fácil, eles gastam mais do que ganham e devem mais do que podem pagar. A conta sobra para os pais A casa dos Puglisi, no bairro paulistano Alto de Pinheiros, está sempre cheia. Aos 67 anos, o empresário Luiz Puglisi ainda divide o sofá da sala e a conta bancária com seus três filhos homens, todos com mais de 25 anos. Dono de uma fábrica de peças de plástico, ele já se conformou com a idéia de viver para sempre com os rapazes. E, quem sabe, com as futuras noras e netos. “Se eles se casarem e vierem para cá com os filhos, serão bem-vindos”, diz seu Luiz. A idéia assusta a esposa, Juceli, que cozinha para o batalhão de amigos e namoradas que sempre aparecem. Ela assumiu a difícil tarefa de “enxotar os filhotes do ninho”. “Eu digo a eles que está demorando para cada um tomar seu rumo”, afirma. Ela entende a demora. “As coisas lá fora estão difíceis. Quando tiverem um salário razoável e conseguirem controlar suas finanças, eles irão”, diz. Será? Se depender das finanças dos filhos, a alforria dos pais pode demorar ainda mais. Dos três irmãos, dois – Luiz Henrique, 28 anos, e Luiz Fernando, 25 – fazem parte de um grupo cada vez mais comum na família brasileira contemporânea. São os jovens endividados. Além de adiar a saída de casa, mesmo depois de terminar a faculdade e arrumar trabalho, esses moços e moças não conseguem ajudar nas despesas da casa, nem tampouco pagar as próprias contas. Pior: gastam mais do que devem e acumulam dívidas. Muitos estão simplesmente falidos e entraram na lista negra das entidades de proteção ao crédito. A fatia dos jovens no universo dos inadimplentes cresce de forma assustadora: 10% deles têm até 20 anos e 39% têm idade entre 21 e 30 anos (sim, os balzaquianos também são considerados jovens nos dias de hoje). Juntos, os consumidores até 30 anos foram responsáveis por 49% dos calotes dados em 2006 junto a bancos, administradoras de cartão de crédito e financeiras. Em 2005, somaram 44%. Os dados foram divulgados pela Telecheque na quinta-feira 18. “Os jovens tiveram acesso ao crédito fácil demais nos últimos dois anos. Ficaram deslumbrados e perderam o controle”, diz José Antônio Praxedes, vice-presidente da Telecheque. Como tantos outros, os garotos da família Puglisi contraíram dívidas e dependem do “paitrocínio” para manter o padrão de vida. Luiz Henrique é músico e personal trainer. Seus rendimentos são inconstantes. “Tem mês que eu não ganho nada e no outro tiro R$ 500 em uma semana”, diz. Já deve R$ 2 mil para o pai e se vira como pode com o cartão de crédito. “Compro tudo em parcelas e, quando não aparece trabalho, sou incapaz de liquidar a fatura do cartão”, afirma. Este mês, ele conseguiu quitar R$ 500 de uma conta de R$ 770. O irmão Luiz Fernando é professor de química e ganha R$ 2 mil por mês. Com a ajuda do seu Luiz – sempre ele –, recentemente deu entrada em um carro usado. Assumiu as prestações de R$ 580, mas logo no primeiro mês já teve de fazer alguns reparos no veículo e gastou mais de R$ 500. Aprendeu uma lição. “Preciso estar preparado para esse tipo de imprevisto”, diz. Seu plano é manter pelo menos R$ 1 mil na conta. “Infelizmente, nem sempre é possível.” Para evitar um endividamento maior, ele diz que só usa cartão de crédito para comprar gasolina. E evita carregar dinheiro vivo para não gastar à toa. Faz sentido. Quando não conseguem controlar seus ímpetos consumistas, os jovens acabam sendo protagonistas de um fenômeno social perigoso. Endividados ou falidos, eles se tornam um peso financeiro para os pais por um tempo muito maior do que o ideal. É o que tem acontecido no Brasil. Segundo pesquisa da Unesco realizada em julho do ano passado, 49,3% dos brasileiros entre 15 e 29 anos sempre moraram com os pais. E 25,5% dos que já saíram de casa voltaram a bater na porta dos velhos. “Há muitos idosos na situação de arrimo de família”, diz a socióloga Miriam Abramovay, coordenadora da pesquisa da Unesco. Alguns jovens reaparecem ainda com mulher, marido ou filhos a tiracolo. Não está certo. “Avós ajudarem a cuidar dos netos é uma coisa normal. Mas não necessariamente na mesma casa”, diz o professor de finanças Marcos Crivelaro, da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap). Desemprego, baixos salários e falta de iniciativa dos jovens costumam justificar esse quadro. Também conta a necessidade de se investir cada vez mais na educação para que arrumem bons empregos. Eles vão ficando e fazem faculdade, cursos de especialização e pós- graduação – tudo à custa do papai e da mamãe, que deixam de poupar um bom dinheiro para seu próprio uso na meia-idade e na velhice. “Os pais temem colocar os filhos em risco e acabam gastando com eles os recursos que já poderiam estar usando consigo mesmos”, diz Miriam Abramovay. A situação se agrava quando o principal motivo é o abuso do crédito e o descontrole financeiro – causa de 47% da inadimplência entre os consumidores de 21 a 30 anos. Foi o caso da fisioterapeuta Mariana Leite de Barros Piçarro, de 26 anos. Há dois anos, Mariana saiu de casa assim que arrumou um bom emprego. No ano passado, teve de recuar. Estava literalmente falida. “Eu não sabia controlar meu dinheiro. Dava cheque pré-datado e esquecia”, lembra. “Meu nome só não entrou para a lista negra do Serasa porque meu pai me socorreu diversas vezes.” Ela ganhava R$ 1,4 mil por mês, pagava R$ 500 de aluguel, R$ 200 de condomínio e mais R$ 200 com outras contas fixas. Transporte e alimentação consumiam o restante. Mariana trocou o talão de cheques pelo cartão de crédito e só conseguia pagar a parcela mínima – pagava juros sobre juros. Depois de decretar concordata e voltar para casa, ligou para a operadora do cartão e reduziu seu limite de crédito. Hoje, com salário de R$ 3 mil, ela nunca deixa de pagar a fatura integral e até consegue poupar um pouco. Menos controlada, a estudante de jornalismo Daniela Papalardo, 25 anos, usa e abusa do cartão de crédito. Ela sabe que, na hora do aperto, quem assume a fatura é sua mãe, que também banca sua conta de celular. Ela ganha R$ 1,2 mil no estágio e chega a gastar facilmente o dobro disso por mês. “Quando percebo que não vou ter dinheiro suficiente, peço para minha mãe me dar cobertura. Acho que só consigo pagar a conta sozinha uma vez a cada seis meses”, envergonha-se. Nada mais natural do que um pai ajudar um filho num momento de dificuldade. Até mesmo nos Estados Unidos, onde os pais estimulam os filhos a sair cedo de casa, 34% dos jovens de 18 a 34 anos recebem ajuda financeira paterna. O problema é grave quando ocorre o socorro constante do consumista irresponsável. No Brasil, a geração do endividamento precoce está sendo mal acostumada pelos pais, alerta a consultora Cássia D’Aquino Filocre, autora do livro Educação financeira: 20 dicas para ajudar você a educar seu filho. O correto seria colocar limites na gastança e exigir uma contribuição financeira dos filhos que trabalham para ajudar nas despesas comuns enquanto estiverem sob o mesmo teto. Isso não acontece quando há excesso de paternalismo. “Alguns pais não conseguem enxergar os filhos como adultos. Enquanto se sentirem responsáveis, não perceberão que essa fase da vida já passou e que é hora de correr atrás dos seus próprios desejos”, afirma Cássia. Os filhos também deveriam fazer sua parte. “Eles precisam entender que não precisam ter tudo pronto para sair de casa. Cabe a eles ir à luta, e não esperar ter um apartamento de três quartos, dois carros na garagem e ser um profissional consagrado, como muitos têm feito”, completa. A fisioterapeuta Kátia de Souza Carvalho, 25 anos, bem que gostaria de montar apartamento e tocar a vida sozinha. Ela mora com a mãe, o padrastro e a irmã no bairro da Mooca, em São Paulo. Trabalha num laboratório de análises e ganha R$ 830 por mês. Porém, sempre começa o mês no vermelho. “O salário cai e mal dá para cobrir o limite do cheque especial”, diz. Ela não consegue equilibrar as finanças para juntar dinheiro. “Gasto numa blusinha aqui, uma baladinha ali e com gasolina”, afirma. Dona de um Astra novinho em folha – presente da mãe –, Kátia se endividou este mês para pagar a primeira parcela do IPVA, de R$ 473. Fátima Regina de Souza Spiczak, paga as prestações do carro. Mas deixa o combustível e o imposto por conta da filha. Faz parte da educação financeira. “Ela já está saindo das fraldas”, diz. Não é o caso de Eduardo Monzillo, um vendedor de pacotes de acampamentos que mora com a mãe e a irmã em Santo André (SP). Eduardo tem 27 anos e ganha R$ 3 mil por mês. Com esse salário, poderia alugar um apartamento, mas não abre mão do conforto. “Acordo e o café está pronto. E não preciso me preocupar se minhas camisas estão passadas”, justifica. A mãe, Vera Lucia de Castro, jamais o pressionou para dividir as despesas e ainda paga seu plano de saúde. Para evitar esse tipo de situação, Ricardo Rocha, professor do Ibmec São Paulo e co-autor do livro Esticando a mesada, recomenda aos pais que eduquem os filhos a lidar com as finanças desde a infância. “Eles precisam aprender o valor do dinheiro e a poupar. Senão, nunca serão independentes”, afirma. Reportagem retirada da Revista ISTOÉ Online http://www.terra.com.br/istoe/1943/comportamento/1943_jovens_endividados.htm