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Deby Incour - A Empresária Nada Sexy
Deby Incour - A Empresária Nada Sexy
***
***
Abro a porta do meu apartamento e suspiro. Lar, doce lar, como amo
estar aqui. Tiro os sapatos na sala mesmo e me jogo no sofá junto com a minha
bolsa. Preciso de férias, ou vou fazer a passagem desta vida logo mais.
Fico deitada pensando na morte da bezerra. Minha vida está um tédio
ultimamente, apenas trabalho e não faço mais nada. Além disso, estou
começando a pirar, a ficar depressiva. Eu preciso sair, mas minha única amiga
não tem tempo para nada, igual a mim, e não confio em ninguém além dela. Sou
uma pessoa muito pé atrás, sempre acho que estão comigo por algum interesse,
ou apenas porque me acham uma coitada – a gordinha sem muitos amigos.
OK, estou pirando mesmo. Eu poderia comprar um cachorrinho, que tal?
Talvez eu tenha alergia. E que tal um gato? Tenho certeza de que tenho alergia a
esse.
Estou sensível, e o motivo tem nome, marca presença todo mês, dura uns
três dias e toda mulher conhece: TPM. Essa merda é chata demais, me deixa
bipolar, e sei que não sou a única que fica assim. Vocês aí que estão lendo, caso
sejam mulheres, também ficam bipolares, e se disserem que não ficam, estão
mentindo.
Preciso de muito, muito, muito sorvete, chocolate e pizza; esses são os
melhores companheiros para uma época de TPM e para uma gordinha triste
também.
Escuto barulhinho do meu celular e o procuro na bolsa. Encontro-o, e há
um e-mail com o original de um livro.
Essas pessoas acham que eu não mereço um descanso? É sábado, já tive
que trabalhar, e agora à noite me mandam um e-mail e ainda querem resposta
imediata. Nem se fosse um livro da rainha Elizabeth, eu o responderia agora.
Tudo o que preciso agora é de um banho e depois qualquer coisa para
comer, já que não tenho sorvete, pizza e nem chocolate e também não irei sair
para comprar e nem ligarei para pedir.
2 – Theodoro
***
Hoje é domingo, e não vou ficar em casa moscando. De dia eu vou, mas de
noite, não! Eu irei à boate em que minha amiga trabalha como barwoman. A
boate fica naqueles lugares secretos que todo nova-iorquino conhece e que todo
turista é louco para conhecer. O local é em Manhattan, e quem olha nem sonha
que, por trás de uma simples porta que nem uma humilde placa tem, localiza-se
uma boate que bomba “pra caramba”... Bom, apenas percebe se passar tarde da
noite em frente.
Só preciso confirmar com ela se estará trabalhando hoje. Pego meu
celular e lhe envio uma mensagem:
Jogo o celular na cama, vou fazer minha higiene e depois tomar café da
manhã, porque estou morta de fome.
***
Judi diz:
Vc não faz ideia de quem acabou de mandar e-mail para a boate!
Mandy diz:
Odeio suspense, diz logo, criatura!!
Judi diz:
Kkkkk... OK! Fui olhar o e-mail da boate para ver se a casa iria encher e... TAN...
TAN...
Mandy diz:
Fala logo, merda!
Judi diz:
Theodoro Lancaster, seu arqui-inimigo, confirmou presença!!
Mandy diz:
Joguei chiclete na cruz, para receber esse carma chamado Theodoro. Mas agora
que vou mesmo. Bjssss
Judi diz:
Kkkkkkkkkkkk.... bjsss
***
***
Hoje mais cedo eu reservei duas entradas para uma boate. Estou indo
para essa boate agora com o Rodrigo e sem nenhuma mulher, isso prova que
estou no fim da minha vida.
Estamos indo de táxi, e espero muito que o lugar esteja cheio de
mulheres gostosas, ou terei que aguentar o Rodrigo bêbado falando em
encontrar o grande amor da vida dele.
— Por que não fez a barba? — pergunta o Rodrigo, e olho de rabo de
olho para ele.
— Por que você não cala a boca? E quer saber um segredo?
— Essa barba conquista muitas mulheres, essa frase já é antiga.
— E você nunca aprende.
Percebo que o taxista nos olha pelo espelho retrovisor ao invés de
prestar atenção ao trânsito.
— Pretendo chegar vivo ao meu destino! — digo, e o taxista olha
rapidamente para frente.
***
O lugar está muito lotado, e o som está muito alto. Passamos pelas
pessoas empurrando todo mundo, literalmente. Não sou mal-educado, mas
pedir licença não vai adianta nada aqui.
Subimos para a área VIP, e assim que digo nossos nomes para o
segurança, ele nos mostra a mesa que foi reservada.
Sentamo-nos e ficamos olhando o movimento.
— Está mais lotada que o normal — diz o Rodrigo apontando para a
parte de baixo da boate.
— Aqui também está. Vou pegar bebidas.
— “Pra” quê? Tem garçom na aérea VIP.
— Lotada do jeito que está, vai ser difícil ser atendido rápido. —
Levanto-me.
***
Chego ao bar e espero ser atendido. Assim que a barwoman me vê, vem
até mim sorrindo.
— Judith — digo a ela. Já nos conhecemos, venho muito aqui. Ela é amiga
da louca da Amandha, a mulher que mais me odeia na face da terra, e não estou
brincando quando digo isso.
— Sr. Lancas... Quer saber? Vou te chamar de Theodoro, e dane-se.
Sorrio.
— Dois Ice.
— Bebidas fracas hoje?
Sorrio.
— Por enquanto.
— Claro. — Ela revira os olhos e se afasta para pegar as bebidas. Volta e
as entrega a mim.
— Só isso? — ela me pergunta.
— Na verdade...
Alguém esbarra em mim.
— Desculpa!
Viro-me para ver quem é e não acredito quando vejo.
— Você? — falamos juntos.
— Acho melhor eu já avisar aos seguranças sobre uma possível luta livre
— diz Judith.
— Se eu soubesse que era você, eu nem pediria desculpa — fala
Amandha.
— Amandha, suas desculpas não mudam nada em minha vida. — Dou
uma piscadela para ela.
— Idiota! Agora sai da minha frente! — Ela me empurra para o lado e
tenho que me equilibrar para não cair com as bebidas.
— Esqueci que você precisa de muito espaço.
Ela vira a cabeça igual a menina de O exorcista.
— Você está me chamando de gorda, Theodoro?
— Não me lembro de ter chamado.
Saio de perto da Amandha enquanto ela diz algo que não escuto. Volto
para a aérea VIP e me sento irritado à mesa.
— Que foi? — indaga o Rodrigo abrindo a garrafa de Ice.
— Encontrei com uma pessoa nada agradável.
— Quem?
— Deixa quieto. — Abro minha bebida e dou um gole.
Sinto apertarem meu ombro, e o Rodrigo sorri.
— Theodoro.
Viro-me e encontro uma ruiva muito gostosa.
— Vick. — Espero ter acertado seu nome. Ela sorri e se senta no meu
colo. — É bom te ver. — Sorrio, e ela me dá um beijo na bochecha.
— Fui! — diz o Rodrigo saindo da mesa.
— Tchau, Rô — diz Vick, e ele dá um tchau com a mão. Bebo mais um
gole da minha bebida. — Você sumiu, não me ligou mais.
— Gata, estou sem tempo, mas agora estamos aqui. O que acha de
recuperar o tempo perdido?
Aprendam uma coisa sobre mim: sou direto.
— Adorei a ideia.
Puxo seu rosto e a beijo com voracidade. Ela puxa meu cabelo e começa a
se esfregar de leve no meu colo. Paro o beijo e sorrio.
— Acho melhor irmos com calma, não quero dar um show aqui.
— Eu estava com saudades de você — ela diz com a voz manhosa.
Nunca na vida falem com a voz manhosa para um cara, porque se ele for
homem mesmo, vai querer te dar um pé na bunda na mesma hora, e se o cara
for eu, irei fazer de conta que não notei na primeira vez, mas na segunda não vai
prestar.
— Vamos dançar!
Levantamo-nos.
5 – Amandha
Com a boate abarrotada de gente, eu tinha que esbarrar justo naquele
traste? Que ódio!
E com isso aprendi que não devo ir ao banheiro de local público, porque
traz azar.
— Eu devia ter enfiado aquelas garrafas na goela dele! — digo para a
Judith, que está preparando bebidas.
— Amandha, fala sério, ele não mexe nem um pouquinho com você?
Porque eu molho a calcinha só de ficar perto dele.
— Como pode dizer isso? Você é minha amiga ou inimiga?
— Ele é um gostoso, para de ser fresca, já faz tempo que ele disse aquela
idiotice.
Ela entrega as bebidas às pessoas e joga o seu charme para cima de um
cara que está ao meu lado.
— Vou embora, estou sem ânimo “pra” nada — digo a ela, que me olha
feio.
— Eu sabia! Era muito milagre você ter vindo aqui sem ser forçada por
mim.
— Eu vim porque estava me sentindo sozinha.
— Ai, meu deus, como ela sofre! — Ela faz gracinha. — Me poupe, para
de pensar em trabalho o tempo todo e sai mais comigo.
— Vira dona de editora de livros que vai ver o quanto é difícil ter um
tempo livre.
— Barwoman, faça o favor de me atender! Fica só de conversa ao invés
de trabalhar! — diz uma mulher ruiva.
— Me faz um favor? Se suicida e me deixa seu dinheiro? Ou vou pirar! —
Judith diz, e começo a rir. — Já vai, ruivinha! Segura a franga aí!
A ruiva olha feio para ela.
— Me liga depois, fui! — grito para ela, que está preparando a bebida da
ruiva.
— OK. Lembre-se: viva mais, Amandha!
Saio do bar e começo a caminhar para a saída da boate. Fala sério, essas
mulheres não têm roupas menos coladas? Olhem para isso, acho que nem
respiram.
Estou prestes a sair da boate, mas tropeço em alguém e tenho que me
equilibrar para não cair.
— Descu... Ah, não! Isso já é pessoal, acho que fiz algum mal em outra
vida! Theodoro, você de novo!
Ele sorri.
— Vai ficar me seguindo?
Gargalho.
— Eu seguindo você? Não se iluda, querido!
A mesma ruiva do balcão se aproxima e se pendura no pescoço dele.
Reviro os olhos.
— Ninguém merece!
— Inveja, amor? — ele questiona, e a ruiva me olha de cima a baixo.
— Nem em sonhos! — Afasto-me deles.
***
Chego a casa e vou direto para o quarto tomar um banho. Assim que
termino, vou para a cozinha e pego a caixa de cupcakes que está na geladeira e
vou para a sala.
Todo mundo tem defeito, certo? Então o meu é descontar o cansaço,
raiva, dor, preocupação, sofrimento e ansiedade na comida. Neste momento
estou cansada, e comer sempre alivia.
Ligo o notebook, que está no sofá, e acesso o e-mail da editora, que está
abarrotado de novos e-mails. Abro a primeira mensagem.
Boa noite,
No contrato diz que eu poderia fazer a capa com a editora, ou com uma
pessoa da minha preferência, e que se eu quisesse poderia escolher alguém
(modelo) para usar com exclusividade na capa, e a editora pagaria por isso. Eu
tenho uma amiga modelo, e o namorado dela também é, e eu os convidei para
serem modelos da minha capa, e eles toparam. Só que a imagem deles é de
propriedade de uma agência de modelos muito famosa.
Gostaria de saber como faço para usá-los? Preciso assinar algum
contrato ou falar com alguém especifico?
Boa noite,
Passe os dados da agência em que seus amigos trabalham e os dados
deles.
Isto não dependerá apenas de nós (editora), pois tudo depende da
agência também. Caso ela (agência) não autorize, não poderemos fazer mais
nada.
Tenha em mente que pagaremos tudo, e por conta disto NÃO poderá
mudar a capa depois.
Obs.: A agência de modelos de preferência deve entrar em contato com a
Editora e conversar com algum dos designers de capas, pois são eles quem
tratam disso, e a dona (no caso eu) apenas cuida da parte burocrática, como
assinar contratos e fazer negociações.
Mulheres que estão lendo, sabem aquele sexto sentido que temos
quando alguma coisa vai dar merda? Pois então, o meu sexto sentindo está com
o alarme disparado, e dele ainda sai uma seta indicando vai dar merda.
6 – Theodoro
A Vick se enrosca no meu pescoço que nem um chiclete quando gruda no
sapato. Querem um conselho? Não? Mas vou dar assim mesmo: nunca se
enrosquem no meu pescoço, isso me irrita demais.
— Vamos dançar, gatinho? — ela pergunta com a voz manhosa
novamente!
Acho que alguma mulher deve ter feito algum tipo de magia negra para
mim, pois só estou atraindo mulheres loucas e insuportáveis.
Tiro os braços dela do meu pescoço e dou um sorriso forçado quando ela
me olha feio.
— Vou pegar algo para beber, já volto.
— Qual é, Theodoro? Foi só você ver aquela ridícula e agora está todo
estranho. Pode ficar aqui e dançar comigo! — ela diz num tom de autoridade.
Mundo, pode parar de girar agora! Ela mandou em mim? Foi isso que
essa louca fez? Não pode ser. Só posso estar sonhando.
— Vick, presta atenção no que vou te dizer. Eu fico onde eu quero,
quando eu quero, saio com quem eu quero e danço quando eu bem entender.
Agora vou pegar uma bebida, e não me enche as bolas, porque eu já estou com
elas bem cheias.
Ela fica com cara de bocó.
***
Chego ao bar e não é a Judith que me atende, é um cara, pois ela está
atendendo outros clientes. Peço uma vodca pura e me sento ao balcão. O
barman traz a bebida, que tomo num gole só.
— Vai com calma, garanhão.
Assusto-me com a Judith ao meu lado. De onde essa louca saiu? Ela
estava atrás do balcão.
— Vai com calma no quê? Só tomei uma vodca.
Ela ri e se senta no banco vizinho.
— Eu sei, estou apenas brincando. — Ela bate de leve no meu braço.
A Judith é uma pessoa doida, mas é legal. Divirto-me com o estilo dela.
Cada vez que venho aqui, ela está com uma cor de cabelo diferente – exagerei, é
uma vez por mês que ela muda a cor. Hoje a cor do seu cabelo é rosa. Ela é
jovem e muito bonita. E posso contar uma novidade? Já imaginam o que é, né? É
isso mesmo. Judith é gordinha. Acho que tenho o dom de atrair gordinhas.
Porém, eu não tenho nada contra, acho-as lindas, fofas e algumas até muito sexy.
Minha amiga de quem já falei para vocês, Heloísa, é gordinha e muito sexy,
melhor dizendo, muito gostosa, mas é melhor eu parar de pensar assim nela, ou
do jeito que meu amigo Eduardo, marido dela, é ciumento, o cara é capaz de ler
minha mente e vir do Brasil a Nova York cortar minhas bolas.
— Essa cara de derrotado tem motivo?
Olho-a e lhe mostro o dedo do meio, e ela ri.
— Estou tendo azar. Ando atraindo apenas mulheres loucas e irritantes.
Ela gargalha.
— Então minha praga funcionou! — Olho perplexo para ela. — Calma, é
brincadeira. Mas eu não acredito que um dos maiores conquistadores de Nova
York esteja tendo azar. Isso é completamente impossível de acreditar — ela diz
irônica.
Por que vocês mulheres adoram dizer as coisas com ironia? Caramba,
isso é irritante.
— Por que você não vai trabalhar?
— Daqui a meia... Meu Deus, que gostoso! — ela diz para alguém atrás de
mim. Viro-me para olhar e vejo o Rodrigo.
— Tendo sorte? — pergunto a ele.
— Não, mas pelo visto, você sim — ele responde, e percebo que está
falando da Judith.
Estou começando a achar que meu futuro é ser cupido, porque sempre
dei uma forcinha na relação dos meus amigos Heloisa e Eduardo. Bom, agora
vocês já podem imaginar o que vou fazer.
— Ela é só uma conhecida que trabalha aqui. Rodrigo, essa é a...
— Sou a Judith. Satisfação, porque o prazer só vem algumas horas depois
— ela se apresenta, e fico de boca aberta. Essa é das minhas.
O Rodrigo, informal como a maioria dos brasileiros, cumprimenta-a com
um beijo no rosto, e reviro os olhos para a cara de safada que ela faz.
— Incomoda se eu ficar aqui? — o Rodrigo pergunta.
— Claro que não. Tenho meia hora livre — responde Judith.
— OK. — O Rodrigo me empurra do banco, e por pouco eu não caio. Ele
se senta no banco e se vira para a Judith.
— Aqui tem satisfação, vem prazer depois, mas a educação ficou em falta
— comento.
— Fica com ciúmes não, Theodoro. E acho que já pode começar a
procurar algum homem por aqui — fala o Rodrigo, e a Judith me olha assustada.
— Quê?!
— Porra nenhuma, Judith. Não acredite em tudo que esse imbecil fala.
Tchau “pra” vocês. — Saio daqui.
Quer saber? Vou embora. Prefiro ficar na minha casa com a minha
princesa. Parem de me olhar assustadas, porque eu não estou doente e nem
virei gay, apenas estou irritado e não sei o motivo.
7 – Amandha
Acordo mortinha. Ninguém merece segundas-feiras. Estou com uma
baita dor de cabeça e não estou a fim de ir à editora hoje. Nessas horas sinto
falta da minha antiga carreira, porque eu tinha horário para trabalhar e para
parar de trabalhar. Ainda não contei no que eu trabalhava? Bom, eu sou
formada em psicologia. Trabalhei como psicóloga de casais, mas depois
descobri o que realmente amava e agora tenho uma das maiores editoras de
livros dos Estados Unidos.
Voltando ao assunto da dor de cabeça, eu acho que não vou para a
editora hoje. Vou ficar trabalhando em casa. Tomo um banho e coloco uma
roupa casual. Fico deitada no sofá respondendo aos e-mails da editora pelo
celular. Estou com muita preguiça. A noite de ontem foi um lixo, ainda não
acredito que aonde eu vá, encontre o infeliz do Theodoro.
O mais engraçado é que ele acha que a raiva que sinto dele é ligada
apenas ao que ele disse no programa de TV, mas não é, e nunca vou falar até que
ele descubra sozinho. E nem adianta ficarem curiosas aí, pois cumpro com o que
eu digo.
Bem que a Judith podia vir para cá, pelo menos eu teria alguém para
conversar.
Disco o seu número, mas ela não atende. Vaca!
Levanto-me e vou comer algo, porque saco vazio não para em pé. Se bem
que sou muito cheinha, mas que se dane, vou comer o que eu quiser e quando
eu quiser. Revolta da gordinha.
Preparo um lanche e encho um copo de Coca-Cola. Lancho sentada no
sofá e assistindo à TV.
Depois de lanchar, eu lavo o que sujei e volto a responder aos e-mails.
Termino de respondê-los em torno das 2h da tarde. Ligo para a editora e
verifico se está tudo bem por lá. Tiro o esmalte vermelho das unhas da mão e
passo uma base por cima.
Tento ligar novamente para a Judith. No terceiro toque ela atende.
— Nossa, pensei que tinha morrido! — Brinco.
— Estou bem viva. O que manda?
— Você podia vir “pra” cá hoje.
— Está em casa no tédio, acertei?
Rio.
— Sim, acertou!
— Bem que eu queria, loira, mas o meu chefe está puto da vida porque
ontem fiquei de papo com um gostosão, aí ele me fez vir para a boate cedo
“limpar ela” todinha, e agora estou aqui limpando junto com o pessoal, e não
estamos nem perto de acabar.
— Quem foi o fisgado desta vez?
— Então, amiga, eu tenho que...
— Judith, não me enrola, fala logo!
— Promete não surtar?
— Não prometo nada, fala logo!
— Rodrigo.
— Nem sei quem é, mas tudo bem! — Sorrio.
— Amigo do Theodoro.
Arregalo os olhos.
— Eu não acredito, Judith! Só o que me falta é ver minha amiga “pra”
cima e pra baixo com o Theodoro.
— Eu não vou ficar. Eu bati papo com o Rodrigo e não com o Theodoro.
— Amiga, aprenda uma coisa, dica da Mandy. Quando se tem um
relacionamento com um homem que tem um melhor amigo, você terá
relacionamento com duas pessoas, pois o melhor amigo vem de brinde.
— Mas eu não me importaria de ter caso com esses dois gostosões.
Reviro os olhos.
— Você é impossível!
Ela ri.
— Relaxa. Não vai rolar nada entre eu e o Rodrigo, somos de mundos
completamente diferentes. Ele é um cara legal, mas não é “pra” mim.
— Se você está dizendo. Amiga, só quero sua felicidade, mesmo que eu
tenha que te ver junto com o infeliz do Theodoro.
— Obrigada, Mandy! Vou desligar, pois meu chefe já está me olhando
feio. Beijos, te amo!
— Beijos, te amo também!
Deveria ter ido trabalhar, pelo menos não estaria no tédio em que estou.
8 – Theodoro
Acordo querendo matar meio mundo... Na verdade acordo querendo
matar o filho da mãe que emperrou o dedo na minha campainha. E sabem quem
é este ser endiabrado que está fazendo isso? Isso mesmo, acertaram, é o
Rodrigo!
Abro a porta irritado, e ele passa por mim.
— Cara, você está horrível!
— Rodrigo, não enche minhas bolas, porque elas já estão explodindo de
tanto que você enche.
Ele me mostra o dedo do meio e se senta no sofá. Imediatamente a Janete
vem correndo até ele, que a pega no colo. Tranco a porta.
— Traidora, pode esquecer os biscoitinhos — digo, e ela abaixa a cabeça.
— Sabe, cara, eu achava que você era louco, agora eu tenho certeza
absoluta de que você é!
Deito-me no outro sofá, que está livre, e fecho os olhos.
— Já escolheu o cara com quem vai transar?
— Rodrigo, vai se... — Meu celular toca e me levanto para atender, ou
melhor, seguir o som e tentar encontrá-lo dessa forma.
Encontro-o e o atendo.
— Sr. Lancaster, uma escritora solicitou dois de nossos modelos para
fazer a capa do livro dela, e é preciso que o senhor veja isto, ou o Sr. Medeiro,
mas já entrei em contato com ele, e a esposa dele, a Sra. Medeiro, informou que
ele já foi para Milão e volta em uma semana.
Mas que merda, o Eduardo só me lasca, e a Heloísa, esposa dele e minha
melhor amiga, não ajuda! Sabem que odeio tratar de negócios com escritoras,
essas mulheres são loucas e querem me enlouquecer junto. Nessas horas eu iria
amar cuidar dos negócios apenas da agência de Los Angeles, pois ela nunca me
dá trabalho, porque lá é apenas estúdio fotográfico.
— Em breve chegarei aí, Gabe. Agende um horário com ela na parte da
tarde.
— Sim, senhor. Mais alguma coisa?
— Não, obrigado! — Desligo.
Jogo o celular na cama e volto para a sala. O Rodrigo está brincando com
a Janete.
— Vou tomar um banho e me arrumar, porque alguém tem que
trabalhar!
— Theodoro e suas indiretas, você deveria ter um site ou uma página no
facebook.
Eu ainda vou ser preso por matar esse imbecil.
***
***
***
***
Chego à boate, e ela está realmente muito lotada, até mais que o normal.
Passo com facilidade, sou xingada por passar na frente de todos na fila de
entrada, mas pouco me importo. Caminho por lá... Mentira, estou sendo
arrastada pela manada de gente. Saio tropeçando em tudo.
Dica da Mandy para vocês: não usem saltos em uma boate lotada se não
quiserem cair ou tropeçar.
Vou até o bar à procura da Judith. Encontro-a atendendo um pessoal.
Encosto-me ao bar à espera de ela ficar livre. Seu chefe vem me atender.
— O que queres, Amandha?
— Só pedir uma informação para Judith. — Sorrimos um para o outro.
— Vocês duas são terríveis, acham que me enrolam... Vou avisar para ela
vir falar com você assim que terminar de atender esse pessoal. Estamos com
poucos funcionários hoje.
— Está na hora de contratar mais funcionários.
Ele concorda e sorri.
— Vou chamá-la. — Ele se aproxima dela e cochicha em seu ouvido.
Aponta para onde estou, e ela me olha já sorrindo.
Uns dez minutos depois Judith vem até mim.
— Nossa... Está gata, hein? — ela diz, mas nem dou atenção.
— Onde ele está?
— Área VIP. Quando chegar lá...
— Querida, essa não foi a bebida que pedi! — uma mulher a interrompe.
— Claro que foi! — A Judith pega a bebida dela e dá um gole. — Toma
essa mesmo, está uma delícia! — Ela devolve a bebida à mulher. Olho incrédula
para Judith, e a mulher sai xingando.
— Judith! Sua porca louca!
Ela ri.
— Essa mulher é antiga aqui na casa, sempre me enche o saco. Mas
voltando ao assunto, o Theodoro está na área VIP. Quando chegar lá, diz seu
nome ao segurança que ele vai liberar sua entrada. Ele está na mesa do meio
que dá vista total aqui em baixo.
— Valeu, gata! — Afasto-me.
Subo para a área VIP e mais uma vez sou xingada por passar na frente de
algumas pessoas. Estourei minha cota de ser ofendida hoje. Avisto o Theodoro
sentado de lado olhando para a multidão lá em baixo. Ele é irritante, mas é
bonito demais, puta merda!
Aproximo-me dele, que me olha.
— Nossa, pensei que estava vindo de camelo.
Sento-me ao seu lado sem dar importância ao seu comentário idiota.
— Diz logo o que quer, porque quero ir embora.
— À meia-noite o encanto acaba? — questiona zombeteiro.
— Não, à meia-noite eu mato pessoas que me incomodam.
Ele ri.
— Consegui liberar os dois para Susan, mas o livro dela só poderá ser
lançado ou ter a capa divulgada daqui a 5 meses, quando iniciaremos a
divulgação do projeto da agência.
— Sem problemas. Porém, quero adiantar as fotos, se possível, mesmo
que demore para a capa ser publicada. Darei uma capa provisória a ela. Mas eu
não acredito que você fez eu vir até aqui para me dizer isto!
— Será possível, sim, contanto que realmente não revele antes do tempo.
Bem, eu estava aqui e com preguiça de pegar o celular no meu bolso.
— Me dá o dinheiro.
— Dinheiro de quê? — Ele olha sem entender.
Um garçom se aproxima e deixa duas bebidas na mesa.
— Do táxi. Fez-me vir até aqui para dizer isto, que poderia dizer pelo
telefone. Não vim de carro porque não iria ter onde estacionar. Anda, pode dar o
dinheiro do táxi.
Ele me oferece a outra bebida e toma um gole da dele.
— Qual o seu problema comigo? Eu tenho a leve impressão de que não é
apenas por eu ter falado mal de donas de editora ao vivo. — Sorrio e dou um
gole na bebida.
— Quando vai fazer as fotos?
— Vai mudar de assunto? Que clichê, Amandha!
— Se não quer algo clichê, é só dar o dinheiro do táxi, não estou
brincando, você vai pagar.
Ele tira a chave do carro do bolso e a coloca em cima da mesa junto com
a carteira.
— Vamos logo, eu te levo! — Olho para ele e começo a rir. — Você é
louca ou quer dez dólares?
— Você me levar? — pergunto rindo.
— “Pra” você ver, estou arriscando minha vida. Vamos logo!
— Você bebeu, não vou andar com você!
— Amandha, eu tomei um gole da bebida, essa porra fez nem cócegas,
vamos logo!
— E quem me garante que não estava bebendo antes de eu chegar?
Ele dá um sorriso sacana.
— Seu cabelo está lindo.
— Jura mesmo que vai mudar de assunto? E depois eu sou a clichê.
Vamos, mas se eu morrer, eu juro que irei te atormentar até no outro plano!
— Melhor ir de táxi — ele diz rindo e se levanta.
— Não vai pagar a bebida, caloteiro?
— Já está paga, idiota!
— Você me chamou de quê? — Ele se afasta. — Volta aqui! — grito indo
atrás dele.
12 – Theodoro
Estamos indo ao estacionamento da boate. A Amandha se mantém
calada, e eu me mantenho afastado, não sei do que esta louca é capaz. Chegamos
ao estacionamento, que está lotado. Quero ver tirar meu carro daqui. Agora que
estamos próximo a ele, não tem como não andar quase colado à louca, só que
ela está andando à minha frente; eu não seria louco de andar à frente dela.
Olho para o lado e avisto duas garotas com que já dormi. Porra! As duas
juntas ainda por cima, se me virem, vai dar merda, prometi ligar e não liguei...
Droga! Pensa, Theodoro, pensa logo antes que te vejam e você seja um cara
morto. Chego ao meu carro, e a Amandha continua andando. Tenho vontade de
rir, mas me controlo. Puxo-a para que as duas garotas não escutem minha voz.
— O que é isso, Theodo...
Encosto-a ao meu carro a prensando com meu corpo e faço sinal para ela
ficar muda.
— Não fala meu nome.
— O que foi, seu louco?
Olho de rabo de olho para as duas garotas, que agora começam a
caminhar em nossa direção.
— Já sei, dormiu com as duas e falou que ia ligar, mas não ligou e agora,
se as duas te virem, vai dar...
— Conhece beijo técnico? — interrompo-a
— Hã? Conheço, mas duvido que seja técnico. Não tem como ter beijo
técnico, a língua vai ter que escapar, tenho certeza.
— Vamos descobrir agora se tem como!
As meninas se aproximam, e eu beijo a Amandha. Ela me bate, tentando
afastar-me, mas logo desiste.
Beijo técnico? Porra nenhuma! Isso definitivamente não existe, pelo
menos não no meu beijo com a Amandha. Coloco minhas mãos em sua cintura.
Com uma das mãos, ela puxa meu cabelo, e com a outra aperta meu braço. Fico
completamente excitado. Ela beija muito bem, merda!
Ela se afasta me empurrando. Sua boca está borrada pelo batom. Seu
olhar não é nada bom. Estou morto, pelo que vejo em seus olhos.
— Você é louco? Por que fez isso? Era só ter fingindo estar me beijando,
eu até seria compreensiva, agora me beijar de verdade? Você é um idiota! — Ela
está muito irritada.
— Amandha...
— Cala a boca! — Ela se desencosta do carro, e dou um passo para trás.
Sou cagão mesmo, vai que ela enfia as unhas na minha linda pele. Ela se vira e
começa a andar.
— Volta aqui, qual é?! Desculpa, vai, te dou uma carona. Você vai mofar à
espera de um táxi agora.
Ela não me dá ouvidos. Mulheres, qual o problema de vocês? Cedem ao
beijo e depois ficam irritadinhas. Vão se tratar, são loucas!
Entro no carro irritado. Olho no retrovisor e vejo que estou com a boca
toda suja de batom. Limpo-a e ligo o carro. Após muito custo, consigo sair. Sorte
que os donos dos carros que impediam minha saída estavam no
estacionamento. Odeio o estacionamento desta boate, você é obrigado a ver o
que não quer enquanto sai com o carro ou chega com ele, como cenas de sexo ao
vivo e em cores.
Dirijo devagar para ver se vejo a louca em algum lugar. Viro a segunda
esquina da boate e a encontro parada... Espera, ela parece estar chorando!
13 – Amandha
Ele não devia ter feito isso, que raiva! Só de lembrar o que ele disse uma
vez e seu beijo de agora me dá uma raiva tremenda. Como esse idiota pode não
se lembrar da merda que ele me fez, ou esse imbecil acha mesmo que minha
maior raiva é por ele ter falado mal das donas de editoras de livros? É um
paspalho mesmo!
Ando até a segunda esquina depois da boate para tentar pegar um táxi,
porque em dia que lota a casa, os táxis não passam perto dela. Só não sei o
porquê e esqueci meu celular para ligar e pedir um. Agora eu tenho que esperar
passar um bendito amarelinho.
Encosto-me ao poste e fico ali mongando e chorando de raiva. Eu não
devia ter cedido ao beijo, que merda!
Um carro para e o Theodoro sai dele. Merda, fiz a macarena nua em
1830. Enxugo rapidamente as lágrimas. Ele para na minha frente.
— Carona? De graça, só hoje, hein? — ele brinca. Não vou ser orgulhosa,
vou aceitar.
Aproximo-me do carro e abro a porta. Sento-me, coloco o cinto de
segurança e fecho a porta. Logo em seguida ele entra no carro, coloca o cinto e
em seguida dá partida.
— Desculpa, loira. Só estava tentando me salvar.
Não respondo. Olho no espelho retrovisor e começo a limpar meu batom
com a mão mesmo.
— Só vou desculpar porque não guardo mágoas... Ops, eu guardo, sim,
não vou desculpar!
Passo meu endereço a ele. Vamos o caminho todo em silêncio. Estou
morta de raiva dele. O pior de tudo é que o energúmeno tem uma pegada
terrivelmente gostosa. Deveriam sentir o quão deliciosa é.
Ele para o carro em frente a onde moro.
— Obrigada! — Tiro o cinto.
— Espera. Vai me dizer por que realmente tem raiva de mim e por que
estava chorando quando te encontrei?
— Tchau, Theodoro.
Ele segura minha mão e sinto um choque. Afasto-a rapidamente.
— Isso já está ficando ridículo, fala logo por que tem tanta raiva de mim.
— Tenta forçar um pouco a mente. Assim que descobrir, pode me
procurar, que prometo te dizer o que senti naquele dia. — Saio do carro.
***
***
***
OK, me manda o endereço e a hora. E saiba que assisto CSI, sei fazer um
crime parecer suicídio!
***
O dia passa que nem tartaruga, só que tartaruga aleijada. Odeio quando o
dia passa devagar, parece que perco 100 anos da minha vida só nele.
Saio da empresa que nem um louco, nem espero pelo Rodrigo. Chego a
casa e tomo um banho rápido. Alimento minha esposa Janete. Olho para o
relógio, e já é quase a hora à qual pedi para a Amandha chegar. Se ela não vier,
eu vou atrás dela até o fim do mundo para pedir desculpas. Não vou aguentar
ficar nessa agonia em que estou! Ligo para a portaria e deixo avisado que pode
mandá-la subir direto.
Meu celular toca, e é uma mensagem do meu grude, o Rodrigo:
***
Sinto-me muito melhor agora que pedi desculpas para ela. Posso ser um
cara gostoso, lindo para caramba, mas odeio quando o erro é meu e não me
desculpo.
Acesso meu e-mail e tem um convite para um evento.
De: Gormet
Para: Theodoro Lancaster Junior
Assunto: Festa de inauguração
***
De: Gormet
Para: Amandha Acker
Assunto: Festa de inauguração
***
O dia na editora foi corrido mais que o normal por causa da confusão
com a tradução da série da autora Dulce. Meu almoço foi apressado, minha vida
hoje está acelerada. A Judith já está em casa, ela tem a chave reserva. Imagino a
zona que ela já fez.
***
***
***
Entramos em seu apartamento, e ele acende a luz. Tira o paletó e o
coloca no sofá. Fico olhando para os músculos marcados pela camisa.
— Você está com uma babinha... — Dou um tapa no braço dele. —
Agressiva!
— Cadê a Janete? — Sorrio.
— Vou fingir que não percebi a ironia. Ela está na pet shop.
— E não vai buscá-la? — pergunto incrédula.
— Não, só amanhã. Lá tem um SPA “pra” cachorros. — Reviro os olhos.
— Eu cuido bem da minha esposa. — Começo a rir.
— Esposa? — Ele concorda. — Agora sei por que não namora.
— Ah, é? E por quê?
— Porque ninguém iria querer namorar um cara que tem a cachorra
como amante.
Ele ri.
— Faz sentindo.
Por que ele tinha que ser tão perfeito?
***
Respondo:
***
A resposta é imediata.
Guardo o celular rindo. O que esse louco aprontou? Eu juro que, se for a
ideia de sair pelado nas ruas de Nova York, eu vou interná-lo. Ele cismou com
essa bendita ideia, parece criança.
Vou até o estoque ver como está a loucura de entrega de livros. A gráfica
da própria editora não estava dando conta sozinha, então tive que contratar
uma de fora. A entrega de mais de 1000 livros ficou toda para hoje. Eu
realmente vou enlouquecer meus funcionários e a mim.
***
Às 19h saio da editora. Eu e meu pessoal ficamos uma hora a mais para
organizar tudo, e amanhã vamos cuidar de outras coisas. Estou a caminho da
casa da Judith.
Estaciono o carro em frente à casa dela. A luz está acesa. Pego minha
bolsa e saio do carro. Um homem estranho que passa por ali me olha de cima a
baixo. Empurro o pequeno portão e passo pelo curto caminho até a porta.
Aperto a campainha e aguardo um sinal de vida da minha amiga. Vejo-a mexer
na cortina disfarçadamente para ver quem é.
Ela abre a porta e me olha com pouco caso. Olho para ela e vejo que não
está bem. Está basicamente um lixo.
Entro na casa sem esperar por um convite. Sua sala esta abarrotada de
comida espalhada por todos os cantos. A TV está ligada no canal H&H, onde
passa um programa sobre peso. Droga, ela está mesmo mal.
Viro-me para ela, que fecha a porta. Ela me olha e suspira.
— O que faz aqui, Mandy?
— Vim ver você, não é óbvio? Judi, o que houve? — Deixo minha bolsa
em um canto vazio do sofá.
— Não me pergunta o que houve, por favor. Não banca a psicóloga
também.
— Não vou bancar a psicóloga, mas eu quero saber o que houve. Você é
minha amiga. É mais que uma amiga, é uma irmã! Eu tenho direito de saber o
que está havendo com você.
— Estou bem... Vou ficar bem — ela se contradiz.
— Judith, faz tempo que não vejo você assim...
— Derrotada — interrompe-me.
— Não! Faz tempo que não te vejo assim, abalada, se destruindo. Pelo
amor de Deus, o que houve com você?
— O problema é o que não houve. Eu fui idiota, esse é o problema. Droga,
Amandha, eu sempre sou tão imbecil! — Ela começa a chorar e me abraça.
— Judi, se abre comigo. Eu não posso te ajudar sem saber o que houve.
Ela se afasta e se senta no chão, encostando-se à parede.
— Como pude pensar que ele iria querer algo comigo quando pode ter
mulheres lindas, magras, modelos, ricas aos pés dele? Eu nunca me abri para o
amor, você sabe disso! Eu sempre detestei relacionamentos, sempre foi
curtição. Então eu, muito burra, resolvi dar uma chance para os sentimentos e o
tal do amor, e veja só. — Ela ri com ironia e abre os braços. — Me ferrei. Como
fui imbecil!
Não precisa ser uma especialista como eu para saber que ela está assim
por causa do Rodrigo.
— O que o Rodrigo fez? — pergunto com raiva.
— Aquele imbecil me deu um bolo. Eu fiquei que nem uma idiota
“esperando ele” no restaurante em que combinamos nos encontrar. Todos
ficaram me olhando, algumas mulheres até riam de mim ali, sozinha, olhando
para todos os lados à procura dele. E duas horas depois ele me envia uma
mensagem dizendo que teve que ir a um evento de última hora. Ele não podia
ter avisado duas horas antes de eu ficar passando vergonha? — Suas lágrimas
escorrem, e ela as limpa com o dorso da mão.
— E você vai ficar aqui trancada, sem dar sinal de vida, faltando ao
emprego tudo por causa de uma idiotice? Cadê aquela garota brincalhona, forte,
que passa por cima das barreiras sem se abalar?
— Até mesmo as pessoas mais fortes uma hora tendem a desmoronar.
— Minha linda, não fica assim, por favor. Isso me destrói. — Sento-me ao
seu lado e passo o braço ao seu redor.
— Nunca tomei um bolo em toda minha vida. Essa primeira vez acabou
comigo.
— O que nos destrói por dentro e por fora nos torna mais forte. Não se
abale por isso.
— Só não aguento o fato de ser dispensada de uma maneira tão idiota,
poxa! — Ela funga e soluça.
Olhar para minha amiga tão frágil assim me faz lembrar de uma
criancinha que se perde dos pais em um shopping ou supermercado. Ela está
assustada, apavorada. Sua autoestima baixa não ajuda. Eu já passei por isso e sei
o quanto dói.
***
***
Como pude ser tão tola desde o início? Eu devia ter notado que o evento
foi há três dias, o mesmo tempo em que a Judith sumiu. Ela está com raiva do
Rodrigo, mas eu tive culpa também. Vou ver o Theodoro e depois irei falar com
ela novamente. Preciso consertar essa situação.
A agência tem apenas os seguranças, e como me conhecem, não me
impedem de entrar. Subo até o andar do Theodoro e vou direto para sua sala, na
qual entro sem bater. Ele se assusta, mas logo sorri e vem ao meu encontro,
abraçando-me e me beijando.
— Demorou. Quase envelheci trezentos anos.
Sorrio.
— Tive que resolver uns problemas com a Judith, aí acabei tendo que ir
até o Rodrigo.
— Aconteceu alguma coisa grave? — pergunta preocupado.
— Depois te conto tudo.
Ele concorda e sorri.
— Vem, vou te mostrar a surpresa.
Saímos da sala dele e entramos na sala do Rodrigo, onde sou
surpreendida por uma cachorrinha com lacinhos rosa nas orelhinhas, correndo
de um lado para o outro, mas logo em seguida vindo pular em nós.
— Que linda! — Abaixo-me e a pego no colo. Entrego minha bolsa para o
Theodoro. — Como você é linda! Parece um ursinho.
Ela me lambe.
— Gostou?
— Adorei! — digo animada.
— Que bom, porque é sua.
Viro-me para ele, sorridente.
— Sério? — pergunto animada, e ele concorda. — Obrigada, Theo!
Ele sorri e me dá um selinho.
— A comprei quando fui comprar as coisas da Janete. É uma Spitz Alemã,
não cresce, vai ficar desse tamanho. Não tem nome ainda, mas se quiser, ajudo e
assim já registramos.
— NÃO! Quero dizer, não precisa ajudar com o nome. — Sorrio
apavorada enquanto a cadelinha brinca com meu cabelo.
— Seu medo de eu escolher o nome deveria ser menos aparente. — Ele
ri.
— É que você tem problemas em escolher nomes de cachorro.
— JANETE AMA O NOME DELA!
— Isso porque ela não fala — digo baixinho, torcendo para ele não ter
escutado.
— Eu escutei. Você e o Rodrigo fazem bullying com o nome da coitada.
Rio.
— Bullying vai ser o que o Rodrigo vai fazer com sua cara quando ele ver
a zona que ela fez aqui.
Ele ri.
— Rodrigo é um cara compreensivo... ou não.
— Falando no Rodrigo, encontrei Eduardo, Heloísa, Ana Clara e Lucas na
casa dele.
Ele arregala os olhos e sorri.
— Eles estão aqui! Não me avisaram que viriam. E que diabos você
estava fazendo na casa dele?
— Parece que a Ana insistiu em ver você e o Rodrigo. E respondendo a
sai pergunta, tive que resolver alguma coisa.
— Entendi. Estou morrendo de saudade da Ana Clara.
Sorrio. O amor em sua voz ao mencioná-la é lindo.
— Ela disse que eu te pedi em namoro, mas o engraçado é que não me
lembro disso.
Ele começa a tossir.
— Você bebeu muito no dia, não vai se lembrar.
Reviro os olhos.
— Como você é cara de pau, Theodoro. Vamos, lindinha, antes que você
se contagie com a doença cara de pau desse aí.
Ele ri enquanto saímos da sala do Rodrigo.
26 – Theodoro
Vamos para meu apartamento. Amandha tem coisas dela nele, então
dormirá comigo. Não vou insistir em saber o que aconteceu, quando ela quiser
me contar, estarei disposto a ouvir, mas está me preocupando ficar sem saber o
que houve.
Por sorte Janete se deu bem com a cadelinha que dei para a Amandha,
que por sinal ainda não tem nome, mas estou pensando em alguns. Eu poderia
ligar para a Heloísa ou para o Eduardo e saber se estão com o Rodrigo, mas
seria idiotice, porque com toda certeza se hospedaram em algum hotel para não
incomodar ninguém. Talvez apenas a Ana tenha ficado com o Rodrigo. Quero
curtir a noite com minha princesa, e não é a Janete, pois como sabe, ela é minha
esposa, e minha princesa é a Amandha.
Peço comida italiana enquanto a Amandha toma banho. Fico brincando
com as duas bagunceirinhas que correm pelo apartamento quando eu jogo as
bolinhas. A comida chega rápido, então coloco dentro do micro-ondas para não
esfriar. Assim que a Amandha sai do banheiro, separo minhas coisas e vou
tomar meu banho. Tomo um banho rápido, coloco minha cueca e uma calça de
moletom preta que fica caída sobre meus quadris.
Vou para a sala, onde encontro a Amandha brincando com a Janete e com
a... Sem Nominho.
— Vamos comer?
Ela concorda. Vamos para a cozinha colocar comida nos pratos. A Mandy
está calada. Sorri das minhas idiotices, mas seu sorriso não alcança os olhos.
Termino de me servir e fico observando ela se servir delicadamente. Caminho
até ela e a abraço por trás. Puxo seus cabelos para o lado e beijo seu pescoço.
— Minha linda, está me agoniando ver você assim. O que aconteceu?
— O Rodrigo e a Judith brigaram, quero dizer, nem chegaram a brigar,
porque não deu tempo. Eu não deixei dar tempo.
— Ei, o que você tem a ver com eles? — pergunto pacientemente.
— Tudo, Theo. — Ela se vira, ficando de frente para mim. — O Rodrigo
teve que dar um bolo na Judith por minha causa. Eu fiz você ir ao evento comigo,
e com isso ele teve que ir a outro evento no seu lugar, e deu tudo errado. Por
minha causa ele deixou a Judith plantada em um restaurante, e agora ela está
sofrendo, e a culpa é minha. Fui até brigar com o Rodrigo, mas não pude, porque
notei que a culpa foi minha. Você tem que ver como ela está. Coitadinha... Está
tão frágil, se odiando... Droga! — Seus olhos estão marejados.
— Meu amor, não pense assim. Não se culpe. O Rodrigo poderia tê-la
levado junto, ou explicado a ela o que houve. Você não sabia. Não tem culpa de
nada.
— Tenho culpa, claro que tenho. Eu tenho que falar com ela e fazer com
que ela perdoe o Rodrigo.
Abraço-a apertado e beijo o topo da sua cabeça.
— Amanhã com mais calma você resolve isso. Só pare de se culpar, por
favor.
— Está bem. Vamos comer.
Beijo-a com carinho. Comemos, e consigo distraí-la. Ficamos assistindo a
um filme enquanto as bagunceiras dormem praticamente uma em cima da outra
na caminha da Janete.
Vamos para o quarto quando o filme acaba. Apago as luzes, deixando
apenas as dos abajures acesas.
— Ainda está preocupada, não é?
Ela dá um sorriso fraco.
— Não tem como não ficar.
— Sim, não tem como, mas eu posso fazer você relaxar muito. — Inclino-
me sobre ela e a beijo levemente nos lábios.
— Gostaria de tentar? — Ela sorri maliciosamente.
— Adoraria, mas não me culpe se amanhã passar o dia inteiro com sono
por não dormir direito.
— Não vou, mas vou te cobrar pelo envelope que usou na minha editora,
e com juros.
Rio.
— Vou amar pagar com juros. — Beijo-a com intensidade, e ela
corresponde da mesma maneira.
As mulheres pensam que nós homens pensamos apenas em nós mesmos,
mas estão erradas, pelo menos a respeito de alguns homens, como eu no caso.
Quando amo alguém, eu faço de tudo para proteger e fazer com que as
preocupações, medos e tristezas não permaneçam na vida dessa pessoa. Eu amo
a Amandha, penso nela a cada segundo e não suporto a ideia de vê-la sofrendo.
Posso ser um retardado às vezes, mas quando se trata das pessoas que amo, eu
me torno um protetor voraz, e com minha menina não seria diferente.
27 – Amandha
Estamos indo até o restaurante para jantar com o pessoal. A Heloísa
ligou para o Theodoro e disse para irmos. Eu confesso que não estou muito
animada, porque não sei se o Rodrigo chamou a Judith como forma de se
desculpar e também porque – pode ser idiota – sinto ciúmes da Heloísa com o
Theodoro. Isso me dá um pouco de insegurança, afinal ele conviveu mais com
ela e tem um carinho enorme por ela.
Duvido que vocês nunca tenham ficado com ciúmes de alguma amiga dos
seus namorados!
O caminho todo é feito em silêncio, porque eu fico pensando em como
contar a Judith que eu sou a culpada pela sua briga com o Rodrigo.
Sequer percebo quando chegamos. Só noto porque o Theodoro sai do
carro e vem abrir a minha porta. O manobrista pega a chaves do carro e entrega
o ticket ao Theodoro, que o pega e guarda na carteira.
— Princesa, coloca um pouco de sorriso nesse rosto, por favor. — Ele
coloca a mão no meu rosto.
— Só estou preocupada...
— Ei... tenho uma coisa “pra” você quando formos embora, mas só irei te
dar se você prometer esquecer os problemas, pelo menos por hora. — Sorrio. —
Melhorou. — Beija-me rapidamente e pega minha mão.
Entramos no restaurante, e uma moça pede nossos nomes. Quando
dissemos, somos encaminhados para a mesa em que todos nos aguardam.
Assim que chegamos, meu olhar vai direto para a Judith, que está
sorrindo ao lado do Rodrigo. Sorrio e olho para o Theodoro, que faz o mesmo
enquanto olha para os dois.
A Ana nota nossa presença e sai correndo da cadeira para vir de
encontro ao Theodoro, e assim todos se levantam sorrindo.
— Tio Theo! — ela grita, fazendo algumas pessoas olharem. Ele a pega
no colo, e ela se segura no seu pescoço. Theo a enche de beijos, e ela ri.
— Que saudades, minha linda!
— Eu também estava, tio!
— Boa noite, gente! — digo a todos, que me respondem. O Rodrigo puxa
uma cadeira para mim, e me sento sorrindo para a Judith.
Todos voltam a se sentar.
— Estávamos ansiosos pela chegada de vocês — diz Judith.
O Theodoro coloca a Ana na cadeira e fica parado atrás do Eduardo, que
o olha bem sério.
— Cadê meu abraço, Edu?
Começamos a rir.
— Você ama abraços, credo! — O Eduardo se levanta e o abraça.
— Gordelícia!!! — A Heloísa se levanta, e o Theodoro a abraça e beija seu
rosto. — Deixa eu ver esse afilhado lindão igual a mim que está no carrinho.
Rimos. Ele brinca com o Lucas, mas o Eduardo briga com ele, porque o
neném está dormindo.
Olho para a Judith. Ela sabe que estou chateada com algo, pois franze o
cenho, mas mal sabe ela que estou chateada por ter sido a culpada da sua dor.
Preciso contar a verdade.
O Theodoro se senta ao meu lado e me olha. Dou um sorriso fraco para
ele, que me retribui com um igual.
Um garçom vem, e fazemos nossos pedidos. Enquanto esperamos,
engatamos em uma conversa.
— Então você é dona de uma editora de livros, Amandha? — Eduardo
pergunta.
— Sou, sim.
— Que bacana. Deve ter lido de tudo já — diz Heloísa.
— Não fazem ideia! — Judith fala, e rio.
— Até livro infantil — afirmo, e a Heloísa sorri.
— Como anda a carreira, Helô? — Theodoro pergunta.
— Afastei-me das passarelas, porque o Lucas ainda é muito pequeno.
Mas estou fazendo fotos para revistas e tenho dois comerciais agendados.
— Meus parabéns. Fico muito feliz por isso. O Eduardo não deixa a mim
e o Rodrigo sabermos de nada relacionado à sua carreira, tem medo de você
largá-lo, sabe... — Ele dá uma piscadela para ela. Todos riem, exceto eu.
Ela é apenas uma amiga, Amandha, deixa disso!
— Eduardo é paranoico! — Heloísa fala.
— Não sou paranoico, só cuido do que é meu e te afasto desses loucos,
principalmente do agarradinho.
— Cara, eu amo abraçar, e daí?! — diz o Theodoro rindo, e o Eduardo ri
também.
— Tia Amandha. — Viro-me para a Ana e sorrio.
— Eu!
Ela ri.
— Você faz livros? Papai falou de livros.
— Sim, linda. Bom... eu apenas... Como posso explicar de uma forma que
entenda...? — Penso um pouco e respondo: — Eu arrumo os livros de quem
escreve para poder vender.
— E você arruma livros de princesas?
Todos sorriem.
— Claro.
— Me dá de presente livros de princesa?
— Filha, não faça isso, é feio. O papai compra para você.
Heloísa concorda.
— Mas ela arruma livros para vender, papai, pode me dar de presente!
Todos riem.
— Essa é das minhas! — Rodrigo fala.
— Depois te dou um monte, “tá” bom?
Ela concorda. Ana é um amor. Mesmo eu tendo que falar em português
com ela, não perco o ânimo de conversar.
— Ela é linda, pena que não entendo nada do que ela fala — diz Judith,
fazendo-nos rir.
— Ela pediu livros para a Amandha, e o pai dela brigou com ela, mas a
Amandha disse que vai dar — o Rodrigo fala e sorri para Judith.
— Viu só? As aulas de português não foram tolas, como você disse —
digo a ela.
— Eu te mostraria o dedo do meio, mas tem criança e estamos em um
local público e temos outras pessoas ao redor da mesa.
— Eita, troca de amor — Rodrigo fala rindo.
O jantar chega. Comemos e conversamos ao mesmo tempo. A noite está
sendo agradável, mesmo com o ciúme me dominando ao ver o Theodoro com
tantas trocas de carinho com a Heloísa. Ele sequer fala comigo. Eu converso com
todos, mas também não fico sendo faladeira, como também a Judith. Converso
mais com a Ana Clara, que é um amor de menina.
— Amandha, o Theodoro falou que conseguiu fazer as fotos para a capa
do livro da Susan. Ficaram boas? — Rodrigo pergunta.
— Ficaram, sim. Ela amou, e tinha que amar, porque foi complicado
conseguir essas fotos. — Sorrio.
— Que bom. Depois quero vê-las.
Concordo.
— Amor, é melhor irmos, o Lucas acordou e está esfriando muito — diz o
Eduardo.
— Sim. Vou apenas trocar a fralda dele. Pega a fralda no carro, que eu
esqueci, por favor?
— Eu pego. Me dá a chave, Edu. — O Theodoro pega a chave e sai.
— Vou até o fraldário. Quando o Theodoro vier, pede para ele levar a
fralda? — pede Heloísa ao Eduardo, que concorda.
O Theodoro retorna e vai até o fraldário. Ficamos conversando até que
ele retorna rindo ao lado da Heloísa e com o Lucas no colo. Finjo não ficar
enciumada e sorrio fracamente.
— Vamos, Edu.
— Vou pedir a conta.
— Gente, para, né! Vocês vieram nos ver. O Rodrigo paga a conta — diz o
Theodoro, e o Rodrigo ergue sobrancelha. Rimos. — Brincadeira. Eu vou pagar.
Vão tranquilos.
Eles se despedem da gente. A Heloísa fica em um abraço apertado e
demorado com o Theodoro, e sinto a pior raiva que já senti dele.
— Dá um jeito nele, e espero que goste de abraços, porque ele ama
abraçar — Eduardo fala rindo.
— Pode deixar.
— Tia Amandha, não esquece meus livros!
Rio.
— Pode deixar!
Os meninos saem para acompanhá-los até a saída.
— Judi, eu preciso falar com você.
— Mandy, o Rodrigo já explicou tudo, foi apenas um mal-entendido, e ele
disse que você iria se culpar, mas que não teve culpa. — Sinto meus olhos
ficarem marejados. — Não chora, Mandy, você não fez de propósito.
— Me perdoa, Judi.
Ela sorri.
— Não tem o que perdoar. Eu e ele agora estamos bem, não precisa ficar
assim. E sei que não está assim apenas por mim. Você ficou enciumada com o
Theodoro e a Heloísa.
— Claro que não. Eles são amigos apenas.
— Você sabe que eles são amigos, mas isso não a impede de ficar
enciumada. A gente sabe que você é...
Assustamo-nos quando os meninos voltam. Eu sei o que ela iria dizer e
dou graças a Deus por ela não ter dito, evitando assim que eles escutassem,
principalmente o Theodoro, porque ele não precisa saber disso, ninguém
precisa.
— Tudo bem, princesa? — ele me pergunta.
— Agora eu existo — digo baixo.
— O que disse?
— Nada. Estou bem, sim. Vamos? Assim podemos deixar eles
aproveitarem o que estraguei há três dias.
A Judith revira os olhos, e o Rodrigo me olha feio.
— Vou pedir a conta — anuncia o Theodoro.
Ele paga a conta, e nos despedimos dos dois, que ficam porque a Judith
quer um negócio que viu no cardápio e que sempre quis comer.
***
***
Estou de bom humor como nunca estive. Está tranquilo o dia na agência
hoje. O Rodrigo ainda não chegou, deve ter tido uma boa noite com a Judith. Rio
do meu próprio pensamento.
— Senhor, tem uma reunião hoje em meia hora com o pessoal da agência
de fotografia em Los Angeles — diz Gabe.
— Claro. Lindo dia hoje, não é, Gabe?
Ela ri.
— Claro, senhor. — Sorri timidamente e se retira da sala.
Amo atormentá-la, na verdade amo atormentar o mundo.
A Gabe entra na minha sala novamente.
— Senhor, a Livy falou que o Sr. Medeiro quer falar com o senhor
imediatamente.
— Está bem.
Livy é a secretária do Rodrigo, e para ele mandá-la dar recado para
minha secretária é porque vem bomba, e acho que já sei o motivo. Vou até a sala
dele, mas antes dou um olhar de estou morto? a Livy, que concorda rindo.
Entro na sala, e ele se vira para mim. Está irritado, eu sei pela sua
expressão.
— Eu vou te matar, Theodoro! Você deixou aquela cachorra na minha
sala quando fui embora. Olha a zona! Ela fez xixi, virou o lixo, comeu o pé da
minha cadeira e espalhou papel para todo o lado. Cara, eu vou te matar! — ele
grita, e me controlo para não rir.
— É só chamar a faxineira. Para que esse estresse?
— Não venha com ironia. Você é uma criança crescida! Seu filho da mãe!
Que ódio!
Não me aguento mais e rio.
— Qual é, Rodrigo?! A noite não foi boa e vem descontar em mim?
— Olha aqui, seu imbecil, a noite foi maravilhosa, mas suas traquinagens
acabaram de estragar meu humor, e sou um cara de muito humor! E não ria,
Theodoro, porque quem ri por último ri melhor. Aquela aposta ainda “tá”
valendo, você vai transar com um cara e vai gravar um vídeo!
— Senta na sua cadeira toda comida e espera, porque isso nunca vai
acontecer. E chama a faxineira logo, porque essa sala “tá” fedendo.
Ele me lança um olhar de vou te matar, e eu saio rindo da sala dele. Fala
sério? Segunda-feira já é chata, por que deixá-la mais chata ainda? Que homem
mais sem humor. Rio enquanto entro na minha sala.
29 – Amandha
Semanas depois
***
***
Estamos almoçando, e sim, eu que fiz. Qual é, pensaram que eu não sabia
cozinhar? Pois pensaram igual a mim, mas o que uma receitinha com passo a
passo bem detalhado na internet não faz? A internet é milagrosa.
— Theo, posso fazer uma pergunta?
— 100 dólares por minha resposta.
— É sério.
Ele coloca o garfo no prato e toma o suco.
— Pergunte.
— Por que você nunca fala da sua família, bom, sua história?
— Porque não há muito que falar.
— Mas nunca disse o nome da sua mãe, onde morava... Nunca me contou
nada.
— Morei na Carolina do Norte até a morte da minha mãe. Depois vim
para Nova York, e é isso aí.
— Não evita falar, Theo. Eu quero conhecer mais sobre você!
— OK. Minha mãe se chamava Anita Salazar, ela era espanhola. — Sorri.
— Veio para os Estados Unidos quando conheceu meu pai, que tirava férias na
Espanha, se apaixonaram, e ela o seguiu até aqui. Nós morávamos em uma casa
enorme na Carolina do Norte, e foi lá que fiz minha faculdade de administração.
Iniciei aos 18, mas no último ano de faculdade, minha mãe morreu, e eu a
tranquei e vim para Nova York. Vendi a casa e vim tentar recomeçar tudo aqui, e
de primeira dei sorte, conheci o Eduardo e comecei a trabalhar para ele. O
negócio foi ficando cada vez melhor, e ele me fez a proposta para ser seu sócio, e
essa é minha história.
— Eu sinto muito por sua mãe. Mas e seu pai?
— É complicado. Meu pai era um homem muito rico, eu imaginava que
ele era o meu herói. — Ele ri com ironia. — Fiz faculdade de administração por
causa dele. Eu queria ser igual ele. Mas quando fiz 18 anos e entrei para a
faculdade, eu vi quem era ele de verdade. Ele traía minha mãe havia anos com
uma estilista. Peguei os dois na empresa dele. Depois descobri que ela tinha um
filho dele, mas eu não quis saber da história, porque o ódio a meu pai foi grande.
Ele sempre dizia que o tempo era curto demais, que a idade uma hora batia na
porta e, quando víamos, éramos escravos dela, então tínhamos que curtir muito
a vida. Cresci ouvindo isso e acreditando que eu tinha que fazer tudo muito
rápido, curtir rápido a vida, tinha que ser o grande homem como ele era. Mas a
vida mostrou quem era ele de verdade. Não me orgulho até hoje de ter o mesmo
nome que aquele homem. Ele tinha problemas no coração e morreu dois anos
antes da minha mãe, que se entregou à morte de tanta depressão que tinha por
causa da morte dele. Eu nunca iria contar a ela quem era o amor da sua vida, e
ela morreu sem saber.
Levanto-me do meu lugar e vou até ele. Sento-me em seu colo.
— Theo, nossa, eu nunca imaginava isso. Agora entendo por que nunca
falou dele e o porquê do seu problema com envelhecimento. Ele te traumatizou.
Eu sinto muito mesmo por ter feito você ter que falar.
— Tudo bem. — Ele sorri.
— Você foi muito bom com sua mãe. Deixou-a partir acreditando que seu
pai era um príncipe, e isso é lindo. Ela morreu o amando.
— É, devo ter sido mesmo. Pelo menos é o que eu tenho que acreditar.
Mas vamos mudar de assunto? — Concordo. Ele me dá um beijo. — Agora sua
vez de me contar sobre sua família.
Sorrio.
— Minha história não é tão trágica igual à sua, mas é melhor rir dela para
não chorar. Por hoje basta de tanto dramas. Vamos aproveitar o dia, e em outro
momento prometo lhe contar tudo.
— Está bem. — Ele acaricia meu rosto e me beija.
32 – Theodoro
Eu disse que esse evento não seria interessante. Claro que a causa é, mas
o resto é insuportável. Porém, como negar um pedido a Amandha? OK, estou
ficando mole. Devem estar se perguntando: cadê o Theo safado que não se
importava com relacionamento? A roda-gigante gira.
Em outros tempos eu estaria transando com uma mulher qualquer, ou
em casa descansando para ir à boate, mas esse é meu passado, e se a Amandha
sonhar que estou pensando nisso me mata.
Em eventos chatos como este, a melhor coisa é sorrir e torcer que não
venham te perguntar algo quando alguém vem falar com você.
Uma coisa que percebo nesses eventos é que as mulheres não se
arrumam para seus companheiros ou para os homens, elas se arrumam para
outras mulheres. Dizendo melhor, é uma competição de quem está melhor.
E nós, homens, não podemos negar, arrumamo-nos para impressionar não
apenas as mulheres, mas para competir com os outros homens também. É a lei
da vida!
É tanto brilho nas roupas dessas mulheres que parecem a Times Square
toda iluminada.
— Theodoro!
Desligo-me dos meus pensamento e olho para a Amandha.
— Eu.
— Vai ficar babando pelas mulheres bem na minha frente?
Rio.
— Na verdade estou querendo saber para que tanto brilho nessas
roupas.
Ela ri.
— Sei lá. Talvez queiram que isso cegue você e assim pare de olhar para
elas.
Tomo um gole do champanhe e dou um beijo casto em seus lábios.
— Para de ser tonta. A única que me importa aqui é você. Vamos entrar
no salão principal, que já vão começar os discursos.
— Já sabe o que vai falar?
— Eu tenho certeza de que vou me arrepender de perguntar, mas lá vai.
Falar o quê?
— Quando a Judith me ligou, o Rodrigo estava com ela e ele mandou
perguntar se vínhamos, porque a agência de vocês recebeu o convite, e o
Eduardo mandou e-mail dizendo que doou uma quantia e que era para você ou
ele fazer o discurso. Resumindo, você vai ter que fazer um dos discursos. —
Fuzilo-a com o olhar. — Acho que eu deveria ter contado isso bem antes. Ah, e
antes de me matar, o Eduardo disse no e-mail que o presente do seu aniversário
chega semana que vem porque a Heloísa disse que atrasou a encomenda.
— Eu estou decidindo a quem matar primeiro, você, Rodrigo ou
Eduardo.
— Poderia começar pelo Eduardo, assim dá tempo para eu fugir.
— Vamos entrar logo, e torça para que eu não tenha que fazer discurso
algum.
— Pode deixar que eu serei a torcedora número um agora que vi que
minha vida está em risco.
Rimos e entramos.
***
Não posso negar que os discursos foram bonitos. Eu não tive que fazer
um, apenas levantar quando anunciaram o nome da agência e o valor doado. A
editora da Amandha fez uma doação de um valor alto também, e eu queria
muito que ela tivesse que fazer discurso só por ter me escondido o que o
Rodrigo disse.
Tanto eu quanto a Amandha encontramos alguns conhecidos de eventos,
e ficamos conversando, mas logo a Amandha já deu aquele olhar de preciso ir
embora, estou exausta. Se ela não deu, eu dei, pois ela entendeu e pediu para
irmos.
Ficamos bastante tempo no evento, as pessoas não podem nem reclamar,
porque saímos às 19h. Pegamos a Floquinha em seu apartamento e fomos para
o meu. A Janete ficou doidinha quando chegamos com a Floquinha. As duas
estão se dando bem, pelo visto.
Depois de um banho, estamos jogados no sofá assistindo a filmes. Alguns
minutos depois um infeliz chamado Rodrigo emperra o dedo na campainha, e
como sei que é ele? Porque apenas ele faz isso.
— JÁ VAI, IDIOTA!
A Amandha ri. Abro a porta e dou de cara com ele, a Judith e caixas de
pizza e refrigerantes.
— Chegamos para animar a noite de vocês — diz o Rodrigo entrando
junto com a Judith.
A Floquinha e a Janete correm para brincar com eles enquanto tranco a
porta.
— Danonete! — grita o Rodrigo.
— É JANETE, RODRIGO! — digo, e todos eles riem.
— Theo, vamos combinar que o nome dela gera muitos apelidos — fala
Judith.
— Camaleão, fica quietinha!
Ela me mostra o dedo do meio. Eles colocam o que trouxeram na
mesinha de centro.
— Ai, que lindinho esse branquinho — comenta Judith brincando com a
Floquinha.
— É ela. Floquinha — anuncia Amandha.
— Mas só pode ser piada. Você e a Amandha têm um dom para escolher
nomes de animais que tenho pavor se um dia tiverem filhos. Eu imploro, se
tiverem filhos, me deixem escolher os nomes? — pergunta o Rodrigo, e rimos.
— Amiga, conviver com esse carinha aí não está te fazendo bem. Cadê
sua criatividade? — indaga Judith.
— Para, gente, é fofo o nome dela. Melhor do que Janete — fala
Amandha.
— Woool! — exclama o Rodrigo.
— Agora você tocou na ferida, amor — digo.
— Foi mal — a Amandha fala rindo.
— Vamos comer antes que o Theodoro assassine a gente — a Judith
pede.
— Melhor ideia que você já teve! — digo.
— Vamos pegar copos, Judi — diz Amandha saindo rapidamente da sala
com a Judith seguindo-a.
O Rodrigo fica rindo e me olhando.
— Que é, palhaço?
Ele dá um tapinha nas minhas costas.
— Vocês dois foram realmente feitos um para o outro. Janete e
Floquinha.
Rio, afinal não tem como não rir.
Elas voltam rindo, e eu prefiro nem perguntar o motivo, porque eu sei
que vou me arrepender.
33 – Amandha
Um mês depois...
Minha vida com Theodoro Lancaster Junior está muito bem, tirando as
vezes que ele consegue me tirar do sério, mas eu estou superando. Conseguimos
adiantar o lançamento do livro da Susan com os modelos da agência do Theo, e
isso me deixou superaliviada.
O único problema que estou enfrentando, é que o Theodoro vive me
pressionando para contar sobre meu passado, e não quero, afinal, não sou um
museu para viver de passado. Como uma ex-psicóloga, eu deveria saber que é
sempre bom se abrir, então não precisam me julgar, mas não é fácil para mim.
Meu celular começa a tocar, e vejo a foto da Judith.
— Oi!
— Mandy, boate hoje? Sua folga, poxa, vem!
— Vou pensar, estou cansada.
— O seu namoradinho já reservou “pra” ele e “pro” Rodrigo.
Rio da sua ironia.
— Eu sei, ele já me avisou que ia e me chamou para ir junto, mas falei
que ia pensar.
— N-não... — Ela começa a rir.
— Judith?! — pergunto desconfiada.
— Nada não. Você vem e ponto final. Vou reservar seu nome também.
Agora deixa eu ir trabalhar. Beijos, até mais tarde.
O que fazer quando se tem uma amiga irritante e você não está com a
menor vontade de aguentá-la te torrando a paciência? Você dá na cara dela?
Não! Você faz o que ela quer e resolve logo o problema!
Minha Floquinha está no SPA para cachorros, e não foi eu quem levei,
vocês já devem imaginar quem foi o retardado!
Estou supermal hoje. Ontem comi um bolo e não vi que tinha nozes, e
elas nunca me fazem bem, me causam enjoos, fico parecendo mulher grávida,
mas já estou tomando remédio, espero que alivie. Para ajudar, estou naqueles
dias, ou seja, a TPM está firme aqui, e estou tão chata que estou irritada comigo
mesma!
— Ânimo, Amandha!
Levanto-me da cama. Preciso de um banho e de doce, muito doce!
34 – Theodoro
Estou na boate, nem passei na Amandha hoje. Para falar a verdade, nem
a vi. Estou evitando-a um pouco, mas é por uma ótima causa. Olho no relógio, e
são 22h. O Rodrigo foi ao banheiro, e estou no bar aguentando as loucuras da
Judith, o que me anima, pois assim vejo que sou normal perto dela. Convenci a
Judith a ligar para a Amandha e falar para ela vir para cá.
— Theo, fala logo o que vai aprontar? — ela pergunta enquanto prepara
a bebida de uma mulher que está ao meu lado.
— Vou fazer um strip-tease, quero dinheiro na minha cueca, hein? — Rio,
e ela me mostra o dedo do meio.
— Falo sério, caramba.
— E eu também, quem não quer ver esse corpinho lindo aqui? — Ergo a
sobrancelha esquerda e dou uma piscadela.
— Aff, é impossível falar sério com você!
— Fica quieta, chapeuzinho! — Ela pintou o cabelo de vermelho, e claro
que eu daria um apelido.
— Para de “importunar ela”, Theodoro! — Rodrigo encosta ao meu lado.
— Nossa, assim eu me apaixono, hein, Rodrigo? — Dou um tapa na sua
bunda e me levanto do banco.
— Filho da p...
— Olha a boquinha suja, bebê. — Saio rindo da cara dele.
Estou nervoso e com medo. Parece que a qualquer momento vou cair
durinho no chão. Bem, vocês entenderam o que eu quis dizer, é duro de morto, e
não duro de... Deixa para lá.
Sinto meu celular vibrar no bolso. Encosto-me à parede do outro lado da
pista de dança. É uma mensagem da Amandha dizendo que já está chegando.
É agora ou nunca. O máximo que ela pode dizer é não, e isso não vai me
matar!
Alguns minutos depois a Judith me envia uma mensagem falando que a
Amandha chegou e já foi para a sala VIP para onde mandei levá-la. Respiro
fundo e saio atropelando todos para chegar até lá. Entro na sala e tranco a
porta. Ela está sentada e, assim que me vê, sorri.
— Qual é a bomba para querer me trazer aqui? — pergunta rindo.
— Nenhuma, eu acho. — Sorrio e me aproximo. Beijo seus lábios.
— O que você aprontou, Theodoro? Lugar público para eu não te matar?
Rio.
— Na verdade, não. — Sento-me ao seu lado e torno a beijá-la. — Eu te
trouxe aqui porque foi onde você me odiou pela primeira vez, foi onde tudo
começou, e é aqui que eu quero que tudo se prolongue cada vez mais.
— Não estou entendo, e olha que entendo super-rápido as coisas!
Ajoelho-me como o lindo príncipe que sou na frente dela, que fica pálida.
Retiro do bolso a caixinha vermelha de veludo.
— Amandha, você, a pessoa mais bravinha desse mundo e a mais linda
para mim, aceita se casar com esse cara lindo, maravilhoso e superdivertido que
te ama mais que tudo e que não sabe fazer um pedido de casamento super-
romântico? — Ela começa a chorar — Ah, quase esqueci... Não aceito não como
resposta. — Abro a caixinha, e ela olha o anel de diamante.
— E-eu aceito! — ela diz chorando. Coloco o anel em seu dedo, e sim, eu
estou tremendo.
— Se você não aceitasse, eu iria ter um treco! — Levanto-me e a puxo ao
meu encontro. Beijo-a com necessidade, afinal, não a vi o dia todo.
— Eu te amo, seu convencido!
Rio.
— Sou realista, amor! Agora espera um minutinho!
Ela franze o cenho sem entender. Caminho lentamente até a porta, que
abro com tudo, e o Rodrigo cai trazendo a Judith junto. A Amandha começa a
gargalhar, e acabo fazendo o mesmo. Os dois se levantam como se nada tivesse
acontecido.
— Sim, somos curiosos, e daí?! — questiona Judith.
— Ai, meu joelho! Quero folga por uma semana depois dessa, Theodoro!
— Não sonha, Rodrigo! — Rio.
— Caí “pra” nada, essas portas não deixam escutar nada. O que é, gente?
— Judith pergunta, e a Amandha mostra o anel para ela. — AI, MEU DEUS!
O Rodrigo me olha com os olhos arregalados.
— Meu Deus, eu vivi para ver isso! Theodoro Lancaster Junior, você vai
se casar! — Ele me abraça.
— Calma, Rodrigo, já falei que com a gente não vai rolar nada.
— Cara, você é irritante!
Rimos. A Amandha me olha, e dou uma piscadela. Essa mulher é meu
mundo. Estou totalmente perdido!
35 – Amandha
Se passou uma semana desde que fiquei noiva do Theodoro, mas o que
me preocupa, é que os enjoos que acreditei serem devidos às nozes que comi
não passam, e já era para terem passado. Estou com medo, muito medo, afinal,
já estou pensando em uma provável possibilidade, já que o Theodoro não usou
camisinha em algumas vezes, e eu meio que não estava tomando o
anticoncepcional corretamente devido à correria e ao nervosismo na editora.
No entanto, não pode ser isso, afinal enjoos não querem dizer gravidez!
Vou trabalhar, que é o melhor a fazer.
Começo a conferir os e-mails que recebi há algumas horas, pois os
demais já conferi. Meu celular toca, e é o Theodoro.
— Oi, Theo.
— Oi, amor, tudo bem?
— Estou, sim. — Continuo respondendo a um e-mail.
— Estou preocupado com você, já faz dias que está mal e é teimosa, não
aceita ir ao médico.
Rio.
— Não é nada, mas irei amanhã cedo, vou marcar consulta daqui a
pouco.
— Até que enfim! Depois me fala a hora, que vou com você.
— Falo, sim.
— Agora tenho uma reunião. Beijos, te amo.
— Também te amo. — Desligo.
Retorno ao meu serviço, mas quase não consigo concluir, pois as náuseas
retornam e tenho que ficar parando para ir ao banheiro para vomitar. Peço para
que uma das funcionárias vá comprar algum remédio para enjoos, pelo menos
para eu aguentar o serviço hoje. Quando o remédio chega, eu já o tomo, e torço
para que faça efeito imediato. O Theodoro me envia uma mensagem dizendo
para eu deixar o carro hoje aqui na editora porque ele vem me buscar para
irmos jantar juntos. Eu não tenho coragem de recusar, embora seja minha
vontade, porque não estou bem para comer nada.
O remédio ajuda um pouco, e assim consigo seguir trabalhando sem
fazer pausas. Confesso que essa sessão de vômitos está me assustando, e não é
pouco.
36 – Theodoro
Acabo de chegar à editora da Amandha e estou à espera de ela terminar
de desligar tudo e pegar algumas coisas às quais só agora ela se lembrou de que
vai ter que levar para casa. Estou sentado em cima da sua mesa a observando.
Quando cheguei, ela me garantiu que estava bem, mas não acredito, pois está
muito pálida.
— Sabia que as cadeiras servem para se sentar nelas? — ela me
questiona sorrindo enquanto coloca algumas coisas nas bolsas.
— Eu gosto do proibido. — Dou-lhe uma piscadela, e ela revira os olhos.
— Pronto, terminei. Vamos?
Concordo, levantando-me da mesa. Subitamente ela larga a bolsa e se
apoia na cadeira que está a minha frente. Aproximo-me rapidamente.
— Amandha, o que foi?
Ela está mais pálida ainda. Virando-se para mim, coloca as mãos em meu
peito.
— Eu estou bem, é só uma tontura... — De repente ela fica mole e
escorrega, mas a seguro a tempo. Ela está desmaiada!
— Amandha! Meu amor, fala comigo! O que houve? Amandha! — Dou
leves batidas em seu rosto. Aos poucos ela vai abrindo os olhos.
— O que houve? Minha cabeça está girando. Por que têm cinco de você?
Ai, que ânsia de vômito... — murmura.
— Chega, vou te levar agora para o hospital, mas que inferno, você disse
que estava bem!
Ajudo Amandha a se levantar e pego suas coisas. De hoje não passa, ela
vai ao médico nem que eu tenha que arrastá-la para dentro do hospital.
***
Eu não poderia ter escolhido melhor mulher para mim. Ter a Amandha
como minha esposa é a melhor coisa da minha vida, e ainda ter uma filha com
ela é, sem dúvidas, uma grande alegria.
Estamos no Central Park, e a Rebecca está brincando com suas bonecas
na grama. A Amandha em breve vai chegar, pois saiu junto com a Judith para
resolverem as coisas do casamento. Sim, Judith e Rodrigo vão se casar.
— Papai! — Rebecca vem correndo até mim.
— O que houve, princesa?
Ela lembra muito a Amandha em cada detalhe, mas é brincalhona como
eu.
— A gente pode ir comprar sorvete?
— Claro, mas vamos esperar o tio Rodrigo e a tia Judith chegarem junto
com a mamãe, aí vamos todos, pode ser?
— Pode, sim. — Ela sorri e volta a brincar.
Minha filha é meu mundo. Eu largo e enfrento tudo por ela.
Recebo uma mensagem da Amandha avisando que chegou. Explico onde
estou, e ela diz que está perto e logo chega.
— Oi, está sozinho? — Uma loira por sinal muito bonita se senta ao meu
lado.
— Na verdade, não estou sozinho, estou esperando...
— Não se preocupe, te faço companhia até a pessoa chegar — ela me
interrompe.
Olho para a Rebecca, que, quando olha para o meu lado e vê a loira, olha
feio para a mulher, e me controlo para não rir.
— Então, você é solteiro?
Olho para ela para responder. No entanto, Rebecca corre até mim e se
joga no meu colo.
— Quem é você? — ela pergunta bem séria para a loira.
— Oi, lindinha. Eu estava conversando com seu irmão.
Rio.
— Ele é meu papai! — Rebecca diz com raiva.
— Sério?! — a loira pergunta.
Sinto um beijo na bochecha vindo de alguém por trás de mim e sei muito
bem quem é.
— Oi, meu amor! — A Amandha para à minha frente agora, olha bem
sério para a loira e me beija.
— Oi, amor — cumprimento, controlando-me para não rir.
— Ai, com licença. — A loira sai, e começo a rir.
— O que foi? Do que está rindo? Eu fico algumas horas longe, e essas
loucas surgem dando em cima de você, mesmo você tendo uma criança no colo
e uma aliança dourada no dedo!
— Estou rindo das duas ciumentas que eu tenho na minha vida. — Beijo
o rosto da Rebecca, que ri.
— Por que duas ciumentas? — Amandha se senta ao meu lado, sorrindo.
— Porque eu vim aqui para a mulher ir embora. O papai é só meu,
mamãe, de mais ninguém!
Rimos dela, que fica tão brava que até se torna vermelha.
— Nem comigo você “divide ele”, amor? — a Amandha pergunta.
— Um pouquinho só, mamãe. O papai é muito mais meu! — Ela me
abraça, e dou vários beijos nela.
— Acho que você tem uma fã número um! — comenta a Amandha rindo.
— Na verdade, tenho cinco. — Ela franze o cenho sem entender. —
Janete, você, eu mesmo, Rebecca e Ana Clara.
— Convencido! A Aninha e a Rebecca, eu até acredito, mas Janete não
fala, e eu não sou sua fã número um.
— É difícil confessar que é minha fã, eu sei, amor. — Ela revira os olhos.
— Mas mudando de assunto, cadê a Judith e o Rodrigo?
A Rebecca desce do meu colo e volta a brincar.
— Judith está uma pilha de nervos porque o vestido não quer mais
entrar, já que está comendo que nem louca pelo nervosismo, e o Rodrigo está
acalmando-a.
— Mulheres! — Sorrio. — Vamos, a Rebecca quer tomar sorvete.
— Nem pensar, essa noite ela teve febre e está rouca.
— OK, senhora chatanilda. Vamos levá-la para comer em outro lugar que
possa fazer ela esquecer o sorvete.
Ela concorda.
— Rebecca, pega suas bonecas, filha, vamos.
— Eba, sorvete, e não quero outra coisa!
Olho para a Amandha rindo, e ela me belisca.
— Resolvemos isso depois, princesa — digo a ela.
Ela corre até a mim e se joga no meu colo com a bonecas. Jogo-me para
trás, deitando na grama e puxando a Amandha conosco. Todos nós rimos.
— Querem saber de uma coisa? Eu amo demais vocês duas!
A Rebecca aperta minha bochecha.
— E nós amamos você, meu amor — a Amandha diz me dando um beijo
casto nos lábios.
É, eu definitivamente fiz uma linda família. Porra, até meus
espermatozoides são lindos, olha só o resultado, minha filha é linda. É claro que
eu, gato como sou, só poderia me casar com outra mulher mais gata ainda.
Parem de sentir inveja, princesas que estão lendo, pois essa noite
visitarei o sonho de todas, mas é um segredinho apenas nosso.
MENSAGEM AOS LEITORES