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PSICANALISE OU PSICOTERAPIA Psicandlise ou psicoterapia 6 0 tema deste livro. A presenga no titulo da alternativa ~ ou ~ sintetiza a posigéo de seus autores. Nao é bom manter a psicanalise no rol geral das terapias médicas ou psicolégicas, pois um tratamento que se fundamenta no conceit do inconsciente 6 forgosa- mente diverso dos tratamentos sem esta referéncia. Sao diferentes a psicopatologia, 0 objetivo terapéutico, a diregao do tratamento, a conclusio, enfim, a ética. Num momento em que 98 tratamentos psiquicos tendem em alguns paises a uma empobrecedora alinica geral da depresséo, ¢ importante ressituar que 0 conflito do homem com o mundo nao é um defeito, um erro, mas base de sua constituicao. © inconsciente 6 a marca deste desacerto ¢ 0 desejo é seu produto, sendo que a psicandlise, acostumando o homem a seu incons- ciente, possibilita menores tropegos nos avalares de seu desoio, “PAPIRUS EDITORA - PSICANALISE OU PSICOTERAPIA Jorge Forbes (Org.) Antonio di Ciaccia Antonio Godino Cabas Bernardino Horne Carlos Augusto Nicéas Carmen Gallano Colette Soler Enric Berenguer e outros Franz Kaltenbeck Jacques-Alain Miller Jésus Santiago’ Lilia Mahjoub Luis Solano Pierre Naveau Serge Cottet Sérgio de Mattos BRUOTECA| a FREUD BRASLERA PAPIRUS i PSICOTERAPIA E PSICANALISE™ “Alain Miller Jacq Sempre gostei do deus Janus. O deus de cluas faces, a da paz ¢.a da guerra. Na representagao clissica, Herdclito sempre ¢hora, 20 passo que Democrito nao para de rir, Qualquer que seja o higar do qual vocés os véem, em qualquer momento em que os véem, caca um € sempre © mesmo: Hericlito chora, Demécrito ti. Nao ‘ocorre 6 mesmo com a face'de Janus. A face que Janus apresenta depende do espago ¢ do tempo, € fungdo do lugar em que voces ‘estio em Um momento ou outro. Seu aspecto inclui a posicao em. que vocés esto. Imaginem essas representagdes de imagem dupla, que oferecem, segundo 0 Angulo do qual vocés as véem, duas poses do mesmo personagem, olhos absertos-olhos fechados, boca aberta-boca fechada. Mas Janus nao € 0 deus da oscilagio imaginia; pois a paz ea guerra s20, em principio, ceclaragdes, enunciados, ditos. Janus a porta que abrimos ¢ fechamos, e a porta é uma grande funcao simbélica, talvez até a funcio simbdlica por exceléncia, talvez © pr6prio simbolo do significante. + Tradugo de Maria Leia F. Homer E sob a invocagio do deus Janus que situarei minha inter- vengao de hoje. “Psicoterapia € Psicanflise”, esse tema de reflexto nos & imposto pela atualidade européia. Refletimos sobre psicoterapia € psicandlise primeiramente na Italia, em raz30 de uma lei que discutimos bastante, mas também na Franga, na Espanha, na Bélgica, na Gra-Bretanha. Por meio de coléquios e congressos, € assim que um vasto e verdadeiro trabalho de Escola se desenrola no campo freudiano, em particular na Escola Européia de Psicand lise e na Escola da Causa Freudiana. Como tenho uma responsabilidade na escolha do titulo, comegarei justificando-o. Na expresso *Psicoterapia Psicandli- se", 0 eno significa adigao e, menos ainda, identidade, quer dizer que a psicoterapia ea psicanilise nao so dois dominios excluden- tes um do outro, exteriores um ao outro sem ponto comum. Nao € sem razio que, do ponto de vista do Estado, a psicanilise seja classificada como uma forma de psicoterapia, como um elemento ou um subconjunto do conjunto das psicotera- pias, € no podemos ficar satisfeitos em opor a essa concepgao a nogio da exterioridade pura e simples de dois conjuntos. Creio que 1h interse¢do entre os dois, e que esta intersegao nao é vazia. Essa representagao nos leva a pensar que trés dominios estio em questo. Hi4 uma zona de psicoterapias que ndo tém nada a.ver ‘com a psicandlise, assim como ha uma zona do campo freudiano que € exterior 2 psicoterapia; e hi uma zona de intersecao. Reencontramos af o deus Janus, 10 Se consideramos a psicanilise com base na psicoterapia, a psicandlise confunde-se com a psicoterapia, ao passo que, con- siderada com base em si mesma, ela nao tem nada a ver com a psicoterapia. Talvez o pr6prio psicanalista seja um Janus de dupla face. ‘Alguém tomiou a palavra neste congresso para dizer: “Eu sou psicoterapeuta?” Creio que o psicanalista pode levantar-se e dizer: “Bu sou psicoterapeuta” ¢ isso sera verdade, mesmo se nio € toda a verdade, mesmo se a psicandlise propriamente dita, a psicandlise pura, nao é psicoterapia. ‘Tentemos dar um pouco de corpo a essa distribuigo espa- cial. H4 uma zona comum entre psicoterapia e psicandlise quando se trata das psicoterapias que procedem pela palavra. Nos dois casos, trata-se de logoterapia, de_uma terapia pela linguagem, ¢ mesmo de uma terapia da linguagem, Sabe-se desde sempre. Sabe-se que falar faz bem, Por exem plo, € ao menos uma das razdes que nos faz fazer congressos. Desde sempre, sabe-se que falar cura, no momento, Sabe-se que ir mal, estar coente, € talvez uma forma de falar quando ja nao se sabe falar. Na linguagem de hoje, diz-se “somatizar", o que quer dizer que 0 corpo se torna um meio da palavra. Que haja uma relagao entre o mal e a palavra nao é uma descoberta de Freud; a medicina, antes de inserir-se no discurso da ciéncia, sabia muito bem o valor de alivio da confissio € da palavra de absolvicao. Hi o que se sabe desde sempre, ¢ hé o que mudou na época da psicandlise, na era p6s-kantiana, na qual nasceu a nogao de psicoterapia. O que mucou é que a quest2o passow a ser formulada nos teimos de um conflito de causalidade. Toda causalidade que conceme o ser humano é de ordem material? Ou hé uma outra ordem de causalidade? As perturbacdes_ que amo, psiquisma. respondem a uma causalidade biolégica, neuroldgica ou quimica, ou ha uma causalidade psiquica, que constitui uma ordem original de sealidade? u © que ha de comum entre psicoterapia e psicandlise € que ambas admitem a existéncia de uma realidade psiquica, Lembre- ‘mos aqui o termo que Freud specifica nese emprego: Realitdt. A questio passa a ser, entio, a de saber como operar sobre essa realidade psfquica. Isto €, qual é a realidade eficiente, nos termos de Freud, a Wirklichkeit, que opera sobre a realidade-Realiit psiquica? Se operamos por uma_intervengio direta sobre 0 cérebro como 6rgio, por uma intervengao cinirgica, elétrica ou quimica, saimés evidentemente do campo das psicoterapias. Da mesma forma, se operamos pot injegdes de substincias a fim de modificar 0s estados de consciéncia. Todavia, é fato haver um certo niimero de intervengdes sobre a realidade psiquica que passam pelo corpo e que entram no campo contemporaneo das psicoterapias. Sao as psicoterapias que se utilizam da ginistica. Classifico aqui as sabe- dorias orientais, que si todas disciplinas de maestria do corpo. Mas & também 0 caso das sabedorias ocidentais da Antiguidade, que sio exercicios de dominagao psiquica das fungdes € dos apetites somaticos, 14, assim, um vasto leque de psicoterapias a classificar, da gindstica & psicoterapia breve de instituigao. Qual seria 0 principio da classificagao? © que acredito ser 0 principio dla classificagio de qualquer psicoterapia é a incidéncia da palavra do Outro. © fator chave de qualquer psicoterapia é que h4 um Outro que diz 0 que deve ser feito, um Outro a quem o sujeito que sofre obedece, e do qual ele espera a aprovagio. Esse fator nao € climinavel. Ele nao é eliminavel nem das psicoterapias ditas comportamentais, porque elas stio sempre do- ‘minadas pelo Outro que aprova, que diz “esta bem’, que diz ‘sim’, Dessa forma, todas as psicoterapias sto de fato terapias da imagem de si, € sio sempre fundadas sobre o estidio do espelho. Trata-se de restituir a0 eu (moi) suas fungdes de sintese e de maestria, sob 2 o olho do mestre que desempenha o papel de modelo. Sto terapias pela imagem, € que, por isso mesmo, sao terapias pelo mestre, pela identificagio com o mestre. £ assim que elas sempre evidenciam 0 ‘campo da linguagem. O uso da palavra é mais ou menos evidente, diversamente acentuado, O zen € uma psicoterapia tao bem situada no campo da linguagem que visa de forma sistemética desconcertar a palavra, de forma a atingir 0 significante puro em seu vuuitia-senso, O grito primitive também & um esforgo para atingir o puro significante do Es. Na hipnose, no relaxamento, em todas as formas de gin‘stica meditativa, ha sempre um mestre que vela, que induz, ¢ a0 qual se trata de se identificar por introjecao, Isso pode passar pelo corpo, pelo corpo-escravo, pelo mo- vimento do corpo ou pela imobilidade do corpo, por todo com- portamento do corpo. Mas o que é essencial, ¢ que faz psicotera pia, € o assujeitamento ao Outro. ‘Tratando-se das psicoterapias que economizam a passagem pelo corpo, estamos em uma zona que se aproxima da psicanélise. Digamos que sio psicoterapias que empregam as propriedades elementares da intersubjetividade. Elas constituem 0 que eu cha- maria uma técnica do “sim”. Ela visam obter um efeito de absolvi- Gio pelo “sim” do Outro. Uma terapia que teve seu tempo de sucesso tinha como pivé a seguinte frase: “You are OK, I'm OK". Esse aforismo é uma espécie ce matriz de todas as psicoterapias no corporais, Essa *OK-terapia” € o principio de uma di rudimentat: instituit 0 Outro, investi-lo do significante-mestre, de forma a receber dele um "sim’, o significante que salva. Estamos aqui numa zona tao préxima da psicandlise que, as indistinguivel aos olhos de algumas pessoas. Penso, por exemplo, na teoria desenvolvida por Kohut em seu dhimo wo, segunclo a qual a finalidacle da psicandlise ¢ fazer emerge. “para o sujeito um Outro que Ihe sorri.' Ele nos dé o belo exemplo de um paciente aflito cori um sonho repetitive, no qual via sempre vexes, ela TH. Rolnt, How does analis cure. Unversty of Chicago Press, 1984, um personagem virando-lhe as costas, encarnando de alguma forma a recusa fundamental que ele softia. Kohut o vé curado no dia em que, enfim, seu paciente tem um sonho no qual 0 persona- gem se volta, € sua mae, ela sorri, o paciente esta curado. Se queremos car uma f6rmula geral das psicoterapias, dire- mos que sio fundadas sobre uma relagao de dominagao que se exerce da imagem do outro, i(a) como escreve Lacan, sobre o eu (moi) do sujeito, marcado por um m. Essa relacao imagindia s6 ‘opera enquadrada por uma articulacio simbélica Esto indicados af, embaixo & direita, 0 sujeito, na medida ‘em que ele se enderega ao Outro como mestre, com o efeito de significagio que se segue, ¢ que se conclui disso, a identificagio com 0 Outro, I(A). © que evoco aqui de forma simplificada nao é outra coisa que o que encontramos em Lacan no que ele chama 0 grafo do desejo. Esse grafo comporta dois andares. Esse é 0 estgio inferior, ¢ também minimo, o que quer dizer que nio se possa evitar passar pelo seu circuito, 0 acesso ao estégio superior é, se posso dizer, opcional.? Todo significante do Outro, toda palavra do Outro, na medida em que reconhecemos nesse outro a posicao de grande Outro, tem efeito de identificagdo. Essa é a base comum da psicoterapia ¢ da psicandlise. Pode-se até dizer que, na psicandlise, a Sugestio 6, inclusive, a mais pura. Nesse nivel, a psicandlise € Mpsicoterapia, isto é, terapia por identificagao. 2. J. Tacan, Subversion du sujet er dalecique dy détr dans nconscient feuden (1960) Em; Bore Pars: Sell, 1966, pp. 805, 08, B15, 17 © 907, 4 Depois de Freud e até Lacan, os proprios psicanalistas defini- ram a psicanilise como uma terapia por identificagio — assim, o problema “Psicoterapia ¢ Psicanilise” nao nos imposto pelo Estado, ele € a conseqiiéncia do distanciamento da identicade freudiana da psicandlise. Para nés, a possibilidade da operacao analitica nao se baseia sobre nada além do que uma recusa do analista, sua recusa “em uillizar os poderes da iclentificagao, O analista, na medica em que ‘GRIPS Tigar do grande Outro, desse Outro para o qual o sujeito se “volta em set sofrimento, o analista recusa-se a ser o mesire. E por que falamos de ética ca psicandlise, e do desejo do analista, como ‘um desejo que seria mais forte do que o desejo de ser 0 mestre Esse ~ desejo € enigmtico._ E aqui que o analista é Janus, nesse ponto grande A — em que cle pode fechar ou abrir a porta da anilise, Ou ele encaminha © sujeito 20 curto-cireuito da identificagao ou abre um segundo circuito, que voces encontrario sobre o grafo de Lacan e cuja porta de entrada esti no lugar do Outro. Isso quer dizer que a andlise depende da posi¢ao que o analista adota. Se ele se identifica com um psicoterapeuta, ele fecha essa porta, E somente recusando ser psicoterapeuta que cle abre a dimensto propriamente analitica do discurso. Por pouco que ele comunique ao sujeito precisa, eu sei o teu bem” —, ele fecha essa porta. Hla s6 fica aberta se ele faz 0 sujeito ouvir: “Eu nfo sei e € por isso que € preciso que voc? fale.” E por isso que 0 desejo do analista € apenas a outra face da paixto da ignorincia. £ preciso, efetivamente, que 0 analista se mostre habitado por um desejo mais forte do que © desejo de Ser o mestre. £ 0 que Freud exprimia, a sua maneira, alertando © psicanalista contra o descjo de curar, em nome do~ desejo cientifico. jé era distinguir 0 desejo do analista como desejo ‘de saber, para que o sujeito possa encontrar a questio de seu desejo além da identifica — "Bu sei o que voce &, eu sei o que voce No circuito superior, no qual se formula a questao que La coloca em italiano — Ghe vuoi? —, é preciso que 0 analista nao 15 se prenda a nenhuma resposta prévia, isto é, que ele nao seja servo de nenhum preconceito. EI “GSUaF a SEVIgo Ao desejo do analista. Ele no pode ser o agente yenhum discuiso instituido, de nenhuma identificagao social. “E@ justamenie isso o que coloca a questio de saber quem pode “dizer: sou analista?" Primeiramente, a pritica do analista poe em questio a ordem social € constitui uma quebra de seus valores. Em segundo lugar, © proprio analista nao é identificivel pelo Estado. Ele é identificé- vel, se posso dizer, apenas na parte inferior do esquema, na medida em que est4 na posi¢ao de exercer uma terapia pela identificacio, ‘mas nao é identificivel na parte superior do esquema, isto €, na arte em que recusa o poder que tem. £ justamente esse paradoxo do poder recusado que nao € inteligivel, até o momento, pelo Estado. A dicotomia dos dois andares do grafo encontra-se na oposigtio dos dois discuss, discurso do mestre e discurso do, ‘analista, O avesso da psicandlise é 0 discurso do mestre.* Os psicanalistas foram os primeiros, contra a opiniao de Freud, a querer confundir medicina e psicandlise. Essa identific io da medicina 4 psicandlise fracassou historicamente € é retoma- da hoje sob a forma da identificagio da psicandlise & psicoterapia Mas € legitimo prescrever & operacio analitica a finalidade de curar? Isto é, de fato, que 0 sujeite volte a ser ‘itil 8 sociedace? Porque nio h4, definitivamente, outra definicao da cura psiquica A idéia de cura no dominio psiquico baseia-se na nogio de que o psiquismo seria um 6rgi0 do corpo, que o psiquismo se confundi- ria com 0 funcionamento do cérebro, Ora, a psicanilise nao se ocupa do psiquismo, ocupa-se do inconsciente, 0 que € muito diferente. O inconsciente no € um 6rgio, no assegura nenhuma fungao de conhecimento do mundo €, no campo especifico do inconsciente, curar nao tem sentido. J-Tacan, Leséminabe, Lere XVI, Lowers de lapsyebarae (1969/1970) Pris Seu, 1991 16 Em nome de que o analista Janus se faz porteiro do incons- ciente? Fé-lo com base no saber que possui de que nenhuma identificagao satisfaz_a_pulstio, que o mais-de-gozar escapa 2 “identificacio, que a identificagto € sempre para 0 sujeito o meio “Ge evitar reenconirar esse mais-de-gozar. No se wata para o analista de adaptar o sujeito a uma realidade que 86 é fantasma nem de restituir nele o funcionamento do principio do prazer, de assegurar a regulacAo psiquica. O analista também nao € 0 repre- sentante do principio da realidade, uma vez que esse € apenas o Circuito de evitag2o do que faz, fracassar 0 principio do prazer. Se o Estado hoje intervém nesse campo, é em nome de algo como a defesa do consumidor. £ l6gico que ele comece por alterar © produto em questo? E o motivo pelo qual nossa resposta, na minha opinio, deve ser de dupla face. Em primeiro lugar, 0 efeito terapéutico nao se estende a todo ‘© campo freudiano, mas é, na verdade, um subproduto, e mesmo um subconjunto da psicandlise. Entio, inverterei o esquema que nos proposto. Do_ponto de vista da psicandlise, a psicoterapia €, um uso restrito dos efeitos anaiiticos. & possivel que a terapéutica “seja tudo 0 que o Estado pode perceber da psicandlise © isso conduziri o Estado a distinguir na psicanalise sua parte util e sua parte luxuosa — Mais interessante, no entanto, € © segundo pouty, nossa responsabilidade de Escola: a de fazer saber ao publico o que ele tem direito de esperar de um psicanalista, Isto é, se € preciso falar ‘em termos de mercado, de restabelecer a autenticidade de nosso produto. Daf a questio muito precisa sobre a qual € preciso trabalhar: O que podemos traduzir da ética_da_psicandlise em termos de deontolagia? O que podemos dizer ao piblico ¢ ao Estado dos deveres do psicanalista? Primero dever do psicanalista: ser_um_psicanalista. Quem pode dar garantia? Quem pode garantir de um outro sujeito que 7 este chegou como sujeito em seu Isso, respondendo a formula “Wo Eswar soll Ich werden? Quem pode afirmar de um outro que, além das identificagdes, ele subjetivou seu ser? Isso s6 pode ser efeito de uma psicandlise, € uma psicanilise € confidencial. Essa confi- déncia s6 pode ser revelada de duas maneiras: ou revelada pelo analista no contexto, também confidencial, da supervisto, ou tevelada pelo sujeito analisando no contexto confidencial que Lacan chamou 0 passe, em que um sujeito que estima ter termina- do sua anilise transmite 0 que aprendeu 2 um coletivo, composto de psicanalistas e outros psicanalisandos. Disso que € a psicandlise como pritica resulta que a garantia de que um analista € analista 86 pode ser validamente dada por uma comunidade na qual essa confidéncia possa ser avaliada. & 0 que chamamos, nés, uma Escola. Quanto mais suas bases so amplas, mais queremos inves- tirlhe uma presungao de competéncia, sem que haja af também uma garantia absoluta, Segundo dever do psicanalista: indicat ao poblico o que é um analista, isto €, o que ele no sabe e o que ele pode prometer. O analista nao sabe, isto é, ele nao determina a priori o que voc® precisa, como algo distinto de qualquer outro. O psicanalista nao determina que uma mulher deve ter filhos, nao determina que um homossexual deve necessariamente tornar-se heterossexual, no determina a questio de saber se € melhor que o filho seja como 0 pai, segundo o provérbio “Tal pai, tal filo”, ou se o filho deve opor-se ao pai, segundo 0 provérbio “A pai avaro, filho prédigo" O analista nao pode prometer nem a felicidade, nem a harmonia, nem a plenitude da personalidade, posto que ele visa além do principio do prazer. Q que ele pode é prometer elucidar 0 desejo do sujeito. E ajudar a decifrar o que insiste na existéncia. Terceiro dever do psicanalista: sua responsabilidade € pro- potcionar os efeitos analiticos de acordo com as capacidades do sujeito de suporti-los. © que pode eventualmente conduzir o analista a moderar os efeitos analiticos por razées terapéuticas. Nao € todo sujeito que pode ou deve fazer uma anilise, ¢ deixo de lado 18 0 registro da responsabilidade social do analista. O que ele deve fazer quando se descobre que para um sujeito, por exemplo, seu mais-de-gozar é intrinsecamente ligado 2 morte do Outro? A vida nao para o psicanalista, diferentemente do médico, o valor supremo, Isso nao quer dizer, no entanto, que o psicanalista esteja a servigo da pulsio de morte, Nao se trata de salvar uma vida, trata-se de que a psicandlise de alguém possa continuar. E assim que é em ncme do desejo de saber que o analista pode dar a impressao de fazer da vida um valor, € sabe que 0 suicidio € sempre o triuafo do recalque, que o suicidio é a forma extrema do “nao querer saber nada disso” Eis as duas faces da resposta que os tempos presentes parecem, ‘a meu ver, exigir de nés em relaglo ao Estado e ao piblico. Mas isso no nos deixa quites com a questio clinica presente em ‘Psicoterapia e Psicanilise”, pois a fronteira entre a sugestio € a transferéncia esta em toda paite Jumais podemios dizer que, de uma vez por todas, nao estamos mais na sugestio. A operagao analitica é constantemente recoberta pelos efeitos da identificagio. Daf a questzo do espago cedido 2 sugestio na realidade da operacao analitica. Qual analista pode dizer que jamais utlizou a investidura que Ihe era dada de grande Outro? Bem entendido, diante das urgéncias subjetivas, 0 analista pode ¢ até deve recorrer a esse pode, oferecer-se como um ponto fixo, invariavel a0 psicético; no momento de desrazio, se ele encontra a angiistia do obsessivo, sabe recorrer & obediéncia induzida pela palavra? A histérica no limite do suicidio, quem hesitaria em se opor firme- mente a uma atuagao? Trata-se de saber, entlo, para cada estrutura clinica ¢ em cada conjuntura dramética, qual o uso legitimo do que Lacan chama o significante mestre. © que é terapéutico na operacio analitica é o desejo. Em um. certo sentido, o desejo éa saiide. Contra a angistia, é 0 remédio mais eficaz, 4 culpa deve-se, fundamentalmente, a uma rentincia 20 desejo. Mas, paradoxalmente, 0 desejo é aquilo que € contratio a toda homeostase, a0 bem-estar. Como compreender o que é uma | terapia que no conduz ao bem-estar? 19

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