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CINCOTTO, M. A. ; QUARCIONI, V. A. ; JOHN, V. M. . Cal na construção civil. In: Geraldo C Isaia. (Org.).

Materiais
de Construção Civil e Principios de Ciência e Engenharia de Materiais. 1ed.São Paulo: IBRACON, 2007, v. 1, p.
695-726..

Capítulo 22

Cal na construção civil

Maria Alba Cincotto


Universidade de São Paulo

Valdecir Ângelo Quarcioni


Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo

Vanderley Moacyr John


Universidade de São Paulo

APRESENTAÇÃO
A cal é um dos materiais mais antigos de emprego na construção civil, sendo o primeiro registro a
construção de Jericó em 7000 a.C. e de importância relevante as construções do Império Romano em
mistura com a pozolana. Não é um material para fins estruturais e o seu emprego tem sido
historicamente registrado em argamassas de alvenaria ─ de assentamento e de revestimento ─ e em
caiação. O progresso realizado na produção visou a concepção de fornos de capacidade elevada e
obtenção de cal virgem de reatividade elevada. Como insumo de produto industrializado registra-se
no país a introdução do bloco sílico-calcário na década de 1970.
Neste texto são apresentados resumidamente dados sobre os tipos de materia prima, processo de
produção e o ciclo da cal, ou seja, as reações que se seguem desde a decomposição térmica dos
carbonatos da materia prima à sua regeneração no endurecimento pela ação do anidrido carbônico do
ar. Para avaliação da qualidade do produto comercializado são descritos os requisitos e criterios
especificados pelas normas nacionais bem como outros de interesse prático para hidratação em obra.
Também de interesse prático é a avaliação da qualidade da cal hidratada, com base nos resultados
combinados da análise química e termogravimétrica nas frações ligante, potencialmente ligante e
inerte. Em anexo é apresentado o cálculo dessas frações para uma cal cálcica e uma magnesiana. Ao
longo da descrição dos parâmetros que caracterizam as cales virgem e hidratada são citados os que
podem afetar o desempenho da cal, como óxidos livres, não hidratados, ou o teor elevado de resíduo
insolúvel indicado pela análise química, fração inerte do material.
São abordados brevemente outros dois tipos de cal: a cal residual de produção de acetileno e cal
hidráulica.
O maior consumo de cal na construção é como constituinte de argamassas, mas é empregada também
em pintura como caiação, na produção de blocos sílico-calcário e, ainda em estudo, a substituição
parcial do clinquer Portland em cimentos, argamassas e concretos.
22.1 INTRODUÇÃO

A cal é, certamente, o ligante1 mais antigo utilizado pela humanidade. Até a invenção do cimento
Portland em 1824, era o único ligante utilizado, em combinação ou não com pozolanas, na construção exposta
às intempéries. A cal é um ligante aéreo, possuindo baixa resistência à exposição continuada água, enquanto
os cimentos são ligantes hidráulicos, adequados ao uso em obras hidráulicas.
Seu endurecimento, quando comparado ao do cimento Portland e gesso, é muito lento, pois depende
de difusão do CO2 para o interior da pasta ou do material em que é constituinte. Conceito como tempo de pega,
fundamental para o cimento e o gesso, não tem significado para a cal. A resistência mecânica de produtos
correntes que utilizam cal como ligante são muito inferiores aos obtidos com o uso de cimento Portland, pois,
por diversas razões, é difícil produzir sistemas com baixa porosidade. O importante é que, na aplicação, se
conheçam as características particulares a cada material, tanto no estado fresco quanto no endurecido.
Essa característica também leva os produtos correntes que utilizam cal a apresentarem módulo de
elasticidade inferior em comparação aos que utilizam cimento Portland. É uma propriedade importante quando
se trata de argamassas, por exemplo, pois a redução do módulo de elasticidade significa menor rigidez à
argamassa com cal, o que potencialmente contribui para a sua maior durabilidade.
Assim, devido às suas características únicas, a cal permanece um material importante em inúmeras
aplicações na construção civil, não apenas em argamassas, como também em concretos asfálticos, solos
estabilizados, produção de isolantes térmicos, blocos sílico-calcários e na confecção das tradicionais pinturas
à base de cal. Tem também grande uso em inúmeras outras áreas, como siderurgia, tratamento de água,
dessulfuração de gases, neutralização de resíduos ácidos, produção de papel.

22.2O QUE É A CAL

A cal é um ligante inorgânico, produzido a partir da calcinação de rochas calcárias, composto


basicamente de cálcio e de magnésio, que se apresenta na forma de um pó muito fino. O endurecimento da cal
ocorre por reação com o CO2. Existem duas formas de cal no mercado: cal virgem e cal hidratada.
A cal virgem é constituída predominantemente de óxidos de cálcio (cal) e de magnésio (periclásio),
enquanto a cal hidratada, de uso mais comum na construção civil, é constituída de hidróxidos de cálcio e de
magnésio, além de uma pequena fração de óxidos não hidratados. Além dessas fases principais, outras fases
estão presentes, como os carbonatos de cálcio e de magnésio. Uma das características mais importantes na
aplicação é a sua área específica, cerca de 10 vezes maior que a dos cimentos. Em comum com os outros
ligantes inorgânicos – gesso e cimento – há o fato de ser solúvel em água.

Como acontece com os ligantes minerais, a composição química influencia o desempenho da cal. Ela
é controlada pela composição da matéria prima e pelas condições do processo de produção. As matérias primas
são carbonáticas: os calcários, constituídos essencialmente de calcita (carbonato de cálcio), e os dolomitos,
constituídos essencialmente de dolomita (carbonato de cálcio e magnésio). Na produção, a calcinação não
atinge a transformação completa dos carbonatos em óxidos; consequentemente, a cal virgem contém sempre
presente uma porcentagem residual de carbonatos. A hidratação dos óxidos também não é completa, e a cal
hidratada contém sempre uma porcentagem de óxidos não hidratados, também chamados óxidos livres. As
principais espécies químicas presentes estão detalhadas no Quadro 1.

Quadro 1 – Resumo das espécies químicas presentes nas cales.

1
Em todas as normas internacionais a cal, o cimento e o gesso são denominados ligantes e não aglomerantes. Os ensaios de reologia
aplicados ao cimento mostram que, de fato, em mistura com a água há imediata aglomeração das partículas, dando-se a ligação entre
elas após o início das reações de hidratação.

pg. 2
Cal Virgem Cal Hidratada
Espécie Química
Dolomítica Magnesiana Cálcica Dolomítica Magnesiana Cálcica
Óxido de cálcio
++++ +++++ ++++++ ++++ +++++ ++++++
CaO
Óxido de magnésio
+++ ++ + +++ ++ +
MgO
Água combinada
- - - +++++ +++++ ++++
H2O
Carbonato de cálcio
+ + + + + +
CaCO3
Carbonato de cálcio e
magnésio + + - + + -
(Ca, Mg)(CO3)2

Considerando-se espécies químicas puras, a composição teórica da matéria prima, da cal virgem e da
cal hidratada são as constantes dos Quadros 2 e 3. Comparando-se esses valores aos da análise química, pode-
se avaliar o grau de pureza dos produtos de mercado.

Quadro 2 – Calcário e cales cálcicas


Composição teórica percentual obtida a partir de matérias primas puras.

Espécies químicas Calcário Cal Virgem Cal Hidratada


CaO 56 100 75,7
CO2 44 0 0
H2O 0 0 24,3

Quadro 3 – Dolomito e cales dolomíticas – composição teórica percentual.

Espécies químicas Dolomito Cal Virgem Cal Hidratada


CaO 30,4 58,2 42,4
MgO 21,8 41,8 30,4
CO2 47,8 0 0
H2O 0 0 27,2

Estão também presentes as impurezas da matéria prima, como quartzo e argilo-minerais, quantificados
na análise química como resíduo insolúvel, incluindo uma fração clinquerizada, produto da interação do argilo-
mineral com o óxido de cálcio.
O ligante é o hidróxido, e a capacidade ligante da cal hidratada é quantificada pelo teor dos
hidróxidos presentes no produto. No caso da cal virgem, antes do seu uso é necessário proceder à hidratação.
No entanto, em qualquer cal hidratada, existe uma fração de óxidos não hidratados. Uma fração mais reativa
desses óxidos remanescentes, em contato com umidade, tanto no armazenamento como na argamassa aplicada,
pode hidratar-se; mas, no caso de supercalcinação podem não mais se hidratar, sendo, por isso mesmo,
denominados óxidos “calcinados à morte”. Consequentemente, o teor de óxidos livres, não hidratados,
constitui-se na fração potencialmente ligante da cal.
Os carbonatos residuais constituem-se na fração inerte da cal, embora, devido à sua finura, tenham
um efeito físico nas propriedades durante e após aplicação. A fração clinquerizada é também potencialmente
ligante; em teores elevados, confere à cal virgem ou hidratada um índice de hidraulicidade característico.
Em resumo, tanto a cal virgem quanto a cal hidratada são constituídas de uma fração efetivamente
ligante (os hidróxidos), uma fração potencialmente ligante (os óxidos), e uma fração inerte (óxidos calcinados
à morte, impurezas e carbonatos).

pg. 3
22.3PRODUÇÃO DA CAL

O processo industrial, independentemente do tipo de forno e do hidratador, consiste nas seguintes


operações:
• extração da matéria prima e britagem;
• seleção da faixa granulométrica ótima e transporte para o forno;
• calcinação e controle do grau de calcinação;
• moagem adequada para cada tipo de hidratador;
• armazenamento da cal virgem;
• hidratação e moagem;
• ensacamento e distribuição para comercialização.

22.3.1 Matéria prima

As rochas carbonáticas formaram-se na crosta terrestre a partir do acúmulo de sedimentos de origem


mecânica e biológica ou como resultado de uma reação química que, após consolidação, compactação e
alteração longo das eras geológicas, deram origem às rochas sedimentares, calcários e dolomitos, e à rocha
metamórfica, o mármore.
Os calcários formaram-se em diversas eras geológicas, mas de modo mais abundante no Cambriano2,
ou em eras mais recentes, refletindo a frequência crescente da existência de invertebrados marinhos, aptos a
assimilar sais de cálcio dissolvidos na água do mar. Os sedimentos recentes não consolidados encontram-se
no mar a grande profundidade e em plataformas continentais. Embora o calcário seja uma rocha constituída
essencialmente de calcita, pode conter dolomita, assim como os dolomitos podem conter calcita. Há, assim,
uma série de rochas carbonáticas que se diferenciam pelo teor de cada um desses minerais, existindo diferentes
classificações com faixas variáveis desses teores.
Os dolomitos formaram-se por dolomitização dos calcários, isto é, por substituição do cálcio da calcita
(CaCO3) pelo magnésio, por ação da água do mar, até a proporção máxima de 1Ca:1Mg, formando a dolomita
[(Ca,Mg)(CO3)2], cuja fórmula pode ser escrita também como MgCO3.CaCO3, com composição teórica de
45,70% de MgCO3e 54,30% de CaCO3. A dolomitização pode não ser completa; assim, é possível ter-se em a
Natureza calcário, calcário dolomítico, dolomito calcítico e dolomito, cuja identificação é feita por análise
petrográfica ou por difratometria de raios X.
Os minerais acessórios da rocha matriz3 para o calcário são: carbonatos de magnésio, dolomita,
quartzo, argilo-minerais, glauconita, gipsita, fluorita, siderita, sulfetos, óxidos de ferro e de manganês e
fosfatos; para o dolomito são: gipsita, anidrita, pirita, celestita, opala, calcedônia, fluorita, magnesita e óxidos
de ferro. Segundo dados do Anuário Mineral Brasileiro de 2006, 65% das reservas estão situadasem Minas
Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo e Mato Grosso e o restante distribuído nos diversos Estados da
Federação, e as jazidas do dolomito, no Espírito Santo, São Paulo e Paraná. Um exemplo da composição das
matérias primas nacionais está indicado no Quadro 4. Como pode ser verificado, os teores de resíduoinsolúvel
e anidrido silícico são muito baixos, indicativo de matérias primas muito puras, todas com teor de carbonatos
(PF + CaO + MgO) acima de 90%. O teor mais elevado de resíduoinsolúvel do dolomito da última coluna é
constituído de quartzo e argilo-mineral. Todos os outros constituintes estão presentes em um teor muito baixo,
indicando não existirem outros minerais acessórios.

2 O período Cambriano teve início há 600 milhões de anos, primeiro período da era paleozóica.
3 Composição dos minerais acessórios: fluorita - fluoreto de calcio – CaF2; magnesita - carbonato de magnesio – MgCO3; anidrita -
sulfato de calcio – CaSO4; gipsita - sulfato de calciodihidratado – CaSO4.2H2O; -pirita - sulfeto ferroso – FeS2; quartzo - dióxido
de silício – SiO2; siderita - carbonato de ferro – FeCO3; apatita - fosfato de calcio – Ca3(PO4)2; celestita – sulfato de estrôncio -
SrSO4; opala - sílica amorfa; calcedônia - fibras finas de quartzo; glauconita - forma-se a partir da biotita (mica magnesiana).
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Quadro 4 – Exemplos de composição química de matérias primas nacionais.

Dolomito
Determinações Calcário Dolomito Calcítico*
(a) (b)
Perda ao Fogo 42,46 45,93 46,60 43,50
CaO 54,90 31,92 31,26 29,43
MgO 0,37 20,46 21,39 19,75
SiO2 + RI 1,78 1,49 0,39 7,02
SO3 0,004 0,002 0,01 0,02
P2O5 0,15 0,002 0,10 tr.
Fe2O3 0,20 0,25 0,09 0,12
Na2O 0,004 0,0012 0,007 0,011
K2O 0,006 0,015 0,001 0,003
TOTAL 99,97 100,20 99,85 99,85
*
Conforme resultado da análise por difratometria de raios X.

22.3.2 Reações de transformação no processo

A calcinação de calcários e dolomitos envolve a dissociação térmica de carbonatos, reação heterogênea


devido à presença de fases sólida (s) e gasosa (g). Há três parâmetros essenciais para o controle da calcinação:
a) as pedras devem ser aquecidas até a temperatura de dissociação dos carbonatos; b) essa temperatura mínima
deve ser mantida por um tempo necessário para que a dissociação atinja o interior da pedra; c) o dióxido de
carbono deve ser retirado do ambiente do forno.
Para o calcário, a reação se dá em uma única etapa, com início a 660°C, finalizando em 900°C, segundo
a Equação 1:
CaCO3 (s) CaO (s) + CO2 (g) Equação 1

Para o dolomito, a reação se dá em duas etapas, em faixas de temperatura diferentes:


• 1ª etapa:
CaCO3.MgCO3 (s)  CaCO3 (s) + MgO (s) + CO2 (g) Equação 2

• 2ª etapa, análoga à decomposição da calcita:


CaCO3 (s) CaO (s) + CO2 (g) Equação 3

• resultando a reação global:


CaCO3.MgCO3 (s) CaO (s) + MgO (s) + 2CO2 (g) Equação 4

Essas reações são reversíveis. Se o anidrido carbônico permanecer na atmosfera do forno, o sistema
entrará em equilíbrio; por isso mesmo, ele é eliminado do forno por tiragem forçada. A primeira etapa de
decomposição do dolomito tem início a ~250°C e finaliza a 380°C. A segunda, de modo análogo à
decomposição da calcita, tem início a 660°C e finaliza a 900°C, significando que o óxido de magnésio formado
estará sempre super calcinado, daí a sua menor reatividade, comparada à do óxido de cálcio. Em consequência,
a sua hidratação completa, ou quase completa, é dificultada, resultando em um teor sempre presente como
óxido livre, na cal hidratada. Por isso mesmo, é recomendada a maturação da cal dolomítica antes do seu
emprego.

22.3.3 Calcinação da matéria prima

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Os tipos mundiais de fornos estão descritos por Guimarães (1997). No parque industrial nacional, ainda
existem fornos verticais de alvenaria descontínuos, os mais primitivos, em diferentes regiões do país; fornos
verticais de alvenaria descontínuos e contínuos e fornos metálicos de cuba simples, na região sudeste, de
calcinação de dolomitos, que permitem o emprego de gás pobre, produzido da queima de eucalipto em
gasogênio. No Estado de Minas Gerais, na região de calcário estão instalados os fornos de grande porte, vertical
de fluxo paralelo e horizontal rotativo, que requerem queima de óleo combustível.
O que caracteriza cada tipo de forno, além do combustível empregado, é o tamanho da pedra de
calcinação e o tempo de residência para calcinação. Dessas duas variáveis decorrem volumes de produção
diária, exemplificados no Quadro 5 para os fornos nacionais. A seleção do forno a instalar depende do volume
de produção desejado e do investimento requerido.

Quadro 5 – Características de fornos de calcinação nacionais.

Tamanho da Pedra Tempo de Produção


Tipo de Forno Combustível
(mm) Residência (h) (ton/dia)
Alvenaria continuo 100 a 300 Lenha/óleo 20 a 24 10 a 20
Cuba 50 a 200 Gás pobre 18 a 24 30 a 250
Fluxo paralelo 35 a 75 Óleo 12 80 a 600
Rotativo 10 a 40 Óleo 2,5 3.500

22.3.4 Hidratação da cal virgem

A reação de hidratação é fortemente exotérmica, sendo representada pelas Equações 5 e 6:

CaO + H2O  Ca(OH)2 Equação 5


MgO + H2O  Mg(OH)2 Equação 6

É praticamente instantânea, favorecida pela finura da cal virgem, não ultrapassando 20 minutos.
Existem diferentes tipos de hidratadores, sendo característica de processo a granulometria da cal virgem e, de
importância para todos, a relação cal virgem:água, proporcionada de modo a manter a temperatura do ambiente
de reação entre 80°C e 85°C. Em geral, a proporção cal:água é da ordem de 1:2-3, em massa, e o produto
obtido é seco e fino, requerendo moagem somente a fração mais grossa e a matéria prima residual não
calcinada. As cales virgem magnesiana e dolomítica, em virtude da supercalcinação, não se hidratam
totalmente. Exemplificando, em quarenta amostras de cal hidratada, analisadas entre 1976 e 1998, foram
determinados entre 20% e 83% de óxido de magnésio não hidratado, em relação ao teor de óxido total, que
podem estar associados tanto à calcinação como à hidratação mal conduzidas (Francis e Guimarães, 2000).
A indústria nacional não conta com hidratadores a pressão de vapor, empregado com a finalidade de
obter um produto com um teor mínimo de óxidos livres, principalmente para as cales com elevado teor de
magnésio. No país, os processos de hidratação são contínuos, à pressão ambiente com controle da temperatura
do sistema, praticamente garantida pelo calor de reação, com agitação ou sistema de parafuso sem fim para
manter a mistura cal virgem-água homogênea.
A hidratação em obra deve ser precedida de um ensaio de determinação da reatividade, pela medida
da elevação de temperatura de reação em calorímetro ou por observação visual do tempo de pulverização ou
também se a pulverização é completa. A reatividade é que orienta a ordem de mistura dos reagentes. Se a
hidratação é lenta, a água é adicionada à cal lentamente, e, à medida que a mistura se aquece,a reação de
hidratação é acelerada. Se a hidratação é rápida, a cal é adicionada lentamente à água, evitando temperatura
elevada prejudicial ao produto final.

22.4O CICLO DA CAL – REAÇÕES QUÍMICAS NA PRODUÇÃO E DURANTEO SEU


ENDURECIMENTO

O processo produtivo se inicia com a transformação das rochas carbonáticas mineradas ─calcários e
dolomitos ─ em óxidos (cal virgem) e anidrido carbônico. Essa etapa é realizada em um forno a uma
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temperatura de calcinação entre 900°C e 1.100°C, consumindo uma quantidade de energia Q1,2 e liberando o
CO2 presente no carbonato, e também o resultante da oxidação do combustível.

A energia que os óxidos acumulam é elevada, o que os torna instáveis, reagindo espontaneamente com
a água ou com a umidade do ar, formando os hidróxidos (cal hidratada). Essa reação de hidratação se dá com
liberação de energia Q1, na forma de calor de hidratação, e provoca um aumento de volume (expansão)
significativo com desagregação/pulverização, responsável pela elevada área específica que a cal hidratada
apresenta.
A energia Q2 contida nos hidróxidos é ainda elevada, reagindo espontaneamente com o anidrido
carbônico (CO2) presente no ar, regenerando o carbonato, produto mais estável e que fecha o ciclo. Nesse
processo, cristais de carbonato formados ligam-se mais fortemente com os agregados e entre si.
A cal hidratada é, pois, produzida em duas etapas: a primeira é a calcinação da matéria prima, e a
segunda, a hidratação da cal virgem. No emprego como ligante, é suspensa em meio aquoso e, ao longo do
tempo, após evaporação da água de mistura, endurece em presença de umidade, por reação com o anidrido
carbônico do ar que penetra nos vazios deixados pela água que evapora. A Figura 1 ilustra esse ciclo.

MATÉRIA PRIMA
-Q
carbonatos
CO2
CO2
H 2O
+Q

CAL VIRGEM CAL HIDRATADA


Óxidos Hidróxidos

H 2O +Q
Figura 1 – O ciclo de transformações da matéria prima e da cal.

Nos dois primeiros passos, situa-se a produção, cuja qualidade é responsabilidade do fabricante; no
terceiro, têm-se a utilização e a aplicação, cuja responsabilidade é do construtor. Tomando como exemplo o
seu emprego em argamassas de reboco, no seu preparo, cal e a areia são amassadas com água suficiente para
uma consistência e trabalhabilidade adequadas à aplicação. No endurecimento, a água de amassamento é
evaporada, a qual garante a consolidação inicial e libera os poros para a penetração do CO2. Ao longo do
tempo, esse gás reage com o hidróxido substituindo a água de hidratação e regenerando o carbonato. Esse
processo inicia-se na superfície e penetra pela rede de poros formada pela evaporação da água. Desde que o
endurecimento é, principalmente, devido à carbonatação dos hidróxidos, a melhor cal é a que foi bem calcinada
e produzida a partir de matéria prima rica em carbonatos.
A presença de óxidos não hidratados na cal, seja por deficiência na hidratação, seja por
supercalcinação, que venham a se hidratar após o endurecimento da argamassa, apresentará o defeito de
expansão, com efeitos diferentes para o óxido de cálcio e óxido de magnésio.

22.5CAL VIRGEM

22.5.1 Composição química

A análise química inclui as determinações essenciais para o cálculo dos óxidos totais na base não
volátil. Determina: o teor de voláteis, também conhecido como perda ao fogo, definida como a quantidade de
massa perdida por aquecimento a 1.000°C (PF); sílica e resíduo insolúvel em ácido clorídrico (SiO2 + RI);

pg. 7
óxidos de ferro e de alumínio (Al2O3 + Fe2O3); óxido de cálcio (CaO) e óxido de magnésio (MgO), que
permitem avaliar a qualidade da matéria prima; anidrido sulfúrico (SO3) proveniente do enxofre do
combustível, ou da gipsita eventualmente presente como mineral acessório da matéria prima; e o anidrido
carbônico (CO2), que permite avaliar o controle da calcinação na produção.
As rochas carbonáticas como materiais naturais têm composição variável, tanto quanto ao teor de
diferentes carbonatos como ao de minerais acessórios (impurezas). Dependendo da proporção entre carbonato
de cálcio (calcita) e de magnésio (dolomita) na matéria prima, a cal virgem pode ser cálcica, magnesiana ou
dolomítica. Quando não se conhece a composição mineralógica da matéria prima, considera-se como
referência a relação CaO/MgO teórica da dolomita, igual a 1,38, valor que se mantém nas cales virgem e
hidratada; do universo das cales analisadas no IPT concluiu-se que essa relação pode chegar a 1,5. Valores
superiores são atribuídos a cales magnesianas. As cales cálcicas nacionais apresentam um teor de MgO de 4%,
no máximo; a relação CaO/MgO é, assim, muito elevada (Quadro 5). A cal virgem cálcica é procedente de um
calcário quase puro4. A composição química das matérias primas correspondentes às cales cálcica e dolomítica
estão indicadas no Quadro 6.

Quadro 6 – Exemplo de composição percentual de diferentes cales virgens.


(% em massa)

Tipos de cal em função da relação CaO/MgO


Determinações Cálcica Magnesiana Dolomítica
CaO/MgO> 10 1,5 ≤ CaO/MgO ≤ 10 CaO/MgO< 1,5
Perda ao Fogo 0,73 1,46 1,36
CaO 92,47 80,6 58,61
MgO 1,66 9,15 39,26
Resíduoinsolúvel em HCl 3,20 6,91 0,30
Al2O3 + Fe2O3 1,23 0,42 0,56
SO3 0,28 1,17 0,03
Na2O + K2O 0,28 - 0,03
Total 99,85 99,75 100,15
CO2 0,17 0,19 0,13
Relação CaO/MgO 55,3 8,81 1,49
Óxidos totais na base de não voláteis 94,66 91,1 99,21
Água combinada 0,56 1,27 1,23

22.5.2 Microestrutura

As micrografias da Figura 2, obtidas ao microscópio eletrônico de varredura, ilustram a microestrutura


das mesmas cales do Quadro 6, com a mesma granulometria. Observa-se que a morfologia dos grãos e o estado
de agregação são diferentes, consequentes à composição e microestrutura da matéria prima e às condições de
calcinação, resultando em áreas específicas diferentes, determinadas segundo método BET. Do universo das
cales virgens produzidas em fornos nacionais foram selecionadas as que apresentaram maior área específica
de modo a melhor diferenciar a microestrutura de ambas.

4Essa classificação não se aplica à terminologia própria da geologia.


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Cal cálcica virgem produzida Cal virgem magnesiana Cal virgem dolomítica
em forno horizontalrotativo. produzida em forno de alvenaria produzida em forno de alvenaria
ABET: 0,85m2/g descontínuo. descontínuo.
ABET: 4,3m2/g ABET: 4,7m2/g
Figura 2 - Micrografias de amostras de cales obtidas ao microscópio eletrônico de varredura,de diferentes
matérias primas. Aumento: 3.000x (Cincotto, 1987).

22.5.3 Requisitos e critérios de qualidade5 da cal virgem

A norma ABNT NBR 6453:2003 introduziu três tipos de cal virgem, em função do teor de óxidos
totais na base não volátil6, qualificando, assim, o nível de pureza da matéria prima, teores de anidrido
carbônico, compatibilizando-a com a norma de cal hidratada e água combinada (Quadro 7).

Quadro 7 – Cal virgem para construção – exigências químicas (ABNT NBR 6453:2003).

Tipo* CV – E CV – C CV – P
Fábrica  6,0%  12%  12%
Anidrido carbônico
Depósito ou obra  8,0%  15%  15%
Óxido totais na base de não volátil
 90%  88%  88%
(CaOT + MgOT)
Fábrica  3,0%  3,5%  3,0%
Água combinada
Depósito ou obra  3,6%  4,0%  3,6%
*
CV-E: cal virgem especial; CV-C: cal virgem comum; CV-P cal virgem em pedra.

Embora permitido por norma, é interessante que o carbonato residual presente seja minimizado, porém
sem que ocorra supercalcinação, pois ambos diminuem a capacidade ligante da cal. O estabelecimento de um
limite máximo para a hidratação, verificado pela determinação do teor de água combinada, visa proteger o
consumidor, pois um teor muito elevado pode ser devido a um teor de umidade; nas aplicações em que a cal
virgem é hidratada, previamente ao uso, o teor de água combinada presente não é prejudicial.
Como exigências físicas, foi introduzido o controle da finura (Quadro 8), medido por meio de
peneiramento determinado segundo a NM 249:2001 . A norma ainda especifica os itens embalagem, marcação
e entrega do produto, e o critério de aceitação ou de rejeição do lote.
O procedimento de amostragem por lote de cal virgem está especificado na ABNT NBR 6453:2003,
válido também para a cal hidratada.

Quadro 8 – Cal virgem para construção – exigências físicas (ABNT NBR 6453:2003).

Requisitos CV – E CV – C CV – P

5
Requisitos e critérios de qualidade são entendidos, respectivamente, como condições qualitativas (requisitos) e
quantitativas (critérios), às quais um determinado produto deve atender, a fim de que sejam satisfeitas as exigencias do
usuário.
6
Teor de óxidos totais na base de não voláteis: (% CaOtotal + % MgOtotal) x 100 /(100 –% PF)
Teor de água combinada = % PF - % CO2.
pg. 9
Peneira 1,00 mm  2,0%  5,0%  85,0%
Finura (% retida)
Peneira 0,30 mm  15,0%  30,0% ---

22.5.3.1Resíduo de extinção

Anorma sobre a determinação do resíduo de extinção foi desativada em 20007.Esse ensaio determina
a fração supercalcinada, não hidratável, bem como o teor de impurezas provenientes da rocha matriz. É um
ensaio simples que pode ser realizado em obra, e permite a avaliação da qualidade da cal quando adquirida em
pedra. Uma pasta de cal é preparada com uma amostra de 2,5 kg, em um volume de água, mantida em repouso
durante duas horas e, em seguida, passada em peneira de abertura de 0,8 mm com jato de água durante 30
minutos. O resíduo seco é pesado e o seu resultado expresso em porcentagem. A sua reatividade, ou seja, a
velocidade de extinção consiste no tempo em que fragmentos de cal virgem reagem com a água pulverizando-
se totalmente consequente à expansão volumétrica. Quanto ao tempo de início de extinção, a cal virgem é
classificada como de extinção rápida (t < 5 min), média (t entre 5 e 30 min) e lenta (t > 30 min).
Alguns cuidados devem ser tomados no preparo da pasta. Com as cales cálcicas, muito
reativas, o aquecimento é imediato sendo parte da água evaporada com o calor. Deve ser evitado o
aquecimento excessivo da mistura por afetar a reatividade da cal, fenômeno denominado em obra de
“requeima da cal”. A cal deve ser então adicionada a um grande volume de água, sob agitação.Para
as cales magnesianas e dolomíticas, medianamente reativas, deve ser evitada a perda do calor liberado
para que a reação tenha continuidade. Com excesso de água a reação é interrompida, fenômeno
denominado em obra de “afogamento da cal”. Neste caso, a água suficiente para a hidratação é
adicionada à massa de cal, lentamente e sem agitação, até formar-se a pasta, deixando-a em seguida
em repouso para que a reação se complete, em caixa fechada, a fim de evitar a carbonatação. As
fracamente reativas devem ser umedecidas lentamente, sem agitação, para que a reação se inicie e o
calor liberado aqueça a amostra e favoreça a continuação da reação.
O procedimento adequado para a extinção é orientado pelo controle prévio da reatividade,
pela medida da temperatura máxima atingida na hidratação como segue: colocar duas pedras de cal
em um recipiente, cobrir com água e observar o tempo decorrido para o início da reação. Se o inicio
se dá em cinco minutos a cal é de extinção rápida; entre 5 e 30 min é classificada como de reatividade
média e, acima desse tempo, de velocidade lenta. A reatividade pode ser também avaliada pela
temperatura da pasta. Para as cales fortemente reativas a temperatura pode elevar-se de 45ºC acima
da temperatura da água; as medianamente reativas de 34ºC e as fracamente reativas de 15ºC.
A pasta armazenada, ou deixada em maturação, deve ser mantida coberta por uma camada de
água a fim de evitar a carbonatação, peneirada antes do seu emprego a fim de separar a fração não
hidratada e resíduo insolúvel, de interesse, principalmente quando a cal não é de boa qualidade.

22.5.3.2Reatividade

A reação de hidratação é fortemente exotérmica, liberando 63,6 kJ.mol-1 (15,4 kcal.mol-1) para o óxido
de cálcio e de 32,2 a 41,8 kJ.mol-1 (7,8 a 10,1 kcal.mol-1) para o óxido de magnésio. A evolução da hidratação,
acompanhada pela elevação da temperatura, por liberação de calor, em função do tempo, permite diferenciar
cales quanto à reatividade, decorrente da proporção desses óxidos na cal e das condições de calcinação. Não
existe um ensaio normalizado nacional para a determinação da reatividade da cal virgem quanto a esse critério;
todavia, pode-se aplicar o ensaio constante da norma ASTM C 110-15 .

O ensaio relaciona a reatividade com o tempo necessário para atingir a temperatura máxima em
condições de hidratação padronizada. Ele consiste em se agitar uma amostra de cal passante em peneira n o 6

7
Havendo necessidade de referência do resultado a um ensaio normalizado seguir as instruções da norma “ASTM C
110-2015/Section 11.Standard Test Methods for Physical Testing of Quicklime, Hydrated Lime, and Limestone, - Slaking
Rate of Quicklime”.ASTM International, West Conshohocken, PA, 2015, www.astm.org.
pg. 10
( 3,35 mm), em frasco Dewar, hermeticamente fechado. Na tampa do frasco deve estar inserido um
termômetro tipo diferencial Beckman. A agitação é iniciada. A primeira leitura é feita após 30 segundos, e as
seguintes em intervalos de um minuto até que a temperatura comece a decrescer. As condições de ensaio são
diferentes, pois sendo as cales magnesiana e dolomíticas menos reativas, a fim de facilitar a reação a norma
especifica temperatura mais elevada da água e maior massa de cal, como indicado no Quadro 9.

Quadro 9 – Parâmetros de ensaio da reatividade da cal virgem, de acordo com a norma ASTM C 110-15.

Parâmetros de ensaio Cal Cálcica Cal Dolomítica


Volume de água (mL) 400 400
Temperatura da água (ºC) 25 40
Massa de cal (g) 100 120

Segundo essa norma, a cal é altamente reativa se a temperatura máxima for atingida em 10 minutos;
de reatividade média se for atingida entre 10 e 20 minutos, e de baixa reatividade se atingida após vinte
minutos. Além da classificação da reatividade da cal, devem constar também do relatório de ensaio: elevação
da temperatura em 10 segundos, elevação máxima da temperatura, tempo total de extinção. Do universo de
cales virgem cálcica e dolomíticas analisadas, procedentes dos diferentes fornos nacionais, tem-se o valor
médio da elevação de temperatura na reação cal-água no Quadro 10, observando-se maior grau de reatividade
para as cales cálcicas; embora o óxido de magnésio seja menos reativo do que o óxido de cálcio a reatividade
da cal dolomítica é favorecida por maior área específica; a Figura 3 ilustra a evolução da hidratação de cales
cálcica e dolomítica coletadas de diferentes fornos de calcinação (Cincotto, 1987).

Quadro 10 – Exemplo de dados de reatividade da cal virgem (Cincotto, 1987)

Área específica BET ∆Tmax


Tipo de cal No. de amostras
(m2/g) (°C)
Cálcica 126 0,75 ± 0,09 44,8 ± 0,9
Dolomítica 54 2,84 ± 0,65 31,7 ± 2,4

60 60

50 50

40 40
ΔT (°C)
ΔT (°C)

30 30

20 20

10 Cal virgem cálcica 10


Cal virgem dolomítica
0
0
0 5 10 15 20 25 30
0 2 4 6 8 10
t (min) t (min)
Alvenaria Contínuo Alvenaria Descontínuo
Cuba Simples Vertical Contínuo de Fluxo Paralelo Alvenaria Contínuo Alvenaria Decontínuo Cuba Simples
Horizontal Rotativo

Figura 3 – Curvas de evolução da hidratação de cal virgem cálcica (A) e dolomítica (B), de acordo
com a norma ASTM C 110-15, coletadas de diferentes fornos.

22.6Cal hidratada

No mercado brasileiro, existem três tipos de cales, especificadas de acordo com a sua composição
química e ensaios físicos. Quanto à composição, são diferenciadas primeiro pelo teor de óxidos totais e,
segundo, pelo teor de carbonato ainda presente: a) a cal CH-I deve ter teor de óxidos totais acima de 90%,
pg. 11
enquanto as cales CH-II e III acima de 88%; b) as cales CH-I e CH-II devem ter no máximo 5% de CO2,
enquanto a cal CH-III pode ter até 13%. Não há diferenciação com relação ao teor de MgO.

22.6.1 Composição química (ABNT NBR 6473:2003)

A norma sobre a análise química é válida para cal virgem e cal hidratada. O Quadro 10 apresenta
exemplos de composição dos três tipos de cal hidratada. A cal CHI apresentada é uma cal hidratada cálcica ou
alto cálcio, produzida de calcário de elevada pureza (óxidos totais na base não volátil de 96,8 %), com baixo
teor de carbonatos. As duas outras cales, classificadas como CHII e CHIII são dolomíticas, produzidas em
fornos a lenha, com teor de anidrido sulfúrico muito baixo. O teor de impurezas da matéria prima é indicado
pelo teor de resíduo insolúvel; mas, pelo teor de óxidos totais, na base não volátil, essas cales atendem à
especificação. A cal CH-III possui teor de carbonatos mais elevado.

Quadro 10 – Exemplo de resultados, em %, de análise química da cal hidratada


(ABNT NBR 6473:2003).

Determinações CHI* CHII CHIII**


Umidade 0,06 0,00 0,39
Perda ao Fogo 26,4 17,0 28,0
CaO 70,8 43,6 38,3
MgO 0,42 29,4 26,5
Resíduoinsolúvel em HCl 1,26 9,05 6,05
Al2O3 + Fe2O3 0,70 0,99 0,70
SO3 0,23 0,01 0,10
Total 99,87 100,05 100,04
CO2 3,75 0,66 14,2
Água combinada 22,7 16,4 13,8
Óxidos não hidratados
0,00 23,7 10,5
(na base do material original)
Óxidos totais (na base não volátil) 96,8 88,0 90,1
*
CHI – cal hidratada especial **
CHIII – cal hidratada comum com carbonato

22.6.2 Microestrutura

O hidróxido de cálcio cristaliza na forma de placas hexagonais. Mas, devido às cargas superficiais, elas
empilham, aderindo-se segundo o plano da maior dimensão. Assim, o aspecto do produto industrial ao
microscópio eletrônico de varredura é o de partículas aglomeradas. Nas cales dolomíticas, esse empilhamento
é menos acentuado podendo-se mesmo distinguir algumas placas (Figuras 3, 4 e 5).

Figura 3 – Imagem de elétrons Figura 4 – Imagem de elétrons Figura 5 – Imagem de elétrons


secundários de cal hidratada secundários de cal hidratada secundários de cal hidratada
cálcica, fração que passa na cálcica, da fração retida em dolomítica, fração que passa na
peneira com abertura de malha de peneira com abertura de malha de peneira com abertura de malha de
0,075 mm (no 200). Aumento: 0,075 mm (nº 200), constituída de 0,075 mm (nº. 200). Observam-se
pg. 12
10.000x. Destacam-se, na parte partículas de matéria prima não aglomerados com algumas placas
inferior da foto, aglomerados de calcinada. Aumento: 100x destacadas. Aumento: 30.000x
placas empilhadas (Cincotto, (Cincotto, 1977). (Cincotto, 1977).
1977).

22.6.3 Requisitos e critérios da qualidade da cal hidratada

A norma ABNT NBR 7175:2003 especifica três tipos de cal hidratada, diferenciando-as quanto ao teor
de óxidos totais na base não volátil, teor que indica a pureza da matéria prima empregada na produção; teores
de anidrido carbônico como indicados no Quadro 11, diferenciados se a cal hidratada foi coletada na fábrica
ou no depósito, admitindo, assim, a possibilidade de carbonatação no armazenamento.

22.6.3.1 Requisitos químicos

Algumas considerações podem ser feitas, para melhor compreensão dos requisitos químicos
especificados, constantes do Quadro 11.

Quadro 11 – Cal hidratada para construção – exigências químicas


(ABNT NBR 6453:2003).

Critérios limite
Requisitos
CHI CHII CHIII
Na fábrica  5%  5%  13%
Anidrido carbônico
No depósito  7%  7%  15%
Óxidos de cálcio e de magnésio não hidratados
 10%  15%  15%
(CaO + MgO)
Óxidos totais na base de não voláteis
 90%  88%  88%
(CaO + MgO)

Além da composição química, outros requisitos são também exigidos: finura, estabilidade,
plasticidade, retenção de água e índice de incorporação de areia, cada um com os seus respectivos critérios e
métodos de ensaio especificados (Quadro 12). Os requisitos químicos e a finura permitem controlar o processo
de produção; os demais requisitos físicos visam qualificar a cal quanto ao seu desempenho em argamassa.

22.6.3.2 Óxidos totais

Do mesmo modo que para a cal virgem, os resultados da análise química (ABNT NBR 6473:2003)
permitem avaliar a qualidade da matéria prima utilizada e do processo de produção. Sendo o teor de óxidos de
cálcio e de magnésio os que propiciam o endurecimento da argamassa, a melhor cal é a mais rica em óxidos:
o seu teor é calculado a partir dos resultados da análise química, eliminando-se os constituintes voláteis – a
água combinada e o anidrido carbônico. Coerentemente com os critérios adotados para a cal virgem, a
especificação estabelece os teores mínimos de óxidos totais, na base não volátil, de 90% para a cal CHIe de
88% para as cales CHII e CHIII.

22.6.3.3 Resíduoinsolúvel – impurezas

Se o teor mínimo de óxidos é de 88% e de 90%, segue-se que a cal virgem pode ter no máximo 12% e
10% de impurezas. Elas provêm da rocha, constituídas comumente de quartzo e de argilo-minerais, e vão
permanecer no produto hidratado em porcentagens correspondentes. Sendo a cal solúvel em ácido clorídrico,
o teor dessas impurezas pode ser identificado pelo resultado do resíduoinsolúvel.

22.6.3.4 Anidrido carbônico

pg. 13
A calcinação deve ser bem conduzida de modo a deixar os óxidos livres para a hidratação. Como os
carbonatos remanescentes permanecem no produto hidratado, a cal virgem pode conter até um máximo de CO2
na produção, de 6% para o tipo CV-E e de 12 % para os tipos CV-C e CV-P, a fim de que o seu teor na cal
hidratada não ultrapasse os limites correspondentes de 5% para a cal CH-I e de 13% para as cales hidratadas
CHII ou CHIII.

22.6.3.5 Água combinada

Se a etapa de hidratação no processo de produção foi bem conduzida, o teor de água combinada é
elevado. Se a especificação limita o teor mínimo de óxidos totais em 88% ou 90%, o teor de água combinada
corresponde, respectivamente, a 21,4% e 21,9% para a cal cálcica, e a 23,9% e 24,5% para a cal dolomítica.
Como ponto de referência, podemos considerar o teor de água combinada dos hidróxidos de cálcio e de
magnésio puros, ou seja, de 24,3% para a cal cálcica e de 27,2% para a cal dolomítica. Esses valores
constituem-se em referências teóricas, uma vez que a cal nem sempre é essencialmente cálcica ou dolomítica,
além de conter um teor de óxidos não hidratados.

22.6.3.6 Óxidos livres

A necessidade de se limitarem os óxidos livres deve-se ao fato de a hidratação poder se dar ao longo
do tempo, estourando a embalagem no armazenamento, ou causando efeitos deletérios quando aplicada em
argamassa. O aumento de volume na hidratação do óxido de cálcio é de 100%. Nas argamassas de reboco, por
exemplo, se a cal contém grãos grossos, e a areia for fina, os vazios entre os grãos não são suficientes para
acomodar o hidróxido formado, aparecendo vesículas/protuberâncias na sua superfície.
A hidratação do óxido de magnésio é mais lenta, com aumento de volume de 110%. Na aplicação em
argamassas de revestimento, por exemplo, a hidratação vai ocorrer após o endurecimento. O aumento de
volume gera uma força expansiva na camada do revestimento, cujo esforço leva à ruptura da aderência
argamassa-base e ao empolamento (formam-se “bolhas”).
A fim de prevenir tais efeitos deletérios, a norma limita o teor total de óxidos livres a  10% para o
tipo CHI e a  15% para os tipos CHII e CHIII. Esses teores são expressos pela soma (CaO + MgO), porque
o cálculo a partir dos dados da análise química não permitem a obtenção de resultados individuais desses
óxidos. A determinação precisa da fração de óxidos de cálcio e magnésio (não hidratados) somente é possível
por meio da termogravimetria (vide exemplo no Anexo).
Na prática é possível prevenir ou, pelo menos, reduzir o efeito deletério dos óxidos livres antes de
adicionar outros constituintes no preparo de argamassas, areia ou areia e cimento, deixando a pasta de cal em
maturação. Ela é eficiente para o óxido de cálcio pela sua reatividade, podendo hidrata-lo totalmente; há
redução do tamanho dos cristais e formação em placas hexagonais submicrométricas que adsorvem mais água
e melhoram as propriedades de retenção de água, plasticidade e trabalhabilidade (Rodriguez-Navarro, 1998).
Esta prática é citada nos serviços de conservação de obras históricas (Cazalla, et al., 2000).

22.6.3.7 Requisitos físicos

As propriedades físicas devem expressar a eficiência da contribuição da cal para as propriedades da


argamassa no estado fresco, como trabalhabilidade, facilidade de aplicação, retenção de água e, no estado
endurecido, durabilidade e desempenho (Quadro 12).

Quadro 12 – Cal hidratada para construção – requisitos físicos


(ABNT NBR 6453:2003).

Critérios limite
Requisitos
CHI CHII CHIII
Peneira 0,600 mm  0,5%  0,5%  0,5%
Finura(resíduo)
Peneira 0,075 mm  10%  15%  15%
Retenção de água  75%  75%  70%
Incorporação de areia  3,0 %  2,5 %  2,2%
Estabilidade Ausência de cavidades ou protuberâncias
pg. 14
Plasticidade  110  110  110

22.6.3.8 Finura (ABNT NBR 9289:2000)

Finura é a característica que tem maior influência nas propriedades de emprego, pois a elevada área
superficial faz a cal ter um papel importante no estado fresco de suspensões como argamassa.
O peneiramento é feito sob jato de água, através de pulverizador, mantendo-se uma pressão de 50 kPa
(0,5 kgf/cm2) durante 5 minutos. Os grãos grossos retidos constituem-se de cal virgem que não hidratou e de
matéria prima residual e são os que requerem moagem na produção. A norma brasileira fixa como limites que
as partículas acima de 0,6 mm devem ser  0,5%, para todos os tipos de cales, e acima de 75 m (# no 200) 
10% para as cales tipo CHI, e  15%, as cales dos tipos CHII e CHIII. As partículas, quanto mais finas,
adsorvem maior volume de água, dissolvem-se mais rapidamente, dando à argamassa a consistência plástica
que resulta em facilidade de aplicação e maior rendimento de trabalho do oficial pedreiro.
Os grãos grossos de óxido são os que hidratam após aplicação da argamassa de cal/areia e provocam
o pipocamentoou formação de vesículas observados na superfície da camada do revestimento. Outra fração de
grãos grossos é a constituída da matéria prima residual (vide Figura 4).
Uma determinação mais precisa da finura pode ser obtida por uma combinação de medida de área
superficial por BET com distribuição granulométrica a laser.

22.6.3.9 Estabilidade (ABNT NBR 9205:2001)

A estabilidade visa indicar a existência de óxido de cálcio livre ainda presente e com reatividade
passível de expansão. O ensaio consiste no tratamento de uma argamassa de cal:areia (proporção 1:4), com
consistência normal, aplicada sobre placa de vidro, mantida em repouso por (18  2) h, à temperatura de (40
 5)°C. A hidratação com expansão é visualizada pela formação de cavidades ou protuberâncias na superfície
da argamassa. A presença de óxido de magnésio livre não é detectada, pois se hidrata lentamente, somente
após vários meses de emprego da cal.
O ensaio é qualitativo. Se fosse quantitativo, poder-se-ia definir uma relação entre esse resultado e o
possível defeito de formação de vesículas no reboco. Uma vez que isso não é possível, ele deve ser apenas
tomado como indicativo de possibilidade, mas não de certeza de desempenho comprometido. Pode também
indicar que maior cuidado deve ser dado ao período de maturação da cal para argamassa de reboco. Para
argamassas mistas cimento:cal esse resultado é inócuo pois o cimento, mais resistente, impede a expansão.
Exemplificando os requisitos físicos de norma, os resultados do Quadro 13 referem-se às mesmas cales
do Quadro 11.

Quadro 13 – Cal hidratada – caracterização física.

Ensaios físicos CHI CHII CHIII


Finura – Material retido acumulado
- peneira nº. 30 (0,600 mm) (%) 0,00 0,00 0,05
- peneira nº. 200 (0,075 mm) (%) 6,30 9,80 11,90
Estabilidade Ausência de cavidades e protuberâncias
Plasticidade 109 100 185
- relação água/cal (g/g) 0,803 0,880 0,470
- consistência da pasta (mm) 22 22 22
Retenção de água 80 90 82
- relação água/cal (g/g) 0,852 0,880 0,740
- consistência da argamassa (mm) 211 209 205
Índice de incorporação de areia
- proporção cal/areia (massa) 1:3,25 1:3,20 1:2,00
- relação água/cal (g/g) 0,848 0,89 0,560
- consistência da argamassa (mm) 207 240 213
- altura da argamassa não extrudada (mm) 26 20 2

22.6.3.10 Retenção de água (ABNT NBR 9290:1996)


pg. 15
A retenção de água é considerada uma propriedade básica no emprego da cal em argamassas.
Fisicamente, ela é um resultado da elevada área superficial da cal. Contribui para a hidratação do cimento,
quando presente, e auxilia na retenção da água quando a argamassa é aplicada sobre base absorvente,
ampliando o tempo para realizar acabamento e contribuindo para a hidratação do cimento; em consequência,
a resistência de aderência pode serfavorecida. Tem sido verificado que as adições inertes não afetam o
resultado do ensaio de plasticidade, mas afetam sensivelmente a retenção de água, sempre abaixo de 80% para
as cales misturadas, por exemplo. A Figura 6 mostra o conjunto de determinação da retenção de água.

Figura 6 – Uma visão geral do equipamento de


determinação da retenção de água8 (IPT, 2007).

O ensaio consiste na determinação da consistência de uma argamassa antes e após aplicação de uma
sucção controlada. A argamassa é preparada com 500 g de cal e 1500 g de areia, na consistência padrão, e
assentada sobre um funil (funil de Büchner) com dimensões especificadas protegido com papel filtro de
filtragem lenta. A sucção de 51 mm Hg é aplicada durante 60 segundos. O resultado, calculado segundo a
Equação 7, de fato, expressa uma retenção de consistência e não a retenção de água. O valor 125 é o diâmetro
inferior do funil de moldagem da argamassa para a determinação da consistência.

A − 125
RA = .100 (Equação 7)
B − 125

RA – retenção de água em porcentagem;


A – consistência após a sucção;
B – consistência antes da sucção.

22.6.3.11 Rendimento

Rendimento é um ensaio não normalizado, de fácil realização e com resultado bastante significativo,
pois permite diferenciar cales quanto à composição ou ao teor de impurezas. O melhor rendimento da pasta
representará melhor rendimento na argamassa. É uma verificação que pode ser feita de dois modos.
Um dos modos consiste em determinar-se o volume de água a adicionar a 100 gramas de cal hidratada,
até a passagem do estado de uma pasta coesa para uma calda fluida. Trata-se de uma medida qualitativa. Um
exemplo de resultados típicos está apresentado no Quadro 14 (Rago, 1999).

Quadro14 – Exemplo de resultados do volume mínimo de água para o preparo de calda de cal hidratada.

Tipo de cal hidratada Volume de água (mL)


CHI 80
Dolomítica
CHIII 70
CHI 130
Cálcica
CHIII 100

8Foto cedida por Fernando Gomes (2007).


pg. 16
Outro modo consiste em determinar-se o volume de uma pasta preparada com uma mistura do material
seco e uma quantidade de água equivalente ao dobro de sua massa, agitando-se e, em seguida, deixando-se em
repouso por 24 horas. Após esse período, o volume de pasta existente é medido, descontando-se a quantidade
de água exsudada. O Quadro 15 apresenta alguns resultados típicos obtidos com produtos de boa qualidade.
Os resultados desse ensaio podem ser influenciados pela hidratação de uma fração de óxidos, que provoca um
aumento no volume.

Quadro 15 – Volume de pasta após 24 horas de maturação.

Tipo de cal hidratada Volume de pasta (mL)


CHI 160
Dolomítica
CHIII 130
CHI 225
Cálcica
CHIII 180

Desses experimentos, observa-se um maior rendimento para as cales cálcicas, que, além de requererem
maior quantidade de água para se tornarem fluidas, após 24 horas apresentam um maior volume de pasta. Com
isso, pode-se concluir que, uma vez que incorpora mais água, deve incorporar também mais areia. De acordo
com o observado nesses experimentos, a substituição de parte da cal hidratada pela sua matéria prima moída,
caso das cales CH-III, reduz o rendimento da cal hidratada.

22.6.3.12 Outros ensaios


Os ensaios a seguir são tradicionais, mas deverão, no futuro, ser substituídos na normalização por
ensaios modernos, com a finalidade de fornecer informações mais objetivas sobre o desempenho do produto
em argamassas.
Um dos ensaios tradicionais é a plasticidade (ABNT NBR 9206:2016). O termo plasticidade é o
resultado de um ensaio arbitrário executado no plasticímetro de EMLEY. Tem pequeno significado absoluto,
mas está relacionado à trabalhabilidade da argamassa, isto é, à facilidade com que ela é espalhada quando da
sua aplicação. Como mostrado na Figura 7, uma pasta de consistência normal (ABNT NBR 14399:1999)
preenche um molde tronco-cônico assentado sobre uma placa porosa, por sua vez, colocada sobre a placa
metálica do equipamento. O molde é retirado e, com auxílio da manivela, o disco superior é assentado sobre a
pasta, com distância entre as duas superfícies de contato de 32 mm. O motor é ligado, e essa placa desliza
sobre a superfície da pasta até que a leitura da escala atinja o valor 100 (Figura 7). Em analogia ao que se dá
na prática, a placa porosa exerce sucção sobre a pasta, e a placa superior desliza tanto mais quanto maior a
plasticidade da cal. O seu valor está entre 100 e 120, raramente ultrapassando-o, calculado a partir da Equação
8:

P = [F2 + (10.t)2 ]1/2 (Equação 8)

onde P é a plasticidade, F é a leitura da escala no final do ensaio, e t é o tempo, em minutos, a partir do


momento em que a primeira porção de pasta foi colocada no molde, até o final do ensaio.

pg. 17
Figura 7 – Uma visão geral do plasticímetro de Figura 8 – Uma visão geral do plastômetro de
EmLey9 (IPT, 2007). Voss10 (IPT, 2007).

Outro ensaio é a capacidade de incorporação de areia. A norma ABNT NBR 9207:2000 define a
capacidade de incorporação de areia como “a máxima quantidade de areia, em relação à cal, com a qual a
mistura, nas condições especificadas, acarreta uma altura de argamassa não extrudada, no plastômetro, igual
ou inferior a 37,0 mm”. Preconiza que o método de ensaio permite “determinar a quantidade máxima de areia-
padrão que pode ser misturada a uma cal hidratada sem prejuízo das características de trabalho da mistura
resultante” (página 1, item 1). É mais um requisito de qualidade que permite identificar uma cal misturada,
pois os índices de incorporação de areia encontrados são inferiores ao especificado de 2,5 partes de areia para
1 de cal.
O plastômetro, mostrado na Figura 8, é um equipamento dotado de êmbolo para extrusão da argamassa,
movido por manivela provida de dispositivo que impede se assumirem pressões superiores a 0,414 MPa. A
uma volta completa da manivela deve corresponder um deslocamento do êmbolo de 4 mm. Com o êmbolo
abaixado no tubo, a argamassa é adensada e forçada através desse tubo com saída tronco-cônica, com força e
velocidade constantes (uma volta por segundo), à pressão máxima de extrusão de 0,414 MPa. Um prato é
acoplado ao tubo que recolhe a argamassa extrudada.
Para a realização do ensaio, uma série de misturas areia-cal, em massa, é preparada com 500 g de cal,
contendo proporções crescentes de areia, e uma quantidade de água suficiente para se obter consistência de
(240  5) mm. Com o aumento da proporção, alcança-se um estágio em que um aumento na massa de areia
resulta em um aumento desproporcionalmente grande no torque necessário para extrudar a mistura toda,
restando no tubo uma porção de argamassa, cuja altura não pode exceder 37,0 mm. As tentativas são feitas em
argamassas de cal e areia normal, acrescentando-se ou retirando-se areia na mistura, em massa, igual a 0,1
(10% da massa de areia). São apresentados como resultados: quantidade de água em relação à cal usada na
mistura final, em gramas; altura não extrudada no plastômetro para a mistura final; capacidade de incorporação
de areia na forma 1,00:M.
A capacidade de incorporar areia é decorrente da plasticidade e da retenção de água da cal, uma vez
que o limite de areia que pode ser misturado à pasta é medido por uma extrusão. O método é indireto, uma vez
que não resulta em qualidade no desempenho, pois a proporção de mistura nos diferentes tipos de argamassa
não segue esse resultado. Certamente, diferenciam-se cales misturadas das que obedecem à especificação, mas
o resíduo insolúvel permite separa-las de forma direta e objetiva, podendo-se prever que o desempenho das
argamassas será significativamente diferente.

22.6.4 Qualidade na cal hidratada – adição de materiais inertes

O processo de produção de cal hidratada é dispendioso, pois depende de consumo elevado de energia
para a descarbonatação da matéria prima. Por essa razão, a mistura de cal hidratada com produtos inertes –

9 Foto cedida por Fernando Gomes (2007).


10 Foto cedida por Fernando Gomes (2007).
pg. 18
normalmente mistura de composição variável e descontrolada, envolvendo diferentes argilo-minerais, minerais
popularmente conhecidos como “filitos”, quartzo, feldspato e micas – permite redução significativa do custo
de produção. É, portanto, muito atrativa do ponto de vista econômico, especialmente junto a um mercado
consumidor desinformado. Estudos mostraram a presença de produtos contendo até 74% de material insolúvel
sendo comercializado como cal hidratada. A presença de insolúveis reduz significativamente a capacidade
ligante da cal, como observado na Figura 9.O Programa Setorial da Qualidade da Cal Hidratada implantado
em 1995,pela Associação Brasileira dos Produtores de Cal – ABPC, no âmbito do PBQP-H – Programa
Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat11, com o objetivo de combater a não conformidade
intencional, ao detectar e divulgar os produtos fora de norma, foi desativado em dezembro de 2015,em virtude
do encerramento das suas atividades.
100

80

y = 0,0034x2 - 1,3563x + 98,675


Óxidos totais (%)

60
R2 = 0,9932 Figura 9 – Correlação entre resíduosinsolúveis e
óxidos totais a partir de 640 amostras analisadas
pelo Programa Setorial da Qualidade da Cal
40
Hidratada; apenas cinco resultados foram
excluídos como espúrios (John, 2003).
20

0
0 20 40 60 80 100
RI (%)

22.6.5 Cal residual da produção de acetileno

Existem vários processos industriais que têm como resíduo o hidróxido de cálcio. Alguns deles, no
entanto, podem resultar na contaminação com dioxinas e outras espécies químicas perigosas e não podem ser
utilizados na construção civil.
A “cal de carbureto”, é um resíduo da produção do gás acetileno, a partir do carbeto de cálcio,
popularmente denominado carbureto de cálcio, matéria prima da produção de acetileno, por sua vez insumo
da produção de materiais poliméricos. É um tipo de cal que pode ser utilizado na construção civil sem
problemas, se não contaminada por dioxinas ou por metais pesados. O volume de produção é elevado e cresceu
quando o processo eletrotérmico tornou-se cada vez mais competitivo com o aumento do preço do petróleo,
como ocorre agora e ocorreu pela primeira vez na década de 1970.
A produção consiste na reação de redução do carbonato de cálcio a carbeto de cálcio com carvão. Por
hidrólise subsequente, é liberado o gás acetileno, permanecendo uma lama de hidróxido de cálcio como
resíduo, comercializada dessa forma ou em escamas, após filtração em filtro prensa e seca ao ar. Pode conter
até 40% de umidade. As reações características do processo estão indicadas nas Equações 9 e 10:

4 CaCO3 + 4 C  2 Ca2C + 6 CO2 (Equação 9)


2 Ca2C + 4 H2O  C2H2 + 4 Ca(OH)2 (Equação 10)

A matéria prima empregada é o calcário de elevada pureza. Das equações acima, deduz-se que para
cada 400 kg do carbonato são produzidos 296 kg de hidróxido e 264 kg de CO2 liberados para a atmosfera.
Pela sua composição, a cal de carbureto nacional satisfaz como ligante, pois é rica em hidróxido de
cálcio, não apresenta óxidos não hidratados e teor de anidrido carbônico que atende à norma (Quadros 16, 17
e 18).

11
PBQP-H: http://www.cidades.gov.br/pbqp-h.

pg. 19
Quadro 16 – Composição química percentual de cales residuais.

Composição Produtor A Produtor B


Água combinada 23,1 21,4
Óxido de cálcio 70,4 71,4
Óxido de magnésio 0,17 0,12
Anidrido carbônico 2,60 6,10
Anidrido silícico + Insolúveis 2,32 0,68
Óxidos de ferro e alumínio 1,02 0,25
Total 99,61 99,95

Quadro 17 – Composição percentual calculada de cales residuais.

Composição Produtor A Produtor B


Hidróxido de cálcio 89,0 84,1
Fração ligante
Hidróxido de magnésio 0,25 0,17
Fração não ligante Carbonato de cálcio 2,34 13,8
(inerte) Impurezas 3,51 1,05

Quadro 18 – Propriedades físicas de cales residuais*.

Critérios NBR 7175/92


Requisitos Produtor A Produtor B
(Tipo CH-I)
Estabilidade Sem cavidades ou protuberâncias
Plasticidade 111 108  110
Retenção de água 64% 47%  80%
Capacidade de incorporação de areia 1,00 : 2,15 1,00 : 0,25  2,5
*
As características físicas dos resíduos, apresentadas no Quadro 13, referem-se ao material seco e apiloado
até a finura da especificação de cal para argamassas.

22.6.6 Cal hidráulica

A cal hidráulica recebe essa designação por conter compostos hidráulicos e cal hidratada. Os romanos
foram os primeiros usuários da cal hidráulica, obtendo-a de uma mistura de pozolana (cinza vulcânica) e
materiais cerâmicos moídos com cal aérea.
É produzida pela calcinação a 900C de calcário argiloso, a marga, e hidratada com água suficiente
para a reação com a cal virgem, permanecendo no produto hidratado o silicato e o aluminato anidros. Um
exemplo do emprego dessa cal no País está documentado na construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
como “cimento amarelo”, importado da França.
Os compostos formados são, provavelmente, o silicato dicálcico (2CaO.SiO2), o aluminato tricálcico
(3CaO.Al2O3) e a ferrita (4CaO.Al2O3.Fe2O3), em virtude de a temperatura de calcinação não ultrapassar
1.200C. O índice de hidraulicidade dado por Vicat é avaliado pela Equação 11, em função dos teores
percentuais de sílica, alumina, óxido de ferro, cal e magnésia:

i = (SiO2 + Al2O3 + Fe2O3) / (CaO + MgO)) (Equação 11)

Boynton (1980) cita a equação modificada (Equação 12) para:

i = [2,8.(% SiO2) + 1,1.(% Al2O3) + 0,7.(% Fe2O3)] / [(% CaO) + 1,4.(% MgO)] (Equação 12)

A composição das cales hidráulicas varia entre os seguintes limites, conforme o Quadro 19:
pg. 20
Quadro 19 – Composição das cales hidráulicas.

Espécies químicas Teores limites (%)


Óxido de cálcio 57 a 66
Sílica 10 a 25
Óxido de alumínio 1,5 a 6,5
Óxido de ferro 0,5 a 3
Óxido de magnésio 0,5 a 2
Perda ao fogo 8 a 20

O endurecimento é análogo ao do cimento para o silicato e o aluminato e, em função do índice de


hidraulicidade, podem-se classificar as cales hidráulicas pelo seu tempo de pega. O hidróxido de cálcio
contribui para o endurecimento do mesmo modo que na cal. A exigência de qualidade era que, durante a
hidratação em obra, não deveria haver aumento de temperatura, pois isso revelava a existência de partículas
de cal não extintas e que poderiam resultar em fenômeno de expansão.
A classificação dada por Boynton (1980), segundo o índice de hidraulicidade proposto, é: fracamente
hidráulica – 0,30 a 0,50; medianamente hidráulica – 0,50 a 0,70, e fortemente hidráulica – 0,70 a 1,10. Pelas
equações de cálculo do índice de hidraulicidade, pode-se concluir que a cal é tanto mais hidráulica quanto
maior o teor dos elementos formadores dos silicatos e aluminatos, mas de maior importância a sílica.
As misturas de cal com pozolanas ou escória de alto-forno podem ser consideradas também cal
hidráulica e classificadas como citado.

22.7Aplicações

O principal mercado da cal hidratada atualmente é a confecção de argamassas, pois sua elevada área
específica auxilia no comportamento no estado fresco (reologia e retenção de água) e contribuiu para o
endurecimento no momento em que a argamassa já não apresenta mais retrações significativas.
Além disso, a cal possui outras aplicações interessantes na construção civil, como mostrado nos itens
subsequentes.

22.7.1 Tinta à base de cal

Levantamento de dados sobre pintura com cal, com vantagens e desvantagens, propriedades e
formulações empregadas, foi feito por Uemoto (1993). Os pontos importantes estão aqui resumidos. É
conhecida a pintura executada com a aplicação de leite de cal, uma suspensão preparada a partir de cal virgem
ou hidratada, denominada caiação. Sabe-se que o seu emprego já existia na cultura egípcia, foi característica
do Brasil colonial e é, ainda hoje, aplicada em aldeias, vilas ou cidades da Europa Central, do norte da África,
da Grécia, dos Estados Unidos, do sul da Espanha e da Itália.

pg. 21
Figura 10 – Imagem de uma cidade no
Mediterrâneo (Grécia) ilustrando o uso da
caiação como pintura12.

A caiação é de baixo custo. Somente não é indicada para aplicação sobre superfícies lisas, como gesso,
madeira, metais ou repintura sobre outras superfícies pintadas. É indicada sobre superfícies rugosas onde a
camada de pintura adere por ancoragem.
A aplicação desse tipo de pintura diminuiu sensivelmente quando surgiram as resinas sintéticas, como
o poliacetato de vinila (PVAc) e os poliacrilatos. Esses produtos ganharam mercado por melhor resistirem ao
intemperismo, por oferecerem uma ampla gama de cores e melhor acabamento estético e por não perderem
poder de cobertura quando saturadas, como ocorre com as tintas à base de cal. As películas orgânicas, no
entanto, apresentam desvantagens como desenvolvimento de microrganismos.
Recentemente, as pinturas à base de cal vêm ganhando mercado, particularmente dentro de uma visão
de construção sustentável. A sua composição tem sido aprimorada pelo emprego de adições, agentes
aglutinantes, óleos naturais, como o de linhaça, fixadores e corantes compatíveis com a cal, dando à película
de pintura cores como branco, azul, verde, castanho, amarelo e negro. Há compatibilidade com óxidos
minerais, como, por exemplo, os óxidos de ferro.
A durabilidade da caiação é sensivelmente reduzida em zonas industriais onde predomina a chuva
ácida, que dissolve a camada de pintura constituída de uma camada de carbonatos de cálcio e de magnésio.

22.7.2 Bloco sílico-calcario

Em nosso País, os blocos sílico-calcario são produzidos desde 1976, com tecnologia Krupp alemã.
Esse produto é submetido à especificação ABNT NBR 14974-1:2003, que prevê diferentes blocos destinados
à aplicação em alvenarias estrutural e não estrutural, com resistencia à compressão variando de 4,5 a 35,0 MPa.
Os blocos sílico-calcario são fabricados com cal e agregados finos quartzosos. Após a mistura, são
moldados por compactação, submetidos à hidratação em autoclave. A elevada pressão permite que ocorra a
reação química entre o quartzo – a forma mais estável da sílica – e o hidróxido de cálcio. Entre 150°C e 200°C,
o produto essencial formado é o silicato de cálcio hidratado, cristalizado na estrutura da tobermorita
[Ca4(Si5O16H2)]Ca.4H2O ou C5S5H5]. A reação do quartzo com a cal é relativamente lenta, formando-se
inicialmente o silicato de cálcio hidratado com relação CaO/SiO2 ao redor de 1,75. Numa relação sílica-cal
ótima, a reação evolui para um produto formado que tem uma relação mais baixa, entre 0,8 e 1,0. Para o sistema
ternário SiO2-CaO-H2O, foram relatadas vinte e duas estruturas cristalinas, dependendo do tipo de silicato
formado da reatividade da sílica e da temperatura de processo, vale dizer, da pressão de vapor do sistema
(Taylor, 1997). A resistencia mecânica depende da porosidade, influenciada pelo empacotamento
granulométrico das partículas, pelo teor de água, pela energia de compactação e pelo volume de produtos

12 Foto cedida por YumiUyemura.


pg. 22
hidratados formados durante a autoclavagem.
A microestrutura de duas amostras, uma branca (originada de quartzo) e uma cinza (produzida com
rocha basáltica moída), está ilustrada nas Figuras 11, 12 e 13. A amostra branca apresenta uma estrutura aberta,
propícia ao crescimento dos cristais em placas. Na amostra, também podem ser observados os vazios próprios
desse material.

Figura 11 – Micrografia da Figura 12 – Detalhe de ponto Figura 13 – Micrografia da


microestrutura de bloco com central da micrografia anterior. microestrutura de bloco cinza,
crescimento abundante de Barra de referência: 3 m denso, com placas pouco
placas de tobermorita. A (D´Agostino, 2007) desenvolvidas, mas frequentes.
estrutura é porosa e com vazio Barra de referência: 2 m
observado no canto esquerdo. (D´Agostino, 2007)
Barra de referência: 10 m
(D´Agostino, 2007)

Na micrografia da amostra cinza, mais densa, observa-se que a microestrutura mais compacta não
permitiu o crescimento dos cristais em placa (Figura 13).

22.7.3 Adição de cal ao concreto

A substituição parcial do clínquer por pozolanas e escorias apresenta inegáveis vantagens técnicas
(resistência a cloretos, por exemplo), econômicas e ambientais, pois reduz a emissão de CO2 para a atmosfera.
Por essa razão, existe interesse prático para a produção de cimentos e concretos com teores cada vez menores
de clínquer.
No entanto, essa tendência enfrenta limites práticos de duas ordens. A capacidade ligante das
pozolanas, que depende da existência de hidróxido de cálcio livre para reagir, e o clínquer, que fornece uma
quantidade limitada desse produto.
As substituições no cimento, como as cinzas volante e de casca de arroz, a sílica ativa e a metacaulinita,
consomem o íon cálcio por atividade pozolânica, formando um silicato de cálcio hidratado que pode ter ainda
o cálciosubstituído pelos metais alcalinos (Na e K), resultando numa diminuição do pH da água do poro, tanto
mais quanto maior o teor de substituição e mais avançada a idade do concreto. Cimentos contento alto teor de
pozolanas e de escorias apresentam, portanto, baixo teor de hidróxido de cálcio, o que torna acelerada a sua
velocidade de carbonatação, tornando a armadura suscetível à corrosão.
A adição de cal hidratada à mistura, contendo elevados teores de adições, tem a finalidade de manter
o pH e aumentar o teor de Ca(OH)2, melhorando a durabilidade do concreto e permitir reduzir-se ainda mais
o teor de clínquer. Esse é um tema de pesquisa iniciado em 2000 pelo GEPECON (Grupo de Estudos e
Pesquisas em Concreto) da UFSM, iniciado e coordenado por Isaia e Gastaldini (2004, 2005, 2006, 2007).
As pesquisas em desenvolvimento têm mostrado os resultados descritos a seguir.
Os concretos de cimentos com substituição por pozolanas e com adição de cal têm não só coeficientes
de permeabilidade ao oxigênio da mesma ordem de grandeza que os concretos sem cal, como também
coeficientes menores do que os concretos de referência sem substituição. A absorção capilar à água também é
menor para as misturas com cal hidratada (Hoppe Filho, 2002).
A utilização da cal aumenta a quantidade de finos no concreto, o que demanda maior quantidade de
aditivo dispersante para obtenção da trabalhabilidade desejada (Hoppe Filho, 2002).
Embora a adição de cal aumente a penetração de cloretos se comparado com concretos produzidos
com o mesmo teor de adições minerais sem a cal, o desempenho observado é ainda superior ao concreto
confeccionado somente com clínquer. Uma vantagem adicional é que a adição da cal hidratada diminui a

pg. 23
relação [Cl-/OH-] que controla o risco de corrosão mesmo para concretos com até 90% de substituição do
cimento por adições, independentemente da relação água/materiais cimentícios empregada (Dal Ri, 2002).
A adição de cal hidratada no concreto com elevado teor de adições reduz a velocidade de carbonatação
do concreto que, no entanto, ainda permanece mais elevada que os concretos de referência (cimento ARI)
(Stümpp, 2003).
A adição de cal hidratada acelera a atividade pozolânica, ou seja, quanto maior a disponibilidade de
hidróxido de cálcio, maior o seu consumo para a formação de hidratos. Em concretos com 50% de substituição
de cimento ARI por cinza volante, a adição de 20% de cal hidratada sobre a massa de materiais cimentícios
acarreta maior consumo de portlandita se comparado ao concreto em que não se adicionou cal, aos 91 dias de
idade (Hoppe Filho e Cincotto, 2006).

22.7.4 Efeito da cal hidratada na hidratação do cimento Portland

A cal hidratada é comumente empregada na produção de argamassas mistas cimento:cal e o


seu efeito na mistura, estudado em pastas de diversas proporções dos ligantes, permitiu observar que
há alteração na sequência das reações de hidratação do cimento, dependendo do tipo de cal, com teor
de fração carbonática baixo (CHI) ou elevado (CHIII). A análise comparativa do efeito foi feita pelo
calor de hidratação determinado em calorímetro de condução, em pastas de relação água/cimento fixa
0,45, correspondendo a 0,64 para a pasta cimento:cal CH I e 0,74 para a pasta cimento:cal CH III.
Na Figura 14 observa-se a liberação de calor logo no início da mistura sólidos/água; por ter sido feita
fora do calorímetro esse calor liberado não é considerado. Segue se o período de indução quando os
ligantes anidros se dissolvem, e pode-se notar o aumento por efeito da cal (de 2 horas para 2,8 horas).
Atingida a saturação da solução, as reações de hidratação do cimento ocorrem com
aceleração,observada pela diminuição no tempo e aumento da taxa de reação. O pico mais alto é o da
hidratação da escória que ocorre mais tarde e, neste caso, intensa, uma vez que a alcalinidade do meio
é elevada, pela presença da cal. Após 63 horas, o calor acumulado do cimentoaumenta de 166 J/g
para 194,6 J/g pela presença de cal (CH I) e para 203,2 J/g pela presença de cal+carbonato (CH III).

Legenda:
A = Período de indução.
B = 1ª inflexão na curva de aceleração que se deve à hidratação do cimento.
C = 2ª inflexão na curva de aceleração que se deve à hidratação da escória de alto forno (teor de 29%
presente no cimento).

Fig. 14 – Curvas de fluxo de calor versus tempo de hidratação e de calor acumulado versus tempo
de hidratação.

pg. 24
Quadro 20 – Dados obtidos a partir do detalhamento das curvas de calor de hidratação.
Pasta de Cimento Pasta 1:1 Pasta 1:1
Parâmetros
CP II E CP II E:CH I CP II E: CH III
Período de indução (h) 2,0 2,8 2,8

Taxa de reação do cimento (mW/g/h) 0,14 0,30 0,22


Tempo final de reação do cimento (h) 10,7 6,97 7,12
Calor de reação do cimento (mW/g) 1,31 1,80 1,84
Taxa de reação da escória (mW/g/h) 0,14 0,28 0,32
Tempo final de reação da escória (h) 17,1 11,5 11,1
Calor de reação da escória (mW/g) 2,00 2,62 2,74
Tempo no período total de aceleração (h) 14,6 8,07 7,82
Calor acumulado após 63 h de reação (J/g) 166,2 194,6 203,2

A análise por difratometria de raios-X em tempo real, realizada em pasta no estado fresco,
mostrou que se forma preferencialmente a etringita nas primeiras três horas, isto é, desde o início da
mistura ao final do tempo de indução, com consumo total do sulfato de cálcio controlador da pega, e
somente no final desse período é que se inicia a formação dos silicatos de cálcio hidratados,
coincidindo com a etapa de aceleração da hidratação. Esses dados podem melhor orientar a
interpretação dos resultados do desempenho de argamassas cimento:cal, levando-se em conta o teor
e o tipo de cal empregado (Quarcioni, 2008).

22.8Definições e terminologia

As normas padronizam a terminologia dos produtos e os descrevem com um objetivo, por meio de uma
definição, que é restritiva, uma vez que a definição é dita “para efeito de norma”. Determinam o padrão de
qualidade ao especificarem requisitos (parâmetros de qualidade) e critérios (parâmetros quantitativos) válidos
para a data da publicação. Na definição, podem estar citadas a natureza do produto, a origem, a composição
química, ou ainda uma propriedade física ou mecânica. Para a cal, são definidos os termos citados a seguir:

a) Ligante aéreo é umligante cuja pasta apresenta a propriedade de endurecer por reações de hidratação
ou pela ação do anidrido carbônico presente na atmosfera e que, após o seu endurecimento não resiste
satisfatoriamente quando submetido à ação da água.
b) Cal (ABNT NBR 11172:1990): “Aglomerante cujo constituinte principal é o óxido de cálcio ou óxido
de cálcio em presença natural com o óxido de magnésio, hidratados ou não”.
c) Cal virgem (ABNT NBR 6453:2003): “Produto obtido da calcinação de carbonatos de cálcio e/ou
magnésio, constituído essencialmente de uma mistura de óxido de cálcio e de óxido de magnésio, ou
ainda de uma mistura de óxido de cálcio, óxido de magnésio e hidróxido de cálcio”.
d) Cal hidratada (ABNT NBR 7175:2003): “Pó seco obtido pela hidratação de cal virgem, constituída
essencialmente de hidróxido de cálcio e hidróxido de magnésio, ou ainda, de uma mistura de hidróxido
de cálcio, hidróxido de magnésio e óxido de magnésio”.
e) Em mineralogia:
• óxido de cálcio –cal – CaO
• óxido de magnésio –periclásio – MgO
• hidróxido de cálcio – portlandita – Ca(OH)2
• hidróxido de magnésio – brucita – Mg(OH)2
• sulfato de cálcio – anidrita – CaSO4.

Um glossário de termos gerais relativos à cal e à matéria prima foi elaborado por Guimarães (1985).

pg. 25
Referências Bibliográficas
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⎯⎯ABNT NBR 6453 Cal virgem para construção civil – Requisitos. Rio de Janeiro, 2003.
⎯⎯ABNT NBR 6473 Cal virgem e cal hidratada – Análise química. Rio de Janeiro, 2003.
⎯⎯ABNT NBR 9205 Cal hidratada para argamassas – Determinação da estabilidade – Método de
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⎯⎯ABNT NBR 9206 Cal hidratada para argamassas – Determinação da plasticidade. Rio de Janeiro,
2016.
⎯⎯ABNT NBR 9207 Cal hidratada para argamassas – Determinação da capacidade de incorporação
de areia no plastômetro de Voss . Rio de Janeiro, 2000.
⎯⎯ABNT NBR 9289 Cal hidratada para argamassas – Determinação da finura. Rio de Janeiro, 2000.
⎯⎯ABNT NBR 9290 Cal hidratada para argamassas. Determinação de retenção de água – Método de
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⎯⎯ABNT NBR 11172 Aglomerantes de origem mineral. Rio de Janeiro, 1990.
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⎯⎯ABNT NBR 14974 Bloco sílico-calcario para alvenaria – Parte 1: Requisitos, dimensões e métodos
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pg. 27
ANEXO: Exemplo de cálculo do teor de óxidos não hidratados pela termogravimetria.

a) Cal cálcica
Consideremos uma cal hidratada cujos resultados da análise química indicaram os seguintes teores:
umidade – 0,54%; CaO – 72,00%; MgO – 0,49%; SO3 – 0,46%. O óxido de cálcio estará combinado
como hidróxido de cálcio, carbonato de cálcio e sulfato de cálcio. A análise termogravimétrica
apresenta três eventos térmicos, com perda de massa,cujos picos estão situados nas seguintes faixas
de temperatura:
25°C a 100°C umidade
420°C a 450°C desidratação do hidróxido de cálcio (reação inversa à equação 5)
700°C a 800°C descarbonatação do carbonato de cálcio (equação 1)

Os teoresde cada fração são calculados a partir das seguintes relações entre massas moleculares:
[MMCa(OH)2/MMH2O] = 74/18 = 4,11
[MMCaCO3/MMCO2] = 100/44 = 2,27
[MMCaSO4/MMSO3] = 136/80 = 1,70
[MMMg(OH)2/MMMgO] = 42/40 = 1,45
Exemplo: Ca(OH)2= [MMCa(OH)2 /MMH2O] x % H2O = 4,11 x 20,70 = 85,1%

H2O = 20,70%
Ca(OH)2 = 85,08% CO2 = 2,66%
CaO = 64,45% CaCO3 = 6,04%
CaO = 3,39%

Fig. 1 – Resultadoda análise termogravimétrica (TG) e termogravimétrica diferencial (DTG) da cal


hidratada cálcica: evolução da perda de massa em função da temperatura.

() Teores correspondentes.


Umidade: 0,45 %
Cálculo da portlandita: 20,70% H2O  85,08% Ca(OH)2 64,5% CaO
Cálculo da calcita: 2,66% CO2 6,04% CaCO3 3,39% CaO
Cálculo daanidrita: 0,47% SO3 0,33% CaO 0,80% CaSO4
Cálculo do CaO livre: CaOAQ - 64,45 - 3,39 - 0,33 = 72,87 - 68,17 = 4,70%
Composição da cal hidratada cálcica:
Fração ligante: 85,1% Ca(OH)2
Fração potencialmente ligante: 4,70% CaO
Fração inerte: 6,04% CaCO3

pg. 28
b) Cal magnesiana
Consideremos uma cal hidratada cujos resultados da análise química indicaram os seguintes teores:
umidade – 0,69%; CaO – 60,00%; MgO – 7,69%; SO3 – 0,09%. O óxido de cálcio está combinado como
hidróxido de cálcio, carbonato de cálcio e sulfato de cálcio e o magnésio como hidróxido de magnésio. A
análise termogravimétrica irá apresentar quatro eventos térmicos, com perda de massa, nas mesmas faixas
de temperatura da cal cálcica, com um pico entre 300°C e 383°C de desidratação do hidróxido de magnésio
(reação inversa à da equação 6):

H2O = 12,43%
Ca(OH)2 = 51,09%
CaO = 38,70%
%

H2O = 2,97%
Mg(OH)2 = 9,62%
MgO = 6,63%
CO2 = 11,72%
CaCO3 = 26,60%
CaO = 14,95%

Fig. 2 - Resultados da análise termogravimétrica (TG) e termogravimétrica diferencial da cal


hidratada magnesiana (DTG): evolução da perda de massa em função da temperatura.

Umidade: 0,45%
Cálculo da portlandita: 12,43% H2O  51,09% Ca(OH)2 38,7% CaO
Cálculo da brucita: 2,97% H2O  9,62% Mg(OH)2 6,63% MgO
Cálculo da calcita: 11,72% CO2 26,60% CaCO3 15,0% CaO
Cálculo daanidrita: 0,07% SO3 0,05% CaO 0,12% CaSO4
Cálculo doCaO livre: CaOAQ - 38,70 - 14,95 - 0,05 = 59,99 – 53,7 = 6,29%
Cálculo do MgO livre: MgOAQ – 6,63 = 7,69 - 6,63 = 1,06%
Composição da cal hidratada magnesiana:
Fração ligante: 51,09% Ca(OH)2 + 9,62% Mg(OH)2 = 60,7%
Fração potencialmente ligante: 6,29% CaO + 1,06%MgO = 7,35%
Fração inerte: 26,60% CaCO3

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