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DA COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO JUÍZO DE VARA DE

SUCESSÕES PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DAS AÇÕES QUE


VERSAM SOBRE BENS DE ESPÓLIO
Autor: Jorge Américo Pereira de Lira - Fonte: IMP

Ao construir a regra de competência funcional inserta no art. 120, § 1º, inciso I, alínea
"e", do Código de Organização Judiciária do Estado de Pernambuco (competência
absoluta ratione materiae no plano horizontal), o legislador provinciano utilizou-se de
cláusula extraordinariamente ampla e abrangente: versando a causa sobre bem de
espólio, compete ao Juízo de Vara de Sucessões o seu processo e julgamento.

A exegese do dispositivo tem, portanto, como premissa de base, o conceito de bem.

Bem, no sentido técnico-jurídico, são valores materiais ou imateriais que podem ser
objeto de uma relação de direito. O termo, que é amplo no seu significado, abrange
bens corpóreos e incorpóreos, coisas materiais e imponderáveis, fatos e abstenções
humanas.

O novo Código Civil, no Livro II da Parte Geral, na tentativa de restringir o alcance do


vocábulo "coisas", usado no diploma anterior, utiliza sempre a expressão "bens",
evitando a palavra coisa, que é conceito mais amplo do que o de bem, no entender de
JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, que se apóia na lição de TRABUCCHI (A Parte Geral do
Projeto de Código Civil Brasileiro, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003).

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, tendo em vista o Código Civil de 1916, afirmava que
"as coisas são materiais ou concretas, enquanto que se reserva para designar os
imateriais ou abstratos o nome bens em sentido estrito. Sob o aspecto de sua
materialidade é que se fazia a distinção entre coisa e bem" (Instituições de Direito
Civil, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, v. 1, 1976).

MARIA HELENA DINIZ diz que "os bens são coisas, porém nem todas as coisas são
bens. As coisas são o gênero do qual os bens são espécies. As coisas abrangem tudo
quanto existe na natureza, exceto a pessoa, mas como 'bens' só se consideram as
coisas existentes que proporcionam ao homem uma utilidade, sendo suscetíveis de
apropriação, constituindo, então, o seu patrimônio" (Curso de Direito Civil Brasileiro,
18ª ed., São Paulo, Saraiva, vol. 1, 2002, p. 275-276).

SILVIO RODRIGUES lecionava que "bens' são coisas que, por serem úteis e raras, são
suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico, enquanto 'coisa' é tudo quanto
existe objetivamente, com exclusão do homem" (Direito Civil, 32ª ed., São Paulo,
Saraiva, v. 1, 2002)

Tenha-se presente, destarte, que a palavra bens, que serve de rubrica ao Livro II da
Parte Geral do Código de 1916, e do novo Código Civil, tem amplo significado,
abrangendo coisas e direitos, sob os mais diversos aspectos. Na parte especial, refere-
se o Código ao direito das coisas, porque, então, se dedica, exclusivamente, à
propriedade e aos seus vários desmembramentos.

Numerosas são as categorias de bens. O próprio Código disciplina-os em três capítulos


diferentes: a) dos bens considerados em si mesmos; b) dos bens reciprocamente
considerados; e c) dos bens públicos. O capítulo que tratava dos bens de família foi
deslocado para a parte atinente ao Direito da Família, além do que o novo Código não
dedicou um capítulo aos bens que estão fora do comércio, como o fizera o diploma de
1916.

Doutrinariamente, costumam ainda os bens ser classificados em bens corpóreos e


incorpóreos. Corpóreos são os bens dotados de existência física ou material, que
incidem ou recaem sobre os sentidos. Incorpóreos são os que, embora de existência
abstrata ou ideal, são reconhecidos pela ordem jurídica, tendo para o homem valor
econômico.

Dentre os primeiros estão, por exemplo, os bens imóveis, especificados no art. 79 do


CC; dentre os segundos, a propriedade literária, científica e artística, o direito à
sucessão aberta (art. 80, II) e a propriedade industrial.

Os bens corpóreos são objeto de compra e venda, enquanto os incorpóreos, suscetíveis


de cessão. Além disso, estes, ao contrário daqueles, não se prestam à tradição e ao
usucapião.

Logo, a matriz da regra de competência funcional inscrita no art. 120, § 1º, alínea "e",
do COJPE, localiza-se, topograficamente, no plano do direito substantivo, no objeto da
pretensão formulada. Se esta tem por fundamento, objetivamente, coisa ou direito
relativo ao espólio, a competência para o seu processo e julgamento é do Juízo de Vara
de Sucessões.

Em nosso sistema judiciário, a matéria em litígio (isto é, a natureza do direito material


controvertido) pode servir, inicialmente, para determinar a competência civil na esfera
constitucional, atribuindo a causa ou à Justiça Federal ou à Justiça Estadual. Passada
essa fase, a procura do órgão judicante competente será feita à base do critério
territorial. Mas, dentro do foro, é ainda possível a sua subdivisão entre varas
especializadas. Em semelhante situação, estaremos diante de competência de juízes
ratione materiae, que, como destaca o CPC, em seu art. 91, é problema afeto à
organização judiciária local.

Pelo critério funcional de determinação da competência interna (que atende às normas


que regulam as atribuições dos diversos órgãos e de seus componentes, que devam
funcionar em um determinado processo), determina-se não só qual o juiz de primeiro
grau, como também qual o tribunal que, em grau de recurso, haverá de funcionar no
feito, além de estabelecer-se, internamente, qual a câmara e respectivo relator que
atuarão no julgamento.

Por não se tratar de regra de competência de foro, e sim de competência de juízo


(regra de competência entre juízes com idêntica competência territorial), é irrelevante,
para a exegese e aplicabilidade da regra emergente do art. 120, § 1º, alínea "e", do
COJPE, a condição do espólio na causa, como sujeito da relação jurídica processual;
vale dizer, se autor ou réu. Por isso, é ininvocável, no caso, a regra compendiada no
art. 96, caput, do Código de Processo Civil, que dispõe sobre competência de foro
(regra de competência entre juízes com diferente competência territorial) e constitui
regra de competência relativa - por isso mesmo não pronunciável ex officio pelo juiz.

De tal sorte que, de harmonia com o magistério de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, "o
inventário proposto fora do juízo nele previsto não pode ser rejeitado pelo juiz de
ofício. A competência para o processo sucessório é prorrogável, se não houver exceção
por parte de algum interessado. (...) A competência regulada pelo art. 96, é bom
notar, não é de juízo, mas sim de foro, conforme os termos da própria lei. Disso
decorre, nas comarcas onde existirem várias varas de igual competência, que a causa
contra o espólio poderá correr perante outro juiz que não o do inventário. O que se
exige é que as ações corram no mesmo foro e não no mesmo juízo (Curso de Direito
Processual Civil, 41ª ed., Rio de Janeiro, Forense, v. 1, 2004, p. 163).

A Egrégia Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, em acórdão


paradigmático, da relatoria do eminente Des. JONES FIGUEIRÊDO ALVES, conhecendo
de conflito negativo de competência, apaziguou a jurisprudência revolta e, de par com
essa orientação, consagrou, por votação indiscrepante, o entendimento de que,
funcionalmente, compete ao Juízo de Vara de Sucessões conhecer e processar as ações
que versam sobre bens de espólio, ainda que não relacionadas diretamente com a
sucessão causa mortis (Conflito de Competência nº 130.240-5, DPJ de 31.05.2006).

A tudo se acresça que a competência regulada pelo art. 120, § 1º, alínea "e", do
COJPE, não impede que, nas comarcas onde existirem duas ou mais varas privativas
de sucessões (igual competência funcional), causa proposta pelo ou contra o espólio
possa correr perante outro juiz que não o do inventário. O que fez o legislador
estadual, ao editar o atual Código de Organização Judiciária, foi atribuir ao Juízo de
Vara de Sucessões - e não ao Juízo do inventário - a competência ratione materiae
para o processo e julgamento das causas e seus incidentes relacionados a bens de
espólio.

Registre-se, ao cabo, que a Comissão Revisora do COJPE, ao disciplinar a competência


do Juízo de Vara de Sucessões, propôs a glosa da cláusula de que trata este trabalho,
de modo a atribuir-lhe, no particular, tão-só, o processo e julgamento das causas
diretamente relacionadas à sucessão causa mortis.

http://www.imp.org.br/webnews/noticia.php?id_noticia=503&

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