarras sociais, cito contingências sociais
aqui apenas como uma das possibilidades de aprisionamento das decisões, e não
como único meio de livrar-se de suas próprias escolhas. Nesse sentido, a vivência na
autenticidade permite que o Dasein tome consciência de sua identidade própria, de
escolher como quer viver, o que quer escolher, e por consequência, experienciar
verdadeiramente o resultado de suas possibilidades.
Heidegger (2015) então concebe o termo Dasein “ser-aí” para apresentar a
dualidade do homem enquanto ser pensante, questionador e consciente, e que é
privilegiado por ser o único que tem noção da própria existência, bem como o ente
enquanto corpo que existe imediatamente na medida em que existe em seu cotidiano,
sem seu dia a dia. Nesse sentido, o autor aponta o conceito de angústia para a
existência, aqui a angústia está vinculada ao modo como o Dasein existe, ou seja,
está vinculado a ideia de abertura e de livre escolha que citado anteriormente, nesse
sentido, a angústia se mostra como a relação intrínseca para a tomada de decisões.
Para o autor, um sujeito que se permite viver na autenticidade, ou seja, que se permite
viver de suas escolhas próprias está também sujeito a confrontar-se com o vazio, com
o nada, com o inesperado e isso causa a angústia. A angústia aqui, para Heidegger
(2015) não pode ser compreendida necessariamente como algo negativo, essa
definição de angústia não quer dizer do contexto experienciado perante o Dasein, por
exemplo, não quer dizer sobre o que ele tem que escolher em sua liberdade, aqui a
angústia está mais atrelada a própria condição de liberdade de escolhas, de viver
autenticamente.
Ainda sobre a angústia nessa linha de pensamento, Feijoo (2010) ao analisar
a proposta de Heidegger em Ser e Tempo, resume como sendo um estado de
desencontro e reencontro, onde o sujeito se depara como um nada existencial tão
35

bruto, tão visceral que acaba sendo capaz de colocar o sujeito que sofre de frente com
a pura possibilidade, a fim do mesmo se compreender como um ser livre, aberto às
escolhas, e diante dessa reflexão, o sujeito se depara com o que Heidegger (2015)
coloca como a fuga e o fechamento na existência inautêntica, ou a tentativa de
transcender, buscando pela autenticidade atribuir um sentido ao próprio ser, a própria
forma de existir, o autor também ressalta que a angústia possibilita um
posicionamento de espaço-tempo, em uma revelação privilegiada, tal por conta do
isolamento do sujeito, que o autor também conceitua esta como tal de decadência,
onde a mesma expressa ou desvela o caráter de autenticidade do sujeito, abrindo-o
para escolhas que ele pode tomar.
Para Heidegger (2015) essa angústia está implícita no Dasein também pelo fato
deste estar imerso em sua própria existência, ou seja, ele é um ser-no-mundo, pois
ele está sempre situado em um contexto de mundo, um contexto de relações com
pessoas, com coisas, com situações. Diferentemente dos entes que apenas estão no
mundo, sendo estes apenas coisas que estão em uma outra coisa maior, passíveis
de classificações e definições, a relação do Dasein com o mundo se dá sob a ótica
ontológica, ou seja, ele habita o mundo, ele se debruça sobre o mundo, ele pensa o
mundo, entretanto, para o autor, o Dasein também é considerado como extensão do
mundo.
Heidegger (2015) também conceitua o Dasein como ser-para-a-morte, uma vez
que a finitude para o autor é a única certeza que acompanha o homem desde que é
lançado para o mundo, nesse sentido, a morte não se encontra como uma distinção
exterior a vida, ela antes disso faz parte da vida. Trazendo a finitude como certeza
para o Dasein, Heidegger (2015) também a considera como sendo um fenômeno, e
que deve ser pelo homem encarado como apenas um fenômeno, entretanto, um
fenômeno que trará à tona uma noção de temporalidade da existência, ou seja, existir
para o autor é compreender-se dentro das infinitas possibilidades de ser, ao mesmo
tempo em que está sobre a certeza da finitude temporal.
Essa percepção de existência citado no parágrafo anterior, para Heidegger
(2015) só é possível quando o Dasein assume uma postura de autenticidade, nesse
sentido, a finitude para um ser autentico será compreendida como uma finalização do
processo de existir. Pensar sobre essa noção de ser finito de forma autentica também
perpassa com e pela angústia, uma vez que, experienciar o fenômeno da morte nunca
será de forma direta, ou seja, o Dasein irá refletir sempre sobre a finitude de outras
36

pessoas, queridas ou não, mas sempre indiretamente. Nesse sentido, Heidegger


(2015) apresenta a percepção de finitude para o Dasein como apenas possibilidade,
uma vez que temporalmente ela sempre se apresentará no futuro, seja próximo, seja
distante, mas sempre futuro. Por outro lado, em uma vivência impessoal segundo
Heidegger (2015), o homem não assume uma postura reflexiva sobre sua finitude, ou
seja, ele viver imerso na multidão, em concepções pré-moldadas e muitas vezes de
ordem deterministas, fugindo assim, da responsabilidade e da angústia de assumir
para si próprio as rédeas de sua vida, ressaltando aqui que, aceitar sua condição de
finitude perante a autenticidade, não quer dizer por sua vez que, o homem irá refletir
incessantemente sobre a morte. O autor defende que, assumir uma postura
consciente sobre a temporalidade de sua vida, e manter uma relação com a finitude
como sendo um fenômeno que hora ou outra se tornará realidade para si próprio, o
homem passa a assumir uma postura de equilíbrio perante os demais fenômenos que
se apresentarão em sua abertura, postura essa, conceituada pelo autor como
Serenidade.
37

6 ANÁLISE DA FINITUDE EM A MORTE DE IVAN ILITCH

A morte de Ivan Ilitch evidencia a finitude da vida humana e é explorada pela


fala do romance de Tolstói, escrito na década de 1880, que implica uma reflexão crítica
sobre o medo que ela inspira nos sujeitos, fazendo-os querer esquecer, a qualquer
custo, esse fato irrevogável. Ivan Ilitch é um juiz que vive na Rússia czarista na
segunda metade do século XIX. Ele é o personagem central de um conto de Leon
Tolstói cujo tema é a experiência de adoecer e morrer, a partir da experiência do
paciente. Ivan Ilitch levou uma vida burguesa, dividindo seu tempo entre o trabalho,
socializar com sua família e brincar regularmente com os amigos.
Nele, o autor Tolstói retrata uma época em que a vida burguesa beneficiava as
classes mais favorecidas, permitia benefícios sociais e políticos e acesso à saúde.
Ivan Ilitch teve pleno acesso às consultas médicas e acompanhamento profissional
em busca do diagnóstico do seu adoecimento, tendo uma situação financeira que o
favorecia, pois vivia numa época em que a política de saúde não tinha caráter que
preocupasse a todos e não havia preocupação com as doenças crônicas, apenas com
a prevenção e o controle das doenças infecciosas de forma a preservar a saúde das
grandes massas que se dirigiam à produção de bens, determinada pela economia de
mercado capitalista, onde o foco da saúde eram os pobres que representavam a força
de trabalho.
Para ilustrar a questão da finitude dentro do livro, utilizaremos trechos da obra
para analisar como Ivan Ilitch se apresenta diante do fenômeno da sua morte. Ivan
durante a sua existência apresentava uma postura de não ter responsabilidade sobre
suas escolhas, deixando que o outro decidisse sobre seu futuro. Em sua vida, ele se
lança numa postura inautêntica, deixando de lado a sua existência. Para Critelli
(1996), ao sermos lançados num mundo desde nosso nascimento, somos chamados,
convocados e pressionados para sermos um qualquer dos outros, convocados a ser
o que e o como os outros são.
Convocados a aprender a ser impessoais. Esta impessoalidade não é uma
entidade, uma pessoa ou uma coletividade, uma coisa, mas um modo de se cuidar da
vida de forma inautêntica. Dessa forma, a autenticidade do ser indica o momento em
que o homem alcançou, através de um processo de investigação interna, sua maneira
38

original de ser, e compreendeu modos de agir e pensar que lhe trazem o findar de
incômodos e angústias diante da vida e dos outros homens. Por outro lado,
inautenticidade do ser não indica o homem de ser falso, mas aquele que ainda não
tomou consciência sobre si mesmo, que ainda não descobriu modos de ser que lhe
são peculiares. Isso porque ele ainda não conseguiu distinguir entre as maneiras de
pensar e agir que lhe são próprias e aquelas que possui devido as suas experiências
de vida.
Mas a morte de Ivan Ilitch não é algo tão pontual. De um lado, Prascovia, a
esposa que mente seu próprio pesar, finge acreditar que o marido não morrerá,
ignorando o fato de sua morte porvir e representa, assim, toda a vida social da alta
classe burocrata russa, que ignora as questões verdadeiramente importantes. Do
outro Guerrássim, o humilde copeiro, que cuida de Ivan como a um moribundo que o
trata como igual, que limpa as suas fezes, ele é o representante dos humildes
trabalhadores que na sua simplicidade são mais sábios. O ódio por sua esposa e o
amor pelo copeiro são dois lados de uma mesma relação a de Ivan com a sua finitude.
Diante da angústia frente a sua morte e o seu processo de adoecer. Para Sartre
(2007), a essência do homem vem de suas escolhas. Assim, quando ele é jogado no
mundo não tem essência, ele é não-ser, ou seja, ausência de ser. Deste modo,
paulatinamente ele vai tomando consciência de sua existência e do grande desejo
dele ser, mas ser é acabado, realizado.
Durante os 12 capítulos de sua obra, Tolstói contextualiza a vida de Ivan Ilitch,
seu modo de viver, as escolhas e a neutralidade diante de algumas situações que
estavam diretamente ligadas à sua existência. A discussão que aqui será proposta
focará na finitude na perspectiva da Fenomenologia-Existencial. O entendimento
filosófico-existencial da morte pode levar o homem a refletir não somente sobre qual
é o seu real sentido, mas também, poderá movê-lo a pensar sobre a maneira como
encara e define sua própria vida e modo de existir.
Para analisar a obra, levantaremos questões a partir de alguns de seus trechos
para retratar a finitude percebida ao fim da vida.

Agora que ele tinha que morrer. Comigo vai ser diferente eu estou vivo,
pensava cada um deles, enquanto as pessoas mais próximas, os assim
chamados amigos, lembravam que agora teriam que cumprir todos aqueles
cansativos rituais que exigiam as normas do bom comportamento, assistindo
ao funeral e fazendo uma visita de condolências para a viúva (TOLSTÓI,
2020, p.7).
39

No conto de Tolstói são indicados alguns dos pontos fundamentais do ser-para-


a-morte de Heidegger (2015), como a atitude decadente que recusa o tema da própria
morte, pensando-a apenas como morte dos outros. Quando a doença de Ivan Ilitch
escancara, a sua condição de mortal, eis que todas as falsas convictas desmoronam.
Para Sartre (1973), talvez a angústia que atribuímos à noção de morte seja o
reconhecimento de que fomos abandonados, que não tem base de conhecimento,
somos obrigados a escolher sem expectativa de certo ou errado. Eles se foram. Deus
está morto, então tudo é permitido. A angústia então é resultado da nossa liberdade,
do abandono, como é possível observar no trecho a seguir, Tolstói (2020, p. 63) “Ivan
Ilitch via que estava morrendo e desesperava-se. No fundo do seu coração sabia que
estava indo embora e longe de acostumar-se com a ideia, simplesmente não
conseguia entendê-la.”
A partir desse trecho podemos pensar na questão da finitude na visão de
Heidegger (2015), para o autor a morte não é compreendida como exterior a vida, mas
sim como uma parte da vida. A morte então é apenas o finalizar de um processo. Não
um perecimento biológico comumente finalizado, mas como uma possibilidade, em
seu ser-aí, de projeção, é uma conclusão. Diferentemente a cada Dasein, a morte
individualiza em seu ato. Consequentemente, o perecimento orgânico é juntamente
determinado pela forma originária do Dasein, que não se esgota simplesmente, pois
o fim para o qual se totaliza, e que faltaria para se completar, constitui uma
possibilidade de seu ser-aí relativamente ao qual ele conduz em todos os momentos
de sua existência.
A noção que Kierkegaard (2010) ressalta quando diz que o indivíduo só pode
livrar-se das amarras classificatórias universais, ou seja, de ideias e concepções sobre
a vida e as coisas mesmas adquiridas de fontes externas a ele, externas ao
pensamento próprio, quando voltar-se para reflexão de suas escolhas, a fim de ele
mesmo atribuir sentido para seus comportamentos, seus gostos e propriamente sua
vida. Um exemplo propício para percebermos essas amarras universais é quando o
sujeito apresenta explicações externas para fenômenos próprios, por exemplo:

[...] eles jantaram e se retiraram, E Ivan Ilitch ficou sozinho, com a consciência
de que sua vida estava envenenada, e que estava envenenando a vida dos
outros, e que esse veneno não enfraquecia, mas penetrava cada vez mais
todo o seu ser. (TOLSTÓI, 2020, p. 128-129).
40

E, pela manhã, tinha de novo que levantar-se, vestir-se, ir ao tribunal, falar,


escrever, e, se não saísse para passar o dia em casa, com as mesma vinte e
quatro horas, das quais cada uma era um tormento. E tinha que viver assim,
à beira da morte, sozinho, sem ninguém que o compreendesse e tivesse pena
dele. (TOLSTÓI, 2020, p. 129).

Com essa noção de Kierkegaard (2010) onde é preciso voltar-se para si


mesmo, e refletir sobre suas escolhas, a fim de compreender quem é ou quem pode
ser. O autor também ressalta que, o ato do sujeito voltar para seu próprio interior atrás
de respostas ou de compreensão ressalta a premissa de movimento, ou seja do
indivíduo estar em pleno movimento, de aprendizado, de escolhas, de pensamentos.
O desvinculo consigo próprio e o apego a vida cotidiana que o autor sempre combatia
em suas teorias acarreta em tornar o indivíduo dependente de pequenas doses de
satisfação, o que acaba iludindo ou ludibriando o mesmo dentro de um ciclo o qual
não é espaço para a reflexão, a autocritica e/ou as próprias decisões.
Sabe-se que Ivan Ilitch era um homem totalmente desprendido de seus próprios
pensamentos, de suas próprias ideias. Nesse sentido, não seria diferente a maneira
como ele iria encarar o início de sua doença, necessitando cada vez mais de atenção
e cuidado dos outros e sem perceber que, os inúmeros “tinha” atribuídos em suas
falas durante a obra não era para Kierkegaard (2010) um resultado de reflexão própria
acerca dos motivos que permeavam suas necessidades, entretanto, as necessidades
dele estavam vinculados ao cotidiano, ao outro.
A raiva presente no discurso de Ivan Ilitch também trazia um simbolismo de
aceitação da própria finitude, nesse sentido, ao perceber diante do comportamento de
seus amigos e familiares detalhes que o faziam pensar que eles não pensavam ou
não se colocavam como seres também finitos, assim como ele próprio em toda sua
história de vida, retrucava ironicamente, e sozinho, acerca da maneira como tratavam
morte, que para Ivan, estava presente ou cada vez mais perto.

[...] Eles não se importam, mas também morrerão. Bobalhões. Eu primeiro,


mas eles depois; terão o mesmo fim que eu. Mas se divertem! Bestas! A raiva
sufocava-o. E ficou com uma sensação tremendamente, insuportavelmente
pesada. (TOLSTÓI, 2020, p. 142)

Ivan Ilitch refletiu sobre como a finitude aparecia mais real a cada instante,
angustiado, ele se lembrou de uma citação de um autor, onde trazia que:
41

Durante toda sua vida, o exemplo de silogismo que ele tinha aprendida na
lógica de Kiesewetter – Caio é humano e todos os humanos são mortais, logo
Caio é mortal – parecera correto só em relação a Caio, mas nunca em relação
a ele mesmo (TOLSTÓI, 2020, p. 148).

Aqui, nota-se o afastamento do personagem ao identificar-se também como


humano e, consequentemente, finito. A reflexão acerca de que assim como Caio ele
também era humano e também era mortal, não era algo tão literal como a própria
lógica pressupõe, ou seja, todos sabem que um dia irão morrer, assim como Ivan Ilitch
sabia, no entanto, o fato de saber que vai morrer porque todos um dia morrem, e de
fato pensar e lidar sobre o fenômeno da finitude é onde a angústia relatada pelo
personagem se torna mais forte, mais presente, escancarou-se uma porta para um
universo de possibilidades e juntamente a estas, um universo de reflexões.
Ivan Ilitch não compreendia que, Caio por ser humano, era um ser de
sentimentos, de desejos, de ideais, de convicções e uma história de vida única, onde
por mais que não fique explícito no contexto da frase em si expressa por Ivan, está
implícito na ideia de ser humano, um ser aberto a possibilidades, um ser individual
carregado de uma subjetividade própria. Defrontar-se com essa noção de
aproximação entre ele e Caio, ocasionou por intermédio confrontar-se cada vez mais
contundente com o fenômeno da finitude, e principalmente da própria finitude. “E Caio
era mesmo mortal, e está certo que ele morra, mas que eu, Vánia, Ivan Ilitch, que eu
morra, com todos os meus sentimentos, os meus pensamentos, é outra coisa. Não é
possível que eu tenha que morrer. Seria horrível demais.” (TOLSTÓI, 2020, p 150)
Outro trecho significativo que correspondem a ideia que Kierkegaard (2010)
trouxe acerca do viver nos moldes do cotidiano, com o mundo já estivesse pronto e
predisposto para atender suas vontades, uma vez que você sucumbisse a viver no
imediatismo, sem voltar-se para dentro, sem engajar numa reflexão onde possibilita
atribuir sentido próprio para suas escolhas e viver plenamente consciente de suas
escolhas e também das consequências destas:

Se eu também tivesse que morrer, como Caio, eu saberia, uma voz interna
teria me falado a respeito disso, mas não havia nada parecido dentro de mim;
tanto eu, como todos os meus amigos Nós entendíamos que as coisas nunca
poderiam ser para nós como eram para Caio. Mas agora isso! [...] (TOLSTÓI,
2020, p.150)

Antecipar a própria morte, nesse sentido, não trazendo um sentido de tirar a


própria vida por meio do suicídio ou de outros meios autodestrutivos, mas sim no
42

sentido do pensar como se o fenômeno já tivesse acontecido, como se o sujeito já se


percebesse morto. Heidegger (2015) nesse sentido, ressalta também que, pode-se
resumir a caracterização do ser que, existencialmente, se projeta para a morte no
sentido próprio, da seguinte forma: antecipar revela à presença a perdição no self-
impessoal e, embora não amparada fundamentalmente na preocupação das
ocupações, coloca-a diante da possibilidade de ser ela mesma: mas está em liberdade
para a morte, aquela que, apaixonada, fática, segura de si mesma e livre das ilusões
do impessoal, se angustia.
Tolstói (2020, p.156) traz que “e a verdade é que aqui, nesta cortina, como num
combate, eu perdi a vida”, para Heidegger (2015) a marca fundamental desse
pensamento é a finitude. Essa característica do ser humano foi omitida, esquecida,
escondida pela atenção ao modo de ser dos objetos. Olhando o ser humano através
de lentes ajustadas aos objetos não humanos, a especificidade se perde desde então,
ou seja, sua finitude. Há, para ele, total transparência, imparcialidade, que são ideias
da ontologia da coisa. Isso porque o ser humano, em todas as suas realizações, existe
no espaço e no tempo, limitado, dotado de características temporais e de caráter
histórico.
Tolstói (2020, p. 156) narra também que, “foi até o escritório, deitou-se e ficou
de novo sozinho com ela. Face a face com ela, e não havia o que fazer com ela. Só
olhar para ela e gelar”, nesse sentido, Heidegger (2015) também pontua que, o
enfrentamento da morte em sua antecipação é um acontecimento que leva à
contemplação do nada que liberta o encontro do Dasein e pode ser compreendido
desde seu caráter temporal e finito, disposto em termos de abertura ao ser.
Assim conceitos como finitude, angústia e temporalidade se expressam na
capacidade do Dasein de encontrar seu significado além do que é inicialmente devido
à perdição impessoal e, assim, tornar-se singular. É notório, por nossa experiência no
mundo sensível, que todos somos limitados e iremos morrer. Mas o problema que
Heidegger colocou quando trouxe a morte para sua ontologia básica foi mostrar como
a antecipação nos permite nos reconhecermos a partir da compreensão da origem do
tempo e da história, portanto, finito.

Além daquela mentira, ou por consequência dela, o que mais torturava Ivan
Ilitch era o fato de que ninguém tinha pena dele como queria que tivessem:
em certos momentos, depois de longos sofrimentos, o que Ivan Ilitch mais
queria – por mais vergonhoso que lhe fosse admitir – era que alguém tivesse
pena dele, como se fosse uma criança doente. (TOLSTÓI, 2020, p. 170)
43

Kierkegaard (2010) também aponta que, para o homem moderno, a morte se


apresenta como paradoxal e complexo. O homem moderno torna-se apegado a vida
como se este fosse viver para sempre, ignorando o fato de que o nascimento é, morrer
ao mesmo tempo, uma vez que uma condição está entrelaçada com a outra
inseparável. Nesse sentido, Nietzsche (2005) acreditava que no instinto da verdade,
as pessoas começaram a padronizar suas vidas, porque ela passou a ser
administrada e enquadrada por parâmetros de pensamento, e seu pensamento era
desenvolver conceitos que pudessem sustentar esse pensamento, deixando de lado
aqueles aspectos descobertos por meio do consciente Pensamento, isto é, desejo,
motivação, matéria orgânica.
Ao sentar e refletir sobre sua finitude, Ivan Ilitch se mostra em um estado onde
Nietzsche (2005) conceitua como a “morte covarde”, onde a presença da finitude é
percebida e encarada por meio da rejeição, diferentemente da base conceitual do
autor onde traz para argumentar sua teoria, dinâmicas de contextos religiosos,
principalmente advindos do cristianismo, onde aponta a presença da morte como um
algo indesejado, no entanto, com a plenitude sustentada por ideologias da igreja que
apontam que a morte é só um processo de passagem para outro lado, um lado de paz
e tranquilidade.
Ivan Ilitch não era apegado a religião, ou seja, ele não tinha como base de
reflexão ou espiritual por assim dizer, os argumentos religiosos para amparar a
angústia presente no fenômeno da finitude. Entretanto para Nietzsche (2005), Ivan se
apresenta nessa vertente da teoria pelo fato de encarar a morte como algo exterior a
ele que vem e toma-lhe a sua vida, como um ladrão que rouba-se o seu tempo de
vida, quando percebia ou lidava com a mesma de maneira que aparentar-se que seria
infinita.
Na angústia presente em Ivan, o ato de parar para refletir e repensar sua vida,
seus anseios e, principalmente, sua finitude, permite para Nietzsche (2005) atingir a
“liberdade para a morte”, a mesma é compreendida quando o sujeito percebe que está
morrendo “a tempo”, ou seja, diferentemente das ideias de uma “morte covarde”, essa
morte chega no momento certo, nem cedo demais nem tarde demais. Uma vez que,
como pode morrer a tempo se até então Ivan não vivia a tempo, não se vivia
consciente de suas decisões, não vivia como alguém que refletia sobre suas escolhas
e, principalmente, sobre quem ele está sendo, para ele e para os outros.
44

Nietzsche (2005) também aponta que, para as pessoas que encaram a finitude
como exteriores a ela, tendem a perceber o tempo como inimigo da vida, ou seja,
quanto mais o tempo passa, mais ela será assombrada pela ideia do “foi assim”, ou
seja, a pessoa desligasse do presente, e passa a viver a sombra do passado, passa
a viver em um cativeiro de rancor, de raiva e de remoço, pelas consequências das
escolhas que deixou de fazer. Perceber a “liberdade para a morte” segue a premissa
de que se é um ser humano, fadado ao finito, onde o tempo apenas é um meio do
qual utilizamos como transcendência, e não como um inimigo que permite que a vida
escorregue e escape pelas mãos.
Para Nietzsche (2005) a morte não chega como uma força externa a nós, ela é
encarada como uma possibilidade que escapa de nosso controle, assim a relação de
temporalidade não é mais uma marcação que determinará quando a finitude irá se
apresentar plenamente. Assumir-se como liberdade para a morte, denota que, assim
como nossa vida, a morte se torna possibilidade assim que surgimos, assim que
encaramos o mundo pela primeira vez, ainda sob tutela de terceiros, ou seja, ela está
presente e nos acompanha em todo tempo. Para Ivan Ilitch, viver uma vida liberto das
amarras de um pensamento onde suas escolhas possam enfim ser fruto de suas
próprias reflexões, já não é mais possível, afinal como intitulada pelo autor Liev Tolstói,
a obra narra justamente a morte de Ivan. No entanto, agora está mais claro que
interpretar a morte como o exterior da vida, coisas inanimadas e hostis estão
diretamente relacionadas a uma determinada forma de percepção da existência de
forma desvalorizada, ou mesmo degradante.
Portanto, a reinterpretação da morte por Nietzsche (2005) é antes de tudo um
exercício de características psicológicas, cujo propósito é estabelecer a vontade
humana e preparar-se para conciliar-se com seu caráter de finitude e,
consequentemente, com o conceito cultural de morte. Essa reinterpretação implica
uma reconexão com o mundo, em que não há separação entre vida e morte, ou que
a vida é apenas uma forma de morte. E como apontado também por Nietzsche (2005)
a noção de não ter mais tempo para viver uma vida plena onde lida com escolhas
próprias e as consequências destas, uma vez que só prestes a morrer Ivan torna-se
liberto dessas amarras e aceita a morte como intrínseca a ele, e não mais como uma
ladra de sua vida, a angústia deixa de ser percebida como um ato de sofrimento
inerente a dor física que estava sentindo, e passa a ser compreendida apenas como
45

o que de fato a angústia é, o meio do qual o ser humano tem de defrontar-se com ele
mesmo, com sua existência.
Para Nunes (1992) a temporalidade esquecida agora retorna com força para
mostrar ao Dasein que seu significado é o tempo. Na autenticidade, o Dasein encara
sua temporalidade finita com angústia e pela angústia. O tempo deixa seu conceito
comum de viver apenas no presente e carrega uma compreensão do passado como
uma retomada do que era possível, o presente como um momento de decisão e o
futuro como uma projeção de possibilidades.
Na novela de Tolstói, Ivan Ilitch é justamente despertado de sua cotidianidade
pela angústia, no enfrentamento ainda conturbado do ser-para-a-morte, do
personagem:

Era um erro, como bem demonstrava a expressão no rosto de Schwartz. Piotr


Ivanovich animou-se outra vez e passou a perguntar interessadamente sobre
os detalhes da morte de Ivan Ilitch, como se a morte fosse uma fatalidade à
qual somente Ivan Ilitch estivesse sujeito e ele não (TOLSTÓI, 2020, p.16).

A possibilidade da morte é também indeterminada. A antecipação abre a morte


como uma ameaça. É a disposição fundamental da angústia que permite que a
ameaça absoluta e contínua de si mesmo se mantenha aberta em sua singularidade,
propriedade e indeterminação. Para Heidegger (2015) o lugar privilegiado que essa
disposição ocupa na analítica quando afirma que o ser-para-a-morte é,
essencialmente, angústia.

A morte, entretanto, nos chama. Ela nos chama o tempo todo; está sempre
conosco, arranhando uma porta íntima, sussurrando suavemente, quase
inaudível, sob a superfície da consciência. Escondida e disfarçada,
transbordando por meio de uma variedade de sintomas, ela é fonte de muitos
de nossos estresses, conflitos e preocupações (TOLSTÓI, 2020, p. 19).

Nesses trechos pensaremos na angústia de Ivan Ilitch diante da sua morte.


Heidegger (2015) afirma que morte é a possibilidade iminente e insuperável de poder
não mais estar presente. A morte é então a possibilidade mais própria e insuperável.
O Dasein permanece, no entanto, na maior parte das vezes, alheio a esta condição.
Dessa forma, a angústia que desentranha para o Dasein o ser lançado para a morte,
confrontando-o com sua verdade mais própria. Colocado em contato com o seu poder-
ser mais próprio, que é a existência enquanto abertura de sentido, o Dasein angustia-
46

se, sendo tal disposição sua inevitável possibilidade, através da qual pode
singularizar-se.
Sendo o ser-para-a-morte, a possibilidade mais própria e insuperável do Dasein
enquanto projeto, pode-se dizer que toda angústia é, em última instância, angústia de
morte. Concluímos assim, que é na angústia que o ser-para-a-morte se mostra do
modo mais originário, propiciando-se a abertura para o fato de ser para o fim.

A morte, entretanto, nos chama. Ela nos chama o tempo todo; está sempre
conosco, arranhando uma porta íntima, sussurrando suavemente, quase
inaudível, sob a superfície da consciência. Escondida e disfarçada,
transbordando por meio de uma variedade de sintomas, ela é fonte de muitos
de nossos estresses, conflitos e preocupações (TOLSTÓI, 2020, p. 19).

Em relação ao ser-no-mundo dizemos que significa que não existe sujeito fora
do mundo, o Dasein se lança ao mundo. Para Heidegger (2015), o sentido desse
existencial se dá quando o Dasein estabelece relações com as coisas, e assume o
cuidado delas, isto é, confere um sentido a sua existência quando entra em contato
com as coisas no espaço. Em relação ao ser-com-os-outros dizemos que não existe
sujeito isolado dos outros. O sentido desse existencial está nas relações afetivas que
o Dasein estabelece com o outro e, assim, assume o cuidado dele.
Segundo Dubois (2004), o Dasein, quando lançado para o mundo e em
comunhão com os outros, vai conferindo sentido à sua existência a partir das escolhas
feitas por ele, lidando com aquelas duas instâncias. Ele pode escolher qual trabalho
irá dedicar-se, escolher com qual estudo irá se comprometer e assim por diante. Nas
escolhas que Dasein faz, diante de inúmeras possibilidades, ele está sendo, isto é,
existindo. Dentre essa variedade de possibilidades, existe uma na qual o Dasein não
pode optar. Trata-se da morte. O homem pode fazer qualquer escolha, exceto
escolher não morrer. A vida humana autêntica é aquela voltada para a possibilidade
da morte, justamente aquela que ele não pode escolher e não é voltada para as
possibilidades mundanas.
Enquanto possibilidade, a morte é a mais própria do Dasein. Ela não tem
relação alguma com o outro, muito menos com as coisas. A morte acontece com cada
homem, e assim, individualmente, o homem a experimenta, um não pode interferir de
modo algum na morte do outro. O ato de morrer coloca o Dasein num distanciamento
radical do outro, o que é indicador, positivamente, de que nesse momento o homem
tem condições de se compreender autenticamente, a partir de sua própria existência.
47

Ademais, a morte, como possibilidade, marca a inexistência de outras possibilidades.


Ela é o fim do Dasein, que existia a partir das escolhas que fazia diante das suas
possibilidades.
Entretanto, no geral, a vida de Ivan Ilitch transcorreu como ele achava que
deveria ser: com calma, agradavelmente e dentro das regras estabelecidas, ele se
levantava às nove horas, tomava seu café, lia os jornais, vestia o uniforme e ia até o
tribunal. Uma vez lá, ele imediatamente entrou em sua rotina de trabalho e se preparou
para atender petições, processos e sessões públicas e administrativas. Em tudo isso,
foi preciso excluir dali tudo o que continha a vida em si mesma, o que sempre perturba
o curso normal das coisas oficiais.

Seu principal interesse passou a ser justamente a doença e a saúde das


outras pessoas. Quando alguém mencionava doenças, mortes ou curas em
sua presença, especialmente se os sintomas se parecessem com os seus,
ouvia a tudo atentamente, tentando disfarçar sua agitação, fazer perguntas e
aplicar o que ouvira ao seu próprio caso. A dor não diminuía, mas Ivan Ilitch
fazia grandes esforços para acreditar que estava melhor (TOLSTÓI, 2020, p.
50).

O modo da minha morte pode ser mais bem percebido, segundo Áries (1997),
a partir do século XI, quando há um deslocamento de um sentido coletivo da morte
para uma compreensão da morte como algo individual. Morrer não necessariamente
significava mais afetar todo o grupo e justamente neste contexto surgiu o indivíduo
caracterizado por seus pensamentos mais íntimos, suas paixões e seus pecados. Há
todo um percurso em direção a uma individualidade que o homem acredita ser
possível manter após sua morte. O momento da morte era muito valorizado, enquanto
possibilidade de absolvição de todos os pecados e a conquista da salvação.
O modo da morte distante e próxima, já se ensaia desde o século XVI, mas é
exatamente a partir do século XVIII que suas características se tornam mais
evidentes. A morte passa a não ser mais um centro de preocupações. A absolvição
não é fundamental, por passarem a defender que o verdadeiro cristão está sempre se
preparando para a morte. O relevante neste momento é a sua obra em vida e não
mais os seus arrependimentos na hora da morte. A familiaridade com a morte
gradativamente vai dando lugar à valorização da razão e o nascimento da ciência
como aqueles que têm algo a dizer sobre a morte. O medo da morte começa a se
apresentar de forma mais evidente antes do século XIX, período a partir do qual, com
48

os avanços das tecnologias, a morte passou a ser cada vez mais uma surpresa brutal.
O luto estava presente, ainda como um luto dramatizado e ritualizado.
Heidegger (2015) explica que, naquilo com que a angústia se angustia revela-
se o “é nada e não está em lugar nenhum”. Fenomenalmente, a impertinência do nada
e do lugar nenhum intramundanos significa que a angústia se angustia com o mundo
como tal. A total insignificância que se anuncia no nada e no lugar nenhum não
significa ausência de mundo. Assim, o ser-para-a-morte é, essencialmente, angústia.
Sendo a morte única certeza para o Dasein, e nela está contida todas as
possibilidades do Dasein; somente com a aceitação de sua finitude o Dasein assume-
se a partir de suas possibilidades intrínsecas. Desta forma, a angústia é um chamado
para que o Dasein entre em contato com seu ser próprio, que torne próprio daquilo
que o Dasein é.
Segundo Heidegger (2015) a angústia tem a sua raiz firmada na essência da
condição humana frente ao mundo, em um mundo de infinitas possibilidades. Mais
possibilidades infinitas de finitude, ou seja, elas são infinitas em nossa configuração
temporal-espacial de existência finita. A morte define o que se foi e o que se é, até se
encontrarem em um futuro. Estas formas de manifestação da angústia guardam em
comum o sentido de não-ser, que permanece não como um ente, mas como um ser
que necessita da contínua destruição para potencializar a criação.
Desta forma é a morte, seja ela física, espiritual, moral ou social que está em
jogo. Esta morte representada pela trindade (bio-psico-social) em si, aponta
ontologicamente para um único ser, o ser-para-a-morte. Este ser-para-a-morte é uma
verdade e somente a único presente em toda a existência, porque como comenta:
Enquanto fim do Dasein, a morte é a possibilidade mais própria, irremissível, certa e,
como tal, indeterminada e insuperável do Dasein. Enquanto fim do Dasein, a morte é
e está em seu ser-para-o-fim. Para Heidegger (2015) o significado da angústia é a
própria aceitação do destino, ou seja, a aceitação da atual situação como única, tendo
a consciência que lutar contra a nulidade da morte. A morte das escolhas é lutar contra
a própria existência. Em Heidegger, a percepção do jogo ontológico entre ser e não-
ser angustia o Dasein, mas é esta angústia que torna o homem autêntico perante suas
escolhas, com a coragem e o amor de sua própria finitude.

A partir de sua doença, desde que fora pela primeira vez ao médico, a
vida de Ivan Ilitch foi dividida em dois estados de espirito opostos que
se alternavam uma hora desespero e expectativa de uma morte terrível
49

e incompreensível, na outra esperança e observação atenta do


funcionamento de seus órgãos (TOLSTÓI, 2020, p. 91).

A falta que a angústia revela é a falta de refletir de onde viemos e, de projeto,


para onde vai o Dasein. Para Heidegger (2015) não é lamentável a angústia, mas é a
condição para nos mobilizarmos perante a ruptura que as normas e costumes sociais
podem oferecer; entre a totalidade indivisível do Dasein e despersonificação deste em
um existir inautêntico. O não-ser vem com o sentimento de angústia, em um
movimento de des-construção de um modo de vida inautêntico e a re-construção de
uma autenticidade. A liberdade, ao se alcançar um existir autêntico, é adquirida
através do sofrimento que a angústia causa, pois, quando se perde todo o alicerce de
uma falsa segurança perante o mundo, somente o si-mesmo é capaz de dar uma
resposta satisfatória ao que se entende por liberdade. Portanto, existe uma dialética
no fenômeno da angústia, pois ela oferece a dissolução do que é, para algo que não
é, ao mesmo tempo em que ela mesma é um não-ser, ou seja, ela busca um novo
nascimento para o Dasein.
Aos poucos, sabendo que a morte o espera, apesar de ainda não acreditar
nessa possibilidade, ele se sente inadequado em relação ao mundo, às coisas do
costume, às suas atividades diárias. Tudo parece começar a perder sentido, apesar
de seu otimismo em pensar que a morte não é para ele, ela não o atingirá. Há um
vago reconhecimento de que se morre, é sabido que se morre biologicamente, a morte
chegará para todos, em uma apresentação indiferente dela, o agente igualitário último.
Essa forma de pensar pode parecer realista, porém, para Heidegger (2015), tal forma
de enfrentar a morte é pensar a própria vida como a do outro, sem ser entendida como
realmente sua.
Como visto anteriormente, o Dasein está lançado no mundo, situando-se no
tempo, um tempo que é finito. A tentativa de Heidegger (2015) é devolver o Dasein ao
seu cotidiano, ao momento vivido, ao se questionar, preocupado com seu próprio ser-
poder no mundo das possibilidades, sem se apoiar em conceitos metafísicos.
Conectado ao tempo sem fim, pronto, mas com inúmeras possibilidades lançadas no
futuro, aberto às escolhas que conduzem a vida, sozinho, dado a si mesmo, o homem
é o que se tornou, com apenas uma certeza presa no horizonte: a morte.
Percebe-se também que para os amigos de Ivan Ilitch não há uma observância
a ser feita, apenas a preocupação em seguir os ritos sociais. A morte do outro em
50

nenhum momento traz um despertar do homem para a sua própria morte, para a
finitude do seu tempo, da sua existência, nesse sentido a obra relata que:

A partir de sua doença, desde que fora pela primeira vez ao médico, a vida
de Ivan Ilitch foi dividida em dois estados de espirito opostos que se
alternavam uma hora desespero e expectativa de uma morte terrível e
incompreensível, na outra esperança e observação atenta do funcionamento
de seus órgãos (TOLSTÓI, 2020, p. 91).

Ultimamente, na solidão em que se encontrava, deitava como o rosto virado


para costas do sofá, solidão no meio de uma cidade superpovoada e rodeado
de inúmeros conhecidos, solidão mais completa do que qualquer outra, seja
no fundo do mar ou no centro da terra, nessa assustadora solidão, Ivan Ilitch
somente vivia das lembranças do passado (TOLSTÓI, 2020, p. 92).

Segundo Yalom (2008) renomado psiquiatra e escritor norte americano, a


maioria de seus pacientes anseia com a ideia de morrer, ao olhar para seus corpos
envelhecidos com o passar do tempo, com o apagamento de vestígios da história da
pessoa, como a demolição da casa em que foi criada. As pessoas o procuram
desesperadamente sem saber ao certo de onde vêm suas preocupações e começam
a suspeitar de suas vidas. O homem que consegue conceber sua condição de ser
para a morte também pode compreender suas possibilidades, pois se concebe para
além do impessoal, ele se recria, se reformula. A certeza da morte na consciência faz
com que o destino seja entregue, para uma compreensão da finitude.
Entretanto, as pessoas, além de se acreditarem infinitas, não entendem o fato
de terem apenas um intervalo de vida e, ao se depararem com a morte do outro,
digerem isso como se o outro fosse culpado de algo e punido com a morte. Evitam
falar sobre isso, fazer teatro entre si, fingem que o moribundo não vai morrer e podem
fingir para si que não vão morrer.
Para Heidegger (2015), há uma diferença entre o tempo das coisas e o tempo
do Dasein humano. As coisas estão no tempo, enquanto o Dasein tem seu tempo.
Presença se opõe a ter-passado. Nesse sentido, há a crítica desse homem que pensa
estar no tempo, em uma reedição da vida, e por isso, as narrativas do homem que
não consegue pensar nele, julgando-se de certa forma, pela indiferença, imortal. Com
os olhos na morte, Ivan Ilitch começa a fazer um balanço de sua vida, de como não
utilizou as possibilidades de tudo. Ele se casou com uma mulher, tendo visto a
aprovação de seu meio social, toda sua carreira e suas amizades aconteceram de
51

forma marcante, apenas para se distrair. Ele passou sua vida ocupado, fugindo de si
mesmo.
Heidegger (2015) coloca que o ser-para-a-morte foi fundamental para
compreender que a inautenticidade de Ivan é, com efeito, uma fuga decadente da
finitude e de si mesmo. Também que seu processo de adoecimento possibilita
compreender o irremediável ser-para-a-morte do Dasein, iniciando, assim, um
processo de reflexões acerca de sua falta com relação ao seu poder-ser mais
autênticos, próprias de ser si-mesmo impede de apagar a alteridade no encontro com
os outros.
Nesses trechos, o autor aborda a forma como acontece a morte para Ivan Ilitch.
Traremos o conceito de ser-para-a-morte do filósofo Heidegger.

Foi nesse exato momento que Ivan Ilitch caiu dentro do buraco e encontrou a
luz e lhe foi revelado que sua vida não fora o que deveria ter sido, mas que
ainda era possível dar um jeito. Perguntou-se o que era, afinal, a coisa certa
e ficou quieto, escutando (TOLSTÓI, p.100).

Para os que presenciavam sua agonia, está durou mais duas horas. De sua
garganta ainda saía um som e via-se um estranho movimento de seu corpo
já sem vida. Até que a respiração ofegante e o som passaram a vir em
intervalos cada vez maiores (TOLSTÓI, p.101).

“Procurou seu antigo medo da morte não o encontrou [...] Não havia medo
porque também não havia morte” (TOLSTÓI, 2020, p.101), nesses trechos da obra de
Tolstói, são indicados alguns dos pontos fundamentais que relacionamos com o ser-
para-a-morte de Heidegger (2015), como a atitude que recusa o tema da própria
morte, pensando apenas a morte dos outros. Quando a doença de Ivan Ilitch
escancara, a sua condição de mortal, eis que todas as falsas convicções
desmoronam.
A angústia então o atormenta sem trégua, mostrando-lhe o seu ser sempre
mais próximo de um abismo que o aterroriza. Até o momento que a doença o atingiu,
sua vida prosseguia segundo uma vida normal e indiferente, orientada segundo o
impessoal público que tudo nivela. Mas com o assalto da angústia diante da morte
tudo muda. Dessa forma, nos propomos a pensar na narrativa existencial que Ivan
Ilitch busca no ato de sua morte, repensando o sentido da sua vida. Segundo
Heidegger (2015), o ser-para-a-morte é assumir o sentido próprio da existência e isso
é o que propicia ao Dasein o afastamento das ilusões do mundo público. “– A morte
52

está acabada –, disse para sim mesmo. – Não existe mais –. Respirou profundamente,
parou no meio de um suspiro, esticou o corpo e morreu.” (TOLSTÓI 2020, p.101)
Antecipar a morte não é cometer suicídio, ou algo semelhante, mas é encontrar
o sentido do ser, enquanto existente. Dessa forma, o ser-para-a-morte não se
encontra mais disperso no impessoal público, mas se abre ao seu puro ser-no-mundo,
no momento em que o homem compreende o próprio ter que morrer eis que o si
mesmo é aberto e é alcançado pelo Dasein. Isso porque o ser-para-a-morte o Dasein
experimenta a morte apenas como a sua própria morte, não como aquela do outro.
Assim, quando Ivan pensa a sua morte, ele pensa a sua morte unicamente; A morte
é sempre a sua morte, no sentido de individualidade, separando uma existência da
outra.
Sua morte diz respeito unicamente a você. Assim, afirma Rée (2000), que
quando você morre, seu estar-no-mundo-com-outros chega a um fim, mas o deles,
embora possa ser afetado de um ou outro modo, continua.
Mas há um lado positivo na morte, isso se o ser humano assume o seu ser-
para-a-morte, levando em conta que a morte é um fenômeno da própria existência e
não do término dela. A morte apenas tem sentido para quem existe e se põe como um
dado fundamental da existência mesma. Assumir o ser para a morte, porém, não
significa pensar constantemente na morte e sim encarar a morte como um problema
que se manifesta na própria existência. Depois de termos morrido não podemos mais
sentir a morte. É um fato que a morte é algo que apenas podemos experimentar
indiretamente, no outro que morre. A morte tem este aspecto paradoxal de apenas
surgir quando não pode mais constituir um problema para o Dasein, a não ser que ele
assuma como a sua mais própria essência na própria existência.
Segundo Heidegger (2015), a morte é uma espécie de angústia ampliada e
mais definida na direção de uma caracterização fundamental de nossa existência.
Assim, a angústia desperta para a morte, enquanto dado temporal mais significativo
da existência, e revela a finitude da existência humana, o fato de que o homem tem
um fim, que ele morre e que sua existência acaba, ou seja, remete a um outro conceito
fundamental de Heidegger, que é o ser-para-a-morte.
53

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A releitura da obra A morte de Ivan Ilitch perante a ótica da Fenomenologia-


Existencial possibilitou uma nova abordagem para como o personagem em questão
lida com a sua finitude. Foram utilizadas teorias advindas da filosofia existencialista
baseadas nos autores referências, acerca de como o ser humano encara a certeza de
que é um sujeito finito bem como as diferentes formas de experienciar e lidar com
essa problemática de forma própria e individual. Assim, explícita a necessidade de
abordar a finitude de Ivan Ilitch com um olhar do método da Fenomenologia, permitiu
também que houvesse um foco na própria experiência do personagem, em como ele
percebeu as nuanças e os contextos ao qual estava inserido.
Conhecer o processo de iniciação do pensamento e método fenomenológico
com Russerl permite que tenhamos uma melhor compreensão de como funciona tanto
na teoria quanto na prática, seja prática analítica como foi a do presente trabalho, a
fim de compreender um fenômeno através de uma análise literária como a que foi aqui
proposta, ou seja também na utilização da mesma dentro do ambiente clínico, onde
ressalto que demanda do terapeuta uma postura mais dinâmica para com as
demandas apresentadas pelo paciente em questão.
Assim, seja dentro ou fora de um ambiente clínico, a utilização da
Fenomenologia como método para o acesso dos fenômenos tem um repertório teórico
muito vasto e com o passar do tempo, cada vez mais bem elaborado, visto que, não
se trata de uma técnica fechada, onde trataríamos com um passo a passo por
exemplo, pelo contrário, a busca pela compreensão do fenômeno que se mostra,
tendo como base a percepção única do Dasein que o evoca necessita, assim como
na analítica aqui exposta, muito mais conhecimento das várias possibilidades
humanas, das várias maneiras de lidar com a existência, bem como de ser no mundo.
A necessidade de trazer a filosofia Existencialista como base teórica para
compreender o processo de finitude demanda como exposta na presente obra, uma
compreensão que vai além das outras áreas do conhecimento sobre o humano, vai
além de trazer o fenômeno da morte como uma problemática de ordem biológica,
tratando a morte pelo viés de como o corpo respondeu ao estímulo da queda do Ivan
Ilitch, ocasionando lesões nos órgãos que desencadearam em outros fatores que de
54

nada valeriam para nós essa compreensão. Ou mesmo, trazer uma análise
antropológica do que significa a morte para a cultura em que o Ivan está inserido,
também não seria relevante para fazer uma analítica da finitude, uma vez que, a
compreensão da morte pela compreensão da existência se torna mais profundo e
mais contemplativo, pode-se dizer que até mais significativo nessa perspectiva aqui
proposta.
Assim, como a existência é dinâmica em suas formas, aberta em suas
possibilidades, e finita em sua relação junto ao tempo, vale ressaltar que, dos vários
referenciais teóricos utilizados como base de compreensão desse fenômeno, ainda
que alguns beberam da fonte de outros, seja para embasar ou mesmo contrapor em
relação a sua própria perspectiva teórica, todos esses teóricos tornam-se relevantes
em seu ponto, uma vez que não existe erro para a filosofia existencialista, sendo um
agregado de ideologias e estudos embasados na percepção e interpretação da
existência humana, todos os filósofos referenciados agregam sentido para
compreender a finitude humana.
A utilização da Fenomenologia-Existencial como meio de compreensão da
finitude na obra analisada permitiu que as diferentes percepções dos demais
personagens para além de Ivan Ilitch após sua morte também fosse notada, uma vez
que se deve considerar que todos vivenciam o luto de maneiras diferentes, todos
expressam o luto com mais ou menos emoção, sendo impossível estabelecer um
padrão para como deve-se lidar com a morte do outro. É notório afirmar também que
a morte será por todos de alguma forma sentida, e necessariamente precisarão de
algum meio de expressar tristeza. No luto, você não pode se apressar para concluir o
processo, não há como aliviar a dor. Mas alguém pode estar presente para mostrar
ao enlutado que ele não está sozinho, sua dor não é absurda, ele não é fraco e é
necessário experimentar a perda.
Vale ressaltar também que, analisar uma obra complexa e cheias de detalhes
narrativos e contextuais como esta, que evocam pensamentos e falas de outros
personagens que por vezes contrapõem a narrativa trazida pelo Ivan Ilitch, narrativa
essa que foi o foco da analítica realizada nessa produção, contrapõe o contexto clínico
na utilização do método fenomenológico por exemplo, onde torna-se mais favorável
para a compreensão dos fenômenos apresentados já que temos acesso apenas ao
paciente, e a percepção do mesmo perante a existência. Feita essa ressalva, a
dinâmica de uma analítica acerca da finitude, apesar de extensa apresentada nesta,
55

demanda também aprofundamentos das bases filosóficas aqui referenciadas, bem


como também para com a apropriação de uma experiência concreta com o método
fenomenológico, o qual demanda do profissional da Psicologia dentro da clínica, de
filósofos desta abordagem ou menos de estudiosos da área, um pensamento que
vagueia entre a crítica universal, suspendendo assim, os juízos de valores, de moral,
de contextos pré-moldados que buscam reger alguma cultura.
A possibilidade levantada nessa obra de pensar a morte como a conclusão de
uma existência, ou o fechamento de um ciclo de possibilidades abarca também uma
retirada de um pressuposto exterior a experimentação de sua finitude, essa retirada
não necessariamente significaria negar os saberes teóricos que expliquem certos
aspectos envolvidos nos diferentes contextos que envolva a finitude. Aqui então, a
retirada de pressupostos teóricos significa deixar de lado o olhar que outros os
saberes tem perante a vida e a morte, e tratar a percepção do personagem em
destaque da obra como única e verdadeira para explicar seu processo de finitude,
suas diferentes percepções durante o decorrer da narrativa até sua final aceitação e
porque não, seu final momento de contemplação da sua vida em si, perante o
fenômeno presente de sua morte.
Por fim, analisar na literatura de Liev Tolstói, a morte de Ivan Ilitch com a base
na compreensão da orientação Fenomenológico-Existencial permite que o fenômeno
da finitude seja desvelado da maneira tal qual ela é de fato, e essa maneira em
questão se trata da percepção que Ivan tem dela. Ou seja, deixamos de lado
compreensões externas ao fenômeno, compreensões essas que foram também
levantadas durante todo o quarto capítulo. A presente produção compreendeu as
nuanças em que Ivan Ilitch escolheu guiar seu projeto de vida, sua existência e, que
por fim, propiciou a maneira como ele percebe a morte, como algo hostil a sua vida,
isto é, que veio de fora para roubar seu tempo.
56

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61

ANEXO A – TERMO DE RESPONSABILIDADE RESERVADO


AO REVISOR DE LÍNGUA PORTUGUESA
62

ANEXO B – TERMO DE RESPONSABILIDADE RESERVADO


AO TRADUTOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
63

Sodré, Ícaro Ryad Andrade, 1995; Silva, Larissa Felix da, 1997.
A morte de Ivan Ilitch, uma ótica Fenomenológico-Existencial sobre
a finitude/ Ícaro Ryad Andrade Sodré; Larissa Felix da Silva. –
Paripiranga, 2020.
61 f.

Orientadora: Profª. Beatriz Andrade Oliveira Reis


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) –
UniAGES, Paripiranga, 2020.

1. Finitude 2. Fenomenologia-Existencial 3. Morte de Ivan Ilich. I.


Título. II. UniAGES.

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