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A BIBLIOTECA UNIVERSITARIA COMO RECURSO ACADEMICO PARA A AFILIACAO DO ESTUDANTE Maria Alice Santos Ribeiro! maliceribeiro@yahoo.com.br ORCID: 0000-0002-4037-7289 Georgina Gongalves dos Santo ORCID:0000-0001-5790-4121 RESUMO Artigo destinado ao endosso e reconhecimento da biblioteca universitaria enquanto responsavel na proposigdo de mecanismos de acesso & informago. Discute o papel educativo das bibliotecas académicas enquanto socializadoras, sua origem e relagdo com a universidade em visio geral, Compara conceitos como filiagio ¢ alfabetizagio informacional (informational literacy), aponta questées sobre 0 papel estratégico da biblioteca na promogao de independéncia intelectual. A pesquisa, caracterizada descritiva, ¢ combinada com abordagem qualitativa. Adota perspectiva da etnometodologia para acessar 0 cotidiano dos estudantes do curso do Bacharelado Interdisciplinar da Universidade Federal da Bahia nas bibliotecas universitirias. Os instrumentos da coleta de dados foram questionérios, observagio participante e diario de campo. Questiondrios avaliaram o conhecimento prévio dos estudantes ea posterior aprendizagem, decorrente do curso. Observagdes foram realizadas durante 0 curso de extensdo “Técnica de pesquisa em fontes de informagao especializada ¢ estrutura do trabalho cientifico”. Diario de campo utilizado como registro de reflexes sobre a aprendizagem dos investigados. Resultados mostram que estudantes tém dificuldades no uso do espago informacional, tém conhecimento limitado sobre produtos e servigos da biblioteca universitéria e desconhecem a légica de funcionamento ¢ da organizagdo do acervo. Esses resultados apontam a necessidade de agdes que eliminem dificuldades e favoregam o desenvolvimento de competéncias associadas a0 uso efetivo e eficiente das informagdes disponiveis no ambiente virtual. Finalmente, demonstram que a biblioteca contribui para a permanéneia bem-sucedida de estudantes de graduagio no ambiente académico se oferece apoio educacional, cientifico, tecnolégico e cultural, além de estimulo ao pensamento critico e a aprendizagem especializada Palayras-chave: Universidade. Biblioteca universitaria. Afiliagao universitaria, Alfabetizagio informacional, RESUME Cet article est destiné & faire reconnaitre la bibliothéque universitaire comme responsable de proposer des mécanismes d'accés A l'information.II discute le rdle éducatif des bibliothéques universitaires comme ambiance de socialisation, leur origine et leur relation avec luniversité Il compare des concepts tels que Vadhésion et maitrise de linformation (alphabétisation informationnelle), souligne les questions sur le rdle stratégique de la bibliothque dans la promotion de l'indépendance intellectuelle. La recherche, de caractére descriptif, est combinge avec une approche qualitative. On adopte le point de vue de lethnométhodologie pour accéder Bibliotecaria. Coordenadora do Lugares de Meméria do SIBVUFBA. ‘Trabalho apresentado no Simpdsio Rede MUSSI III Coldquio Internacional da Rede Franco-Brasileira de Pesquisadores em Mediagées e Usos Sociais de Saberes e Informagio. 2014, htips://remussi org/publicacoes! Profa, Dra, UFRB. 4 la vie quotidienne des étudiants de License Interdisciplinaire de l'Université Fédérale de Bahia dans les bibliothéques universitaires. Les instruments de collecte de données ont été des questionnaires, I’ observation participative et un carnet de route. Les questionnaires ont évalué les connaissances préalables des éléves et ce qu’ils ont appris grice au cours. Des observations ont été faites pendant le cours d'extension « techniques de recherche sur les sources d'information spécialisée et la structure du travail scientifique". Le carnet de route a &é utilisé comme un dossier de réflexions sur lapprentissage des étudiants. Les résultats montrent que les étudiants ont de la difficulté & utiliser Nespace dinformation, ont une connaissance limitée sur les produitset services de la bibliothéque de I'université et ne savent pas la logique de fonctionnement ni lorganisation de la collection. Ces résultats indiquent la nécessité de mesures pour éliminer les difficultés et encourager le développement de lutilisation plus efficace de l'information disponible dans l'environnement virtuel et finalement montrent que la bibliothéque contribue 4 la permanence des étudiants dans le milieu universitaire et & la promotion de la pensée critique et de l'apprentissage spécialisé, si elle offre un soutien éducatif, scientifique, technologique et culturel Mots-clés: Université. Bibliothéque de Université. Affiliation universitaire, Maitrise de Vinformation. ABSTRAC Article intended for endorsement and recognition of the university library while responsible in proposing information access mechanisms. Discusses the educative role of academic libraries as socializing, its origin and relationship with the university in overview. Compares concepts like membership and informational literacy, points out issues about the library strategic role in promoting intellectual independence. The research, characterized as descriptive, is combined with qualitative approach. Adopts the ethnomethodology perspective to access the daily routine of the Interdisciplinary Bachelor of Federal University of Bahia students in the university librarics. The instruments of data collection were questionnaires, participant observation and field journal, Questionnaires evaluated students’ prior knowledge and further leaming due course. Observations were made during the extension course “Research technique in specialized information sources and scientific work structure”. Field diary was used as reflections record on investigated learning. Results show that students face difficulties in using the informational space, have limited knowledge about the products and service of the university library and ignore the functioning and the organization logic of the collection. These results indicate the need for actions to eliminate difficulties and encourage the competence development associated with the effective and efficient use of the available information in virtual environment. Finally, show that the library contributes to the successful persistence of graduation students in the academic environment, offers educational, scientific, technological and cultural support, aside from the encouragement of critical thinking and specialized leaming, Keywords: University. University library. University affiliation, Informational literacy 1 INTRODUGAO A universidade representa um dos espagos importantes de produgdo ¢ socializagio de conhecimento. sa produgio surge de variadas atividades de cariter académico, cientifico, cultural ou técnico que estabelecem relagées ¢ fluxos entre ensino (formagdo académica), pesquisa (produsiio cientifica) e extensdo (fungdo social). © conhecimento, ao interagir com a sociedade, retorna ao meio académico, estimulando outras perspectivas por entrar em contato outra vez com 0 fluxo formative e de produgdo académi 0, & também fe, nesse pros estimulado, Com esse sentido, recorremos a Santos (2003, p. 9) na defensa de “ ] que todo o conhecimento cientifico ¢ socialmente construfdo [..]” pela retroalimentagdo entre 0 conhecimento formal e 0 cotidiano, © intercdmbio, no entanto, entre a produgio © a socializagao do conhecimento nao ocorre de modo simétrico, ao contrario, varios fatores obstéculos so continuamente percebidos, superados, para que ocorra 0 acesso e a efetiva democratizagao da informacio. Difundir 0 conhecimento significa compartilhar e democratizar o poder que esse ¢ a informagio proporcionam ao sujeito. Reconhece-se, porém, que se esti mum perfodo de transigGo. A natureza mercantil e a questo politica — centralizada no cariter piblico ou privado da informagio — demonstram as peculiaridades da passagem da sociedade do conhecimento para a atual ‘economia do conhecimento’. Esse movimento, sem diivida, tem impulsionado algumas instituigdes a criarem modelos de difusdo de informagao e de gestio de conhecimento com foco em resultados comerciais. F, portanto, indispensavel, distinguir informagao de conhecimento. Comumente, 0 acesso ao conhecimento da-se pela via do ensino ¢ da divulgagdo da informagio ¢ essa divulgagdo ocorre por meio de distintas fontes ¢ recursos de informagao, independentemente da instituigdo responsavel por sua gestdo, seja ela museu, arquivo, centro de documentaco ou biblioteca. Para Barreto (2002, p. 1), informagio “[...] se qualifica como instrumento modificador da consciéncia do individuo ¢ de seu grupo social [... * nio representando tao somente um conjunto de “dados” processados e arranjados em um contexto, mas, muito mais que isso: informagdo exige mediagio humana para agregar valor e consenso ao seu significado. Com essa concepgio, entende-se que “dado” interpretado ¢ contextualizado transforma-se em informagao para 0 uso estratégico e tomada de decisio. (DAVENPORT; PRUSAK, 1998). A transformagio da informagio em conhecimento requer assimilagdo, reflexdo, interpretagdo © sintese. Informagées que integram a estrutura mental do individuo so entendidas como conhecimento. Esse processo de integragdo ocorre quando as “novas” informagdes e as experiéncias ou conhecimento prévio acumulado (ideias-Ancoras) contribuem para mudanga na estrutura cognitiva do individuo. (AUSUBEL, 1998; TERRA, 2001; BARRETO, 2002). A partir dessa perspectiva, surge a compreensio da importancia de fluxo de informagdo, uma vez que o compartilhamento de conhecimento potencializa a aprendizagem e a competéncia dos individuos, Muito se tem discutido sobre a biblioteca, quer sob 0 ponto de vista da tomada de decisio para o processamento, armazenamento e preservacio da informagdo, quer pelo seu papel na divulgacio e disseminagdo do conhecimento, Hé que se concordar com Campello (2002) e Dudziak (2002), quando afirmam que, diante do processo de ensino e aprendizagem dos sujeitos, a biblioteca precisa sair da passividade e da alienagio e contribuir efetivamente com atividades de ensino, de pesquisa em contetidos relatives a fontes de informagio, metodologia documental ¢ leitura, Acredita-se, sobretudo, que a biblioteca precisa vincular suas ages, servigos e produtos informacionais aos temas curriculares, com 0 objetivo de ‘autorizar’ que a informagdo se transforme em novos conhecimentos, que retomne aos fluxos de ensino, da aprendizagem e da produgo académica e cumpra, assim, o seu papel social & educacional. Nesse ensaio, debruga-se sobre a discussdo de possibilidades de ressignificagdio do papel socializante ¢ sobre a ago educ iva que as bibliotecas podem assumir. Aspectos de natureza histérica serdo abordados em um tragado panoramico sobre a origem da biblioteca e sua relago com a universidade, Ao cotejar os conceitos de afiliagio (COULON, 2008) ¢ alfabetizagdo informacional (BREIVIK, 1989), esse artigo aponta questdes sobre o papel da biblioteca universitaria, no como entidade institucional dissociada do contexto de priticas de ensino-aprendizagem, mas também como espago estratégico de informagao e formagao para a autonomia ¢ aprendizagem da vida académica, 2 DE DEPOSITO DA MEMORIA A LUGAR INCITADOR DE CONHECIMENTO Para muitas pessoas, frequentemente, pensar em biblioteca implica imaginar um local com prateleiras e livros, quase nada além de suas caracteristicas fisicas e espaciais. Assim, ‘como se essa instituigdo estivesse fortemente vinculada 8 etimologia da palavra que a designa, O termo “biblioteca” vem do grego hiblion (livro) e théke, que significa caixa, cofre, armazém, depésito ou lugar Compreende-se entio que, originalmente, a biblioteca nfo estava vinculada 4 leitura, mas 4 conservagio dos registros, essencialmente contabeis, juridicos e escritos cujos fatos do cotidiano merecessem ser relatados ou representados, visto que nesse periodo ndo ha separagio entre arquivo e biblioteca, (FERNANDEZ ABAD, 2006). Na atualidade, depara-se ainda com definigdo de biblioteca como compartimento onde se guardam os rolos de papiro ou pergaminho ¢ lugar de estantes com livros (FERREIRA, 2005), mas também encontra-se o bibliotecdrio e educador Edmir Perrotti (2006) afirmando: “Biblioteca nao & depésito de livros”, mas ambiente propicio ao “{. educador ajudar o estudante a processar as informagdes do acervo”, ou seja, a obter letramento informacional jé que biblioteca, dentre as variadas fungdes, deve também exercer “[...] seu papel pedaggico” Alexandria foi a mais notavel capital cultural e intelectual da Antiguidade. Nessa cidade egipcia, localizada no interior do Templo Mouseion e do Templo de Seripis, ficava a biblioteca mais famosa da época, fundada no reinado de Ptolomeu I Soter, no ano de 280 a. C. Na mesma cidade, como indica Goulemont (2011), existiu a biblioteca de propriedade do filésofo Aristoteles, que nao estava situada em paldcio ou templo e ndo era ins itucional, mas basicamente particular, com caracteristica educativa, Essa biblioteca servia como espago de estudo ao filésofo grego e era utilizada pelos seus discipulos do Liceu. Pode-se reconhecer que aqui se situa o germe de uma das principais finalidades da biblioteca, 0 de espago dedicado a aprendizagem. A biblioteca nfo surgiu com o livro ¢, muito menos, com a educagio, Para compreender sua histéria, recorre-se 4 “Conturbada historia da biblioteca”, obra de Battles (2003) onde esse autor desereve os paptis desempenhados pela biblioteca desde 0 seu surgimento até a contemporaneidade, comprovando que, inicialmente, o recinto serviu para guardar tabletes de argila, papiros ¢ pergaminhos para farads, reis ¢ imperadores e, somente séculos depois, evoluiu para espago de leitura e oratéria Para Santos (2007), a finalidade da leitura somente foi associada a biblioteca em Roma, no século Il, nas bibliotecas consideradas ‘piblicas’. A primeira foi instalada no Templo Romano da Liberdade, no ano de 39 a, C. — sendo que a mais famosa foi a Ulpiana, construida pelo imperador Marco Ulpio Nerva Trajano (53-170). E preciso destacar, entretanto, que as bibliotecas romanas nao eram destinadas 8 populago em geral, mas aos patricios ¢ letrados. Apenas a elite frequentava os sales de leitura pablica, denominados de auditoria, para ouvir as recitationes de poetas em voz alta, costume introduzido na época pelo poeta, historiador e idealizador dessas bibliotecas, 0 cénsul Caio Asinio Pélio. (BATTLES, 2003; ROMA CAPUT MUNDI, 2013). O periodo medieval, no ocidente, foi marcado pela centralidade da Igreja Catélica que, durante muitos séculos, monopolizou 0 conhecimento. A populago era predominantemente iletrada ¢ © homem instruido nas habilidades de ler e escrever, € cujo conhecimento das cousas naturais fazia parte da sua formag%o, quase sempre era clérigo. (MANACORDA, 1989; MILANESI, 2002; BURKE, 2003). A educagéo surgiu no século VIII ainda direcionada a uma minoria nobre. Para Almeida Filho (2011), 0 ensino ‘piblico’ executado por Carlos Magno (768-814), apés sua coroagao, objetivava a unificagdo dos feudos da Europa Ocidental e Central. Esse monarca nao s6 oficializou como lingua o latim como determinou, pela legislagio — Admonitio generalis (789 d. C.) — que mosteiros se tornassem colégios monacais ¢ catedrais virassem colégios palatinos, para nobres francos. © imperador do Sacro Império Romano deliberou que as escolas fossem presididas por um eclesistico, subordinado diretamente ao bispo (scholasticus ~ origem do termo escolastico dado a doutrina e a pratica de ensino). Posteriormente, o conceito foi vinculado & ideia de “professor de artes liberais ¢, depois, a docente de filosofia ou teologia que lecionava primeiramente na escola do convento ou da catedral, em seguida na Universidade. (ABBAGNANO 2000, p. 344). © ensino escolistico, portanto, iniciou-se ¢ desenvolveu-se entre o final do século VIII ¢ 0 século IX, nas escolas instaladas durante o Renascimento Carolingio ~ manifestagdo de renascimento intelectual e cultural por meio da Igreja Catélica, Apés a queda do império carolingio, 0 controle politico da educagao, anteriormente da ordem do império, passou para a Igreja. Essa crise, consequentemente, possibilitou 0 monopélio da instrugao pelos monges da Ordem Beneditina entre os séculos IV e X, os quais ndo apenas administraram as primeiras escolas como também exerceram o controle dos manuscritos ¢ cédices da cultura classica e paga. As bibliotecas dos mosteiros e, a seguir, as universidades ficaram sob o comando do clero, verdadeiros guardides desses espagos. © embrido da biblioteca universitéria surgiu com as bibliotecas monacais. Para Carvalho (2004) © Bastos (2011), a origem das bibliotecas universitirias encontra-se sedimentada nas bibliotecas de ordens religiosas que sustentaram 0 movimento de criagdo das universidades e, nos fins do século XIII, as Universidades fundam suas préprias bibliotecas. ‘As comunidades mondsticas, formadas por cristdos clérigos e leigos, viviam em locais desabitados ¢ dedicavam-se a ora¢do, meditago e estudo, Para Loureiro [ca. 1960] e Janotti (1992), foi essa situago de recolhimento que propiciou ndo somente © acimulo de documentos como também a manipulagao do conhecimento. Assim, considerando-se guardia do saber, a Igreja arquivou incundbulos, papiros ¢ cédices nas bibliothecas dos mosteiros com a suposta intengo de manter salvas as almas dos figis. Por conseguinte, muitas obras julgadas como profanas foram destruidas, mas, para Martins (1996, p. 83), mesmo “[...] com maior ou menor interesse profano, com maior ou menor penetragao leiga, so os mosteiros que salvam, para © mundo modemo, a riqueza literdria da Antiguidade” ja que muitas obras, através do trabalho dos religiosos copistas, foram preservadas até os nossos dias A universidade surgiu no periodo do ensino escolstico, entre os séculos IX e XII, influenciada por varios fatores, dentre eles: contato com povos arabes; redescoberta da filosofia grega, estimulos ao comércio, viagens e descobertas maritimas; desenvolvimento de novas profissdes; surgimento de uma nova classe social (burguesia) ¢ a expansdo das cidades, (ALMEIDA FILHO, 2011). Convém salientar, no entanto, que como instituigéo de ensino medieval, 0 termo que mais correspondia a universidade era Studium generale. A universidade, fundada no final do século XI, a principio, nao era o lugar onde todos os assuntos eram ensinados, mas 0 espago no qual todos os estudantes eram aceitos, As universidades medievais, comumente eram frequentadas por estudantes e mestres de toda parte, o intercdmbio de alunos entre os varios paises era permitido. No entanto, essa movimentagdio era marcada por restriges nas bibliotecas universitérias, cujo acesso a determinados livros era permitido a professores e proibido aos estudantes e & comunidade em geral. A Igreja, assim, garantiu nao apenas 0 controle da educagio, dos livros e das bibliotecas, como também criou 0 monopélio eclesidstico da instrugdo. (MANACORDA, 1989). Considerada como uma época de "revolugao social”, a Idade Moderna (século XV a XVII) configurou-se por fazer grandes mudangas na formagdo do cendrio mundial. No final do século XIV para 0 XV, despontou o “movimento humanista associado ao Renascimento” de revalorizago das referéncias culturais da Antiguidade Classica. (BURKE, 2003, p. 40). Os humanistas criticavam 0 ensino escolistico do Trivium © do Quadrivium das universidades, propondo a ampliagao e a criagio de novas ciéncias e disciplinas; uma nova visio de mundo e do homem; ¢ um novo conecito de ensino © educagio. Essa foi, sem diivida, a fase do aparecimento de grandes universidades com caracteristicas essenciais do movimento humanista, de onde emergiu a compreensio de que as bibliotecas universitérias deveriam ser locais de estudo e de reflexio que oferecessem ambiente propicio ao desenvolvimento de atividades intelectuais. Assim, a histéria da biblioteca misturou-se a historia da universidade, ou seja, deixou de ser vista apenas como espago de “meméria” das experiéneias cientificas ¢ culturais, passando, sobretudo, a ser lugar de didlogo que contribui para 0 proceso sociocultural da universidade ¢ da sociedade de modo geral. A leitura, a pesquisa, 0 contato direto com os livros, portanto, modificaram a fungio da biblioteca. Concebida, inicialmente, para ser um depésito, ao longo do tempo, a biblioteca vai acrescentar 4 sua miso a pratica informacional ¢ educacional. © senso critico exigido pelo Humanismo permitiu ao homem observar mais atentamente os fenémenos naturais. Essa pritica resulta na incorporagio de conhecimentos alternativos ao saber estabelecido, constituindo-se em uma ‘nova filosofia’ ou ‘filosofia natural’, O desafio ao saber estabelecido, conforme Burke (2003, p. 43), leva a uma “[...] consideravel oposic&o & nova filosofia em circulos académicos [...]” uma vez que a ‘ciéncia’ até entdo atrelada a Filosofia, separou-se e passou a ser um conhecimento mais estruturado e pratico, recusando em muitas situagdes a interpretagao da Igreja Catélica. Na histéria da ciéncia, essa ‘inovagdo intelectual’ & conhecida como Revolugio Cientifica, que se iniciou-se no século XV e prolongou-se até o século XVIII, sendo também uma das principais causas dessa revolugo a invengdo da tipografia (1439), por exemplo, que permitiu a fabricagdo de livros em série e contribuiu para a difusio do conhecimento. (BURKE, 2003). Integrado a Revolucdo Cien ica, encontra-se 0 movimento do Iluminismo, Esse movimento intelectual, filos6fico, politico, social, econémico e cultural surgiu no final do século XVII e teve seu apogeu no século XVIII. Defendia o uso da razio como o melhor caminho para se alcangar a liberdade, a autonomia ¢ a emancipagdo. O centro das ideias iluministas brotou nos sales da cidade de Paris ~ de onde culminou a grande Encyclopédie, obra composta por 35 volumes, definida por Burke (2003, p. 19) como “f...] uma reunido da informago disponivel em sua época, ¢ também uma vivida ilustragio tanto da politica como da economia do conhecimento” até entio existente. Os iluministas tinham como algumas das suas reivindicagdes a liberdade religiosa, a criagdo de escolas para que 0 povo fosse educado e colocaram a prova 0 monopélio do conhecimento pelas universidades. Nesse contexto, surgiram organizagdes de fomento a ‘pesquisa’, termo que comegou a fazer parte de titulos em livros no século XVII. O Iuminismo forneceu parte do fundamento intelectual que desencadeou eventos politicos como a Revolugdo Francesa (1789), que se revelariam de extrema importineia para a constituigiio do mundo modemo. Nesse cendrio, as efetivas transformagSes sociais, resultantes da Revolugio Francesa, fizeram com que as bibliotecas adquirissem cardter piblico e laico com fim ao incentive & leitura. Contudo, cabe destacar que as bibliotecas francesas ndo foram as primeiras bibliotecas piblicas, mas sim as dos paises anglo-saxGnicos. Diferentemente das francesas, as bibliotecas plblicas da Inglaterra foram resultado da “luta de classes” aprovadas por lei ¢ constituidas de acordo com os interesses dos cidadios” © nfo de acervos provenientes das bibliotecas particulares confiscadas. (BATTLES, 2003, p. 137; BASTOS, 2011, p. 9). © século XVI, portanto, marcou 0 inicio da existéncia das bibliotecas modemas, quando passaram a responder por novas questdes voltadas 4 democratizagio. Dessa época destaque-se 0 vertiginoso aumento da produgdo intelectual em todo o mundo e também 0 fracionamento dos tipos de biblioteca, decorrente de um processo continuo de especializacao. Lugar essencialmente consagrado & leitura e a aprendizagem, a biblioteca viu-se ampliada em suas finalidades, cujas caracteristicas abrangiam 0 livre acesso e a democratizagio da informagdo, (GOULEMOT, 2011). Todas essas mudangas gradativas so modernamente apontadas por Milanesi (1998) © Martins (2002) como lai Ho, democrati so & especializacio. Cunha (2003, p. 68), a0 reforgar 0 1 laico da biblioteca piblica, apresenta também o seu aspecto democratico: [...] a ideia de que o conhecimento preso ao livro torna-se de pouco valor, havendo a necessidade de dissemini-lo para gerar o enriquecimento intelectual dos individuos eda coletividade, O foco deixa de sero livro e se transfere para o leitor. Com essa perspectiva, a biblioteca piblica ganha forga no século XIX, principalmente movida pelos ideais democriticos. De acordo com Arruda (2000), a biblioteca piblica teve sua origem na Inglaterra, motivada principalmente por revolugées como a Revolugio Francesa (1789) ¢ Industrial (1780-1830). Além de sua evolugdo para atender ao cidadio comum, Martins (2002) ¢ Usherwood (1999) ressaltam a importancia da biblioteca como agente de mudangas no campo social e politico e a luta dos pioneiros do movimento para abertura das bibliotecas piblicas, em razio de sua fungao educativa. Esse carater social da biblioteca que & reconhecido, na atualidade, como primordial, iniciou-se oficialmente em 1850, quando o deputado William Ewart aprovou, pelo Parlamento inglés, uma lei na qual determinava que cada cidade deveria implementar uma biblioteca piblica gratuita. Mesmo considerando-se a existéncia de algumas bibliotecas piblicas desde 1609, a exemplo da Ambrosiana de Mildo, clas em si atendiam aos interesses de alguns poucos benfeitores ¢ ndo aos da comunidade. (MANGUEL, 2006, p. 87). 10 Em decorréncia desse proceso concomitante ¢ de sua crescente interatividade e usabilidade, hoje, tem-se a biblioteca publica como uma instituigdo que possui caréter social, sendo financiada e seguindo regulamentagGes estatais que facilitam 0 acesso da populagio a informagao para o aleance de uma sociedade mais justa e equanime, Mas bibliotecas universitirias também so desafiadas a elaborar ¢ a executar propostas que incentivem os usuérios da comunidade académica, principalmente os estudantes, a explorar suas potencialidades (servigos, acervos, espagos, tecnologias de informagio e comunicagio), criando assim um ambiente que incite a aprendizagem de forma democratica possibilite o fortalecimento da afiliagdo universitéria. (COULON, 2008). 3 BIBLIOTECA, CENARIO DE SOCIALIZAGAO E AFILIACAO DO ESTUDANTE UNIVERSITARIO A entrada na universidade causa estranhamento a novos estudantes. Para o sociélogo francés, Alain Coulon, superar o papel de aluno é a primeira tarefa que o estudante universitario deve realizar; este, ao entrar na vida académica, inicia a aprendizagem do “oficio de estudante” e & nesse momento, durante a mudanga de seu status social, que o indice de desisténcia ¢ maior. A entrada na vida universitiria deve ser experimentada como uma espécie de tempos de passagem: é necessario passar do estatuto de aluno ao de estudante. Os tempos de passagens so trés (Coulon, 2008). © primeiro, 0 ‘tempo do estranhamento’, & caracterizado como aquele em que o estudante experiencia vivencias diferenciadas daquelas vividas na escola, © calouro, o novigo, entra em uma espécie de mundo desconhecido, uma vida istanciada da rede familiar e dos amigos da fase anterior. Sua tarefa 6, entdo, desenvolver sua autonomia, © ‘tempo da aprendizagem’ segue-se a0 do estranhamento, que é vivido como uma espécie de laténcia, sucedida por uma fase de familiarizagdo com a instituigdo. Um tempo de adaptago © aproximagdo dos cédigos do trabalho intelectual, em que o estudante se transforma ¢ vai tomando consciéneia do tempo subjacente a todo e qualquer processo de aprendizagem. No tempo da aprendizagem, o estudante descobre a necessidade de adaptagdo e busca aprender sobre os novos eédigos e regras que povoam o espago da universidade, Por fim, chega o ‘tempo da afiliago’, quando, progressivamente, o estudante se torna membro da universidade, 0 que exige dele dominio da linguagem institucional comum. O estudante, entio, j aprendeu a ter autonomia e incorpora priticas e compreende o funcionamento do mundo universititio, Esse ¢ 0 momento em que ele descobre ¢ torna-se competente no uso dos cédigos e regras, definindo um proceso de afiliagdo, il simultaneamente, institucional ¢ intelectual. De acordo com Coulon (1995b, p. 150), 0 estudante, entdo, forja para si “[...] 0 que P. Bourdieu designou por habitus [...].” Para Coulon (2008, p. 261), tem sucesso aquele estudante “[...] que é afiliado, que partilha a linguagem comum.” O autor define as duas dimensdes que distinguem a afiliagao. Em sua primeira forma, a afiliagdo institucional pode ser identificada quando o estudante demonstra familiaridade com a regra ao compreender a resolugdo de seus problemas priticos. Entretanto, a afiliagdo também apresenta aspectos de ordem intelectual e esse proceso possibilita ao estudante ir além de descobrir, decifrar e incorporar os cédigos institucionais que regem a vida universitria. No plano intelectual, 0 indicador de afiliagdo é a capacidade de © estudante realizar, com competéncia, as miltiplas obrigagdes académicas, obter bons resultados nas avaliagdes e interpretar corretamente 0 que dele se espera. Ainda segundo Coulon (2008, p. 264), a necessidade mais explicita de aprendizagem e demonstragio de afiliagio apresenta-se no trabalho de pesquisa documental, prioritariamente em uma biblioteca universitaria, (© uso competente de uma biblioteca universitiria & uma manifestagio da afiliagdo intelectual, As informagées que procuramos estio todas li, escondidas em algum lugar no meio das dezenas de mithares de volumes, Espago incontomnavel para auxiliar os universitérios a desenvolverem 0 gosto pela leitura, possibilitar o aprendizado com independéncia ¢ contribuir para a formagio do pensamento critico © auténomo, a biblioteca, quando atuante em suas finalidades e miltiplas fungGes, deve interagir com o estudante, tanto durante sua transigio para o ensino superior, quanto na conclusdo de seu curso, Somente nessa perspectiva a biblioteca universitaria sera dispositive facilitador da transigdo para © mundo académico. A partir desse prisma, Jeanneret (2005, p. 1) define dispositivo como um “termo, ligado & agdo de dispor (arranjar, combinar) [..] © conjunto de substratos materiais da comunicago como dispositivos midiéticos, televisivos, editoriais” etc., colocando-os a disposigéo. E, assim, suas agdes colaboram de maneira decisiva para a adaptagdo dos novos estudantes ¢ para a melhoria no desempenho da sua condig&o de estudante e, consequentemente, para sua afiliagdo intelectual. A biblioteca universitiria deve estar preparada para atender as proposigdes dos docentes ¢ aos anseios dos discentes, dentre eles o de assumir o compromisso de instruir os usuarios no uso dos sistemas de informagio, elaborar instrumentos de referéneia sobre a utilizagdo do espago, servigos ¢ acervo, orientar na elaborago do trabalho académico, ¢ outros, Naturalmente, 0 atendimento destas questdes enfatiza a mi 0 da biblioteca que é dar suporte a instituigo e 4 populagao a que serve. (LEITAO, 1998). 12 4 O PAPEL DA BIBLIOTECA COMO ESPAGO DE GESTAO DA INFORMACAO PARA AUTONOMIA DA APRENDIZAGEM NA UNIVERSIDADE Como organismo gestor de documentagao ¢ informagao, a biblioteca universitaria tem a responsabilidade de propor e adotar mecanismos que promovam o acesso a informagio ¢ bem-sucedida dos estudantes. E, tambér contribuam para a permanéne . parte de suas principais atribuigdes prestar apoio educacional, cientifico, tecnolégico e cultural a comunidade académica. Assim, a biblioteca deve atuar como facilitadora para a transigdo das fases de aprendizagem do mundo universitério por que passam os estudantes, principalmente no que se relaciona & superago de dificuldades de competéncia informacional para conquista da autonomia. Para Silva e Gomes (2009, p. 982) [1 & preciso que a biblioteca olhe pata sew usuério reconhecendo as suas Aifiouldades © implemente ages que, de fato, promovam a competéncia em informagio entre 03 estudantes de graduagio, de modo a possbilitar que eles conquistem autonomia no desenvolvimento dos seus trabalhos académicos ¢ dominem o saber-fazer cientifico, Dessa forma, uma de suas principais atribuigdes ¢ buscar “satisfazer” 0 usuario com a informagio que ele demanda, utilizando-se de sistemas de organizago que possibilitem maior controle ¢ facilidade na recuperagdo da informagao. A interface dos dispositivos da biblioteca deve, portanto, permitir opgdes de busca, devidamente necessérias e adequadas, de modo a oferecer incentivos para a descoberta de novas formas de realizagio da consulta, além da recuperago e visualizagdio do documento. (PERAY A, 2002). A interatividade e a usabilidade dos recursos informacionais e tecnolégicos disponiveis nas bibliotecas so instrumentos fundamentais para a afiliagdo universitaria, Esses recursos informacionais (bases de dados, blogs ou portais) proporcionam aos discentes que os acessam, e com eles interagem, um diferencial para a compreensio do seu percurso académico, na execugdo das tarefas e respectiva aprendizagem que garanta a manutengo de sua condigo de estudante. Esse é 0 sentido que Macedo e Modesto (1999, p. 49) sugerem, quando defendem que a missGo da biblioteca universitéria tenha relagdo com seus usudrios mais imediatos. Para os autores, cabe & biblioteca universitéria La] contribuir para a capacitaglo do estudante e para a formas@o continua do proprio professor, no sentido de torné-los usuarios independentes da informagao, conscientizando-os de que, usando corretamente os recursos informacionais ¢ os principios de pesquisa bibliogrifica, retomardo a0 sistema de informagao para coniribuir com novas produgSes de conhecimento, com apoio em normas documentais. Mas essas capacidades somente podem ser asseguradas aos estudantes a partir da adogio de estratégias adequadas, minuciosamente planejadas, © que expressem sua compreensio sobre 0 momento delicado da afiliagdo de cada estudante. O desenvolvimento dessas novas habilidades & 0 que Belluzo (2008) intitula de Competéneia em Informagio ou Information Literacy (Cl) que ¢ uma das expresses conhecidas, descritas pela autora, Trata-se de um conjunto de atitudes referentes ao uso ¢ dominio da informagio, em quaisquer dos formatos em que se apresente, bem como das tecnologias que dao acesso & informago [...]. Tais processos podem ser desenvolvidos em parte mediante © manejo das tecnologias da informagio, a utilizagio de métodos vélidos de pesquisa, porém, sobretudo por meio do pensamento eritico da racionalidade humana. Inegavelmente, esti ligada ao aprendizado e 4 capacidade de criar significado a partir da informagio [..]. (BELLUZO, 2004, p. 87). A concepgio da alfabetizagao informacional (information literay), inicialmente, teve sua énfase no proceso de aprendizagem das ferramentas, ou seja, no aprendizado instrumental, com o sentido de capacitagdo em tecnologia da informagio, pois esse era o foco naquele momento, Para Dudziak (2003), os profissionais da informaco comegavam a perceber as conexdes existentes entre bibliotecas e educagdo, a partir de publicagdes de documentos oficiais americanos, dentre eles 0 Nation at Risk, Information Power e do estudo de usuarios realizado por Breivik (1989). Naturalmente, 0 fato impulsionou a aproximagio ¢ integragdo do trabalho desenvolvido por bibliotecarios e educadores na implementagio de programas educacionais voltados para a alfabetizagao informacional (information literacy) as publicagées também foram fundamentais para as mudangas ocorridas no contexto de universidades que analisaram o papel educacional das bibliotecas académicas ¢ a importdncia de programas educacionais em competéncia informacional para a formagdo dos estudantes universitirios, © termo information literacy, cunhado pelo americano Paul Zurkowski, surgiu na década de 70 como um programa para potencializar © acesso © 0 uso da informagao, O desenvolvimento dessa competéncia deveria ser aplicado em todos os setores da organizagdo com a finalidade de resolver problemas e propor solugdes no contexto do trabalho. Segundo Silva et al. (2005), apesar da expresso ainda nao possuir consenso na tradugio para a lingua portuguesa, nas Ultimas décadas, surgiu uma variedade de liferacie cujas expressdes possiveis seriam: alfabetizagdo informacional, letramento, literacia, fluéneia informacional ¢ competéncia em informagao. Durante a década de 1980, o foco do uso da informagdo no contexto da competéncia estava fora da universidade, Essa discussio se concentrava nos espagos escolares ¢ foi realizada, notadamente, por P. Breivik e Carol C. Kuhlthau. Cabe aqui lembrar que a ago de 14 mediagdo do bibliotecdrio na universidade, nesse periodo, restringia-se a “responder”, localizar e fornecer a informagdo e que a agdo de integragdo da academia com a competéncia informacional (information literay) inicia-se com a publicagio do documento intitulado Information literacy: revolution in the Library, que enfatizou a cooperagdo. entre bibliotecdrios ¢ administradores das universidades. (SILVA; GOMES, 2009). Preparado por um grupo de bibliotecarios e educadores, em 1989, a ALA - American Library Association-, através do Presential Committee on Information Literacy: Final Report, publicou uma definigdo de Information Literacy baseado numa maior integragdo entre a sala de aula e a biblioteca como um novo modelo de aprendizado. Ainda no que se refere ao conceito, podemos considerar o apontado por Hatschbach (2002, p. 36) sobre a competéncia em informagdo, ou seja: “f...] passa a enfocar, além das habilidades para o uso de bibliotecas, as habilidades de estudo, cognitivas e tecnolégicas para manipulacio da informagio.” Ou o de Dudziak (2003, p. 9) que define o termo como sendo um “[...] proceso continuo de internalizagdio de fundamentos conceituais, atitudinais ¢ de habilidades, necessdrios 4 compreensio ¢ interago permanente [...], de modo a proporcionar um aprendizado ao longo da vida.” Ou, entdo, o de Belluzzo et al. (2004, p. 87), no qual a information literacy ou competéncia informacional “...] esti ligada ao aprendizado ¢ capacidade de criar significado a partir da informagdo.” Logo, através do processo de alfabetizagao informacional (information literacy) 0 estudante aprende a usar e a se servir de uma biblioteca, compreende o trabatho de pesquisa documental ¢ desenvolve mecanismos de procedimentos metodologicos, fundamentais a qualquer aprendizagem intelectual. Toma-se, assim, um estudante competente, apoiado pelo conhecimento ¢ pela capacidade de agir eficazmente ¢ de realizar suas proprias escolhas junto aos dispositivos culturais, tecnolégicos, entre outros, que © ajudaro tanto a dominar os contetidos com autossuficiéneia quanto a enfrentar situagdes ou tarefas complexas, que certamente ocorrerdo durante sua vida estudantil. Desafios que fardo a diferenga entre o seu sucesso ou fracasso na universidade. (PERRENOUD, 1999). A biblioteca, nesse contexto, também se torna espaco de interagio, de socializagao, de convivéncia democritica que facilita a convivéncia entre usuarios e funciondrios e professores pesquisadores. Como fator de socializacdo, a interrelagao é uma dimensio de afiliagdo em que © individuo também mantém contato com variados conhecimentos, os quais Ihe permitem ampliar ¢ mudar sua perspectiva de vida. Enfim, é preciso usar esse espago como recurso para superar 0 estranhamento inicial do estudante ao entrar nesse mundo completamente diferente que & a universidade ¢ do qual ignora, totalmente, as regras. Além do suporte as ages 15 inerentes ao cariter formativo da universidade, a biblioteca exerce também um papel social, pois, para Gomes e Barbosa (2007) apud Paiva et al. (2008, p. 4): ‘A biblioteca universitaria j4 nasce subordinada a uma instituiglo de ensino superior, com a fungio especifica de apoiar as atividades desta instituigo. Scu papel € contribuir decisivamente para o ensino, a pesquisa ¢ a extensio, assumindo, assim, 2 fungdo social de prover a infra-estrutura documental e promover a disseminagao da informagdo, em prol do desenvolvimento da educagdo, da ciéncia e da cultura Estudos realizados por Belluzo (2004) e Gomes (2008) comprovam que as priticas informacionais podem ampliar uma série de habilidades que incluem o uso de tecnologias da informagio, o incentivo a leitura, & pesquisa e, sobretudo, ao aprendizado com capacidade de criar novos significados a partir dos princfpios da information literacy (alfabetizagio informacional) e da mediagao da informagio. Pode-se afirmar que a biblioteca, como instituigdo de informagio e educagdo, & 0 ‘0 adequado para mediagio de aprendizagem do estudante universitério, Para Zanolla (2012, p. 6), “[...] em tese, atualmente, na area da educagio, 0 conceito de mediagdo leva & expectativa de uma relagdo den iprocidade entre individuo e as possibilidades do conhecer, aprender [...]” sendo esta, por conseguinte, uma das condigdes indispensaveis 4 formagio do pensamento critico. 5 CONSIDERACOES FINAIS Conhecer a estrutura da universidade é condigo para obter sucesso. A biblioteca é um dos espagos académicos que consolidam a autonomia do estudante, a medida que é um recurso de ampliagdo de conhecimento individual. Ao aprender a usar a biblioteca, 0 estudante acrescenta a si habilidades que contribuem para sua afiliacio 4 universidade ¢ habilidades de autorizagao na escolha de tema ¢ assuntos de seu interesse, Nesse movimento, © estudante conquista autonomia e passa a acessar 0 conhecimento nela compilado de forma independente, perecbendo que, usar a biblioteca no se limita apenas a identificar o livro na estante, mas compreender também a sua légica de organizagao e possibilidades, detalhes que facilitardo seu pleno uso. A afiliago intelectual, nesse contexto, talvez seja muito mais importante do que a afiliagao institucional, ‘A descoberta dessa necessidade ¢ uma das primeiras tarefas que 0 estudante deve realizar para garantir sua condigdo discente, Portanto, os estudantes precisam se apropriar dos recursos informacionais no que se refere as bases de dados, portais de informages, normas, processo. de normalizagio, catalogos on-line materiais bibliograficos digitais disponibilizados nas bibliotecas. 16 A biblioteca como sistema tem como finalidades apoiar o ensino, a pesquisa e a extensiio; desenvolver ages voltadas 4 apropriagdo, assimilagiio e formagio intelectual, cultural e politica do estudante; proporcionar conhecimento que facilite a compreensio das téenicas e procedimentos ao levantamento bibliografico; elaborar textos académicos; normalizar os documentos técnicos e cientificos, entre outras. Mas, para atender a essas finalidades, & preciso também conhecer os procedimentos cotidianos usados pelos estudantes para a tomada de decisdes e condutas no mundo académico, O bibliotecario tem papel fundamental como mediador entre a informagdo e o estudante, sendo, assim, ator importante no processo de afiliago, Cabe ao bibliotecdrio a mediagio desse processo que possibilita ao estudante descobri decifiar e incorporar os cédigos institucionais e intelectuais que regem a vida universitéria, os quais, no plano institucional seriam: a interpretago correta das regras, a construgdo de um curriculo adaptado ais suas necessidades individuais, a compreensio ¢ interpretagdo dos miltiplos dispositivos institucionais que regem o cotidiano na universidade, ete. Acredita-se oportuno que todos os estudantes, ao ingressarem na universidade, tivessem contato com um componente curricular especifico sobre information literacy (alfabetizacao informacional) para, assim, estarem aptos a aplicar estratégias, compreender 0 método e desenvolver técnicas para a recuperagiio da informacio que Ihes possibilitasse e facilitasse sua afiliagao intelectual. Sabe-se que a leitura deveria ser uma atividade regular do estudante. Entretanto, para ica ocorra, ele precisa saber e se conscientizar desta importincia, o que significa jente receber do professor a bibliografia basica para comegar a ler. A descoberta dessa necessidade, sem diivida, & a primeira das tarefas que o estudante deve realizar para garantir sua condigao de estudante; e a segunda é saber utilizar a biblioteca, uma vez que & Aispositivo facilitador de afiliagdo universitaria e garantia de sucesso na aprendizagem. 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