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OS “DESAFINADOS” TAMBÉM TÊM CORAÇÃO:

As tensões entre “Tradição” e “Modernidade” na M.P.


urbana brasileira
Marco simbólico da Bossa Nova: Disco
“CHEGA DE SAUDADE” (1959)
Lado A
1. "Chega de Saudade" Tom Jobim / V. de Moraes
2. "Lobo Bobo" Carlos Lyra / Ronaldo Bôscoli
3. "Brigas, Nunca Mais" Tom Jobim / V. de Moraes
4. "Hô-bá-lá-lá" João Gilberto
5. "Saudade Fez um Samba" C. Lyra / R. Bôscoli
6. "Maria Ninguém" Carlos Lyra

Lado B

1. "Desafinado" N. Mendonça / T. Jobim 11:45


2. "Rosa Morena" Dorival Caymmi
3. "Morena Boca de Ouro" Ary Barroso
4. "Bim Bom" João Gilberto
5. "Aos Pés da Cruz" Marino Pinto / Zé da Zilda
6. "É Luxo Só" Ary Barroso / Luiz Peixoto
“Balanço da bossa e outras bossas”
Augusto de Campos
É consenso entre os historiadores que o marco
inicial da Bossa Nova deu-se com o lançamento
do LP Chega de Saudade, pelo cantor e
violonista João Gilberto, em março de 1959:

“Nele se concentravam, da maneira mais


rigorosa e dentro do mais refinado bom gosto, os
elementos renovadores essenciais que a música
popular brasileira urbana exigia naquele exato
momento, em sua vontade de assimilação de
novos valores” (MEDAGLIA apud CAMPOS,
1974, p. 75).
O musicólogo Brasil Rocha Brito, em artigo intitulado
“Bossa Nova”, de 1960, ressalta que esses tais
elementos renovadores compreendem 3 aspectos:
1. Estético
• Valorização da pausa e do silêncio.

2. Estrutural
• uso de acordes sensivelmente mais alterados dos que os
empregados na M.P., até então, e o uso de melodias
fortemente não diatônicas.

3. Interpretativo
• O canto, sem a procura de efeitos contrastantes e arroubos
melodramáticos.
A canção “Desafinado”, (representativa
dessa “modernidade” musical) impulsionada
pelo sucesso Lp Chega de Saudade, chega às
paradas de sucesso, e se estabelece
historicamente como uma música manifesto em
resposta à crítica da época, que considerava a
Bossa Nova, "música para cantores
desafinados".
Questão: Será que T. Jobim e N. Mendonça tiveram, de fato, a intenção
de compor uma canção que viesse a ganhar esta importância histórica,
de música manifesto, que vinha no sentido de proclamar uma nova
concepção musical?
Certa noite, no segundo semestre de 1958, Tom e Newton estavam
às gargalhadas num minúsculo apartamento de Mendonça [...] Aquela
noite, a habitual combustão de cerveja e conhaque estava sendo
ativada pelos hilariantes comentários de ambos sobre a incompetência
dos cantores da noite carioca, que muitas vezes eles tinham que
acompanhar. Nenhum destes cantores marcava ponto aos ouvidos da
dupla, mas para ele o caso mais perdido era o de Lélio Gonçalves.
A ideia que levara os dois, às gargalhadas, a compor “Desafinado”
era cruelmente inspirada em cantores como Lélio: iriam escrever um
samba que parecesse uma defesa aos desafinados, mas tão
complicado, que ao ser cantado por um deles, os deixaria em apuros.
Em algumas horas (exceto pela introdução feita posteriormente por
Tom e letra por Ronaldo Bôscoli (sem crédito), Desafinado estava
pronta. (CASTRO, p.205, 1990).
Ironicamente, diz Castro: o “produto” saiu
melhor que a encomenda”.
Até mesmo pelo seu caráter satírico, os compositores
começaram a achar que a música poderia ter algumas
possibilidades comerciais.
Por conta disso, inicialmente ela fora oferecida a Ivon
Curi (Crooner “brega”) e a Cesar Alencar (que tinha um
programa de auditório na Rádio Nacional). Ambos, por
razões distintas, recusaram!
Dias depois, na casa de Tom, a música fora
apresentada a Lucio Alves, Luiz Claudio e João Gilberto,
que atropelou a conversa e disse: é minha!
Tensões entre a tradição e modernidade
O Brasil rumo à modernização: em comparação com
o governo de Vargas e os meses que seguiram seu
suicídio, os anos de JK (1956-1961) podem ser
considerados de estabilidade política. Mas do que isso,
foram anos de otimismo, embalados por altos índices
de crescimento econômico, pelo sonho realizado da
construção de Brasília. Os “cinquenta anos em cinco”
da propaganda oficial repercutiram em amplas
camadas da população. (FAUSTO, 2009, p. 422).
O termo Bossa Nova
A expressão BN tornou-se corrente nas décadas de
1950 e 60, e foi empregada para designar tudo o que
fosse moderno e atual. Representava basicamente
um estado de espírito bem afinado ao seu tempo. Um
tempo em que, passado o susto da Segunda Guerra
Mundial, o que se configurava pela frente era um
novo mundo, renovado, descontente e desconfiado
da tradição. (GAVA, 2008, p.82)
Coisas Nossas (Noel Rosa - 1932)
• Queria ser pandeiro • Baleiro, jornaleiro, motorneiro
Pra sentir o dia inteiro Condutor e passageiro
A tua mão na minha pele a Prestamista e vigarista...
batucar... E o bonde que parece uma
Saudade do violão e da palhoça...
Coisa nossa... coisa nossa... carroça
O samba, a prontidão Coisa nossa... muito nossa
E outras bossas O samba, a prontidão
São coisas nossas... E outras bossas
São coisas nossas... São coisas nossas...
São coisas nossas...
Menina que namora na esquina
E no portão
Rapaz casado com dez filhos Malandro que não bebe
Sem tostão Que não come
Se o pai descobre o truque Que não abandona o samba
Dá uma coça Pois o samba mata a fome
Coisa nossa... coisa nossa... Morena bem bonita lá da roça
O samba, a prontidão Coisa nossa... coisa nossa...
E outras bossas O samba, a prontidão
São coisas nossas...
São coisas nossas... E outras bossas
São coisas nossas...
São coisas nossas...
José Miguel Wisnik, em “Getúlio da paixão cearense: Villa-Lobos
e o Estado Novo”, artigo publicado no livro O Nacional e o
popular na cultura brasileira:
A plataforma ideológica do nacionalismo musical consistia na
tentativa de estabelecer um cordão sanitário-defensivo que
separasse a boa música (resultante da aliança da tradição
erudita nacionalista com o folclore) da música má (a popular
urbana comercial e a erudita europeizante, quando esta
quisesse passar por música brasileira, ou de vanguarda
radical)”. (SQUEFF e WISNIK, 1982, p. 134) Deste modo, a
música popular urbana – segundo Wisnik: “a expressão do
contemporâneo em pleno processo inacabado” (Ibidem, p. 148)
–, por conviver com dados da música internacional, não
atendia aos interesses nacionalistas justamente por “promover
uma desorganização da visão centralizada homogênea e
paternalista da cultura nacional”, (Ibidem, p. 133) estando assim,
dissonante com os ideais de unificação social e cultural para o
estabelecimento de um ethos da nação por meio da música.
Roberto Schwarz, em Nacional por subtração, a partir
daquela perspectiva de valorização do “puro”, adotou-se como
doutrina principal a eliminação de tudo que parecesse postiço,
inautêntico, imitado do estrangeiro, ou seja, tudo que não fosse
nativo, para que a partir do resultado desta subtração,
desabrochasse uma cultura verdadeiramente nacional. Qualquer
influência musical vinda do estrangeiro era vista como alienígena
à nossa cultura e, consequentemente, deveria ser combatida
numa espécie de cruzada contra os invasores. (SCHWARZ,
2001).
• Desde o seu surgimento, a Bossa Nova – produto da fusão de três
vertentes musicais: o jazz norte-americano, a música erudita
(sobretudo, o impressionismo francês) e o samba – tornou-se o alvo
da crítica dos musicólogos puristas. José Ramos Tinhorão,
conhecido opositor do novo estilo, em “Pequena história da
música popular, afirma:

Historicamente, o aparecimento da bossa nova na música


urbana do Rio de Janeiro marca o afastamento definitivo do samba
de suas raízes populares. (TINHORÃO, 1991, p. 230)

Mais adiante:

Esse divórcio, iniciado com a fase do samba tipo bebop e


abolerado de meados da década de 40, atingiria o auge em 1958,
quando um grupo de moços, entre 17 e 22 anos, rompeu
definitivamente com a herança do samba popular, modificando o que
lhe restava de original, ou seja, o próprio ritmo.” (Ibidem, p. 231)
https://www.youtube.com/watch?v=0dbL4PcVEdI
A expansão dos movimentos internacionais se processa
usualmente dos países mais desenvolvidos para os menos
desenvolvidos, o que significa que estes o mais das vezes
são receptores de uma cultura de importação. Mas o
processo pode ser revertido, na medida em que os países
menos desenvolvidos consigam, antropofagicamente – como
diria Oswald de Andrade – deglutir a superior tecnologia dos
supradesenvolvidos e devolver-lhes novos produtos
acabados, condimentados por sua própria e diferente cultura.
Foi isso que aconteceu, por exemplo, com o futebol brasileiro,
com a poesia concreta e com a bossa nova, que, a partir da
redução drástica e da racionalização de técnicas
estrangeiras, desenvolveram novas tecnologias e criaram
realizações autônomas, exportáveis e exportadas para todo o
mundo. (Campos apud Naves, 1998, p.220)
Desafinado: versões estrangeiras
• https://www.youtube.com/watch?v=L7lmMNwe
UVU
• https://www.youtube.com/watch?v=olkt2VpUaTc
• https://www.youtube.com/watch?v=dxNVFICqM
bA
• https://www.youtube.com/watch?v=Pq_1nQTjj8k
• https://www.youtube.com/watch?v=nf0_s-Ijl3A

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