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TCC/UNICAMP

M672a
UNIVERSIDADE ESTADUAL IE

INSTITUTO DE ECO .. _ ..... .

Uma análise sobre a gestão de risco de


mercado em corporações não financeiras

Ricardo Melhado Miranda

Orientador: Prof0 Dr. Rodrigo Lanna Franco


da Silveira

Campinas

2009
TCC/UNICAMP
M672a 1
1290004374/IE
Ricardo Melhado Miranda

Uma análise sobre a gestão de risco de mercado em


corporações não financeiras

Tese de Monografia apresentada ao


Instituto de Economia na Universidade
Estadual de Campinas, como parte dos
requisitos necessários a obtenção do
titulo de Bacharel em Economia.

Orientador: Prof0 Dr. Rodrigo Lanna Franco


da Silveira

Campinas

2009
2
Para Mariana,

Obrigado por todo o amor e carinho.

3
RESUMO

Este trabalho examina os principais aspectos que devem ser considerados na


elaboração e na execução de uma política de hedge em empresas não financeiras,
bem como os potenciais beneficios de uma estratégia de hedge, com resultante
agregação de valor para a companhia. A utilização do mercado de derivativos pode
se constituir em componente importante na geração de valor à empresa, desde que
as operações realizadas tenham como objetivo reduzir os riscos do negócio,
estando assim alinhadas à estratégia de longo-prazo da corporação. A importância
deste estudo se reafirma com os recentes episódios de prejuízos monumentais
devido à má utilização de contratos de derivativos, que quase comprometeram a
continuidade das operações de empresas consideradas sólidas e grandes dentro de
seu setor de atuação.

ABSTRACT

This paper analyses the main aspects that should be considered during the
elaboration and execution of a hedge strategy of non financiai firms, as the potential
benefits obtained from it, resulting on the aggregation of value to the company. The
use of derivativas can be an important component to generate value to a firm, since
the operations made have the objective to reduce the business risks, being in line to
the long term strategy of the corporation. The importance of this work is enhanced by
the recent cases of massive financiai injuries caused by the bad use of derivatives,
which almost compromised the future operations of firms considered solid and big in
their sectors.

4
SUMÁRIO

Capítulo 1 -Introdução 7
Capítulo 2 ·Gestão de risco nas corporações e conceitos básicos
sobre os mercados de derivativos 1o
2.1 - O conceito de risco 11
2.2 -As quatro dimensões dos riscos corporativos 13
2.3- O mercado de derivativos 14
2.3.1- O que são derivativos 15
2.3.2- Surgimento dos derivativos 16
2.4- Mercados de negociação 16
2.4.1 -Mercado de bolsa no Brasil 21
2.5- Derivativos e seus mercados 22
2.5.1 -Contrato a termo 22
2.5.2 -Contrato Futuro 23
2.5.3 - Swap 27
2.5.4- Opção 28
2.6- Utilização dos derivativos 30
2.6.1 -Especulação 30
2.6.2 - Hedge 31
2.6.3 -Arbitragem 32
2.7- Função econômica dos Mercados Futuros 33
2.8- Considerações finais 33
Cap. 3 - O uso do hedge como elemento agregado r de valor 35
3.1 - O conceito de hedge 35
3.2 - O hedge como defesa ao risco 36
3.3- Tipos de Hedge 38
3.4 - O hedge e o valor da empresa 39
3.4.1 -Argumentos de que o hedge não adiciona valor à
empresa 39
3.4.2- Argumentos de que o hedge adiciona valor à
empresa 43
3.5- Observações empíricas 47
3.6 ·Considerações Finais 51
Cap.4- Política de Hedge 53
4.1 -Planejamento e Execução 54
5
4.2 • Experiências Recentes 62
4.3. Estudo de Caso- Cosan
4.3.1 ·A companhia- Cosan
4.3.2 ·Histórico da gestão de riscos- Gosan 65
4.3.3 ·A estratégia de gerenciamento de riscos da
empresa 68
4.4- Considerações finais 71
Cap. 5- Conclusões 72

Bibliografia 76

LISTA DE FIGURAS, GRÁFICOS E TABELAS

Tabela 1 ·Número de contratos Futuros ou Opções negociados nas


bolsas. 17

Gráfico 1 · Participação por categoria de derivativos no volume


mundial negociado- média 2007/08 18
Tabela 2 ·Número de contratos Futuros ou Opções negociados nas
bolsas 19
Gráfico 2 ·Distribuição da negociação de derivativos de bolsa no
mundo- 2007/08 20
Gráfico 3 ·Evolução mundial da negociação com derivativos nas
bolsas 20
Tabela 3 ·Contrato Futuro Mini de Café Arábica -Especificações 25
Figura 1 - Exemplo de operação de swap 28
Figura 2 - Fluxo de atividades para o planejamento de uma
estratégia de hedge 62

6
Capitulo 1 -Introdução

O cenário econômico mundial no período que antecedeu o início dos anos 1970 era
relativamente estável, no sentido de apresentar baixa volatilidade de importantes
variáveis econômicas, tais como taxas de câmbio e de juros. Nesta época a
previsibilidade dos preços de ativos financeiros manteve os riscos de mercado em
patamares que praticamente dispensavam esforços de gestão.

A partir da década de 1970, e mais intensamente nas décadas de 1980 e 1990, o


mundo se tornou mais arriscado não só para as instituições financeiras como para
os demais agentes. Neste período, eventos de grande importância como geradores
de instabilidade e incerteza nos mercados ocorreram. Dentre esses deve-se
destacar: o colapso do sistema de taxas de câmbio fixas de Bretton Woods em
1971; as crises do petróleo de 1973 e 1979, acompanhadas por taxas de inflação
elevadas e diferenciadas entre países; flutuações nas taxas nominais de juros; os
mercados de títulos e de ações passaram por alguns períodos de alta volatilidade;
quebra das sociedades de poupança e empréstimo americanas na década de 80;
crises nas bolsas mundiais (outubro de 1987 e outubro de 1989) ; ruptura do
Sistema Monetário Europeu de 1992; crises nos países emergentes (México/1995;
Asia/1 997; Rússia/1998; Brasil/1999; Argentina/2000). (Mendonça, 2006)

Conseqüentemente, aumentou a preocupação pela maior exposição ao mercado e a


resposta à maior demanda por redução de risco foi o processo de inovação
financeira, que produziu novos instrumentos que auxiliam a administrar melhor tais
riscos. (Mishkin, 1998)

As perspectivas de instabilidade no cenário macroeconômico mundial, decorrentes


da desregulamentação financeira que se seguiu ao desmoronamento do sistema de
Bretton Woods estimularam os mercados financeiros a desenvolverem produtos que
assegurassem aos agentes um menor grau de incerteza quanto aos retornos de
seus investimentos. Tais produtos são os derivativos, ou seja, contratos derivados
de outros ativos ou de variáveis macroeconômicas, como taxa de juros e taxa de
câmbio, que possuem o objetivo principal de garantir proteção contra oscilações não
favoráveis dos preços de ativos financeiros e de commodities.

7
Além da desregulamentação financeira, o crescimento do mercado de derivativos
resultou também de fatores como a internacionalização dos fluxos financeiros,
decorrentes da liberalização das contas de capital dos balanços de pagamentos.

A crise financeira mundial que se inicia em 2008, e seus reflexos sobre a taxa de
câmbio brasileira trouxeram grande destaque na midia para as operações com
derivativos cambiais realizadas por empresas não financeiras. Companhias com
forte exposição das receitas ao dólar surpreenderam seus acionistas com perdas
relevantes, as quais comprometeram os resultados operacionais. Dentre essas.
pode-se citar Sadia, Aracruz, e muitas usinas de álcool e açúcar, que especularam
com derivativos cambiais, o que resultou em fortes prejuízos e destruição de valor.

A relevância do tema se associa com o momento que o Brasil vivencia. Os


indicadores macroeconômicos vinham exibindo significativa melhora nos últimos
anos que precederam a crise, e sinalizaram um ambiente propício ao crescimento
de negóc1os, principalmente a empresas não-financeiras. Com a melhora da
percepção do risco pais (melhora da classificação de risco nas agências de rating),
as taxas de juros vinham exibindo uma tendência decrescente, tendência que foi
acentuada com a chegada da crise em 2008. Neste cenário, empresas que antes
vinham encontrando uma maior facilidade de acesso ao crédito, modificando sua
estrutura de capital, bem como reduzindo a importância da receita não-operacional
no resultado total, assumiram posições de maior exposição aos diversos riscos de
mercado. Porém, com a chegada da crise de 2008 e a volatilidade que a
acompanha, muitas destas posições tiveram de ser reavaliadas, e reafirmaram o
cuidado que se deve ter com o uso de derivativos, além da necessidade de
formulação de uma sólida política de hedge, que seja capaz de identificar os riscos
que são indesejáveis e mitigá-los de maneira efetiva e alinhada com a estratégia de
longo prazo da empresa.

Levando-se o atual contexto em consideração, este trabalho se propõe a analisar


quais os principais fatores que devem ser levados em consideração para a
implantação de uma política de hedge em corporações não financeiras, verificando
os principais determinantes que levam à sua boa execução, além dos benefícios
potenciais do uso do hedge, com resultante agregação de valor à empresa.

8
O trabalho está divido na seguinte estrutura. O capítulo 2 vai explicitar os principais
conceitos e idéias relacionadas aos riscos que as empresas enfrentam, além dos
principais conceitos associados ao mercado de derivativos e seu desenvolvimento
com o tempo.

No capitulo 3 vai-se expor o conceito de hedge, bem como os beneficios potenciais


de sua utilização. Além disso, uma análise empírica da utilização de derivativos
deve ser utilizada para confirmar as idéias apresentadas sobre o assunto.

O capítulo 4 vai analisar como uma política de hedge deve ser planejada e
executada. Adicionalmente, um estudo de caso sobre a sucroalcooleira Cosan vai
ser utilizado para exemplificar o assunto.

O capítulo 5 recapitula as principais conclusões sobre o tema e sugere algumas


idéias que estimulam o uso de políticas de hedge entre as empresas, devido aos
seus potenciais benefícios e à necessidade cada vez maior de tais políticas para a
perenidade das empresas.

9
Cap.2 - Gestão de risco nas corporações e conceitos básicos sobre os
mercados de derivativos

Este capitulo tem como objetivo explicitar as principais idéias associadas aos riscos
que as empresas enfrentam e os principais conceitos associados ao mercado de
derivativos. Para tanto, inicialmente se discute o conceito de risco para então
relacioná-lo com o ambiente empresarial. Posteriormente, são estudados os
conceitos e instrumentos associados ao mercado de derivativos, bem como suas
funções.

O objetivo estratégico das corporações é obter retorno sobre seu capital de forma a
satisfazer o desejo dos acionistas. As decisões estratégicas das corporações, na
prática, implicam em decisões de investimento e financiamento, tomadas em
condições de risco, ou seja, norteadas por expectativas e projeções que podem não
ocorrer. A não obtenção dos resultados esperados (lucratividade) pode gerar
conseqüências diversas, desde a queda da rentabilidade da empresa e de suas
ações até eventuais desastres financeiros. envolvendo processos de concordata
e/ou falência. É importante também, a manutenção de um quadro técnico
competente que possa avaliar e correlacionar as diretrizes e planos estratégicos
adequados a um planejamento financeiro. Diante dessa realidade, é tarefa dos
gestores financeiros lidarem com as questões de agency, de eficiência de
mercados, de assimetria de informação, riscos, modelos e instrumentos para a
eficiente gestão empresarial. (Rocha, 2007)

Neste contexto, gestores encontram um cotidiano repleto de tomadas de decisão


cujo grau de complexidade exige a construção de cenários que permitam uma
avaliação de acontecimentos passados e a possibilidade destes acontecerem
novamente, para que se realize uma escolha dentre as alternativas existentes. Esta
vai ser aquela considerada a mais adequada para o momento e a de menor risco.

Assim, as corporações se submetem a riscos diariamente em suas operações, pois


esta é a maneira que obtém retorno sobre seu capital. O importante é que elas se
protejam dos riscos que não querem incorrer, mas que são inerentes às suas
atividades, e assumam aqueles que querem incorrer, dos quais ela tem domínio e
retiram seus retornos.

10
2.1 · O conceito de risco

O risco está presente em qualquer atividade humana. Diariamente os indivíduos se


expõem a riscos, seja involuntariamente (p. ex.: risco de um acidente de carro), seja
voluntariamente (p. ex.: jogando na loteria). mesmo que não haja um retorno
financeiro para isto (p. ex.: pulando de pára-quedas). (Damoradan. 2008)

Risco pode ser definido como possibilidade de "algo não dar certo", mas atualmente
se define risco como sendo a quantificação e qualificação da incerteza. tanto no que
diz respeito às perdas como aos ganhos, com relação ao rumo dos acontecimentos
planejados, seja por individuas. seja por organizações. Isso porque mesmo a
incerteza que não pode ser calculada representa um risco. (IBGC. 2008)

Por outro lado, uma concepção mais abrangente de risco não deve se concentrar
somente nos cenários negativos, como também nos resultados positivos.
considerando sua variabilidade (p. ex.: risco financeiro). (Damoradan. 2008)

O risco, então, é inerente a qualquer atividade na vida profissional ou nas


organizações, e pode envolver perdas, bem como oportunidades. Existe uma
relação de compensação entre risco e retorno. Assim, quanto maior for o risco a que
estiver exposto um capital, maior é o retorno esperado ou requerido sobre ele. Além
disso, o tempo também aumenta o risco de uma operação. Quanto maior o tempo
que o capital estiver sob risco, maior o retorno requerido. Isso se deve ao fato de
que o dinheiro hoje vale mais para os investidores do que o mesmo dinheiro no
futuro, logo, o futuro é mais arriscado do que o presente.

Os riscos podem ser divididos quanto à sua origem em riscos externos (ou
conjunturais) e riscos internos. Os riscos externos estão associados à incerteza
proveniente do ambiente macroeconômico, político, social, natural ou setorial em
que a organização opera. Como a organização não tem controle sobre esses
eventos externos ela deve gerenciá-los de maneira ativa. Já os ricos internos estão
associados a eventos originados dentro da estrutura da organização, pelos seus
processos, seu quadro de funcionários ou de sua tecnologia. Nesse caso, a
organização deve intervir diretamente nos fatores geradores dos riscos, de forma a
mitigá-los. (IBGC, 2008)

11
A teoria das finanças também faz duas distinções importantes sobre os riscos que
uma corporação enfrenta que são importantes para o conteúdo deste trabalho. É a
definição de risco diversificável e risco não diversificável (ou risco sistêmico).
Segundo essa definição, todo ativo ou carteira de ativos apresenta um risco total,
que se divide em diversificável e não diversificável.

O risco diversificável é a parcela do risco total que é característica de um


empreendimento ou de um setor de atividade. Podem ser fontes de risco
diversificável: risco financeiro ou de falência, risco de qualidade ou administração e
o risco do próprio segmento. O risco diversificável pode ser reduzido ou eliminado
pela diversificação da carteira (procurando ativos com covariância negativa ao ativo-
objeto) ou dos investimentos.

O risco não diversificável ou sistêmico é causado por impactos econômicos,


politicos ou sociais. É o chamado risco conjuntural explicado pelos movimentos do
mercado. Suas principais fontes são o risco de taxa de juros, risco de poder de
compra ou risco de mercado. (Assai Neto, 2001)

Apesar disso, nem todo o risco de mercado é não diversificável. Como veremos,
existe uma parcela do risco de mercado que pode ser mitigada através da
diversificação, e uma parcela que não é diversificável. Essa parcela não
diversificável deve ser coberta através de operações no mercado de derivativos.

Por fim, com relação à natureza dos riscos, estes podem ser estratégicos ou
financeiros. Os riscos estratégicos estão relacionados à má gestão empresarial, ou
seja, à tomada de decisão da alta administração e podem gerar perda no valor
econômico da organização. Os riscos financeiros são aqueles associados à
exposição das operações financeiras da organização, e cabe estudá-los mais
profundamente. (IBGC, 2008)

A definição mais comum para risco financeiro é "uma medida da incerteza


associada aos retornos esperados de investimentos" (Duarte Jr. et a/., 2003). Em
outras palavras, risco é a medida da volatilidade associado aos retornos, o grau de
incerteza associado ao investimento. Volatilidade é a quantidade de flutuações que
ocorrem com uma série de números ao se desviarem de uma média representativa.

12
Assim, quando há incerteza com relação a materialização de expectativas quanto ao
resultado futuro de um investimento, fala-se em risco do investimento.

Em finanças, risco é um conceito multidimensional que cobre quatro grandes


grupos: risco de mercado, operacional, de crédito e legal. Em uma estratégia de
gerenciamento de riscos, uma instituição, financeira ou não, deve considerar um
gerenciamento de forma conjunta, que envolva todos os tipos de riscos.

2.2- As quatro dimensões dos riscos financeiros

Existem quatro grupos distintos de risco: o risco legal, operacional, de crédito e de


mercado.

O risco legal é uma medida de incerteza relacionada aos retornos de uma instituição
por falta de um completo embasamento legal de suas operações. Este ocorre
quando as leis ou regulações não dão suporte às regras do sistema de liquidação
de valores mobiliários, à execução dos arranjos de liquidação relacionados ou aos
direitos de propriedade e outros interesses que são mantidos pelo sistema de
liquidação; ou quando essas leis ou regulações são pouco claras. (Bacen, 2009)

Já o risco operacional está relacionado a possibilidade de ocorrência de perdas


resultantes de falha, deficiência ou inadequação de processos internos, pessoas e
sistemas, ou de eventos externos, incluindo o risco legal associado à inadequação
ou deficiência ern contratos firmados pela instituição, bem como a sanções em
razão de descumprimento de dispositivos legais e a indenizações por danos a
terceiros decorrentes das atividades desenvolvidas pela instituição. Os riscos
operacionais geralmente acarretam redução, degradação ou interrupção, total ou
parcial, das atividades, com impacto negativo na reputação da sociedade, além da
potencial geração de passivos contratuais, regulatórios e ambientais. Muitas vezes
resultam em fraudes relevantes nas demonstrações financeiras. (Besinvestimento,
2006)

O risco de crédito está relacionado a possíveis perdas em uma instituição quando


um dos contratantes não honra seus compromissos ou tenha alterada sua
capacidade de honrar suas obrigações. As perdas aqui estão relacionadas aos
recursos que não mais serão recebidos. (Antonio Jr. et a/., 2003)

13
Em outras palavras, o risco de crédito pode ser definido como uma medida
numérica da incerteza relacionada ao recebimento de um valor
contratado/compromissado, a ser pago por um tomador de um empréstimo,
contraparte de um contrato ou emissor de um título, descontadas as expectativas de
recuperação e realização de garantias. (Duarte Jr. et ai. 2003)

Com relação ao risco de crédito é importante salientar que as corporações não


financeiras também estão expostas ao risco de crédito, dado que a maioria delas
financia seus clientes.

Pinheiro el a/.(2003) definem o risco de mercado como uma medida da incerteza


relacionada aos retornos esperados de um investimento em decorrência de
variações em variáveis de mercado como: taxas de juros. taxas de câmbio, preços
de ações e de commodilies, liquidez, e derivativos.

Para se protegerem contra o risco de mercado, as corporações utilizam


instrumentos financeiros denominados derivativos. Este é assunto tratado na
próxima seção deste capítulo.

2.3 - O mercado de derivativos

Existe uma categoria de títulos negociada nos mercados financeiros denominada de


"derivativos". Tais contratos se dividem em quatro subcategorias principais, a saber:
opções, contratos a termo, contratos futuros, e swaps. Os investidores, fundos e
empresas que podem utilizar as operações de compra e venda de derivativos para
diversas finalidades importantes: especular, proteger-se contra riscos e arbitrar.
Assim, é de fundamental importância que se compreenda como estes papéis
surgiram e quais são as suas características.

2.3.1 - O que são derivativos

Existem operações realizadas no mercado à vista (spot) e operações futuras, onde


a entrega e o pagamento ocorrem em uma data futura. Estas últimas transações
são instrumentalizadas por meio de derivativos.

Derivativo é um contrato definido entre duas partes no qual se definem pagamentos


futuros baseados no comportamento dos preços de um ativo de mercado. Assim,
um derivativo é todo ativo ou contrato cujo valor atual resulta do valor de outro ativo
14
ou de um índice que represente a evolução de valores de ativos ou variáveis.
(Sanvicente, 2003)

Quando o derivativo é contratualmente referenciado a outro ativo ou título, estes se


chamam ativo-objeto do contrato. Por exemplo, uma opção de compra de ações é
um derivativo porque o valor da opção depende do preço de mercado da ação.
Nesse caso, a ação é o ativo-objeto da opção de compra.

Portanto, os contratos chamados derivativos dependem de outro contrato ou ativo


de referência, denominado ativo-objeto ou ativo-subjacente. Assim, os derivativos só
existem porque há mercadoria sendo negociada no mercado à vista (ação,
commodities, taxas de juros, taxas de câmbio e índices de ações e de preços). (Hull,
1999)

Outro aspecto importante é que só podem existir derivativos sobre ativos e


mercadorias que possuem seu preço de negociação livremente estabelecido pelo
mercado. Mercadorias que estão sujeitas a controle de preços, onde não há risco ou
não há interesse por parte de um ou mais participantes do mercado para que seu
preço seja livre e transparente, não se prestam a ser referência para contratos
derivativos. (Bessada, 2003)

Os derivativos podem ser financeiros e não-financeiros. Dentre os financeiros,


destacam-se os derivativos sobre taxas de juros, moedas, ações e índices. Os não
financeiros se compõem de ativos agropecuários (boi gordo, bezerro, algodão, soja,
açúcar, milho, café, entre outros), de energia (petróleo e álcool) e metais (alumínio,
cobre, ouro, prata, entre outros).

2.3.2 - Surgimento dos derivativos

Apesar de o termo derivativos ainda não existir a 30 anos atrás, contratos a termo
de arroz já eram negociados no século 17 no Japão e contratos futuros de produtos
agrícolas já eram negociados nas bolsas de Chicago em meados do século 19.
(Sanvicente, 2003)

A mais antiga bolsa de Chicago, a Chicago Board of Trade, iniciou suas atividades
em 13 de março de 1851 com a negociação de contratos de milho para a entrega
15
em junho daquele ano, por preço igual a 1 centavo de dólar a mais do que o preço
vigente em 13 de março. (Bessada et ai., 2005)

O termo "derivativos", tal como conhecemos hoje, surgiu no início da década de


1970 com o aparecimento dos swaps, operação que era utilizada, inicialmente, para
proteção contra o risco de oscilação de moedas. (Bessada, 2003)

2.4 - Mercados de negociação

As operações com derivativos podem ser realizadas nos mercados de balcão ou em


bolsa.

Nestes primeiros, as operações são realizadas diretamente entre as partes. Os


contratos são "customizados", ou seja, os seus itens são definidos pelas partes, de
acordo com as suas necessidades, proporcionando maior flexibilidade. É
exatamente essa a vantagem dos mercados de balcão. Além disso, no caso de
operações a termo, o custo financeiro das operações é normalmente mais baixo do
que no mercado de bolsa. (Hull, 1999)

A maior desvantagem deste mercado é que os riscos devem ser totalmente


assumidos pelos agentes. Não se tem garantia de que o negócio será liquidado,
bem como não se sabe ao certo que tanto o pagamento será honrado e a qualidade
acertada será entregue. Além disso, como o contrato é customizado, é difícil do
agente sair da posição antes do vencimento. Outra desvantagem é que pode ser
difícil para uma instituição achar uma outra parte (contraparte) para firmar o
contrato. Assim, pode ser difícil a realização da transação neste mercado, ou ela
pode ter que ser realizada a um preço muito elevado. (Duarte, 2004)

Já a bolsa fornece local e mecanismos específicos para negociar os diversos


instrumentos derivativos. Cumprem suas funções básicas de oferecer facilidades
para a realização de negócios e controle das operações, além de permitirem a livre
formação dos preços, dar garantia às operações realizadas e oferecer mecanismos
de custódia e liquidação dos negócios. (Hull, 1996)

Para tanto, as bolsas definem os limites de risco, gerenciam a variação diária de


cada contrato, calculam os ganhos e perdas de cada contrato e respectivas
chamadas de margem para ajustes, fazem a liquidação financeira dos contratos, e
16
validam a transferência de titularidade dos contratos negociados. Nas bolsas são
negociados somente contratos padronizados, isto é, com data de vencimento e
valores preestabelecidos. (Bessada, 2003)

Os principais derivativos negociados nessa bolsa são derivativos sobre taxas de


juros, moedas, ações, índices, e commodities. A tabela a seguir mostra os
derivativos mais negociados nas 69 maiores bolsas do mundo.

Pode-se notar pela tabela 1 e pelo gráfico 1 abaixo que os derivativos sobre indices
de ações são os mais negociados no mundo, representando 36% do total na média
2007/08. Em seguida vêm os derivativos sobre ações individuais com 30%, e os
sobre taxa de juros com 21%. As commodities agricolas representaram 5%, energia
e moedas 3% cada, e os metais preciosos e não preciosos 2% conjuntamente. O
interessante de se notar na tabela é que o grupo de metais não preciosos
(industriais) foi o que mais cresceu entre 2007/08, chegando a 64,5% de aumento
no volume de negociações. Em seguida vêm as commodities agricolas com 38,7%,
e moedas e ações individuais com 25,5 e 25,2% respectivamente.

Tabela 1 ·Número de contratos Futuros ou Opções negociados nas bolsas.

Categoria 2008 2007 %Variação

Índice de ações 6.488.620.434 5.499.833.555 18.0%

Ações individuais 5.511.194.380 4.400.437.854 25.2%

Taxas de juros 3.204.838.617 3. 745.176.350 -14.4%

Agrícolas 888.828.194 640.683.907 38.7%

Energia 580.404.789 496.770.566 16.8%

Moedas 577.156.982 459.752.816 25.5%

Metais preciosos 180.370.074 150.976.113 19.5%

Metais não preciosos 175.788.341 106.859.969 64.5%

Outros 45.501.810 26.140.974 74.1%

Total 17.652.703.621 15.526.632.104 13.7%

Fonte: FIA

17
Gráfico 1 • Participação por categoria de derivativos no volume mundial negociado - média
2007/08

• Equity lndex
• Individual Equity
lnterest Rates
• Agricultura!
Energy
Currency
Metais
30%
Other

Fonte: FIA.
* O grupo metais inclui metais preciosos e industriais

A tabela 2 mostra que atualmente o CME Group de Chicago é a maior bolsa de


derivativos do mundo em números de contratos negociados por ano, com
3.227.645.351 contratos negociados em 2008. Em seguida vem a Eurex, a maior
bolsa de derivativos da Europa com 3.172. 704.773 contratos negociados em 2008,
seguido pela Bolsa da Coréia com 2.865.482.319 contratos. A BM&FBovespa é a
sexta maior do mundo com 741.889.113 contratos negociados em 2008, o que
representa uma queda de 6,6% em relação a 2007.

As bolsas que mais cresceram entre 2007/08 (tabela 2) foram a chinesa de


Zhengzhou com 139.2% de variação, seguida pela Bolsa de commodities de Dalian
(outra chinesa) com 68,7%, pela Bolsa Russa de Sistemas de Comércio de Ações
(Russian Trading Systems Stock Exchange) com 65,5%, e por outra chinesa, a
Bolsa de Futuros de Xangai com 63,9% de crescimento.

Com relação à distribuição da negociação de derivativos pelas bolsas do mundo


(gráfico 2), 40% se concentra na América do Norte, 28% na região Ásia-Pacífico,
23% na Europa e 6% na América Latina. Outro fato interessante de se observar
(gráfico 3) é que as bolsas norte americanas vêm ganhando participação no total
das negociações com derivativos no mundo nos últimos anos. Para se ter uma idéia,
em 2005 a participação das bolsas norte americanas (com 3,5 bilhões de contratos)
no total mundial (10 bilhões de contratos) era de 35%. Em 2008 elas respondem por
18
7 bilhões de contratos dentre um total de 17,7 bilhões, o que representa 39,5% do
total.

O gráfico 3 também mostra que o total de contratos de derivativos negociados vêm


aumentando no mundo todo ano a ano a uma média de 20%.

Segue abaixo um ranking com as 20 maiores bolsas que negociam de contratos de


derivativos.

Tabela 2 - Número de contratos Futuros ou Opções negociados nas bolsas.

%
Rank Bolsa 2008 2007 Variação

1 CME Group (inclui CBOT e Nymex)* 3.277.645.351 3.158.383.678 3.8%

2 Eurex (inclui ISE) * 3.172. 704.773 2.704.209.603 17.3%

3 Bolsa da Coréia 2.865.482.319 2.777.416.098 3.2%

NYSE Euronext (inclui todos mercados


4 da UE e EUA) • 1.675.791.242 1.525.247.465 9.9%
Bolsa de Opções de Chicago (inclui
5 CFE) • 1.194.516.467 945.608.754 26.3%

6 BM&F Bovespa * 741.889.113 794.053.775 ·6.6%


Nasdaq OMX Group (inclui todos
7 mercados da UE e EUA)* 722.107.905 551.409.855 31.0%

8 Bolsa nacional de ações da Índia 590.151.288 379.874.850 55.4%

9 JSE África do Sul 513.584.004 329.642.403 55.8%

10 Bolsa de commodities de Dalian 313.217.957 185.614.913 68.7%

Bolsa Russa de Sistemas de Comércio


11 de Ações 238.220.708 143.978.211 65.5%
Bolsa Intercontinental (inclui os
mercados do Canadá, EUA e Reino
12 Unido)* 234.414.538 194.667.719 20.4%

13 Bolsa de commodítíes de Zhengzhou 222.557.134 93.052.714 139.2%

14 Bolsa de Opções de Boston 178.650.541 129.797.339 37.6%

15 Bolsa de Valores Mobiliários de Osaka 163.689.348 108.916.811 50.3%

19
16 Bolsa de Futuros de Xangai 140.263.185 85.563.833 63.9%

17 Bolsa de Futuros de Taiwan 136.719.777 115.150.624 18.7%


Bolsa lnterbancária de Moedas de
18 Moscou 131.905.458 85.386.473 54.5%

19 Bolsa de Metais de Londres 113.215.299 92.914.728 21.8%

20 Bolsa de Hong Kong 105.006.736 87.985.686 19.3%

Gráfico 2 - Distribuição da negociação de derivativos de bolsa no mundo - 2007/08

Am. LatinaOutros* Am.do


6% 3% Nor1e
40%

*Outros consistem em bolsas na áfrica do Sul, Turquia , Israel e Dubai. Fonte: FIA.

Gráfico 3 - Evolução mundial da negociação com derivativos nas bolsas

18
• Demais bolsas
Vi 16
4>
Bolsas norte-americanas
~ 14

-;;;- 1 ~
o
~ 10
t;
!:
Bs
4>
6

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e
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4.6
6.0
z :2
IP IJ ~~ 11 11 2~
o
1998 1999 :2000 :2001 ~002 2003 :2004 :2005 2006 2007 .2008

Fonte: FIA

20
2.4.1 - Mercado de bolsa no Brasil

Atualmente o segmento de derivativos de ativos financeiros (complexo taxa de juros


e de câmbio) é de longe o mais importante no Brasil. Entretanto, não foi nesse
segmento que a negociação de derivativos se iniciou no pais. Ela surgiu na Bolsa de
Mercadorias de São Paulo (BMSP). em outubro de 1917, com a negociação de
contratos a termo de algodão. (Bessada. 2005)

Até o surgimento da BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros), em 1986, a BMSP


negociava contratos a termo de algodão, café, boi gordo, soja e ouro. (Sanvicente,
2003)

O mercado organizado de derivativos de ativos financeiros surgiu em meados da


década de 1970, com o inicio da negociação de contratos a termo e contratos
futuros de ações individuais na Bovespa. Hoje em dia, o mercado a termo de ações
ainda persiste, mas o mercado futuro já não existe mais. (Bessada et a/., 2005)

Em 1979, a Bovespa autorizou o inicio da negociação de opções de compra e


venda de ações individuais. Em 1986, com a criação da BM&F, iniciou-se a
negociação de contratos futuros do Índice Bovespa. Anos mais tarde começaram a
ser negociados contratos futuros agrícolas, além de outros futuros financeiros como
câmbio e juros

Fundada em 23 de agosto de 1890, a Bovespa sempre foi o maior centro de


negociação de ações da América Latina, resultado da integração de todas as bolsas
de valores brasileiras em um único mercado de valores. A BM&F também em São
Paulo era a maior bolsa de commodities e de mercados futuros da América Latina,
até que em 2008, BM&F e Bovespa se fundiram. (Sanvicente, 2003)

Na BM&FBOVESPA, negociam-se ações, contratos futuros, de opções, a termo e


de swaps referenciados em índices, taxas de juro e câmbio, e commodities
agropecuárias e de energia, além de operações no mercado a vista, como ouro,
dólar pronto e títulos públicos federais. (BM&FBOVESPA, 2009)

2.5- Derivativos e seus mercados

Existem quatro tipos básicos de derivativos: opções, contratos a termo, contratos


futuros e swaps. Embora se costume acrescentar os contratos futuros e os swaps a
21
essa lista, na verdade eles são variantes dos contratos a termo, como será visto.
Assim, existiriam apenas dois tipos básicos de derivativos: opções e contratos a
termo.

2.5.1 - Contrato a termo

Um contrato a termo é um acordo de compra e venda de um determinado ativo,


numa data futura, determinando um preço e a quantidade previamente. (Sanvicente,
2003)

Em outras palavras, um contrato a termo é uma espécie de promessa de compra e


venda, em que as partes contratantes especificam o bem objeto do contrato e o seu
volume, estipulam o preço assim como estabelecem a data de sua entrega, que
coincide com a do pagamento. Estes contratos são geralmente negociados em
mercados de balcão. (Hull, 1996)

Os contratos a termo apresentam algumas limitações tais como: inexistência de


mercado secundário onde essa promessa de compra e venda possa ser negociada;
dificuldade de que compradores e vendedores com necessidades identicamente
opostas se encontrem; e risco de que uma ou outra parte não venha a cumprir, na
data do vencimento, o compromisso assumido (risco de crédito). (Sanvicente, 2003)

Uma vez fechado o acordo, o comprador é obrigado a pagar o preço previamente


combinado e receber o ativo-objeto do contrato, e o vendedor é obrigado a receber
esse preço previamente combinado e entregar o ativo-objeto nas quantidades
previstas no acordo. (Bessada, 2003)

Nesse tipo de contrato caso haja diferença entre o preço previamente estabelecido
no contrato e o preço no mercado à vista (preço spot) o comprador pode ter lucro,
caso o preço spot for maior que o preço contratado, e o vendedor prejuízo e vice-
versa. (Bessada, 2003)

O contrato a termo mais negociado no Brasil é o NDF (Non Oeliverab/e Forward).


Este é um contrato a termo entre duas moedas quaisquer (Reais x Dólar, Peso x
Dólar, ou qualquer outra), porém por ser um contrato "Non Oeriverable" ele se aplica
às moedas não conversíveis. Não existe a entrega física da moeda na liquidação do
contrato, apenas o pagamento do diferencial entre as partes, referente à taxa do

22
trade e a de liquidação. Para as moedas conversíveis existem os "Deliverable
Forwards".

Um exemplo de operação envolvendo contratos a termos é da companhia petrolifera


OGX. Tendo em vista que o fluxo de investimentos e gastos com exploração -
expostos à moeda estrangeira, a companhia contratou proteções através de
contratos de Non Delivery Forward ("NDF"), equivalente a US$100 milhões. com o
objetivo de mitigar o efeito da variação da moeda sobre aquele montante.

2.5.2 - Contrato Futuro

Os contratos a termo apresentam limitações que foram resolvidas pelos contratos


futuros, a saber: inexistência de mercado secundário onde essa promessa de
compra de venda possa ser negociada; dificuldade de compradores e vendedores,
com necessidades opostas, encontrarem-se; risco de uma ou outra parte não
cumprir, na data do vencimento, o compromisso assumido. (Bessada, 2003)

Um contrato futuro, tal como no termo, é um acordo de compra e venda de algum


ativo, numa data futura, mediante o pagamento de um preço previamente
estabelecido. (Sanvicente, 2003)

Duas diferenças são fundamentais entre contratos a termo e futuro: padronização


do contrato futuro( que permite a negociação em bolsa) e existência de uma câmara
de compensação que garante a integridade das negociações. Aqui os mecanismos
fundamentais são: ajuste diário e margem de garantia. O contrato futuro é o contrato
a termo que costuma ser negociado em bolsa e está sujeito ao mecanismo de
ajustes diários, ou seja, aos pagamentos e recebimentos diários de prejuízos e
ganhos de acordo com o preço de ajuste da mercadoria (papel que a câmara de
compensação cumpre). (Bessada et ai., 2005)

A existência dos ajustes diários talvez seja a característica mais particular e


importante dos contratos futuros. Ela permite a liquidação financeira diária de lucros
ou prejuízos das posições. Desta forma, se um investidor comprou um certo
contrato futuro e, em determinada data, o seu preço caiu, isto significa que ele terá
de realizar um depósito neste dia, de forma a compensar a sua perda. Deste modo,
o risco para a Bolsa acaba sendo reduzido, uma vez que qualquer diferença
desfavorável ao vendedor ou comprador seja compensada de forma gradual, sem a
23
necessidade de ajuste apenas no último dia, como no caso do mercado a termo.
(Hull, 1999)

Ao abrir uma posição na bolsa, o agente deve depositar valor estipulado pela
própria BM&F a fim de cobrir eventuais inadimplências.

A margem de garantia é um elemento fundamental no funcionamento do mercado


futuro, pois se trata de sua principal garantia. Quem abrir posições em qualquer
mercado futuro deverá realizar um depósito que vai ser mantido até o vencimento
ou liquidação do contrato futuro. Este depósito será utilizado em caso de falta de
pagamento de ajustes diários ou de valores devidos na entrega. Caso não haja
inadimplência, a margem será devolvida após o encerramento da posição. Uma
margem adicional é requerida sempre que ocorrer redução no valor de garantia do
contrato, decorrente de oscilação na cotação dos títulos depositados como margem
e/ou dos contratos-objeto da negociação, será necessário o reforço da garantia
inicial, que poderá ser efetuado mediante o depósito de dinheiro ou demais ativos
autorizados. (BM&F)

As bolsas, por sua vez, devem fixar uma margem que não seja muito baixa, que não
seja suficiente para cobrir o período de um ou dois dias de uma eventual
inadimplência, nem muito alta, para não desestimular os clientes e exagerar na
segurança. (BM&F)

Enquanto um contrato a termo é um acordo que tem prazo de vencimento


constante. Já o contrato futuro tem data de vencimento constante. Os contratos
futuros normalmente têm data fixa de vencimento (ex: todos os contratos que
envolvem ouro devem ser pagos - vencem - no último dia útil do mês). Já os
contratos a termo são mais flexíveis e tem vencimento negociável, (normalmente
múltiplos de 5. Ex:5, 1O, 15, 30 dias). Além disso, a quantidade é fixa nesses
contratos, portanto são menos flexíveis que os contratos a termo. É isso que
significa a padronização. (Sanvicente, 2003)

Abaixo segue um exemplo de algumas especificações de um contrato futuro de


Café Arábica.

24
Tabela 3 -Contrato Futuro Míni de Café Arábica- Especificações
Taxa de câmbio Taxa de câmbio de reais por dólar
referencial BM&F: dos Estados Unidos
2. Objeto de negociação Café cru, em grão, de produção brasileira, coffea arabica, tipo 6 ou
melhor, bebida dura ou melhor, para entrega no
Município de São Paulo, SP,
Brasil.
3. Cotação Dólares dos Estados Unidos da América por saca de 60
quilos líquidos, com duas casas decimais.
4. Variação mínima de US$0,05 (cinco centavos de dólar dos Estados Unidos)
apregoação por saca de 60 quilos líquidos.
S. Oscilação máxima diária Para o primeiro vencimento, não haverá limite de oscilação nos
três últimos pregões anteriores ao vencimento.
A Bolsa poderá alterar o limite de oscilação de preços de qualquer
vencimento a qualquer tempo, mesmo no decurso
do pregão, mediante comunicação ao mercado
com 30 minutos de antecedência.
6. Unidade de negociação 10 sacas de 60 quilos
líquidos.
7. Meses de vencimento Março, maio, julho, setembro e
dezembro.
8. Número de Conforme autorização da Bolsa.
vencimentos em aberto
9. Data de vencimento e Dia útil anterior ao primeiro dia do
último dia de negociação mês de vencimento.
10. Dia útil Considera-se dia útil, para efeito deste contrato, o dia
em que há pregão na BM&F.
11. Ajuste diário As posições em aberto ao final de cada pregão serão ajustadas
com base no preço de ajuste do dia, determinado
segundo regras estabelecidas pela Bolsa, com movimentação
financeira no dia útil subseqüente, observado, no
que couber.
14. Hedgers Cafeicultores, cooperativas de café, empresas de insumos, indústrias de
torrado e moído e de solúvel, maquinistas,
importadores e exportadores do
produto.
15. Margem de garantia Será exigida margem de garantia de todos os clientes com posição
em aberto, cujo valor será atualizado
diariamente pela Bolsa, de acordo com os critérios de
apuração de margem para contratos futuros.
A margem será devida no dia útil
subseqüente.
16. Ativos aceitos como Dinheiro e outros ativos, mediante
margem autorização prévia da Bolsa.

Fonte: BM&FBovespa

Quando o negócio é fechado, as partes não se relacionam mais entre si, pois a
câmara de compensação da bolsa assume a parte oposta. O objetivo da
padronização é conferir mais liquidez, facilitando sua transferência entre diferentes
25
participantes do mercado. Essa padronização constitui a característica básica que
torna os mercados futuros instrumentos de transferência de riscos. Porém, em
alguns casos, a padronização pode representar uma desvantagem em relação ao
mercado a termo, pois ela significa uma maior rigidez dos contratos que não podem
ser negociados de acordo com as especificações das partes envolvidas, e por isso
muitas vezes não atendem às necessidades de uma parte. (Bessada et ai., 2005)

Existem três maneiras de se liquidar os contratos futuros. Na maneira física


acontece a entrega efetiva de seu ativo-objeto na data especificada pelo contrato.
Outra maneira é a liquidação financeira no vencimento, em que as posições são
encerradas por meio de uma operação inversa de compra ou venda à posição feita
compulsoriamente pela bolsa, na mesma quantidade de contratos. A terceira
maneira é a liquidação por reversão que pode ser feita a qualquer momento entre o
início da operação de compra ou venda e o vencimento dos contratos, basta
comunicar ao corretor a intenção de compra (para quem estiver vendido) ou de
venda (para quem estiver comprado) de contratos para o mesmo vencimento.
(Marques & Mello, 1999)

Menos de 2% de todos os contratos futuros são liquidados pela entrega efetiva de


seus objetos. Em alguns contratos futuros, como o futuro do índice de ações, taxa
de juros e taxa de câmbio, a entrega física é apenas uma alternativa teórica que
nunca foi utilizada pelos agentes de mercado, ou seja, nos mercados futuros não se
negociam produtos ou ativos, mas riscos de preços.

2.5.3- Swap

Um swap é um contrato entre duas partes para troca de fluxos de caixa em um


determinado período, na mesma ou diferente moeda. Existem diferentes tipos de
swap: de taxa de juros, de índices, de commodities e. de moedas. Estes últimos não
são negociados no Brasil, pois não é permitida por legislação a compra e venda livre
de moeda estrangeira. Como a moeda nacional não é conversível nos mercados
internacionais, os contratos de swap no mercado brasileiro não podem ser sobre
diferentes moedas e consistem apenas na troca de indexadores. (Sanvicente, 2003)

Esse derivativo é um contrato de balcão que se caracteriza pela troca contábil das
dividas de cada parte e pela não transferência do principal- há apenas um fluxo de

26
caixa líquido para a parte ganhadora. O comprador e o vendedor determinam o
prazo e o tamanho do contrato livremente, sendo permitida sua liquidação
antecipada, parcial ou total. (Hull, 1996)

Operações de swap podem ter como objetivo o hedge ou a redução de custos


financeiros.

No caso de um swap de taxas de juros um exemplo mais característico seria o de


uma empresa que deseja trocar um empréstimo bancário contratado a taxa de juros
flutuante para um a taxa de juros fixa. As razões para fazer isso podem ser
especulativas, ou simplesmente casar recebimentos e pagamentos à mesma taxa.
(Bessada et ai., 2005)

Trocar um empréstimo por outro é uma operação complexa e cara. Assim, a


empresa contrata um swap de taxas de juro com um banco, sendo a solução mais
simples e barata. Nesse casso, o banco se compromete a pagar juros a taxa
flutuante à empresa, e a empresa paga juros pela taxa fixa ao banco. A base seria
obviamente o valor do empréstimo inicial, contratado a taxas de juro fixas.
(Sanvicente, 2003)

Assim, de fato a empresa estaria trocando um empréstimo pelo outro, sem cancelar
o primeiro e substituí-lo por outro.

Um exemplo ilustrativo a seguir mostra uma empresa que contratou um empréstimo


a uma taxa pós-fixada (DI) mais 2% a.a com o banco Z. Para transformar a dívida
para pré-fixada, a empresa negocia um swap com o banco K, em que fica ponta
ativa em DI, ou seja, recebe a uma taxa pós-fixada do banco K (com base no
mesmo valor que pegou emprestado de Z), e passiva em taxa pré-fixada de 11% ao
ano. Com isso, ela transforma a sua dúvida em pré-fixada (13% a.a.).

27
O comprador deste papel é denominado de titular e o vendedor é conhecido por
lançador. Para adquirir o direito de compra ou de venda, este primeiro agente paga
um preço (chamado de prêmio) ao segundo. Neste sentido, ao receber o prêmio, o
lançador possui a obrigação de atender ao exercício da opção, caso o titular assim
realize. (Sanvicente, 2003)

O preço prefixado é chamado de preço de exercício da opção, também denominado


de strike. Este é um preço previamente estabelecido no contrato que define quanto
o comprador da opção precisa pagar pelo ativo objeto( no caso da opção de compra)
ou receber (no caso da opção de venda) caso queira exercer o seu direito de
compra ou de venda. (Hull, 1996)

Assim, na opção de compra, o comprador da opção detém o direito de, pagando o


preço de exercício prefixado, receber o ativo que é objeto da opção. Na opção de
venda, o comprador da opção possui o direito de vender o objeto a outro investidor,
recebendo o preço de exerci cio prefixado.

Obviamente, como se trata de um direito (daí a denominação opção) e não de uma


obrigação, quem tiver o poder de exercê-lo só o fará quando for conveniente:

1. Nas opções de compra, quando o valor do objeto a ser recebido for superior
ao preço de exercício da opção;

ii. Nas opções de venda, quando o valor do objeto a ser vendido for inferior ao
preço de exercício da opção.

O mercado de opções permite grande alavancagem de posição. Como os prêmios


são valores bem inferiores aos preços dos ativos-objetos, é possível comprar ou
vender grandes posições do ativo-objeto da opção. Em conseqüência o risco nesse
mercado é bastante elevado. (Bessada et a/., 2005)

Os mercados de opções são operados e regulados igualmente pelas bolsas de


futuros e pelas bolsas de valores (opções de ações), mas esses contratos também
podem ser operados no mercado de balcão. (Sanvicente, 2003)

2.6- Utilização dos derivativos

Z9
Derivativos podem ser utilizados em operações de hedge, arbitragem e
especulação.

2.6.1 -Especulação

De modo geral. especular no mercado de capitais é tentar tirar proveito de uma


informação ou previsão que alguém tem e considera superior às dos demais
participantes. Ou seja. é tentar obter ganhos a partir de uma previsão que se faz
sobre alguma(s) variável(eis) de mercado, que ele considera que seja superior à
média do mercado.

Os especuladores são agentes econômicos, pessoas fisicas ou juridicas, que estão


dispostos a assumir os riscos das variações de preços, motivados pela possibilidade
de ganhos financeiros. Sua presença nos mercados futuros é indispensável, pois
são eles quem se dispõem a assumir o risco dos hedgers. (Sanvicente, 2003)

Em seus esforços para auferir lucros, os especuladores tentam prever, com a maior
precisão possivel, as oscilações futuras dos preços, taxas de juros ou câmbio.
Muitos deles empregam tempo e recursos para aperfeiçoar essas previsões,
analisando as informações disponíveis sobre a situação e perspectivas.

Assim, desempenham papel importante no mercado, o de projetar preços, formando


expectativas sobre os preços dos bens. Os mercados futuros estimulam a
participação destes agentes, pois sem eles, as funções econômicas básicas dos
mercados futuros - transferência de riscos e visibilidade de preços - ficariam
inviabilizadas na prática. (Bessada et a/., 2005)

Entretanto, é importante distinguir o especulador do manipulador. O manipulador


quer apenas provocar distorções artificiais nos preços dos contratos para auferir
ganhos fáceis, geralmente assumindo posição simultânea no derivativo e no ativo-
objeto. O manipulador tem atitude predatória e deve ser eliminado pelas autoridades
que regulam os mercados. (Bessada, 2003)

Outra função importante realizada pelos especuladores é sua contribuição para dar
liquidez ao mercado. Suas atividades aumentam muito o volume das transações nos
mercados de derivativos, aumentando assim a liquidez dos contratos. A maior

30
liquidez oferece maior facilidade a quem deseja cobrir-se (hedgers) para abrir e
fechar posições rapidamente e sem grandes perdas.

Nenhum especulador pretende receber ou entregar a mercadoria ou ativo. Todos


liquidam suas posições por diferença financeira (normalmente antes do vencimento
do contrato). (Sanvicente, 2003)

Um bom exemplo de especulação envolve a compra de ca/Js de câmbio ou venda


de puts por uma instituição financeira, dado que as suas projeções indicam para um
aumento da taxa de câmbio para o período recente. Ela pode fazer isso sem ter
nenhuma exposição a moedas estrangeiras, ou seja, simplesmente para auferir
ganhos financeiros. Caso a taxa de câmbio efetivamente aumente, o agente
exercerá as cafls, realizando um ganho igual à diferença entre preço à vista e o
strike, descontando o prêmio pago. Já, nas puts, este agente não será exercido
(opção vira pó), tendo, assim, um ganho igual ao prêmio que foi recebido no início
da operação.

2.6.2 - Hedge

O termo hedging significa cobertura de riscos, ou proteção contra riscos. Nesse


caso, os derivativos são usados para proteger carteiras ou aplicações já existentes
contra flutuações em variáveis de mercado. Em geral, nessa operação o uso de
derivativos consiste em assumir posição contrária à do mercado original. Ou seja, se
você comprou ações para montar uma carteira, diz-se que sua posiçao nos ativos
originais é comprada, e para proteger seu valor, você venderá derivativos sobre tais
ações. (Sanvicente, 2003)

As operações de hedge são estratégias de administração de riscos de mercado, a


fim de minimizar o risco de uma perda financeira decorrente de uma variação de
preços adversa, com um correspondente ganho financeiro na posição futura.

O hedger deseja realizar uma operação que será finalizada no futuro, mas não é
suficientemente especializado para inferir as expectativas de preços do mercado.
Sua meta no mercado futuro é realizar o hedge perfeito, procurando eliminar
completamente o risco. Normalmente, sua atividade econômica principal está
diretamente relacionada com a produção ou o consumo da mercadoria. (Hull, 1996)

31
Fazer hedge é proteger a posição assumida no mercado à vista. O agente até
poderia ter um ganho ou uma perda, mas sob qualquer circunstâncias estará
coberto ou travado. O hedge pode ser estático, onde a posição inicial assumida será
mantida até o vencimento do contrato, ou dinâmica, onde a posição é alterada ao
longo do tempo conforme as circunstâncias do mercado. (Sanvicente, 2003)

Existem dois tipos de hedge, o hedge de venda e o hedge de compra. No caso do


hedge de venda o agente vende contratos futuros, buscando proteção contra queda
dos preços do ativo. Com a queda dos preços, realiza-se ganho nos mercados
futuros, compensando a perda no mercado spot. Por outro lado, se os preços
aumentarem, a perda no mercado futuro compensará o ganho no mercado a vista.
Já no hedge de compra o agente compra contratos futuros, visando se proteger do
aumento dos preços do ativo-objeto. Caso o preço suba, o agente lucra nos
mercados futuros, compensando a perda no mercado spot. Já, se os preços cai rem,
existe perda nos mercados futuros, compensando o ganho no mercado a vista.
(BM&F)

2.6.3 -Arbitragem

Oportunidades de arbitragem surgem quando há oportunidade, nos mercados


financeiros e de capitais, de lucro sem risco e sem investimento por quem a
aproveita. Esta situação decorre de diferenças constatadas de avaliação relativa de
ativos, em vista de preços cotados simultaneamente para ativos idênticos ou
combinações equivalentes de ativos. Pode ser caracterizada como a situação onde
dois ativos ou duas combinações de ativos, prometem o mesmo resultado com
riscos idênticos, mas não estão sendo igualmente avaliados pelo mercado, gerando
a possibilidade de lucro que seria aproveitada com a venda da alternativa mais cara
e a compra da alternativa mais barata. (Sanvicente, 2003)

Os arbitradores formam o terceiro grupo importante de participantes dos mercados


futuros e de opções. Operam simultaneamente em mais de um mercado para travar
um lucro e terminam por alinhar novamente os preços que, momentaneamente,
ficaram desalinhados. São responsáveis, portanto, pela manutenção de uma relação
de equilibrio entre preços à vista em diferentes mercados e pelo equilibrio entre
preços futuros e à vista. (Bessada. 2003)

32
2.7- Função econômica dos Mercados Futuros

Os mercados futuros têm basicamente duas funções principais: mecanismo de


hedge e a descoberta de preços.

No caso da função hedge os mercados futuros oferecem um eficiente mecanismo


de proteção para agentes expostos às flutuações adversas nos preços dos ativos-
objeto do contrato futuro. Assim, sua primeira função básica é a de transferência de
riscos entre os agentes econômicos. Além disso, a visibilidade futura do nivel de
preços contribui para as projeções econômicas e ao planejamento financeiro.

Já a utilização do mercado futuro de uma determinada mercadoria ou ativo


financeiro para a formação de seu preço no mercado avista é o que se chama
visibilidade de preço. Os preços futuros refletem a expectativa presente sobre o
futuro por parte dos agentes econômicos. Essa expectativa não é rígida, pois os
mercados são dinâmicos e refletem as alterações dos fatores que formam os
preços. Qualquer nova informação ou avaliação sobre as condições de oferta e
procura da mercadoria ou ativo financeiro feita pelo mercado é imediatamente
transferida aos preços futuros. (Bessada, et a/2006)

Os preços assim formados representam informação importante ao processo de


tomada de decisão nas economias de mercado.

2.8 - Considerações finais

Neste capitulo, foi avaliado que o risco é um fator importante no dia-a-dia das
empresas. Trata-se de um fator de dupla importância para as empresas: por um
lado, é assumindo risco em suas operações que as empresas obtêm retorno sobre
seu capital; por outro, existem riscos que muitas vezes as empresas não querem
incorrer (na sua maioria riscos de mercado), mas que são inerentes as suas
atividades e que, portanto, devem ser alvo de mitigação via instrumentos
financeiros.

Desse modo, o processo de gestão de riscos não deve ser confundido com a
simples redução e mitigação de riscos. A gestão de riscos deve abarcar também, a
busca estratégica da exploração de riscos que gerem vantagens competitivas à
empresa.

33
Por outro lado, os riscos que as empresas não devem incorrer devem ser
ativamente reduzidos e mitigados, pois representam uma ameaça ao funcionamento
das corporações.

Analisou-se também que os derivativos são os instrumentos que permitem o


gerenciamento dos riscos de mercado por meio de operações de hedge. No
entanto, tais papéis também podem ser usados para especulação, constituindo-se
em instrumentos altamente alavancados.

O próximo capítulo vai tratar da questão do uso do hedge por empresas não
financeiras e o impacto em suas atividades, explicitando seus custos e benefícios, e
os conceitos associados ao tema.

34
Cap. 3- O uso do hedge como elemento agregador de valor

Uma empresa para ser lucrativa deve ter um entendimento profundo daquilo que faz
de melhor, ou seja, de sua competência principal. A rentabilidade de qualquer
empresa está intrinsecamente ligada ao que ela faz de melhor. A compreensão do
negócio é fundamental para que a empresa foque naquilo que realmente é boa e
conquiste uma vantagem competitiva duradoura. Assim, saber aquilo que faz de
melhor, significa entender onde ela possui uma maior produtividade e maior
qualidade e, também, entender melhor os riscos do negócio e gerenciá-los de
maneira eficiente.

Uma compreensão clara daquilo que faz de melhor, da sua competência principal,
precede a estratégia de hedge a ser adotada pela empresa.

3.1 -O conceito de hedge

"O conce1to de !Jedge devera integrar objetivos comuns aos controladores e gestores
de uma corporação, perm1t1ndo simultaneamente o crescimento sustentado, por meio do cumprimento das metas orçadas e de
uma menor variânc1a nos fluxos de caixa esperados" (Rocha, 2007}.

Como já foi explicitado no cap. 2, a palavra hedge tem um significado de proteção,


controle ou limitação. O hedge tem relação com a incerteza em relação ao futuro.
Segundo Paxson e Wood (2001, p. 132) "O hedge é utilizado por empresas e
indivíduos como proteção contra a incerteza. Ele serve a dois objetivos: proteger-se
de variações no valor de ativos e passivos denominados em moeda estrangeira ou
administrar riscos assumindo-se uma posição contrária à determinada exposição
original, procurando-se obter um ganho que compense eventual perda".

No dicionário de Cambridge "fazer hedge é procurar evitar algo através de uma


resposta ou tomando alguma ação[ ... ] se você faz hedge de suas apostas, você se
protege contra perdas por suportar mais do que um resultado possível"

O Glossary of Trading Terms (1982. p.14) define que hedge "é a tomada de posição
futura oposta à posição assumida no mercado à vista, para minimizar o risco de
perda financeira decorrente de alterações de preços adversas; a compra ou a venda
de futuros como substituta temporária de uma transação à vista que venha a ocorrer
mais tarde"
35
Outra definição, que não se restringe ao mercado futuro é dada por Oster (1981)
define hedge como: "a administração do risco. Em sentido amplo, o hedge não é
feito somente no mercado de futuros [ .. ] usar tanto o mercado físico quanto o
mercado de futuros, você estará reduzindo o risco[ ... ] nos movimentos abruptos de
preços. Fazer hedge é assumir posição igual e oposta nos mercados à vista e futuro
[ ... ] Fazer hedge é proteger-se contra os riscos dos preços das commodities
produzidas ou que precisam ser adquiridas para o giro do negócio.

Ao efetuar operações de hedge a empresa busca compensar uma queda no valor


de seus ativos ou um aumento no custo dos passivos, a fim de evitar expressivas
perdas patrimoniais.

Assim, realizar hedge significa controlar, limitar ou reduzir a exposição da empresa


à volatilidade dos preços ou flutuação de taxas utilizando derivativos ou outros
instrumentos.

3.2 - O hedge como defesa ao risco

Em sua administração de riscos, as empresas utilizam diversas técnicas e modelos,


com diversos instrumentos e/ou contratos de seguros, ou estratégias negociais que
possam reduzir a exposição a riscos. É importante enfatizar que cada uma dessas
estratégias tem custos econômicos e benefícios distintos, e que estes devem ser
levados em conta na hora de se escolher a melhor estratégia. Além disso, a
natureza de cada negócio individual também influencia a estratégia e os
instrumentos a serem utilizados. Segundo a proposição do Economist lntel/igence
Unit (1995), de forma resumida, pode-se apontar três frentes simultãneas de
gerenciamento dos riscos em empresas não-financeiras:

Movimentação estratégica: Entrada direta ou aquisição de concorrentes em novos


negócios, quando as probabilidades de ganho forem elevadas.

Não entrada, saída ou venda de parte de seus negócios em determinado segmento,


quando a probabilidade de diminuição de suas vantagens comparativas for elevada,
podendo gerar perdas significativas.

36
Além desses, Carlton (2000, p.86) destaca outras respostas operacionais (o
chamado hedge natural) disponíveis a empresas não-financeiras para administrar
seus riscos:

- a/avancagem financeira (mudar o mix de capital próprio e capital de terceiros) é


uma maneira de responder à volatilidade dos mercados;

- mudar o /oca/ da produção: para outro país é uma resposta à exposição a


mudanças na taxa de câmbio causada pela competição com importados;

-ajustar o volume de produção: pode ser feito em resposta a variações antecipadas


nos preços de mercado;

-diversificar o portfó/io; aumentando o seu escopo a empresa divide seus riscos


entre vários produtos, ao invés de ficar concentrada em poucos.

Geralmente essas estratégias são discutidas nos planos de orçamento de capital


como parte do planejamento estratégico das corporações. Porém, a gestão de
riscos via planejamento estratégico às vezes ocorre em velocidade inferior à
necessária para mitigar os riscos, necessitando de estratégias adicionais e
complementares para que sejam efetivas.

Utilização de contratos de hedge ou contratos de seguro: Outra técnica de


controle e mitigação de risco implica na utilização de instrumentos de hedge, que
pode ser clássico- contratos financeiros com caixa- ou por meio de derivativos de
bolsa ou balcão, ou ainda pela utilização de apólices de seguro, com o objetivo de
transferência dos riscos que se quer reduzir.

Assumir os riscos: A terceira e última frente de gestão dos riscos é a assunção


dos riscos pela corporação. Assim, a empresa vai analisar os custos monetários de
implementação de cada estratégia de mitigação de risco, e optar por assumir
aqueles em que possui as maiores vantagens comparativas, ou seja, onde possui
as maiores competências (no que sabe fazer de fato).

Mais adiante, veremos que caso a empresa opte por não se proteger
completamente (hedge completo) de alguma exposição, esta será obrigada a
manter uma expertise sobre aquela posição ou variável.

37
É importante se destacar que os custos dos eventuais ajustes em função do tipo de
instrumento de hedge utilizado pode provocar uma redução nos fluxos de caixa
futuros e, assim, reduzir o lucro.

3.3- Tipos de Hedge

Rocha (2007) propõe a seguinte classificação quanto aos tipos de hedge:

a) Hedge com instrumentos financeiros ou on balance:

Se a operação de hedge for realizada através de combinações de operações


financeiras, que fazem parte do cotidiano da empresa - como a aquisição de uma
expor! note. titulo indexado à variação cambial. cujo valor de resgate servirá para a
liquidação de uma fatura referente a uma importação - estamos perante a um on
balance hedge. (lntermercados. 2008)

É realizado no mercado de balcão e tem como objetivo mitigar riscos de taxa de


juros ou câmbio. chamado de hedge com caixa. A principal desvantagem desse t1po
de hedge é o uso intensivo do caixa (liquidez) da empresa. As vantagens são maior
transparência das normas de contabilização e prazo adequado aos objetivos e
estratégias que se quer realizar.

b) Hedge com instrumentos derivativos ou off balance:

Caso a operação de gestão de risco seja feita somente com o propósito de reduzir
volatilidades, uma operação de hedge simplesmente, em que se recorrerá a
mercados vocacionados para a gestão de risco, então estaremos perante a um off
balance hedge. (lntermercados. 2008)

Pode ser realizado no mercado de balcão ou de bolsa e tem como objetivo mitigar
riscos de taxas de juros, câmbio ou variação de preço de commodities, chamado de
hedge sem caixa. Suas desvantagens são que quando realizado em mercado de
bolsa (mercado futuro), os prazos para a realização do hedge são menos flexíveis.
Além disso, são menos transparentes contabilmente e são bem mais complexos que
os com caixa. Como vantagem apresenta um menor grau de utilização do caixa da
firma. não prejudicando tanto sua gestão de liquidez.

38
3.4- O hedge e o valor da empresa

Imagine uma empresa e seu negócio com seus riscos inerentes, ou seja, um
conjunto de posições compradas e vendidas, em um grande número de ativos.

Por exemplo, uma fábrica de geladeiras pode ser entendida como comprada em
todo seu conjunto de geladeiras estocadas e precisa vendê-las. Se a fábrica
mantiver uma rede de lojas de sua propriedade para vender as geladeiras, ela
estará correndo o risco de não conseguir vender os ativos de sua posição
comprada. Mas se ela vender um conjunto de geladeiras para um frigorífico, com
entrega em um ano, ela corre o risco de não conseguir fabricar as geladeiras no
prazo contratado, ou seja. o risco da posição vendida. Assim, é vital que a empresa
defina qual é o seu negócio.

Se ela considera que seu negócio é fabricar e vender diretamente as geladeiras, ela
terá os riscos correspondentes e seu valor será resultado do valor presente de seus
fluxos de caixa ajustados ao risco. Mas se ela decide fazer hedge de suas vendas.
através de um contrato de obrigação de venda para uma loja de departamentos.
ocorrerá uma mudança no valor da empresa. Os fluxos de caixa vão ser menores,
pois ela não venderá mais diretamente ao consumidor final, mas a empresa terá
reduzido sua exposição a riscos.

Assim, o hedge deve ser entendido como um insumo da empresa. Isso suscita a
seguinte questão: O hedge adiciona ou não valor à empresa?

3.4.1 -Argumentos de que o hedge não adiciona valor à empresa

Segundo Wu (2006, p.45) existem três vertentes que argumentam que o hedge não
cria valor para a empresa. Estas se apóiam na teoria da paridade do poder de
compra (PPC), na proposição de irrelevância do financiamento sobre a estrutura de
capital de Modigliani & Mil ler. e no CAPM de Sharpe. Todos os modelos se baseiam
na hipótese do mercado financeiro perfeito:

Segundo Butler (2000, p.328) as premissas nesse mercado são:

• Não há fricções, implicando que:

- Não há custos de transações: seja com taxas de corretagem, seja com


efeitos de pressão nos preços:
39
- Não há impostos e nem outras formas de intervenção governamental;

- Não há custos de desastres financeiros, ou seja, o risco da falência não tem


efeito no fluxo de caixa;

- Não há custos de agência: administradores procuram maximizar o valor dos


acionistas sempre;

- Não há custos pelas informações.

• Todos têm igual acesso aos preços de mercado, ou seja:

- Existe uma perfeita competição implicando que nenhum participante pode


influenciar os preços do mercado;

E não existem barreiras de entrada ou outras restrições para o fluxo de


capital.

• Todos os investidores são racionais, percebendo mais retorno como algo bom e
mais risco como algo ruim.

• Existe uma atuante arbitragem que força, rapidamente, ao equilíbrio os preços dos
ativos que são equivalentes em risco e retorno.

É importante se perceber que existem inúmeras diferenças do mercado perfeito em


relação ao real, pois esse é o principal argumento daqueles que afirmam que o
hedge acrescenta valor à empresa.

As três vertentes que argumentam que o hedge não cria valor para a empresa são:

a) Paridade do Poder de Compra (PPC): Segundo este argumento, alterações na


taxa de câmbio compensariam as mudanças nos níveis de preço. Assim, uma
desvalorização cambial acompanhará um aumento do nível de preços e vice-versa,
ou seja, as perdas incorridas em virtude do movimento desfavorável do câmbio
seriam compensadas com o movimento favorável do nível de preços. Em vista
disso, não haveria um risco de perdas para a empresa e, portanto, nenhum motivo
para a empresa incorrer no hedge.

Porém, Famá e Chaia (2001, p. 61) afirmam que observações empíricas em


diversos países não confirmam a teoria da PPC. Eles afirmam que essa teoria pode
ser considerada como um bom indicador de movimentos esperados dessas taxas,
pois o horizonte de planejamento da empresa possui um prazo inferior para que a

40
PPC faça efeito. Além disso. a PPC só se mantém para o agregado do nivel de
preços de dois países, mas não para as partes individuais do agregado. Assim, o
argumento da PPC não se mostra substancial.

b) Modigliani & Miller: Segundo este modelo. num mercado perfeito, a politica de
financiamento de uma empresa não afeta seu valor, dado que os acionistas poderão
montar a estrutura desejada ao realizar ou tomar empréstimos.

Além disso, os acionistas podem realizar a proteção de seus ativos através do


hedge por si só, não precisando do intermédio da empresa. Desse modo o hedge
não adicionaria valor para o acionista.

Existe apenas um senão nessa teoria sobre a aplicação de hedge no mundo real.
No modelo, existe a hipótese de que os investidores individuais sabem exatamente
o mesmo que os administradores sobre os riscos incorridos pela empresa, sem
qualquer defasagem, ou seja, em prazo suficientemente curto para tomar sua de
decisão de hedge. Afora a presença dessa suposição não muito aderente à
realidade, os custos de transação e comissões serão menores quanto maiores
forem as transações, ou seja, haveria economias de escala. Assim, as imperfeições
de mercado são constatações que inviabilizam os resultados do M&M.

c) CAPM: De acordo com a teoria clássica de finanças, o valor de uma empresa é


igual ao valor presente dos fluxos de caixa esperados descontados a uma taxa que
reflita os riscos desse fluxo de caixa.

Para o hedge aumentar o valor da empresa é necessário que ele aumente os fluxos
ou reduza a taxa de desconto. Como fazer hedge implica num desembolso e,
portanto, numa redução dos fluxos de caixa, a única forma de ele aumentar o valor
da empresa é reduzindo a taxa de desconto.

O modelo usado para avaliar a taxa de desconto é o CAPM. Esse modelo


estabelece uma relação segundo a qual o valor da empresa é dado como uma
função de um componente explicado pelo mercado - denominado componente
sistemático - e de um componente devido apenas às condições da própria
empresa, chamado de não sistemático ou idiossincrático (Mendonça, 2006). O
prêmio de risco é dado em função do componente sistemático, ou seja, aquele que
não pode ser eliminado pela diversificação.
41
Desse modo, o hedge não alteraria nem a taxa de desconto, nem o fluxo de caixa
esperado, e não adicionaria valor à empresa.

Para essa teona, também não é conferido valor as atuações individuais do


administrador dessa empresa. Essas ações, de fazer ou não hedge, afetariam
apenas o componente idiossincrático, de menor importância para os investidores.

Pelo CAPM, se todo um setor econômico não fizer hedge para o risco de mercado,
a empresa desse setor também não teria razão para fazê-lo. Isso ocorre porque o
hedge não seria observado ou poderia até mesmo ser considerado elemento
negativo para empresa, na visão dos investidores. Isso porque o ponto fundamental
na determinação do valor de seus ativos é a covariância entre os resultados da
empresa e do setor onde está inserida (Mendonça, 2006).

Entretanto, segundo Wu (2006, p. 49) "esse raciocínio não leva em consideração o


fato de que uma empresa, utilizando um instrumento de proteção de preço de uma
matéria-prima, pode estabilizar seus custos e, assim, sua política de formação de
preços, o que faria com que ela alcançasse uma vantagem competitiva no mercado.
A incerteza sobre os custos dificulta o planejamento, complicando a otimização de
operações e processos"

Além disso, as imperfeições no mercado financeiro também trazem custos às


empresas, o que faz com que a utilização de instrumentos de hedge seja benéfica à
elas.

Smithson (1999, p.44) afirma que "nenhum estudo provê evidência significativa, mas
a maioria dos resultados tende a suportar a suposição de que o hedge aumenta o
valor da empresa".

Em trabalho recente, Rossi Júnior (2008) analisa o impacto da utilização de


derivativos sobre o valor da firma em empresas brasileiras não-financeiras listadas
na Bolsa de Valores de São Paulo de 1996 a 2006. O trabalho conclui que o uso de
derivativos levou a um impacto positivo e significativo sobre o valor das firmas,
como também se verificou em outros países que realizaram estudos semelhantes.

Sendo assim, devemos analisar os principais argumentos de que fazer hedge seria
benéfico à empresa.

42
3.4.2- Argumentos de que o hedge adiciona valor à empresa

"A chave para adicionar valor à empresa é fazer bons investimentos. A chave para
realizar bons irwestimentos é gerar internamente fluxos de caixa que viabilizem os investimentos
realizados[ ... ] Os fluxos de caixa podem ser rompidos por oscilações de fatores externos. tais
como taxa de cámbio, juros, preços de commodi/185, comprometendo a capacidade de
investimento da empresa." Froot et ai. (1995, p.34)

Wu (2006, p. 50) detalha os principais motivos e situações que pudessem provocar


uma alta volatilidade nos resultados, e levariam as empresas a fazerem o hedge.

a) Assimetria de informação: Segundo a teoria clássica de finanças, investidores


e administradores compartilham das mesmas informações a respeito das
empresas. Mas é claro que no mundo real, os administradores possuem uma
maior quantidade de informações da empresa. Assim, se a corporação mostra
resultados voláteis, então, os acionistas não saberão se isso se deve aos riscos
financeiros. que poderiam ser hedgeados, ou se a variabilidade dos resultados é
fruto da incompetência dos administradores.

Nesse caso, seria racional que a administração decidisse fazer o hedge. Isso se
reflete na politica de dividendos da empresa. Geralmente é preferivel dividendos
estáveis as invés de ganhos flutuantes, pois a administração envia uma
mensagem de boa gestão e competência aos acionistas.

Nesse sentido, se o hedge for realizado, o desempenho da empresa e de sua


gestão seria mais facilmente percebido pelos acionistas, ou seja, eliminando os
rui dos sobre os lucros, este se transforma num bom informativo da qualidade da
administração.

b) Falência e Custo de Dificuldade Financeira: O custo do capital de uma


empresa está relacionado à percepção de risco que o investidor tem daquela
empresa. O risco que o investidor percebe é o risco de que a empresa não honre
suas obrigações e, assim, possa incorrer num processo de falência ou de
dificuldades financeiras.

Smith e Stultz (1985, p. 386) afirmam que através do hedge as empresas


reduzem a volatilidade do seu valor futuro e, assim, reduzem a probabilidade de
incorrer em custos de falência. Como o custo de falência é função decrescente
do valor da firma, ao reduzir o risco de falência, o hedge deveria aumentar o
43
valor da firma. Conseqüentemente o hedge deverá ocorrer com maior freqüência
em empresas com maiores custos de falência ou empresas que passam por
dificuldades financeiras, que têm maior probabilidade de falência.

Complementando esse argumento, Mayers el ai (1990, p.21) afirmam que


empresas com grande volatilidade no seu fluxo de caixa são as que têm a maior
probabilidade de falência.

Os resultados de dificuldades financeiras seriam desaparecimento do crédito,


insegurança entre os funcionários, desconfiança do público consumidor a
respeito do futuro da empresa. Além disso, os acionistas ficariam mais relutantes
a prover mais capital à empresa, mesmo para projetos rentáveis, pois parte do
valor adicionado iria para os credores, já que existe uma lei que diz que os
credores são os primeiros a serem pagos em caso de falência.

c) Aumento da Capacidade de Endividamento: O aumento da capacidade de


endividamento se liga ao ponto anterior. Sobre isso, Stulz (1996, p.1 O) afirma
que ao reduzir a probabilidade de dificuldades financeiras, administração de
risco tem o potencial de aumentar a capacidade de endividamento da empresa e
de facilitar maiores apostas em capital próprio. A medida que a empresa
aumenta o hedge contra suas exposições, menos capital próprio é necessário
para suportar o negócio. Assim, o hedge efetivamente aumenta a capacidade de
endividamento da empresa.

Nesse sentido, a administração de risco pode ser vista como um substituto direto
para o capital próprio. A decisão de fazer hedge, portanto, deve ser tomada em
conjunto com a decisão da estrutura de capital, o que levaria a melhores
resultados por conta da redução dos custos de passivos.

Assim, caso precisasse se endividar para realizar um projeto atrativo e que,


portanto, adicionaria valor à empresa, o hedge facilitaria o acesso ao crédito, por
causar uma percepção de um menor risco pelo mercado.

d) Custo de Agência com Credores: Como os credores têm prioridade sobre os


fluxos de caixa em relação aos acionistas, isso fará com que, caso a empresa
esteja altamente endividada, estes não tenham incentivos para aportar recursos
para investimentos cujos retornos serão utilizados para pagamento de dívidas.
44
Nesse sentido, os credores antecipam tal conflito de interesses e incorporam
seus custos nas taxas de juros cobradas. Como o hedge reduz a probabilidade
da empresa não cumprir suas obrigações, reduzindo a probabilidade de que os
investimentos sejam distorcidos, isso levaria a uma redução da taxa de juros
cobrada pelos credores, que beneficiaria os acionistas.

Assim, o hedge permite que a política de investimento seja mais próxima


daquela que maximiza o valor da empresa.

Smith et ai (1993, p. 270) argumentam que a empresa poderia substituir a divida


por ações preferenciais ou dividas conversíveis, para não incorrer num custo de
agência com os credores e reduzir os conflitos entre credores e acionistas, sem
precisar fazer hedge.

e) Aversão ao risco dos stakeho/ders: Smith e Stulz (1985, p.99) afirmam que
funcionários, fornecedores e clientes, normalmente, não são capazes de
diversificar os seus riscos especificas dos seus direitos sobre a empresa. Assim,
esses stakeholders exigem uma compensação maior da empresa, por
incorrerem nesses riscos. Com uma política de hedge a empresa pode reduzir
esses riscos e, assim, reduzir a compensação cobrada pelos stakeholders dando
maior garantia a eles. Desse modo, o custo do hedge deve ser comparado com
a redução nas compensações dos stakeholders.

f) Impostos: Nas situações onde as empresas são taxadas por uma tabela de
imposto progressiva, isto é, quanto mais lucrarem maior é a alíquota a ser paga
e vice-versa, a redução da volatilidade dos resultados reduziria o total de
impostos a ser pago no final de um periodo.

Tomemos o seguinte exemplo, uma empresa que lucra 100 mil reais em média
por mês no período de um ano. Se ela não fazer hedge e deixar o lucro flutuar,
supomos que em determinado período ele pode chegar a 50 mil e em outro a
150 mil. A aliquota a ser paga com 50 mil é de 15%, a de 100 mil é 20% e de
150 mil é 30%. Fica fácil perceber que o que a empresa paga a menos de
imposto quando a lucratividade é menor não compensa o que ela paga a mais
de imposto quando o lucro é muito elevado. Desse modo, seria melhor
estabilizar o lucro em 100 mil por mês e no final do período a empresa teria

45
pagado menos imposto do que se sua lucratividade flutuasse.

Um trabalho que analisa o caso brasileiro é o de Lameira, Figueiredo e Lee Ness


Jr. (2005), que analisa se as companhias brasileiras que utilizam hedge teriam
conseguido benefícios fiscais, e concluí que a redução da volatilidade dos
resultados gera uma redução no IR a ser pago, e assim, impactam
significativamente o valor do lucro líquido das companhias.

Wu (2006, p. 56) diz que outra situação em que o hedge adicionaria valor à
empresa é quando esta possui benefícios fiscais que expirarão no curto prazo.
Assim, é melhor que a empresa faça o hedge e garanta a lucratividade e o uso
do benefício do que ela se arrisque a ter um lucro menor (ou prejuízo) e não
possa usufruir por completo do benefício fiscal.

g) Oportunidades de Investimento: Froot el ai. (1993) afirmam que fazer hedge


assegura que a firma tenha recursos suficientes para financiar suas
oportunidades de investimento. Os autores desenvolvem um modelo no qual as
imperfeições no mercado financeiro fazem com que as fontes de recursos
externos sejam custosas e o custo desse capital seja proporcional ao seu fluxo
de caixa. Portanto, a firma deve proteger o seu fluxo de caixa de flutuações,
pois, no caso de um choque negativo, ou a firma toma emprestado a uma taxa
mais alta com o intuito de manter seu investimento ou reduz o investimento,
gerando um problema de underinvestment.

Ao reduzir a probabilidade da empresa enfrentar uma escassez do fluxo de


caixa, o hedge reduz a influência de fontes externas nas decisões de
investimento da empresa. Assim, quanto mais custoso é o financiamento externo
para a empresa, maior é a probabilidade de esta realizar o hedge.

Nesse sentido, Smith el ai (2002) propõe um modelo no qual o hedge tem dois
efeitos opostos. Primeiro o hedge reduz o fluxo de caixa da empresa e restringe
a política de investimentos de curto prazo. Depois o hedge diminui os custos de
desastre financeiro e aumenta a capacidade de endividamento da empresa, o
que aumenta a capacidade de investimento no longo prazo. O segundo efeito
tende a superar o primeiro quando o número de oportunidades de investimento
aumenta.

46
Assim, podemos concluir que o hedge mitiga o problema do underinvestment
pela redução do custo do capital externo e pela redução da dependência do
financiamento externo.

Essas vantagens teriam permitido uma melhora na capacidade do planejamento


empresarial e a redução da necessidade de ganhar acesso aos mercados externos
de capital. Além disso, estratégias de hedge permitem que as empresas avaliem
seus executivos com mais precisão.

3.5- Observações empíricas

Bodnar et ai. (1995) realizaram urna pesquisa com empresas americanas não
financeiras a respeito do uso de derivativos. Do total de uma amostra aleatória de
2500 firmas. 350 firmas responderam sendo que 176 eram do setor de manufaturas.
77 do setor primário e 97 do setor de serviços.

Do total de firmas respondentes, 142 (41%) afirmaram utilizar derivativos. Entre as


firmas grandes (valor de mercado maior que U$250 milhões) 59% utilizavam
derivativos. Essa porcentagem cai para 48% para firmas médias (de U$50 rni a
U$250) e para 13% para firmas pequenas (menos de U$50 rni).

Esse resultado é completamente compatível com as idéias que são mostradas neste
estudo. Firmas maiores realizam maiores operações que envolvem taxas de juros,
câmbio, tem mais fornecedores espalhados pelo mundo, vendem para diferentes
países e, portanto, são mais propensas a utilizarem derivativos. Além disso, o
tamanho dessas empresas permite que elas tenham economias de escala em sua
gestão de risco, trabalhando com operações maiores e mais freqüentes, alérn de
possuir pessoal mais preparado tecnicamente para lidar com o uso desses
instrumentos.

Outro resultado apontado pela pesquisa foi que o uso de derivativos foi rnaior entre
empresas do setor primário, chegando a 48%. Esse fato também não é
surpreendente, visto que os contratos futuros foram criados originalmente para
ajudar essas firmas a gerenciar os seus riscos de preços das commodities.

Entre as firmas do setor de manufaturas, 44% afirmaram usar derivativos. Essas


empresas também são mais suscetíveis a exposição ao risco cambial, tanto como

47
importadoras ou exportadoras, como firmas com operações no mercado externo,

Com relação aos tipos de risco e instrumentos utilizados para mitigá-los, a classe de
risco mais comumente hedgeada é a de risco cambial, com 76% dos usuários de
derivativos afirmando que fazem hedge contra esse risco. Nessa classe, o
instrumento mais comumente utilizado foram os contratos a termo, com 78% das
firmas utilizando esse instrumento, seguido pelas opções de câmbio com 50%.

A segunda classe de risco que mais preocupava as empresas era o risco de taxa de
juros. 73% das empresas usuárias de derivativos afirmaram gerenciar seu risco de
juros. Não surpreende que os swaps foram o instrumento mais utilizado para essa
classe com 95% das empresas afirmando que utilizavam esse instrumento.

No caso das commodities, 37% das empresas usuárias de derivativos afirmaram


mitigar essa classe de risco. Para tanto, 65% utilizavam contratos futuros, 52%
contratos a termo, 53% swaps, e 43% opções. Lembrando que a utilização de um
instrumento não exclui o uso do outro. Essa foi a classe que mais apresentou
variação nos tipos de instrumentos utilizados para hedge.

Em estudo semelhante feito para o caso brasileiro Saito e Schiozer (2004) utilizaram
uma amostra de 378 firmas listadas na bolsa de valores. Desse total, 74 firmas
responderam (19,6%). No entanto, não foi possível separar as empresas por
tamanho e setor de atividade devido ao pequeno número de empresas
respondentes.

A porcentagem das empresas que afirmaram utilizar derivativos foi de 57%, um


pouco superior a porcentagem observada nos EUA. Os autores explicam essa
diferença por dois fatos. Primeiro, a pesquisa foi realizada no Brasil quase dez anos
depois da pesquisa americana, e há evidências de que o uso de derivativos vem
aumentando no mundo todo com o passar dos anos (em 1998 a pesquisa
americana já apontava 50% de firmas usuárias de derivativos). Segundo, uma maior
volatilidade das taxas de juro e câmbio brasileira resulta em maior demanda de
derivativos para se proteger contra grandes oscilações.

Em linha com os resultados da pesquisa americana as classes de risco mais


gerenciadas no Brasil também foram: câmbio, juros, commoditíes, e outros.

48
Dentre as empresas que afirmaram utilizar derivativos, 95% (40 empresas)
afirmaram fazer hedge contra risco cambial, sendo que destas 67% recorrem
exclusivamente ao mercado de balcão para realizá-lo, No entanto, a pesquisa
brasileira não aponta os instrumentos utilizados, apesar de o uso do mercado de
balcão indicar que os contratos a termo, tal como nos EUA, são os mais utilizados,
visto que os contratos futuros são sempre negociados em ambiente de bolsa.

Com relação ao risco de taxa de juros, 83% (35 empresas) afirmaram gerenciar
essa classe de risco, com 57% desse total recorrendo exclusivamente ao mercado
de balcão, o que indica que o uso de swaps é o instrumento mais comumente
utilizado no Brasil, tal como nos EUA, para mitigar essa classe de risco.

Já a classe de risco de commodities apresentou um total de 36% ( 15 empresas)


preocupadas em mitigar essa classe de risco. Nessa classe, 60% do total afirmaram
utilizar tanto mercado de balcão como a bolsa de valores para gerenciar esse risco.
Tal como na pesquisa americana, essa foi a classe que apresentou maior variação
nos tipos de instrumentos utilizados.

A alta recorrência ao mercado de balcão no Brasil pode ser explicada pela


incidência de impostos como PIS (Programa de Integração Social), Cofins
(Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e CPMF (Cobrança
Provisória sobre Movimentações Financeiras) sobre os ajustes diários dos contratos
futuros. Quanto maior a volatilidade e o prazo para vencimento do contrato, maior a
incidência desses tributos, o que inviabiliza o uso desse instrumento. Além disso, a
maior customização dos contratos a termo em mercados de balcão também explica
a preferência por esse tipo de instrumento.

A questão tributária se reflete nas principais preocupações dos gestores, que


também foi objeto de análise das pesquisas americana e brasileira. Quanto à
utilização de derivativos, a tributação/tratamento tributário é o fator que mais
preocupa os gestores brasileiros, chegando a 93% de gestores afirmando estar
moderadamente ou muito preocupados com essa questão. Nos EUA essa
porcentagem foi somente de 58% em 1995, ficando com a quarta posição (também
em 1998),

Já o fator que mais preocupava os gestores americanos era, em 1995, o cálculo dos
49
riscos associados ao uso de cada derivativo, o que Saito e Schiozer denominaram
de risco de mercado do derivativo, chegando a 67% de gestores que afirmaram
estar alta ou moderadamente preocupados com esse fator (no Brasil ficou na
terceira posição). Esse fator cai para a terceira posição na pesquisa de 1998,
quando o tratamento contábil assume a posição de maior preocupação nos EUA
(era o terceiro em 1995).

No Brasil, o tratamento contábil foi o segundo fator mais mencionado com mais de
80% dos gestores afirmando estar alta ou moderadamente preocupados, enquanto
que nos EUA o segundo fator mais mencionado em 1998 foi monitorar e avaliar os
resultados do uso de derivativos.

Já na pesquisa americana de 1995, o fator que ficou com o segundo lugar foi o risco
de crédito, que não aparece nem entre os quatro mais preocupantes em 1998. Esse
fato se explica pelas grandes perdas incorridas por várias empresas norte
americanas com o uso de derivativos em 1994, o que levou a uma série de defaults
de pagamentos por parte delas.

A preocupação com a questão tributária no Brasil também se revela como uma das
principais causas para não se utilizar derivativos. Dentre as empresas não usuárias
de derivativos, a tributação foi a terceira causa mais mencionada por não se utilizar
derivativos. A primeira foi "pouca exposição financeira" com 55% e a segunda foi
"exposição gerenciada por outros meios" com 50%.

Esse resultado foi semelhante ao dos EUA (1995), onde a causa mais mencionada
foi "pouca exposição financeira" com cerca de 65%, e a quarta mais mencionada foi
"exposição gerenciada por outros meios" com 35% das empresas não usuárias
afirmando estar esta entre as três maiores preocupações acerca do não uso de
derivativos. Isto indica que as firmas podem gerenciar seus riscos de outras
maneiras tais como: operar no mercado exportador, casar importações e
exportações, ou fazendo acordos contratuais que trocam ou dividem os riscos com
outra parte.

Já a segunda causa mais mencionada na pesquisa americana foi que o "custo do


hedge excede os benefícios esperados" com cerca de 46% de popularidade entre
as respostas. A terceira resposta mais mencionada foi a "falta de conhecimento

50
sobre o uso de derivativos" com 37%, e a quarta foi "preocupações com a
percepção do uso de derivativos" por investidores, reguladores, e o público em
geral.

Outro resultado interessante que mostra a pesquisa brasileira de 2004, é que o uso
de derivativos tem uma tendência de crescimento com o passar dos anos, e que
esse aumento é ainda maior nos anos mais "turbulentos". Esse fato está
completamente de acordo com as idéias mostradas neste estudo, em anos que as
taxas de juros, de câmbio, e os preços das commodities tendem a ser mais voláteis,
é sensato se concluir que o uso de derivativos vai ser maior para se proteger contra
essas oscilações.

Com relação ao objetivo da estratégia de hedge, o estudo americano de 1995


mostra que 49% das empresas fazem hedge para proteger seu fluxo de caixa, 42%
para proteger os lucros, e 8% para proteger o valor de mercado da firma. Se for
levado em consideração que o impacto do hedge no fluxo de caixa e nos lucros são
semelhantes, esse alto percentual de firmas que afirmaram que proteger os lucros
era seu principal objetivo indica que algumas firmas focam mais suas estratégia em
estabilizar os números apresentados aos investidores do que em estabilizar os seus
fluxos atuais de caixa. Raciocínio semelhante se aplica ao valor de mercado da
firma. Como o valor de mercado é teoricamente igual ao valor presente dos fluxos
futuros esperados de caixa, a diferença entre esse objetivo e o de "proteger o fluxo
de caixa" é mais uma questão de tempo, sendo que seu intento é o mesmo. Assim,
99% das respostas estão ligadas a estabilização do fluxo de caixa da empresa, o
que também dá embasamento às idéias mostradas neste estudo.

3.6 -Considerações Finais

Neste capitulo, foi visto que o conceito de hedge se associa a proteção dos
resultados da empresa, o que significa que quando se faz hedge não há chance de
ganhos e nem de perdas, ficando a empresa travada numa posição que considera
suficiente para garantir sua lucratividade mínima.

O hedge trás diversos benefícios às empresas que servem de motivação ao seu


uso. Como resultado desses benefícios, se espera que haja agregação de valor
para a empresa com o uso do hedge.

51
Também foi visto que o hedge pode ser feito via instrumentos financeiros
(derivativos) ou via instrumentos operacionais (hedge natural), que muitas vezes é a
saída para empresas que têm restrições orçamentárias ou não têm know-how com a
utilização de instrumentos derivativos.

A análise de dados empiricos reforça os argumentos de que os derivativos são


ferramentas efetivas na gestão de riscos de mercado, mas ainda há mu1ta
desconfiança quanto ao seu uso no Brasil.

O próximo capitulo vai explorar como deve ser feita uma boa estratégia de hedge,
fazendo um estudo de caso de empresas reais.

52
Cap.4 - Política de Hedge: Planejamento e Execução

Este capítulo tem como objetivo explicar a política de hedge das empresas. Para
isso, inicialmente será explicitado todas as etapas de planejamento e execução de
uma estratégia de hedge, para depois analisar um estudo de caso com um exemplo
real da estratégia de hedge da companhia sucroalcooleira Cosan.

A política de hedge de uma empresa deve contribuir para a longevidade da


organização, atendendo aos seus objetivos estatutários e estratégicos.

Segundo a definição do COSO (The Committee of Sponsoring Organizations of the


Treadway Commission), o gerenciamento de riscos é um processo desenhado para
identificar e responder a eventos que possam afetar os objetivos estratégicos da
organização. Suas diretrizes devem ser estabelecidas pelo conselho de
administração e as ações decorrentes devem ser implementadas pelos gestores,
com o objetivo de prover, com razoável segurança, a realização das metas da
organização a partir de um adequado alinhamento da estratégia com o seu apetite a
riscos.

Assim, o processo de gerenciamento de riscos deve identificar preventivamente e


listar os principais riscos a que a corporação está exposta, bem como sua
probabilidade de ocorrência, e as medidas a serem adotadas para sua prevenção
e/ou mitigação. Além disso, a gestão de risco também permite identificar
oportunidades de ganhos, o que requer a participação de pessoas qualificadas, com
visão completa dos negócios da organização nos seus diferentes níveis. Os riscos
corporativos identificados devem ser conhecidos por toda a organização e, portanto,
devidamente comunicados pela alta administração. (IBGC, 2007)

Em resumo, a política de hedge (ou de gerenciamento de riscos) preserva e agrega


valor econômico á organização, contribuindo fundamentalmente para a realização
de seus objetivos e metas de desempenho, representando mais do que um mero
conjunto de procedimentos e políticas de controle. Além disso, facilita a adequação
da organização aos requerimentos legais e regulatórios, fatores críticos para sua
perenidade.

53
4.1 - Planejamento e Execução

Segundo a FIA (Futures lndustry Association) uma política de hedge deve


contemplar quatro fatores básicos: identificação dos riscos, decisão do objeto de
hedge, avaliação dos diferentes instrumentos de hedge e suas características,
decisão do quanto fazer em hedge.

Segue o detalhamento de cada procedimento:

a) Identificação dos riscos

Para administrar riscos é preciso, primeiro, entender os riscos a que a corporação


está exposta. Este processo de desenvolvimento de um perfil de riscos requer um
exame tanto dos riscos imediatos gerados pela competição e pelas mudanças no
mercado de produtos, quanto dos efeitos mais indiretos resultantes das variáveis
macroeconômicas. (Damoradan, 2008)

Na etapa de identificação de riscos define-se o conjunto de eventos que podem


impactar os objetivos estratégicos da organização. Em outras palavras, a
identificação de riscos implica entender como os lucros mudam com a oscilação de
fatores que influenciam as posições de risco. Procura identificar quais são os fatores
que não fazem parte do negócio da empresa e, portanto, precisam ser hedgeados.
(Wu, 2005)

O primeiro passo para o gerenciamento de risco é que este deve estar alinhado com
os objetivos estratégicos mais amplos, que orientam como a organização deverá
trabalhar para criar valor a todos que investiram na organização (stakeho/ders).
Assim, deve ser feita pela corporação uma definição do penfil de riscos. O perfil de
riscos significa em quanta exposição ao risco se aceita incorrer, o que envolve tanto
o nível de apetite quanto o de tolerância a riscos. Este papel é feito pelo conselho
de administração que, por sua vez, reflete a posição dos acionistas. (IBGC, 2007)

Segundo Mark et a/. (2004) é necessário que a empresa tenha, claramente, os seus
objetivos em termos de risco e retorno. Além disso, metas claras e totalmente
analisadas e aceitas pela diretoria, fazem com que o conjunto de riscos escolhido
para ser mitigado traga beneficios previamente estabelecidos e conhecidos pela
diretoria à empresa.

54
Depois de listados os riscos, eles devem ser classificados em categorias simples,
que permitam maior facilidade na hora de gerenciá-lo; etapa importante para a
determinação das medidas a tomar para cada um deles. (Damoradan, 2008)

Não há um tipo de classificação de riscos que seja consensual, exaustivo e aplicável


a todas as organizações; a classificação deve ser desenvolvida de acordo com as
características de cada organização, contemplando as particularidades da sua
indústria, mercado e setor de atuação. Por exemplo: os estoques de materiais de
consumo são menos relevantes para um banco do que para uma indústria, onde
pode representar um dos principais fatores de risco. Analogamente, as variáveis
relacionadas ao "risco de mercado" são cruciais para um banco e podem não ser
tão relevantes para determinada organização manufatureira. (IBGC, 2007)

Outro fator importante que deve ser esclarecido numa política de hedge é o prazo
para os objetivos estabelecidos. O hedge vai ser planejado até o final do semestre
ou até o final do ano? Ou ainda, para os próximos dois anos? É importante lembrar
que o hedge de uma transação futura esperada via contrato de opção a longo prazo
ou de futuros tem implicações contábeis e tributárias. (Wu, 2005)

Desse modo, os objetivos devem ser estabelecidos em forma de diretrizes claras e


executáveis, e os critérios para verificação da realização dos objetivos devem ser
estabelecidos com antecedência pela alta direção da corporação.

Eiteman et ai. (2002) analisam o impacto da exposição a fatores de risco na


empresa e suas implicações em relação a lucratividade e valor de mercado.

Com relação à natureza das exposições pode-se dizer que há exposição de


transação, quando existe a chance de mudança no valor de obrigações financeiras
contratadas decorrentes de mudanças nas taxas de juros, câmbio, preços de
commodities, etc. Esses fatores de risco de natureza macroeconômica ou
conjuntural, embora não possam ser diversificados de forma generalizada, podem
ser mitigados por meio de instrumentos financeiros tradicionais, com a utilização de
caixa, por exemplo, ou por instrumentos derivativos.

Há também a exposição operacional (ou estratégica, ou competitiva), que reflete


uma mudança no valor presente da organização, ocasionada por impactos nos
custos, preços e volumes de vendas futuros em decorrência de uma alteração
55
desfavorável nas variáveis de mercado. Nesse caso, além dos instrumentos comuns
(derivativos e tradicionais- com caixa), a empresa pode realizar contratos de seguro
(p. ex: seguro de crédito), transferir a linha de produção para outra localidade ou
terceirizar a produção (visando reduzir os custos), adquirir unidades concorrentes,
fechar ou vender unidades que pouco contribuem para agregar valor á empresa.

Já a exposição contábil ou de conversão, resulta em impactos no patrimônio da


empresa, causados por regras contábeis divergentes das utilizadas na matriz.
Assim, os gestores de risco devem trabalhar integrados á área de controladoria, de
forma a avaliar os impactos contábeis resultantes de suas estratégias de hedge.

Por último pode haver também uma exposição tributária, resultante do impacto dos
tributos a serem pagos nos resultados da empresa. Para mitigar essa exposição a
empresa deve investir na qualificação de especialistas, buscando obter vantagens
ficais, mas respeitando os padrões da legalidade e da ética.

A integração das visões das diversas exposições e dos riscos a que uma empresa
está exposta, delimita qual estratégia de hedge deve ser implementada e qual o tipo
de hedge ou instrumento deve ser escolhido. (Rocha, 2007)

b) Decisão do objeto do hedge

Depois que os objetivos forem estabelecidos e a natureza geral dos riscos a ser
gerenciados for definida, é necessário procurar associações dos riscos mapeados
em relação aos ativos ou passivos da empresa.

Para se definir qual o tratamento que será dado a determinado risco, o primeiro
passo consiste em determinar o seu efeito potencial, ou seja, o grau de exposição
da organização àquele risco. Esse grau leva em consideração pelo menos dois
aspectos: a probabilidade de ocorrência e o seu impacto (em geral medido pelo
impacto no desempenho econômico-financeiro do periodo). (IBGC, 2007)

No entanto, para fazer essa mensuração, é preciso primeiro decidir o que é afetado
pelos riscos. O impacto mais simples de se identificar é o impacto sobre os lucros.
Em um nível mais amplo, pode-se tentar capturar o impacto dos riscos sobre o valor
da empresa, entretanto o primeiro modo é o mais utilizado pela maior facilidade de
obtenção de dados. (Damoradan, 2008)

56
O mesmo tipo de mapeamento pode ser aplicado a outros fatores e posições de
risco, começando com o risco de atividade da empresa, antes de chegar aos seus
riscos de mercado e de crédito, passando também pelo risco operacional. (Wu,
2007)

Essa etapa é fundamental, pois se os efeitos da instabilidade das variáveis


relevantes não se mostrarem significativos, o hedge não será efetivo. Por outro lado,
essa análise pode mostrar fragilidades significativas, indicando riscos potenciais à
empresa. (Mendonça, 2006)

Depois de determinados os elementos de risco e as prováveis trajetórias dos


preços, o próximo passo consiste em conhecer o impacto de cada um dos cenários
identificados como prováveis. (Mendonça, 2006)

Segundo o IBGC (2007), o impacto financeiro consolidado dos riscos na


organização pode ser medido quantitativamente em termos da variação potencial do
seu valor econômico, fluxo de caixa e resultado econômico, através de uma
metodologia que se denomina "planejamento sob incerteza". Para viabilizar tal
quantificação é necessário que a organização (i) tenha o seu negócio modelado em
alguma ferramenta que possibilite simulações e (ii) seja capaz de gerar cenários das
principais variáveis e consistentes entre si.

A modelagem passa pela identificação detalhada de cada um dos fatores que afeta
as transações e indicadores de desempenho da organização, incluindo todos os
tipos de riscos identificados, e pela determinação da dinâmica de impacto de cada
uma das operações nas contas de resultados.

A geração de cenários envolve o conhecimento e previsões de cada área


estratégica da organização e deve expressar a evolução conjunta das variáveis. A
área financeira pode traçar previsões para as variáveis macroeconômicas; a área de
crédito, para a inadimplência de cada tipo de cliente; a área comercial, para as
vendas; e estas, em conjunto com a de planejamento, para os preços, índices de
consumo, eficiência, capacidade, etc. Associando-se probabilidades aos cenários
gerados, é possível quantificar o risco e estimar a probabilidade de que qualquer
métrica de desempenho fique abaixo das metas orçadas em cada período (ex.:
geração ou necessidade de caixa, resultado contábil, etc.). É recomendável buscar

57
a identificação e o gerenciamento dos riscos integralmente, não apenas os riscos
isolados, mas também os riscos múltiplos e comuns a diferentes áreas.

Depois de identificar os fatores que tem maior impactam mais adversamente com os
objetivos da corporação e maior probabilidade de ocorrer, deve-se avaliar também o
custo da operação de hedge e os possíveis resultados gerados pela variação do
fator de risco. Muitas vezes não é possível se fazer hedge sobre todas as posições
de risco, o que obriga as empresas a escolherem aqueles que a auxiliam a atingir
seus objetivos.

Com relação a isso, Damoradan (2008) lembra que existem custos explícitos (hedge
com caixa) que reduzem os lucros do exercício (no momento) em que o instrumento
de proteção é adquirido (p. ex.: opções, seguros), e os custos implícitos (hedge sem
caixa) que manifestam-se somente nos lucros futuros, reduzindo os exercícios
subseqüentes (p. ex.: contratos futuros ou a termo).

Assim, têm-se uma medida dos impactos potenciais que permite aos gestores
identificar a relevância do hedge e os benefícios de uma ação defensiva.
(Mendonça, 2006)

c) Avaliação dos diferentes instrumentos de hedge e suas características

Após a identificação, mapeamento e avaliação dos impactos dos riscos, deve-se


definir os instrumentos que se adaptam melhor ao gerenciamento de risco na
empresa, lembrando que diferentes instrumentos de hedge possuem características
distintas, como diferentes tipos de proteção, custos esperados distintos, diferentes
formas de contabilização e controle, etc. Vale lembrar que algumas exposições
podem ser mitigadas em nível operacional (p ex: casando ativos e passivos na
mesma moeda), o que pode ser chamado de hedge natural.

Dessa forma, a corporação deve escolher, dentre as alternativas que possui,


aqueles instrumentos que mais se adaptam aos objetivos e especificidades da
empresa, tendo muitas vezes que apelar ao mercado de balcão para obter contratos
mais customizados. Os instrumentos escolhidos devem minimizar os eventos que
possam afetar adversamente e maximizar aqueles que possam trazer benefícios
para a organização. Além disso, a gestão da empresa deve avaliar cada atividade
que possa ser hedgeada e determinar seu posicionamento frente aos riscos
58
considerando seus efeitos, grau de aversão e resposta, complementada por uma
análise de custo-benefício. (IBGC, 2007)

O gestor deve observar essa perspectiva em seu planejamento, detalhando a


natureza (compra ou venda) da posição, os vencimentos empregados no hedge e
as quantidades de contratos negociadas em cada vencimento. (Mendonça, 2006)

Quanto à exposição a riscos, a empresa pode decidir por: evitar o risco, não se
evolvendo ou agindo de forma a se retirar de uma situação de risco; reter o risco,
mantendo o risco no nível atual de impacto e probabilidade, assumindo que as
possíveis perdas são toleráveis; reduzir o risco, tomando ações que minimizam a
probabilidade e/ou impacto dos riscos (p. ex: comprando parte de seus
componentes no mercado local); transferir e/ou compartilhar os riscos,
realizando atividades que visam reduzir o impacto e/ou a probabilidade de
ocorrência do risco através da transferência ou, em alguns casos, do
compartilhamento de uma parte do risco (via instrumentos de hedge); explorar o
risco, aumentando o grau de exposição ao risco na medida em que isso
proporciona vantagens competitivas à empresa. (IBGC, 2007)

Vale lembrar que é possível reduzir ou eliminar o risco por meio das escolhas de
investimento e financiamento, ou por meio de apólices de seguros, além da
utilização de derivativos. Nem todas as alternativas são executáveis ou econômicas
contra todos os tipos de risco, por isso, vale à pena fazer uma lista de todas as
alternativas disponíveis para cada um, facilitando a escolha da melhor dentre elas.
(Damoradan, 2008)

Portanto, para escolher os instrumentos os gestores devem avaliar todas as


informações corporativas, dados de mercado, ferramentas e modelos relevantes.

Em relação à estratégia adotada pela empresa. ela pode ser estática ou dinâmica.
Em uma estratégia estática, um instrumento de hedge é adquirido em relação a uma
posição de risco e mantido enquanto tal posição existir (via contratos futuros ou a
termo). Na estratégia dinâmica vai haver uma série contínua de negociações
utilizadas para a calibragem da combinação entre a exposição (se relaciona com a
variabilidade do objeto hedgeado) e posição do derivativo. Esta exige que o gestor

59
ajuste a posição dos derivativos diária ou semanalmente, aumentando ou reduzindo
a quantidade de contratos e, possivelmente, mudando para outros tipos. (Wu, 2005)

Outro aspecto que deve ser levado em consideração quando da escolha dos
instrumentos e da estratégia de hedge a ser adotada é o aspecto tributário.
Diferentes instrumentos derivativos possuem diferentes prazos de vencimento e
resultam em obrigações tributárias diferentes. Além disso, o tratamento tributário
difere de país para país.

d) Decisão do quanto fazer em hedge

O conceito de hedge pressupõe cobertura total das posições de risco. Estar


hedgeado em uma posição de risco significa estar coberto 100% daquela posição.
No entanto, as despesas inerentes ao hedge quando confrontadas com a restrição
orçamentária da empresa, muitas vezes inviabilizam que o hedge seja feito. Por
causa disso a política de hedge da empresa passa a ter como uma de suas
principais funções decidir sobre o quanto fazer de hedge sobre determinadas
posições de risco, estabelecendo critérios de prioridade, sempre levando em
consideração uma relação custo beneficio.

Com relação a esse fato, Wu (2007) afirma que ao aceitar um porcentual da posição
de risco, a empresa se obriga a manter uma expertize em relação a esse risco que
está assumindo.

Por fim, é papel da alta administração a avaliação contínua da adequação e da


eficácia de seu modelo de gerenciamento de riscos corporativos. Este deve ser
constantemente monitorado, com o objetivo de assegurar a presença e o
funcionamento de todos os seus componentes ao longo do tempo. A política de
hedge não deve ser avaliada de acordo com os lucros e na perda de transações que
se mostrarem desnecessárias posteriormente. Ela deve se embasar no nivel de
realização dos objetivos e metas gerais da organização. (IBGC, 2007)

Saber como estruturar a operação, estabelecer as quantidades de contratos e


manter a dinâmica de negociação coordenada com as condições de mercado são
parâmetros essenciais na estratégia de atuação da empresa. (Mendonça, 2006)

60
Além disso, cabe à empresa a monitoração continua das posições assumidas com
derivativos no caso do hedge dinâmico, pois ela deve avaliar constantemente suas
posições assumidas em relação às mudanças diárias e tendências que se revelam
no mercado, mudando de posições quando julgar necessário para que sua
estratégia de hedge seja efetiva de fato.

Isso porque, as probabilidades calculadas em modelos de simulação numérica de


oscilações nos preços de mercados podem alterar-se significativamente durante o
período em que se desenrola o hedge. (Mendonça, 2006)

Outro fato importante é a informação e a comunicação ágil e adequada com as


diversas partes interessadas, acionistas, reguladores, analistas financeiros e outras
entidades externas têm a finalidade de permitir avaliações mais rápidas e objetivas
a respeito dos riscos a que está exposta a organização. O conteúdo da
comunicação com o ambiente externo e interno reflete as políticas, a cultura e as
atitudes desejadas e valorizadas pela alta administração. (IBGC, 2007)

Com relação à comunicação externa, o aumento da transparência para o mercado


sobre os mecanismos de gerenciamento de riscos adotados pela organização
constituí-se num diferencial, mesmo quando se trata de uma obrigação legal.

Deve-se considerar que entidades regulatórias do exterior (SEC - Securities and


Exchange Commission) e do Brasil (CVM - Comissão de Valores Mobiliários, Banco
Central do Brasil, etc.) estabelecem níveis de divulgações em notas explicativas às
demonstrações financeiras sobre gerenciamento de riscos de um modo amplo ou
sobre determinadas contas ou transações. (IBGC, 2007)

Por fim, Mendonça (2006) resume o fluxo de atividades para o planejamento da


estratégia de hedge, o que permite uma visão geral completa do processo:

61
receber R$ 16,04 milhões e não R$ 14 milhões (caso o dólar caia a R$1 ,40, por
exemplo), pelos mesmos US$ 10 milhões. É um hedge de seus ativos. Caso o dólar
suba acima disso, chegue a R$ 2, não há problemas: a empresa deixa de ganhar,
mas não perde, pois recebeu todo os US$ 1o milhões que teria de pagar (para
receber a taxa de 1 ,604) ao banco. Não terá de comprar no mercado a R$ 2, pois já
obteve sua receita em dólar.

No "target forward", no entanto, a empresa realiza também outra transação


acoplada: vende de novo o dólar para o banco no futuro e por meio de arriscada
venda de opção de compra. Nesse instrumento, o banco paga um valor à empresa
para ter o direito de comprar o dólar a uma cotação pré-estabelecida no futuro.
(Valor Econômico, 2008)

Por exemplo, o banco passa a ter o direito de comprar US$ 1O milhões a R$ 1, 73 no


dia 30 de agosto de 2008. Se nesse dia o dólar terminar a R$ 1 ,62, o banco não terá
interesse em exercer seu direito de compra- não comprará a R$ 1,73, pois poderia
comprar no mercado à vista à cotação de R$ 1,62. A opção viraria pó. Mas, se o
dólar fosse a R$ 2, a empresa teria de comprar dólar no mercado a R$ 2 para
vender à cotação de R$ 1,73 para o banco, ou seja, perderia 13,5% dos US$ 10
milhões, ou R$ 2, 7 milhões.

O caso recente de Sadia e Aracruz, que registraram altas perdas com derivativos,
exemplifica o que ocorreu com as empresas que utilizaram largamente instrumentos
target forward, e o efeito devastador que o uso especulativo de derivativos pode ter.
A tentação do ganho financeiro nessas empresas superou a mera busca pelo
equilibrio do lado operacional, num cenário que era considerado previsivel e,
portanto, uma oportunidade de lucro certo.

A Sadia, como empresa exportadora, utilizava derivativos com a função de se


proteger contra flutuações do real frente ao dólar. Ao realizar suas operações no
mercado de derivativos, a empresa "travava" a taxa de câmbio num patamar
considerado razoável para garantir a lucratividade de suas exportações. Porém,
como o real vinha constantemente se valorizando frente ao dólar, no inicio de 2008,
a empresa passou a ter lucros financeiros em suas operações com derivativos,
vendendo seus dólares por mais reais do que a taxa spot. Vale lembrar que a

63
utilização dos target forwards praticamente dobrava a exposição dessas empresa à
flutuação do dólar.

Se sabiam que estavam expostas a um risco cambial gigante, por qual razão as
empresas vendiam as arriscadas opções de compra aos bancos acopladas com o
dólar a termo?

Como o cenário macroeconômico parecia estável e a valorização do real frente ao


dólar aparentava ser um movimento que iria perdurar, o lucro financeiro das
operações com derivativos de câmbio pareciam certos, e a diretoria financeira se
deixou enganar, e passou a alavancar suas operações com derivativos,
especulando no mercado financeiro com recursos da empresa.

Primeiro, não acreditavam que o dólar fosse subir tanto no curto prazo de forma a
ultrapassar a cotação "targef' (alvo), no nosso caso os R$ 1,73. Depois, porque no
"target forward'' a empresa não apenas se protegia, mas também conseguia
ganhos.

O que se mostrava ser uma oportunidade de ganho fácil se revelou um grande erro,
quando finalmente em meados de julho de 2008 a crise subprime se deflagrava e o
real assumiu uma trajetória de desvalorização até o final do ano.

Em setembro de 2008, a Sadia, uma das principais indústrias alimentícias


brasileiras, com fortes vendas externas em carteira, reconheceu uma perda de 760
milhões de reais geradas principalmente por posições em contratos de futuros e
opções cambiais, e seu diretor-financeiro foi demitido. (FolhaOnline, 2008)

Neste mesmo mês, a Aracruz Celulose, que se envolveu num esquema parecido
com o da Sadia, divulgou um comunicado informando que a exposição da
companhia a instrumentos de derivativos foi "fortemente" afetada pelo dólar e que
contratou uma empresa especializada para verificar o tamanho do estrago, e seu
diretor financeiro pediu licença do cargo. (PortaiExame, 2008)

A Aracruz vem se utilizando de instrumentos desse tipo desde 2004. Em seu


relatório, a empresa afirma ser predominantemente exportadora, com quase
totalidade da receita em dólares, enquanto 15% de seu endividamento e cerca de
75% de seu custo são atrelados ao real. Dessa forma, a valorização da moeda

64
nacional fazia com que as vendas pagassem cada vez menos os custos. Desde que
começou a fazer esse tipo de operação, em 2004, a companhia ganhou com elas
R$ 630 milhões, o que equivale a mais de 13% do lucro liquido realizado até junho
de 2008, antes que esses contratos se transformassem na perda de R$ 1,9 bilhão,
já em outubro de 2008. (Estratégia e Mercado, 2008)

A resposta do mercado foi imediata, no mesmo dia, as ações da Sadia desabaram


40 por cento, enquanto as da Aracruz, tiveram queda de 22 por cento na Bovespa, e
esse movimento iria perdurar por mais muitos dias. Esse é um exemplo tipico de
como o uso equivocado dos derivativos pode destruir o valor para o acionista.
(FolhaOnline, 2008)

No exemplo da Sadia fica claro a falta de coerência das ações do setor financeiro da
empresa com o perfil de riscos a que a empresa poderia se submeter. Neste caso, a
falta de um controle mais efetivo por pare do Conselho de Administração colocou
em grande risco até mesmo a parte operacional da empresa, que poderia se ver
impedida de funcionar devido à falta de capital.

Essas experiências recentes demonstram que a gestão de riscos é um fator


fundamental para as empresas, e que quando a especulação visando lucros fáceis
toma o lugar do hedge no dia-a-dia das empresas, os resultados podem ser
desastrosos. Cabe aqui, então, analisar um caso que mostre o contrário do que
Sadia e Aracruz fizeram, ou seja, estudar uma estratégia de hedge vencedora, que
cumpre suas funções. Segue um estudo de caso com a exportadora de álcool e
açúcar Cosan, uma das maiores do Brasil dentro do setor.

4.3 - Estudo de Caso - Cosan

4.3.1 -A companhia- Cosan

A Cosan teve sua fundação em 1936, com a construção da Usina Costa Pinto, em
Piracicaba (SP). A partir da década de 80 iniciou-se um processo de expansão
baseado principalmente em aquisição de empresas do setor. Recentemente, com a
aquisição dos ativos de distribuição de combustiveis e produção e distribuição de
lubrificantes da Essa no Brasil tornou-se a primeira empresa verticalizada do setor.
(Cosan, 2009)

65
Com suas vinte e três unidades, quatro refinarias e dois terminais portuários, a
Cosan é um dos maiores produtores e vendedores de açúcar e álcool do mundo. A
Companhia cultiva, colhe e processa a cana-de-açúcar - principal matéria-prima
utilizada na produção de açúcar e álcool. No exercício social de 2009, as vendas
líquidas totais consolidadas foram de R$6.270, 1 milhões e EBITDA de R$718,0
milhões. (Cosan, 2009)

4.3.2 - Histórico da gestão de riscos - Cosan

Depois de divulgados os escândalos envolvendo Sadia e Aracruz, que anunciaram


perdas milionárias no mercado de câmbio, foi divulgado que as usinas de açúcar e
álcool perderam cerca de R$ 4 bilhões em operações com derivativos de câmbio
durante a safra 2008/09, segundo estimativas de empresas, bancos e consultorias
financeiras que atuam neste setor. Essas perdas enfraqueceram boa parte das
companhias que tinha grande endividamento em dólar. (Valor Econômico, 2009)

Diante deste cenário, a Cosan se prontificou a esclarecer que seus instrumentos


financeiros contratados têm finalidade exclusiva de hedge.

Atendendo à demanda por maiores informações por parte de seus investidores e


analistas, a companhia informou que não tinha exposição alavancada em
derivativos de variação cambial com caráter especulativo, limitando-se ao
gerenciamento de risco por meio de hedge. (lnfoMoney, 2008)

Em adição, a empresa esclareceu que não tinha contratada qualquer operação de


"duplo indexador", as quais não são incluídas em sua política de gestão de riscos. A
notícia teve boa repercussão entre os investidores.

Em abril de 2009 a Cosan divulgou a compra da Esso Brasileira Como parte de


política de gestão de risco. A empresa divide a exposição cambial em duas
categorias: exposição de fluxo de caixa, que leva em consideração as
disponibilidades de recursos e os fluxos em dólares, e exposição de balanço, que
considera os ativos e passivos de longo prazo em dólares. Segundo a companhia, a
exposição de caixa é administrada com o "casamento de fluxos de entrada e saída
de dólares e, adicionalmente, com o uso de instrumentos derivativos contratados
exclusivamente com o fim de hedge". Como será visto adiante no estudo de caso, a
Cosan não realiza operações visando reduzir exposições no balanço patrimonial.
66
Estas são realizadas por hedge natural via receitas operacionais de exportação
(denominadas em dólares). (Carteira de Investimento, 2009)

A empresa detalhou a exposição de fluxo de caixa estimada em 12 meses, incluindo


o pagamento relativo à aquisição da Essobrás. Em outubro de 2008, entrada líquida
de US$ 419 milhões. De novembro deste ano a janeiro de 2009, entrada líquida
negativa em R$ 504,9 milhões, com saldo negativo acumulado de US$ 85,7
milhões. Entre fevereiro e abril de 2009, entrada líquida de menos US$ 55,4 milhões
e saldo negativo acumulado de R$ 141,1 milhões. De maio a julho, a Cosan projeta
entrada liquida deUS$ 182,7 milhões e saldo acumulado positivo em US$ 41,5
milhões. Por fim, entre agosto e outubro de 2009, a entrada liquida deve ser de US$
133,9 milhões, levando o saldo positivo acumulado a US$ 175,5 milhões. As
estimativas levam em conta as posições de disponibilidades mantidas em dólares e
fluxos esperados de dólares de exportações, aquisições, serviço de dívidas
existentes, líquidos de posições de derivativos contratados. (Carteira de
Investimento, 2009)

A estimativa de exposição de balanço, considerando os passivos de longo prazo


(mais que 12 meses) denominados em dólares, é de US$ 879 milhões: US$ 400
milhões em bônus com vencimento único em 2017, US$ 450 milhões em bônus
perpétuos e US$ 29 milhões relativos ao empréstimo junto à IFC, braço do Banco
Mundial, com cronograma de vencimentos semestrais até 2013.

A boa estratégia de gestão de riscos da empresa se refletiu em seus resultados. A


Cosan encerrou seu segundo trimestre do exercício 2009, terminado em junho, com
ganho líquido recorde de R$ 337,3 milhões, montante que contrasta com um
prejuízo de R$ 58,1 milhões registrado um ano antes. (O Globo, 2009)

A companhia ressalta que a variação cambial sobre o endividamento teve um


impacto bastante relevante na obtenção deste lucro.

Segundo a companhia, tal resultado reflete a enorme exposição não-caixa aos


efeitos da variação da taxa de câmbio sobre as dívidas de longo prazo denominadas
em dólares. (O Globo, 2009)

A Cosan também aponta que essa mesma desvalorização do dólar, que provocou
os efeitos não-caixa de variação sobre as dívidas, também provocou redução nas
67
receitas de exportações. No entanto, essa redução foi compensada pela estratégia
de hedge da companhia, o que gerou ganhos financeiros com derivativos cambiais
no montante de R$ 289,2 milhões no decorrer do trimestre. (O Globo, 2009)

A alta continua nos preços internacionais do açúcar vem beneficiando o resultado


operacional da companhia, mas também impôs perdas financeiras com derivativos
de mercadorias no valor de R$ 128,3 milhões. Ainda assim, o resultado liquido de
derivativos ficou em R$ 160,8 milhões. E também foi decisivo para o resultado
financeiro liquido positivo. (ValorOnline, 2009)

Já a geração de caixa medida pelo EBITDA (lucro antes de juros, impostos,


depreciação e amortização) saiu de R$ 29,2 milhões no primeiro trimestre fiscal de
2009, para R$ 311,2 milhões de abril a junho deste ano. A margem EBITDA subiu
de 4,6% para 8,7%. (ValorOnline, 2009)

Já no segundo trimestre do exercício social de 201 O, que corresponde aos meses


de julho, agosto e setembro de 2009, a Cosan registrou EBITDA recorde de R$
355,7 milhões. O resultado é 95% superior ao registrado no segundo trimestre do
ano fiscal de 2009, que correspondeu aos meses de agosto, setembro e outubro de
2009. (ValorOnline, 2009)

Segundo informa o resultado financeiro do terceiro trimestre de 2009 divulgado pela


Cosan, o lucro liquido do periodo totalizou R$ 173,4 milhões, resultado do forte
desempenho operacional do periodo, relacionado à alta dos preços do açúcar, além
da recuperação dos preços do etanol e manutenção das margens na distribuição de
combustíveis. Correlacionado a esses resultados, está a eficiente estratégia de
hedge adotada pela empresa. (Cosan, 2009)

4.3.3 - A estratégia de gerenciamento de riscos da empresa

Foi enviado um e-mail para os encarregados da estratégia de hedge da Cosan,


onde constavam as seguintes perguntas: Quais os riscos que a corporação enfrenta
em suas operações? Como vocês identificam e mensuram os riscos (riscos de
mercado)? Como gerenciam os riscos? Como monitoram as posições assumidas
(acompanhamento)?

Segue o modelo do estudo de gerenciamento de riscos da Cosan:

68
a) Identificação dos riscos

O Conselho de Administração da Cosan possui um Comitê de Risco, composto


pelos principais executivos da Companhia (Diretores Vice-Presidentes, Diretores
Comerciais e de Tesouraria), que se reúne semanalmente para decisão sobre a
estratégia para gestão de riscos. Esse comitê tem a função de identificar os
principais riscos à que a empresa está exposta, e de decidir quais serão as ações
tomadas visando a reduzir/mitigar esses riscos caso julgarem necessário.

A Cosan informou que está exposta a riscos de mercado, sendo os principais a


volatilidade dos preços de commodities (fundamentalmente açúcar e álcool), taxa de
juros e taxa de câmbio.

b) Mensuração do impacto dos riscos

Quanto à mensuração da exposição aos fatores de risco, a companhia usa


ferramentas específicas para cada classe de risco:

Preços de commodities: Existem diversos fatores que influenciam o nível de oferta e


de preço das commodities agrícolas, como o clima, investimentos agrícolas,
especulação no mercado, programas e políticas governamentais, alguns deles (p.
ex.: clima) imprevisíveis, o que torna o preço das commodities muito volátil. Assim,
torna-se necessário estimar a exposição a riscos de preços. Para tanto, a Cosan faz
análises de sensibilidades, com o objetivo de medir o potencial impacto de diversos
cenários probabilísticos no resultado (lucratividade) da empresa.

Taxa de juros: A maior parte do endividamento da companhia foi emitida a uma taxa
de juros pré-fixada, composta por Senior Notes, um título de dívida de longo prazo,
com vencimento em 2017, portanto a Cosan tem baixa exposição ao risco da taxa
de juros nesta parte do passivo. O resto de sua dívida é, majoritariamente, atrelado
ao CDI (Certificado de Depósitos lnterbancários) e à TJLP (Taxa de Juros de Longo
Prazo), esta última em contratos de financiamento obtidos junto ao BNDES.

Taxa de Câmbio: Uma grande parcela da receita operacional líquida da empresa é


denominada em dólares. Como a empresa é uma grande exportadora (exportações
excedem R$ 1,5 bilhão ao ano), e a maioria de seus custos é denominada em reais,
uma desvalorização do dólar frente ao real teria um efeito negativo na sua receita

69
líquida, afetando adversamente suas margens operacionais. Outra exposição à taxa
de câmbio se encontra no passivo da empresa, pois uma parte considerável da
dívida da companhia está denominada em dólares e, portanto, exposta ao risco das
flutuações cambias dólar/real.

c) Gerenciamento dos riscos

Depois de identificados e mensurados, os riscos devem ser gerenciados. As


atividades de gerenciamento de risco e administração dos instrumentos financeiros
são realizadas por meio de definição de estratégias, políticas e procedimentos.
estabelecimento de sistemas de controle e determinação de limites de exposição
cambial, de juros e de preços, estabelecidos pelo Conselho de Administração e seu
Comitê de Riscos.

d) Instrumentos utilizados para o gerenciamento

A Cosan negocia contratos derivativos em ambientes de bolsa, com empresas de


trading - no caso de futuros, opções e fixação de preços - e com instituições
financeiras- no caso de derivativo de câmbio e swaps de taxas de juros. Segundo a
empresa, a Cosan não utiliza derivativos com fins especulativos

Com relação ao preço de commoditJes, a empresa reduz sua exposição ao risco de


preços do açúcar e do álcool fazendo contratos de arrendamento com seus
fornecedores, que são remunerados com base no preço do ATR 1 calculado com
base nos preços do açúcar e do álcool nos mercados interno e externo, definido
pelo Consecana (Conselho dos Produtores de Cana-de-açúcar, açúcar e Álcool do
Estado de São Paulo), o que resulta num hedge parcial natural de sua exposição a
estes preços.

Já o risco referente à taxa de juros CDI (passivo) é parcialmente mitigado pelas


aplicações financeiras da companhia que também estão atreladas ao CDI. Além
disso, a Cosan também oferece adiantamentos a seus fornecedores que são
1
Como no processamento da cana-de-açúcar para a fabricação de açúcar e álcool ocorrem perdas
nas várias etapas do processo. no final a quantidade total de açúcar, denominada de Açúcar Total
Recuperável (ATR), é inferior ao recebido na matéria-prima. Para o cálculo do ATR, além das
características tecnológicas do caldo e da cana (Brix, Pai, Pureza, Fibra e Açúcares Redutores) é
necessário conhecer as perdas no processo de açúcar e as eficiências de fermentação e destilação
no processo de obtenção do álcool.

70
remunerados à Taxa Referencial (TR). Atualmente, a empresa não tem operações
com derivativos buscando mitigar o risco de taxas de juros.

No caso da taxa de câmbio, a companhia utiliza derivativos com o objetivo de


reduzir sua exposição a variações da taxa de câmbio sobre sua receita de
exportações. As operações com derivativos de câmbio, juntamente com a utilização
dos derivativos de preço de açúcar, permitem assegurar lucro médio mínimo para a
produção futura. Além disso, parte das dividas da empresa estão denominadas em
dólar, o que resulta num hedge parcial natural da exposição da receita de
exportação à variações da taxa de câmbio.

e) Monitoramento

O monitoramento das posições contratadas é gerenciado ativamente pela


companhia, pelo acompanhamento diário do resultado destas atividades. com
controles efetivos de marcação a mercado e simulações de impactos de preço com
vistas a realizar ajustes nas metas e estratégias adotadas em resposta às condições
de mercado.

4.4 - Considerações finais

Fica claro pela análise da estratégia de hedge da Cosan que é de suma importância
a presença de um conselho de administração competente e capaz de delinear
objetivos e metas claras a serem seguidos, além de um perfil de riscos aceitável e
compatível com as atividades da corporação. Dentre esses mecanismos, o
estabelecimento de sistemas de controle e a definição de limites de exposição se
fazem eficazes para atingir o objetivo da estratégia de hedge.

Além disso, o monitoramento constante das posições assumidas é fundamental


para se obter um hedge dinâmico efetivo, principalmente no período atual de alto
dinamismo do ambiente externo às empresas, onde o cenário macroeconômico vive
em constantes mudanças e as tendências de hoje podem se revelar falsas amanhã.

Por fim, depois dos escândalos de Sadia e Aracruz, as empresas brasileiras


parecem ter amadurecido a idéia de que o uso do mercado de derivativos para
hedge não pode se confundir com especulação financeira.

71
Cap. 5- Conclusões

Este trabalho se propôs a estudar os beneficios da gestão de riscos de mercado em


corporações não-financeiras, examinando quais os principais fatores que devem ser
levados em consideração para a implantação de uma política de hedge em
corporações não financeiras, e verificando os principais determinantes que levam à
sua boa execução e agregue valor à empresa.

Em primeiro lugar, é preciso que as empresas tenham claro que o risco é um fator
que oferece oportunidades ao mesmo tempo em que expõe a empresa a resultados
indesejáveis. Por isso, é fundamental que as corporações tenham claro quais são os
riscos que fazem parte de seu negócio, aqueles que às oferecem suas vantagens
competitivas, os quais possuem maior expertise em seu tratamento e que, portanto,
devem ser explorados ativamente pela empresa. Por outro lado, tão importante
quanto saber quais os riscos que devem ser explorados, é saber identificar que
existem outros riscos que também são inerentes às suas atividades (riscos de
mercado em sua maioria), mas que não são desejáveis, pois não representam
vantagens estratégicas ou oportunidades para a empresa, e que, portanto devem
ser mitigados via operações de hedge, seja pelo hedge natural ou utilizando
instrumentos financeiros.

Desse modo, a gestão de riscos tomada em seu modo mais amplo, não pode ser
equiparada a simples redução ou mitigação de riscos. Deve englobar também, quais
riscos devem ser explorados e qual a melhor maneira de fazê-lo.

Também foi visto que tais instrumentos financeiros são os chamados derivativos,
que permitem o gerenciamento de riscos de mercado, e se dividem em quatro tipos
principais: opções, contratos a termo, contratos futuros e swaps; além dos
derivativos exóticos que combinam mais de um tipo de derivativo em um único
instrumento. Tais instrumentos têm características distintas que os adéquam a
diferentes situações de risco, e podem ser negociados em ambientes de bolsa ou
em mercados de balcão. Além disso, esses papéis se constituem em instrumentos
altamente alavancados, e por isso também podem ser usados para especulação,
com alto potencial destrutivo, o que muitas vezes vem sendo associado
erroneamente à operações de hedge. É preciso então, desvincular a idéia do mau
uso dos derivativos para especulação, do conceito de gestão de riscos (hedge), pois
72
este tem papel fundamental para a longevidade da empresa, enquanto o outro tem
um potencial altamente destrutivo.

O conceito de hedge deixa claro esta confusão que normalmente é feita. Fazer
hedge significa controlar, limitar ou reduzir a exposição da empresa à volatilidade
dos preços ou flutuação de taxas utilizando derivativos ou outros instrumentos. É a
gestão de riscos no seu sentido mais estrito. Quando se faz hedge, portanto, a
empresa se trava numa posição, que considera suficiente para garantir sua
lucratividade média mínima, não havendo ganhos e nem perdas (a não ser o custo
de tais operações).

A motivação para se realizar o hedge se deriva de seus beneficios potenciais. Além


de estabilizar os resultados (lucratividade), o hedge proporciona beneficios como:
melhores informações aos investidores sobre a qualidade de gestão da empresa;
menores custos de obtenção de capital de terceiros (devido ao menor risco de não
pagamento) e menor probabilidade de se incorrer em custos de falência; aumento
da capacidade de endividamento (devido ao ponto anterior); menor custo de
agência com credores (que se manifesta em menores taxas de juros cobradas);
menor compensação exigida pelos stakeho/der (devido ao menor riscos que eles
identificam na empresa); menos impostos pagos (devido à estabilização do fluxo de
caixa); recursos suficientes para financiar oportunidades de investimento, fazendo
com que a empresa não tenha um problema de underinvestment e não perca suas
oportunidades lucrativas por falta de recursos (seja próprio ou de terceiros).

Assim, esses benefícios teriam um potencial de agregar valor às empresas, o que


comprova que o hedge deve ser visto como ferramenta importante e essencial ao
dia-dia das empresas.

A análise empírica sobre o uso de derivativos reforçou as idéias apresentadas neste


estudo. Empresas maiores são mais propensas a utilizarem instrumentos
derivativos, devido à maior complexidade de suas operações, o que as expõe a
maiores riscos. Por outro lado, empresas mais suscetíveis a riscos de mercado
também são as que mais utilizam esses instrumentos de proteção. As classes de
riscos mais comumente gerenciadas são: risco cambial, risco de taxa de juros, e
risco de variação de preços de commodities. Além disso, 99% das empresas
utilizam derivativos visando reduzir a volatilidade de seu fluxo de caixa.
73
Outro fato apontado pelos estudos empíricos é que o uso de derivativos vem
aumentando constantemente no mundo todo, aumentando ainda mais em anos
"turbulentos", o que reflete uma maior preocupação dos gestores com o
gerenciamento de riscos indesejáveis, além de uma complexidade e volatilidade
cada vez maior dos preços e das variáveis macroeconômicas.

As principais razões para não se usar derivativos foram: pouca exposição financeira,
exposição gerenciada por outros meios (hedge natural), falta de conhecimento
sobre o uso de derivativos, além de preocupações de ordem tributária.

Como já foi exposto a grande gama de benefícios que se pode obter com o hedge,
cabe aqui então se chamar atenção para os principais problemas brasileiros que
vêm limitando o uso do hedge. Primeiro, é importante que o assunto seja
extensamente debatido e difundido entre gestores, e que se formem cada vez mais
técnicos especialistas no assunto, pois a falta de conhecimento sobre o tema limita
um grande número de empresas de obter os beneficios do uso do hedge. Segundo,
a questão do tratamento contábil dos instrumentos derivativos é pouca clara no
Brasil, o que também desestimula o seu uso. Por último, a alta incidência de
impostos sobre os mercados futuros e falta de regras mais específicas sobre o
tratamento tributário, também se mostra um empecilho ao uso de derivativos.

Como solução, regras contábeis mais claras e um sistema tributário que estimule a
utilização de derivativos visando o hedge, e desestimule a especulação, devem ser
analisadas e estipuladas pelas autoridades reguladoras, o que estimularia a gestão
de riscos com vistas à criação de valor.

Com relação aos modelos de planejamento e execução de estratégias de hedge,


pode-se dizer que a política de hedge deve ser delineada de modo a atingir os
objetivos mais amplos da organização, além de permitir, também, a identificação de
oportunidades de ganho.

O planejamento de hedge segue quatro etapas: identificação dos riscos (entender


os riscos a que a corporação está exposta), decisão do objeto do hedge (qual o
tratamento que será dado a determinado risco), avaliação dos diferentes
instrumentos de hedge e suas características (definir os instrumentos que se
adaptam melhor ao gerenciamento de cada fator risco), decisão do quanto fazer em

74
hedge. Por último, o monitoramento das posições assumidas é de suma importância
para se obter uma estratégia de hedge efetiva.

Vale destacar a importância da participação do conselho de administração na tarefa


de planejamento de hedge, pois e ele que deve definir os objetivos e metas a serem
seguidos, de acordo com a estratégia de longo prazo da organização.

Assim, os gestores financeiros brasileiros devem criar o hábito de planejar sua


atuação no mercado de derivativos, pois só desta maneira é possivel tomar
decisões com maior segurança. (Mendonça, 2007)

Por último, os critérios de avaliação e remuneração dos gestores não podem ser
unicamente baseados no lucro. Critérios como esse estimulam a especulação com
os recursos da empresa, o que aumenta ainda mais sua exposição a riscos
indesejáveis. Dado que é fundamental para a perenidade das empresas uma gestão
efetiva dos riscos, tais critérios devem se embasar na redução da volatilidade dos
resultados quando comparados a um benchmark, e no desempenho alcançado
ajustado ao risco (lucro ajustado à volatilidade).

O uso consciente, e não indiscriminado, do hedge deve, então, ser estimulado.


Nesse sentido, a primeira opção para empresas pequenas e sem experiência com
instrumentos derivativos deve ser a tentativa de se fazer um hedge natural. Para
empresas maiores o recurso ao mercado de derivativos é uma ótima opção, mas
deve ser analisado cuidadosamente de modo a mitigar efetivamente o risco que se
queria, e não aumentar a exposição da empresa ao risco. O uso especulativo de
derivativos para empresas do setor não financeiro é extremamente desaconselhável
e muito perigoso.

75
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