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Vídeo: a estética do narcisismo

Rosalind Krauss
Segundo a autora, a videoarte e as especificidades de seu medium possuem narcisismo ineren-
te. Essa característica está presente em experiências em que o auto-envolvimento do artista
combina-se à utilização expressiva dos mecanismos eletrônicos próprios desse gênero, em estra-
tégias psicológicas e abordagens do projeto psicanalítico que possibilitam discussões acerca da
reflexividade do self. Presente nas obras de Vito Acconci, Richard Serra e Nancy Holt, Bruce
Nauman, Lynda Benglis, Joan Jonas e Peter Campus, essa fusão de sujeito e objeto, artista e
técnica, reafirma as divergências da videoarte diante das demais artes visuais.

Videoarte, videoperformance, arte e psicanálise.

Na crítica dos anos 60 foi lugar-comum afir- ‘vídeo’. Evidentemente, o tipo de crítica que
mar que a rigorosa aplicação da simetria Centers ataca é aquele que assume seriamen-
permitiria ao pintor “indicar o centro da tela” te as qualidades formais de uma obra ou
e, desse modo, invocar a estrutura interna procura analisar a lógica particular de um
da pintura enquanto objeto. Assim, “indicar dado medium. No entanto, por seu simples
o centro” serviu como um dos muitos blo- mis-en-scène, Centers exemplifica as caracte-
cos da intrincada ponte com a qual a crítica rísticas estruturais do vídeo e seu medium.
da década passada1 procurou conectar arte Nele, Acconci utiliza o monitor de vídeo
e ética, pela “estética do reconhecimento”. como espelho. Quando vemos o artista mi-
O que, porém, significa indicar o centro de rando seu braço e dedo indicador esticados
uma tela de tevê? em direção ao centro da tela que olhamos,
o que reconhecemos é uma tautologia sus-
De modo certamente condicionado pelas tentada: uma linha de visibilidade que come-
atitudes da Pop Art, os vídeos de artistas ça no plano de visão de Acconci e termina
lidam sobretudo com a paródia dos termos nos olhos de sua duplicação projetada. Nes-
críticos da abstração. Assim, quando Vito sa imagem de auto-observação é configura-
Acconci grava um vídeo intitulado Centers do um narcisismo tão endêmico aos traba-
(1971), torna literal a noção crítica de “indi- lhos de vídeo, que me deparo querendo
car” ao se filmar indicando o centro de um generalizá-lo como a condição implícita à
monitor de televisão, gesto que sustenta por totalidade de seu gênero. Contudo, qual o
20 minutos, tempo de duração do trabalho. significado da afirmação “o medium2 do vídeo
A qualidade burlesca do gesto de Acconci, é narcisismo”?
com óbvia dívida à ironia duchampiana, visa
declaradamente renunciar e romper com Por um motivo, essa observação tende a criar
toda uma tradição crítica. Tratava-se de uma fissura entre a natureza do vídeo e a
Peter Campus, mostrar o non sense do engajamento crítico das outras artes visuais. Pois essa declaração
mem, 1974/1975
mem
Fonte: www.medienkunstnetz.de/ com as propriedades formais de uma obra descreve condição mais psicológica do que
works/mem/ ou, ainda, de um gênero de obras – como o física, e, embora estejamos acostumados a

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pensar em estados psicológicos como assun- é, a circunstância temporal. Assim, nas pa-
tos possíveis das obras de arte, não pensa- lestras de Freud sobre o fenômeno dos so-
mos na psicologia como constituinte de seu nhos telepáticos, ele informa o público de
medium. Por seu lado, o medium da pintura, que é insistentemente repetido nos relatos
da escultura ou do filme tem muito mais a de tal matéria o fato de que o sonho e o
ver com os fatores materiais e objetivos, es- evento real ocorrem no mesmo momento
pecíficos de uma forma particular: pigmen- (porém invariavelmente distantes).
tos cobrindo superfícies, matéria estendida
ao longo do espaço, luz projetada através Então, estes são os dois aspectos da utiliza-
do celulóide em movimento. Isto é, a noção ção corrente de medium significativos para a
de medium contém o conceito de objeto- discussão sobre o vídeo: a projeção e re-
estado, separado do próprio ser do artista, cepção simultâneas de uma imagem, e a psi-
pelo qual suas intenções devem passar. que humana usada como canal, pois a maio-
ria das obras produzidas no brevíssimo
O vídeo depende – como tudo que se queira período de existência da videoarte utiliza-
experimentar – de um conjunto de meca- ram o corpo humano como seu instrumen-
nismos físicos. Então, talvez seja mais sim- to central. No caso de obras com imagens
ples dizer que esse dispositivo – em seus gravadas, o corpo do próprio artista foi o
níveis presentes e futuros de tecnologia – mais freqüente. No caso das videoinstalações,
compreende o medium da televisão e nada foi mais usado o corpo do espectador parti-
mais acrescentar. Entretanto, no contexto do cipante. Não importa que corpo tenha sido
vídeo, a facilidade de defini-lo nos termos selecionado para a ocasião, há outra circuns-
de seus mecanismos não parece coincidir tância que está sempre presente. Diferente
com a exatidão; e minhas experiências pes- das outras artes visuais, o vídeo é capaz de
soais a esse respeito continuam a me insti- gravar e transmitir ao mesmo tempo, pro-
gar em direção ao modelo psicológico. duzindo imediato feedback.4 Portanto, é
como se o corpo estivesse centralizado en-
O discurso cotidiano contém o exemplo da tre duas máquinas, que abrem e fecham pa-
palavra ‘medium’3 usada em sentido psico- rênteses. A primeira delas é a câmera; a se-
lógico; o terreno incomum para esse uso gunda, o monitor, que reprojeta a imagem
bastante freqüente é o mundo da do performer com imediatismo de espelho.
parapsicologia: telepatia, percepção extra-
sensorial e comunicação com a vida após a Os efeitos desse centralizar são múltiplos.
morte, pelas quais indivíduos com determi- E em nenhum outro exemplo são mais cla-
nados poderes psíquicos são reconhecidos ramente nomeados do que num vídeo re-
como médiuns. Acreditando ou não em ex- alizado por Richard Serra, com a ajuda de
periências mediúnicas, compreendemos as Nancy Holt que fez de si mesma seu vo-
referências da linguagem que as descrevem. luntário e eloqüente objeto. Trata-se de
Sabemos, por exemplo, que se configurou Boomerang (1974), cuja situação é um es-
dentro do sentido parapsicológico da pala- túdio de gravação no qual Holt se posiciona
vra medium a imagem do receptor (e emis- num close-up 5 firmemente emoldurado,
sor) humano de comunicações que surgem usando headsets profissionais.6 Quando Holt
de fonte invisível. Além disso, o termo con- começa a falar, suas palavras são
tém a noção de que o canal humano existe retransmitidas através de seus fones de ou-
em relação particular com a mensagem, isto vido. Como o aparelho está conectado a um

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instrumento de gravação, há um ligeiro atra- – sua compreensão”, situação que é “como
so (inferior a um segundo) entre sua locu- uma reflexão-especular... de modo que es-
ção real e o feedback do áudio, que ela é tou envolvida por mim, e minha mente me
forçada a escutar. Nos 10 minutos do vídeo, envolve... não há escapatória”.
Holt descreve a situação em que se encon-
tra. Fala sobre a forma como o feedback in- A prisão que Holt tanto descreve quanto
terfere em seu processo normal de pensa- experimenta, de onde não há escapatória,
mento e a confusão causada pela falta de poderia ser denominada a prisão de um pre-
sincronismo entre seu discurso e o que dele sente em colapso, isto é, um tempo pre-
ouve. “Às vezes”, diz ela, “percebo que não sente completamente separado de um sen-
consigo completar uma palavra porque ouço tido de seu próprio passado. Captamos algo
uma primeira parte voltar e esqueço a se- da sensação do que é estar preso nesse
gunda parte, ou meu pensamento é estimu- presente quando Holt, em determinado
lado em outra direção pela primeira metade momento, diz: “estou arremessando coisas
da palavra.” no mundo, e elas estão boomeranging...
boomeranging... eranging-ing... anginging’’.8
Enquanto assistimos a Holt falar e escutar Mediante essa confusa reverberação de uma
essa voz atrasada ecoando em seus ouvidos, única palavra – um fragmento-palavra – for-
somos testemunhas de uma extraordinária ma-se uma imagem do que é estar total-
imagem de distração. Porque o atraso do mente separado da história e, nesse caso,
áudio continua hipostasiando7 suas palavras, da história imediata de uma frase que al-
ela tem grande dificuldade em coincidir con- guém acabou de pronunciar. Outro nome
sigo mesma enquanto sujeito. É situação, diz para essa história da qual Holt se sente
ela, que “distancia palavras e sua apreensão desconectada é ‘texto’.

Peter Campus
dor
dor, 1975
Fonte: Collection SFMOMA;
Accessions Committee Fund purchase,
photo: Ben Blackwell,
www.sfmoma.org/press/
pressroom.asp?do=images&id=328

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Naturalmente, a maioria dos performers consciência de qualquer coisa anterior a ela,
costuma atuar ou interpretar um texto, seja se transforma no texto imutável do performer.
uma coreografia prefixada, um roteiro escri- Atado a seu próprio reflexo, ele está com-
to, uma partitura musical ou algumas notas prometido com o texto da perpetuação dessa
esboçadas e a partir das quais improvisa. imagem. Assim, a concomitância temporal
Conseqüentemente, a performance se liga à dessa situação é, como o efeito-eco de
realidade de algo que existiu antes do mo- Boomerang, a consciência de um presente
mento dado. De forma imediata, essa consci- em colapso.
ência de algo anterior refere-se ao texto
específico para uma performance a se reali- Os vídeos de Bruce Nauman também são
zar. Contudo, de forma mais abrangente, exemplos do duplo efeito da performance
evoca a conexão histórica mais ampla entre para o monitor. Em Revolver upside down
um texto específico e a história construída (1968), Nauman filma-se através de uma
por todos os textos de um gênero dado. câmera invertida, de modo que o chão em
Independente do gesto produzido no pre- que se encontra, está no alto da tela. Du-
sente, essa ampla história é fonte de signifi- rante muito longos 60 minutos, Nauman se
cado para esse gesto. O que Holt está des- move vagarosamente, girando em um pé só,
crevendo em Boomerang é uma situação em das profundidades de seu estúdio e avançan-
que a ação de reflexão-especular (nesse caso, do em direção ao monitor, então volta e re-
auditiva) a desliga de um sentido do texto: pete essa atividade até a gravação terminar.
das primeiras palavras ditas por ela; e da
Em Now , de Lynda Benglis, há similar
maneira pela qual a linguagem a conecta si-
multaneamente a seu próprio passado e a nivelamento dos efeitos da temporalidade.
um mundo de objetos. Ela se encaminha para O vídeo mostra a cabeça de Benglis, de per-
um espaço em que, como observa, “estou fil, atuando colada à tela de um grande
envolvida por mim.” monitor, em que se vê gravação prévia dela
mesma fazendo as mesmas ações, mas in-
O auto-encapsulamento – o corpo ou a psi- vertendo os lados esquerdo e direito. Os
que em seu auto-envolvimento – pode ser dois perfis, um ‘ao vivo’ e o outro gravado,
facilmente encontrado no corpus da movem-se em sincronia espelhada um com
videoarte. Centers, de Acconci, é um exem- o outro. Os dois perfis de Benglis executam
plo; seu Air time, de 1973, é outro. Em Air um acoplamento auto-erótico, o qual, por
time, Acconci se coloca entre a câmera de estar sendo gravado, torna-se o fundo de
vídeo e um grande espelho a sua frente. outra geração da mesma atividade. Median-
Durante 35 minutos, dirige-se a seu próprio te essa espiral de infinito retorno, enquanto
reflexo em monólogo no qual os termos “eu” seu rosto se funde com as duplas e triplas
e “você” – embora supostamente se refiram reprojeções de si mesma fundindo-se consi-
a ele mesmo e a um(a) amante ausente – go, a voz de Benglis é ouvida tanto emitindo
são indicadores do intercurso autônomo o comando “agora!” quanto a pergunta “é
entre Acconci e sua própria imagem. Tanto agora?” Claramente, Benglis está usando a
Centers quanto Air time constroem uma si- palavra “agora” para enfatizar a ambigüidade
tuação de clausura espacial, promovendo da referência temporal: notamos que não
uma condição de auto-reflexão. O performer sabemos se o som da voz está vindo da fon-
responde a uma imagem contínua e renova- te ao vivo ou gravada e, se vem da última,
da dele mesmo. Essa imagem, suplantando a de qual nível de gravação. Assim como tam-

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bém percebemos que, devido à reprodução ele é um deslocamento do self, que tem o
das transmissões anteriores, todas as cama- efeito – como a voz de Holt em Boomerang
das do “agora” estão igualmente presentes. – de transformar a subjetividade do
performer em outro, espelho, objeto.
Em Now, porém, o que chama muito mais
atenção do que a banalidade tecnológica da É nesse momento que alguém pode querer
pergunta “qual ‘agora’ é mencionado?” é a voltar à proposição inicial desse argumento
maneira pela qual a gravação atua em um e levantar uma objeção. Mesmo se for con-
tempo presente em colapso. Nessa persis- senso, pode-se perguntar, que o medium da
tência, conecta-se aos vídeos já descritos de videoarte é a condição psicológica do self
Nauman e Acconci, e finalmente a dividido e duplicado pela reflexão-especular
Boomerang. Em todos esses exemplos, a na- do feedback sincrônico, como isso causa uma
tureza da videoperformance é especificada ‘fissura’ entre o vídeo e as outras artes? Não
como atividade que coloca o texto “em sus- se trata, na verdade, de como o vídeo utiliza
pensão” e o substitui pela reflexão-especu- novas técnicas para dar continuidade às in-
lar. O resultado dessa substituição é a apre- tenções modernistas do resto das mídias vi-
sentação de um self que não teria nem pas- suais? Especificamente, não é a reflexão-es-
sado, nem conexão alguma com quaisquer pecular uma variante do modo reflexivo pelo
objetos externos a ele, pois o duplo que qual a pintura, a escultura e o filme contem-
aparece no monitor não pode ser chamado porâneos, sucessivamente, se entrincheiraram
de verdadeiro objeto externo. Ou, melhor, em seus domínios? Implícita nessa questão

Lynda Benglis
Now, 1973
Now
Fonte: http://
museumhours.blogspot.com/2008/
01/momas-contemporary-feminine-
side.html

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está a idéia de que a auto-reflexão e a A reflexão-especular, por seu lado, implica
reflexividade se referem à mesma coisa – vencer essa severa distinção. Seu movimen-
ambas são casos da consciência que se volta to inerente encaminha-se para a fusão. O
sobre si mesma a fim de executar e registrar self e sua imagem refletida, é claro, são lite-
a separação entre formas de arte e seus con- ralmente separados. Mas a operação de re-
teúdos, entre os procedimentos do pensa- flexão é uma forma de apropriação, de
mento e seus objetos. 9 Em sua forma ilusionisticamente apagar a diferença entre
simplificada, essa questão seria a seguinte: o assunto e o objeto. Espelhos postos frente
exceto por suas tecnologias divergentes, qual a frente em paredes opostas comprimem
o espaço real entre eles. Quando assisti-
é a diferença, de fato, entre Centers, de Vito
mos a Centers, vemos Acconci mirando, por
Acconci, e American flag, de Jasper Johns?
meio de seu braço alongado, o centro da
Resposta: a diferença é total. Reflexão, quan- tela que olhamos. Mas o que está latente
do é caso de espelhamento, é movimento nessa configuração é o monitor que ele
em direção à simetria externa; enquanto mesmo está olhando. Não há como
reflexividade é estratégia para alcançar visualizar Centers sem deduzir essa prolon-
gada conexão entre o artista e seu duplo.
assimetria radical, vinda de dentro. Em
Assim, para nós tanto quanto para Acconci,
American flag, Johns utiliza a sinonímia10 en-
o vídeo é um processo que permite a fu-
tre uma imagem (a bandeira) e seu campo
são desses dois termos.
(os limites da superfície pictórica) para de-
sequilibrar a relação entre os termos ‘qua- Poder-se-ia dizer que, se a reflexividade da
dro’ e ‘pintura’. Forçando-nos a visualizar a arte modernista é um dédoublement ou um
parede real em que a tela está pendurada voltar-se para si mesmo a fim de localizar o
como fundo para o objeto pictórico como objeto (e assim as condições objetivas de
um todo, Johns evidencia uma separação uma experiência única), a reflexão-especu-
entre dois tipos de relação figura/fundo: uma lar com feedback absoluto é processo de
que é interna à imagem; e outra que, de fora, suspensão do objeto. Essa é a razão por que
trabalha para definir esse objeto como uma parece inapropriado falar de um medium fí-
pintura. A relação figura/fundo de uma su- sico em relação ao vídeo – o objeto (o equi-
perfície plana e limitada, pendurada numa pamento eletrônico e seus recursos) tornou-
parede, é isolada como uma condição preli- se mero acessório. Em vez disso, o medium
minar categórica, em que são dados os ter- real do vídeo é uma situação psicológica em
mos do processo de pintar. A categoria ‘Pin- que se busca retirar a atenção de um objeto
externo – um Outro – e investir no self.
tura’ é estabelecida como um objeto (ou um
Conseqüentemente, não estamos falando
texto) cujo assunto se torna esta pintura
apenas de uma condição psicológica qual-
específica – American flag. A bandeira é ao
quer. Trata-se da condição de alguém que,
mesmo tempo o objeto do quadro e o as-
nas palavras de Freud, “abandonou o inves-
sunto de um objeto mais amplo (Pintura) timento libidinal nos objetos e transformou
para o qual American flag pode reflexivamen- o objeto-libido no ego-libido”. E essa é a
te apontar. Reflexividade é precisamente essa condição específica do narcisismo.
fratura entre duas entidades categoricamente
diferentes que podem elucidar uma a outra, A partir dessa conexão, pode-se reformular
na medida em que sua separação é mantida. a oposição entre o refletivo e o reflexivo,

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nos termos do projeto psicanalítico. Porque pelo silêncio enlouquecedor do analista, des-
é aí, também, no drama do sujeito deitado cobre-se finalmente que tem outra origem:
no divã, que a reprojeção narcisística de um
self congelado se opõe ao método analítico Não se trata, antes, de uma frustração
(ou reflexivo).11 Encontramos descrição par- que seria inerente ao próprio discurso do
ticularmente útil desse esforço na obra de sujeito? Esse discurso não o engaja numa
Jacques Lacan. despossessão cada vez maior de si mes-
mo, e, à força de retratos sinceros que
Em The language of the self,12 Lacan começa deixam dissipar sua imagem, de esforços
por caracterizar o espaço da transferência degeneradores que não conseguem liber-
terapêutica como um vazio extraordinário tar sua essência, de apoios e defesas que
criado pelo silêncio do analista. Nesse vazio, não impedem sua estátua de vacilar, de
o paciente projeta o monólogo de sua pró- abraços narcísicos que se esgotam ten-
pria narrativa que Lacan chama de “a cons- tando animá-la com seu sopro, ele aca-
trução monumental do seu narcisismo”. ba reconhecendo que esse ser não passa
Usando esse monólogo para explicar-se e de uma obra imaginária e que esta obra
sua situação para o silencioso ouvinte, o pa- não lhe pode dar qualquer certeza. Pois
ciente começa a experimentar profunda frus- em seu trabalho de reconstruí-la para o
tração. Essa frustração, Lacan enfatiza, em- outro, ele encontra a alienação fundamen-
bora pensada inicialmente como provocada tal que o fez construí-la como um outro,

Vito Acconci, 1973


Air Time

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e que sempre esteve destinada a ser to- e histórica de um objeto externo (ou
mada por um outro. medium).
O que o paciente percebe é que esse ‘self’ é De modo distinto, o feedback circular do
um objeto projetado e que sua frustração vídeo aparenta ser o instrumento de uma
se deve a sua própria captura pelo objeto dupla repressão, pois através dele tanto a
com o qual ele nunca consegue realmente consciência da temporalidade quanto a da
coincidir. Além disso, essa “estátua” que ele separação entre sujeito e objeto são simul-
mesmo criou e na qual acredita é a base de taneamente submersas. O resultado dessa
seu “estado estático”, pelo constantemente submersão é, para o realizador e o especta-
“renovado status de sua alienação”. O dor da videoarte, uma espécie de queda
narcisismo caracteriza-se, então, como a imponderável no espaço suspenso do
condição fixa de uma frustração perpétua.13 narcisismo.

A análise é o processo de interromper o Há, naturalmente, um complexo conjunto


poder dessa fascinação do espelho; e, para de respostas à questão de por que o vídeo
tal, o paciente deve perceber a diferença atrai um grupo crescente de participantes e
entre sua subjetividade vivida e as projeções colecionadores. Essas respostas implicariam
fantasiosas de si mesmo como objeto. “A uma vasta análise, desde o problema do
narcisismo incluso no mais amplo contexto
fim de que voltemos para uma forma mais
cultural até as especificidades de funciona-
dialética de entender a experiência analíti-
mento interno do mercado de arte atual.
ca”, escreve Lacan, “eu diria que a análise
Embora eu preferisse adiar essa análise para
consiste, precisamente, em distinguir a pes- um futuro ensaio, é importante estabelecer
soa deitada no divã do analista e a pessoa uma conexão aqui. Trata-se da relação exis-
que está falando. Com a pessoa que está tente entre a instituição de um ‘self’ forma-
ouvindo (o analista), compõem-se três pes- do pelo feedback do vídeo e a situação real
soas presentes numa situação analítica, e existente no mundo da arte, de onde pro-
entre elas há a regra da questão… a ser co- vêm os realizadores. Nos últimos 15 anos,
locada: Onde está o moi do sujeito?14 O pro- esse mundo tem sido profunda e desastro-
jeto analítico é então aquele no qual o paci- samente afetado por sua relação com a co-
ente se liberta da “estátua” de seu self refle- municação de massas. Pois o fato de um tra-
tido e, pelo método de reflexividade, balho artístico ser publicado, reproduzido e
redescobre o tempo real de sua própria his- disseminado pela mídia tornou-se, para a
tória. Ele troca a atemporalidade da repeti- geração que se formou no decurso da últi-
ção pela temporalidade da mudança. ma década, praticamente a única forma de
verificar sua existência como arte. A procu-
Se a psicanálise entende que o paciente se ra de replay instantâneo15 na mídia – a cria-
encontra engajado em recuperar seu ser nos ção de trabalhos que de fato não existem a
termos de sua história real, o modernismo não ser no replay, como acontece na arte
acreditou que o artista localiza sua própria conceitual e também na body art – encon-
tra seu correlativo em um modo estético
expressividade pela descoberta de condições
no qual o self é criado por meio de disposi-
objetivas de seu medium e de sua história.
tivos eletrônicos de feedback.
Isto é, as próprias possibilidades de encon-
trar sua subjetividade dependem de que o Existem, de qualquer forma, três fenôme-
artista reconheça a independência material nos no corpus da videoarte que contrariam

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o que venho dizendo até agora – ou, pelo sunto. Isso se deve, primeiramente, ao fato
menos, são, de algum modo tangenciais a de que Serra privilegia o feedback do áudio
isso: 1) gravações que exploram o próprio em vez do feedback visual. Por conta disso,
medium a fim de criticá-lo a partir de seu nosso ponto de vista não coincide com o
interior; 2) gravações que representam agres- circuito fechado da situação de Holt, e o
são física ao mecanismo do vídeo, a fim de vemos a partir do exterior. Ainda, a condi-
quebrar seu poder psicológico; e 3) instala- ção narcisística nos é dada através de uma
ções de vídeo que utilizam o medium como forma mentalizada de linguagem, que abre
subespécie de pintura ou escultura. A pri- simultaneamente para o plano da expressão
meira é representada por Boomerang, de e para o plano da reflexividade crítica.
Richard Serra.16 Exemplo do segundo caso
pode ser o trabalho Vertical roll, de Joan Significativamente, a separação de Serra em
Jonas.17 E o terceiro está limitado a algumas relação ao assunto de Boomerang, sua posi-
instalações de Bruce Nauman e Peter ção “de fora”, promove uma atitude em re-
Campus, particularmente nas duas peças lação ao tempo que difere de vários outros
complementares de Campus, mem e dor. trabalhos de vídeo. A brevidade da grava-
ção – 10 minutos – é por si só ligada ao
Já descrevi como o narcisismo é encenado discurso: quanto tempo leva para formalizar
em Boomerang. Mas o que o separa de, va- e desenvolver um argumento; e quanto tem-
mos dizer, Now, de Benglis, é a distância crí- po leva para que o receptor atinja o ‘ponto’.
tica que ele mantém com seu próprio as- Latente dentro da situação de Boomerang,

Joan Jonas
Vertical Roll
Roll, 1972
videostill
Fonte: http://
www.medienkunstnetz.de/
kuenstler/jonas/biografie/

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esconde-se sua própria conclusão, alcançada to, parece enrolar em si mesmo uma lista de
no final do vídeo. experiências, como uma linha de pesca sen-
do freqüentemente puxada pelo molinete,
Vertical roll é outro caso em que o tempo foi ou ainda como uma fita magnética sendo
forçado a entrar na situação do vídeo, e em enrolada num cilindro de rolamento. O
que esse tempo é entendido como propul- movimento de contínuo dissolver torna-se,
são para o fim. Nesse trabalho, o sentido de então, uma metáfora para a realidade física,
tempo é despertado a partir da perda de e não apenas das linhas de varredura do tubo
estabilidade da imagem projetada, através da do vídeo, mas também da realidade física do
dessincronização das freqüências dos sinais compartimento de gravação, cujas bobinas
na câmera e no monitor. O registro rítmico objetivam uma quantidade finita de tempo.
das imagens, assim como sua estrutura as-
cendente para o topo da tela, causa um sen- Já descrevi a situação paradigmática do vídeo
so de decomposição que parece trabalhar como um corpo centralizado entre os pa-
contra a natureza dessas 525 linhas de ima- rênteses da câmera e do monitor. Devido à
gem das quais é feito o vídeo. Como o cará- referência visual de Vertical roll, através da
ter intencional é reconhecido, o rolamento ação do monitor sobre a realidade física da
das imagens é percebido como a operação gravação, um lado desses parênteses se faz
de vontade contrária a uma condição esta- mais ativo do que o outro. Por seu lado, o
bilizada eletronicamente. Através do efeito monitor age como uma espécie de carretel
constante de limpar a imagem, cria-se um que nos faz sentir a configuração iminente
sentido de relação reflexiva quanto ao cam- de uma meta ou término do movimento. O
po visual do vídeo e ao suporte ou base para fim é alcançado quando Jonas, que vinha re-
o que acontece na imagem. alizando as ações gravadas, de dentro da
continuidade circular do circuito câmera/
Alheio a isso é concebido o assunto de monitor, rompe com a clausura dos parênte-
Verticall roll, que visualiza o tempo como o ses da situação de feedback e mira a câmera
curso de um dissolver contínuo através do diretamente – e a operação de rolamento
espaço. Nele, uma seqüência de imagens e da imagem do monitor é interrompida.
ações é vista de diferentes posições – em
termos tanto de distância da câmera quanto Se o movimento emparelhado de varredura
de sua orientação a partir da base horizon- do vídeo e da fita da bobina é isolado como
tal. Com a gramática ordinária do cinema e objeto físico em Vertical roll , o que é
do vídeo, esses desvios deveriam ser objetivado em mem e dor de Campus é o
registrados quer pelo movimento da câmera stasis18 do plano da parede. Em ambos os
(no qual o zoom está incluído como possibi- trabalhos de Campus existe um relaciona-
lidade), quer pela técnica do corte. E mes- mento triangular criado entre :1) a câmera
mo sendo verdade que Jonas teve de usar de vídeo, 2) o instrumento que projetará a
essas técnicas ao fazer Verticall roll, o cons- imagem ao vivo, captada pela câmera, na
tante fluxo de imagens torna esses movimen- superfície de uma parede (em tamanho real
tos invisíveis, isto é, a gramática da câmera e aumentado), e 3) a própria parede. A ex-
sofre erosão pelo deslocamento do regis- periência do espectador com os trabalhos é
tro. Como eu já havia dito, cria-se a ilusão a soma cumulativa das posições que seu
de um contínuo dissolver através do tempo corpo assume dentro dos vetores formados
e do espaço. O monitor, como instrumen- por esses três elementos. Quando o espec-

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tador se retira do campo triangular dos tra- Faz sentido afirmarmos que esses dois tra-
balhos, nada vê a não ser o grande e lumi- balhos de Campus apenas assumem o tem-
noso plano de uma das paredes na sala es- po real do feedback da câmera e do monitor,
cura. Só quando se desloca no raio de ação vivido pelo videoartista que grava em seu
da câmera, ele é capaz de perceber uma estúdio, e o recriam para o leigo visitante da
imagem (a sua) projetada no campo pictóri- galeria. Entretanto, mem e dor não são tão
co da parede. De qualquer modo, as condi- simples assim. Dois tipos de invisibilidade
ções para perceber essa imagem são bas- estão construídos nessas situações: a presen-
tante especiais nos dois vídeos, mem e dor. ça do espectador na parede em que ele pró-
prio está ausente; e sua ausência relativa de
Em dor, a câmera está localizada no corre-
uma vista da parede que se torna a condi-
dor que conduz à sala em que se encontra
ção para sua presença projetada sobre sua
o projetor. Dentro da sala, o espectador está
fora do alcance da câmera, e assim nada apa- superfície.
rece na superfície da parede. Só quando dei- As peças de Campus confirmam o narcisismo
xa a sala ou, melhor, quando está posicionado poderoso que impulsiona o espectador des-
no limiar da porta, com iluminação e distân- ses trabalhos para frente e para trás, diante
cia adequadas ao limite focal da câmera, o desse campo ‘muralizado’. A partir do movi-
espectador tem sua imagem registrada. Vis-
mento de seu próprio corpo, erguendo seu
to que essa imagem é projetada na mesma
pescoço e girando a cabeça, o espectador é
parede em que se localiza a porta, a relação
forçado a reconhecer esse motivo [do
do espectador com sua própria imagem é
narcisismo]. A condição desses trabalhos,
totalmente periférica – ele está num plano
porém, é reconhecer a separação das duas
não apenas paralelo ao plano da ilusão, mas
superfícies nas quais a imagem está detida –
a ele contínuo. Portanto, seu corpo é tanto
a substância da imagem quanto a substância o corpo do espectador e a parede – e pro-
ligeiramente deslocada do plano sobre o qual duzir seus registros como absolutamente
a imagem é projetada. distintos. É nessa distinção que a superfície
da parede – a superfície pictórica – é perce-
Em mem, tanto a câmera quanto o projetor bida como Outro absoluto, como parte do
estão em um dos lados do plano da parede, mundo dos objetos externos ao self. Além
posicionados de tal forma, que o alcance da disso, trata-se de especificar que o modo de
câmera engloba um corredor muito estrei- o indivíduo se projetar naquela superfície
to, como uma fatia do espaço paralela e implica reconhecer todas as possibilidades
quase fundida à parede iluminada. Por isso, nas quais ele não coincide com a projeção.
para ser registrado, o espectador deve estar
praticamente contra a parede. À medida que Existe, naturalmente, uma história da arte dos
ele se afasta da parede para que se possa últimos 15 anos na qual trabalhos como mem
ver, a imagem torna-se distorcida e e dor se incluem, embora pouco se tenha
desfocada, mas assim que se move o sufici- escrito a respeito. Essa história envolve ati-
ente para colocar-se em foco, fica tão pró- vidades de certos artistas que em sua pro-
ximo do suporte da imagem, que não pode dução fundiram meios psicológicos e formais
realmente vê-la. Conseqüentemente, tanto para conseguir fins muito particulares. A arte
em mem quanto em dor, o corpo do espec- de Robert Rauschenberg é caso a mencio-
tador identifica-se fisicamente com o plano nar. Ao reunir grupos de objetos reais e ima-
da parede como o ‘lugar’ da imagem. gens prontas, e suspendê-los em matrizes

TEMÁTICA • ROSALIND KRAUSS 155


estáticas de um campo pictórico, procura É nesse corpo de trabalho que gostaria de
converter esse campo em algo que poderí- incluir a arte de Campus. A clausura
amos chamar de plano de memória. Ao fa- narcisística inerente ao medium do vídeo
zer isso, o campo pictórico estático torna- torna-se, para ele, parte de uma estratégia
se simultaneamente psicológico e expandi- psicológica na qual é possível examinar as
do no tempo. Argumentei em outro tex- condições gerais do pictorialismo em rela-
to19 que o impulso por trás desse movimen- ção a seus espectadores. Isto é, pode consi-
to surgiu a partir de questões relacionadas derar criticamente o narcisismo como for-
com o fetichismo utilitário.20 Rauschenberg, ma de “suspensão”22 do mundo e de suas
entre muitos outros artistas, vinha trabalhan- condições, ao mesmo tempo em que reafir-
do contra uma situação na qual a pintura e a ma a facticidade23 do objeto em oposição
escultura vêm sendo absorvidas pelo mer- às motivações narcisísticas para a projeção.
cado de luxo, de tal forma que seu conteú-
do vinha sendo profundamente condiciona- Rosalind Krauss é crítica de arte contemporânea, histo-
riadora da arte e professora na Universidade de Columbia
do por seu status de prêmios-fetiche21 a (NY). O Fotográfico (Gustav Gili, 2003), Os Papéis de
serem colecionados e, assim, consumidos. Em Picasso, (Iluminuras, 2006) e Caminhos da Escultura Mo-
resposta, a arte de Rauschenberg impôs ou- derna (Martins Fontes, 2007) são alguns de seus livros
tra relação, alternativa, entre o trabalho de publicados no Brasil. Este texto foi traduzido de October,
v.1, Nova York, Primavera 1976: 50-64.
arte e seu espectador. Para isso, Rauschenberg
recorreu ao valor do tempo: o tempo que
se leva para ler um texto, ver uma pintura Tradução: Rodrigo Krul e Thais Medeiros
ou praticar a atividade de diferenciação
cognitiva que se impõe para alcançar um Revisão técnica: Ana Cavalcanti
resultado. Isto é, ele queria contrapor os
valores temporais da consciência contra o Notas
stasis do fetichismo-utilitário. 1 Este texto foi escrito em 1976, portanto, a “década passa-
da” se refere aos anos 60. [N.T.]
Embora respondendo às mesmas conside-
2 Optou-se por manter o termo no latim original. [N.T.]
rações, os valores temporais construídos na
escultura minimalista dos anos 60 estavam 3 Para preservar a associação proposta pela autora, o termo
foi mantido no original. [N.T.]
engajados, principalmente, com as questões
de percepção. O espectador, portanto, en- 4 Optou-se por manter feedback (retorno) no original. [N.T.]
volvia-se com uma decodificação temporal 5 Close-up é o enquadramento em que a câmera aproxima
de questões de escala, localização ou forma o objeto dos limites de seu plano visual. [N.T.]
– questões inerentemente mais abstratas, do 6 O headset é composto de um par de fones de áudio com
que, por exemplo, conteúdos de memória. um transmissor vocal anexado. [N.T.]
Pura, devemos dizer, em oposição à psico- 7 Hipostasiar – Considerar falsamente (uma abstração, um
logia aplicada. Mas no trabalho de certos conceito, uma ficção) como realidade; transformar uma
escultores iniciantes, Joel Shapiro por exem- relação lógica como substância (no sentido ontológico
plo, as questões do minimalismo foram da palavra). [Fonte: Houaiss, Antônio e Villar, Mauro de
Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de
inseridas num espaço que, como o campo Janeiro: Editora Objetiva, 2001.] [N.T.]
pictórico de Rauschenberg, se define como
8 O boomerang é um instrumento de arremesso cuja princi-
mnemônico. Portanto, a distância física de pal característica é o feedback à mão de seu arremessador
um objeto escultórico é entendida como após o lançamento. No contexto do vídeo de Richard
indistinguível de um afastamento temporal. Serra, o termo boomeranging refere-se ao processo de

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feedback imediato das informações de áudio, emitidas e 16 Esse vídeo encontra-se disponível na internet no ende-
recebidas, devido a seu controle técnico programado. reço: http://www.ubu.com/film/serra_boomerang.html
No depoimento de Nancy Holt, a interlocutora da ex- (acesso em 24 de maio de 2008). [N.T.]
periência, as reverberações eranging-ing e anginging, são
os “fragmentos-palavra” que a autora cita no texto, re- 17 Esse vídeo encontra-se disponível na internet no ende-
sultado do atraso entre a locução real e o feedback do reço: http://www.medienkunstnetz.de/werke/vertical-roll/
áudio. [N.T.] (acesso em 24 de maio de 2008). [N.T.]

9 Por exemplo, essa equação completamente errônea per- 18 No original em inglês, stasis. Nas histórias de ficção cien-
mite a Max Kozloff escrever que o narcisismo é “o tífica, o termo stasis ou hypersleep significa o controle
correlato emocional das bases intelectuais por trás da das capacidades de animação – fala e movimentos vo-
auto-reflexão da arte moderna”. Consultar: Pygmalion luntários – de um indivíduo. Nesse processo, não há
Reserved, Artforum, nov. 1975: 37. perda das funções vitais, apenas sua inoperância, facil-
mente desativada através de dispositivos controladores
10 Do grego, synonymía, pelo latim tardio synonymia. Quali- do stasis field – o campo espacial de ação da stasis. Nesses
dade ou caráter de sinônimo; relação entre palavras si- campos, é freqüente a suspensão do tempo, aproximan-
nônimas. [N.T.] do-o do quase-infinito, e suas superfícies reflexivas apro-
ximam-se da perfeição, protegendo a matéria inanima-
11 O pessimismo de Freud sobre as perspectivas de trata- da de ser destruída. [N.T.]
mento para o narcisismo é baseado em sua experiência
com a incapacidade inerente ao narcisista de entrar em 19 Ver meu ensaio “Rauschenberg and the Materialized
situação analítica: “A experiência mostra que pessoas Image”, Artforum, XIII, dez. 1974.
que sofrem de neuroses narcisísticas não têm capacida-
de para realizar a transferência, ou dela realizam apenas 20 No original, commodity-fetichism. [N.T.]
insuficientes remanescentes. Voltam-se para o médico 21 No original, fetish-prizes. [N.T.]
não com hostilidade, mas com indiferença. Dessa for-
ma, não são por ele influenciadas; o que ele diz deixa-as 22 No original, bracketing-out. [N.T.]
frias, não lhes causa nenhuma impressão, e, portanto, o 23 No original, facticity. Etim: fáctico + i + dade, ver: faz-.
processo de cura, que pode ser levado a cabo com os Qualidade do que é factual, do que se relaciona aos
outros, a revivificação de um conflito patogênico e a su- fatos. No heideggerianismo, situação característica da exis-
peração da resistência resultante das repressões, sobre tência humana que, lançada ao mundo, está submetida
elas não têm efeito. Elas permanecem como são.” Sigmund às injunções e necessidades dos fatos. No existencialismo
Freud, A general introduction to psychoanalysis. Tradução sartriano, conjunto das circunstâncias factuais cuja abso-
de Joan Rivere, Nova York: Permabooks, 1953: 455. luta contingência dissolve as verdades e as fundamenta-
12 Jaques Lacan, The language of the self. Tradução de ções ordinárias para a existência humana, o que termina
Anthony Wilden. Nova York: Delta, 1968: 11. (Há edi- por conduzi-la à liberdade. Fonte: Houaiss, Antônio e
ção brasileira: Jacques Lacan. Função e campo da fala e Villar, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Por-
da linguagem em psicanálise. In: Escritos. Rio de Janeiro: tuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001. [N.T.]
Jorge Zahar, 1998. A tradução do trecho citado foi feita
do texto original em francês Fonction et champ de la
parole et du langage en psychanalise disponível em http:/
/www.ecole-lacanienne.net/pastoutlacan50.php [N.T.])
13 Ao explicar essa frustração, Lacan aponta para o fato de
que mesmo quando “o sujeito faz de si um objeto, po-
sando diante do espelho, possivelmente não se satisfaz
consigo mesmo, já que, embora possa atingir a mais
perfeita semelhança com essa imagem, ainda seria o pra-
zer do outro que ele causaria ao ser assim reconheci-
do.” Id., ibid.: 12.
14 Id., ibid.: 100. Embora moi traduza-se como “ego”, presu-
midamente, Wilden conservou o termo em francês para
sugerir a relação entre as diferentes ordens do ‘self’, pelo
contraste implícito entre moi e je.
15 No original, instant replay. [N.T.]

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