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As (in)fidelidades da tradução

Francis H. Aubert

Visão tradicional de tradução: tradutor


submetido a diversas ´servidõesµ: escravo
do texto e/ou autor original, submisso às
restrições lingüísticas e culturais.
Tradutor: ´canal livreµ, possibilitador da
passagem plena do conteúdo do texto
original por meio da tradução.
As (in)fidelidades da tradução
Francis H. Aubert

É possível traduzir sem ´interferirµ no


original?
Como traduzir ´sem se deixar perceberµ?

Tradutor: em geral, lembrado só por suas


´falhasµ. Visto como um ´mal necessárioµ.
Seu único mérito seria seu próprio
apagamento.
De que maneira o tradutor se auto-apaga?
As (in)fidelidades da tradução
Francis H. Aubert

Maior parte dos ´estudos tradutológicosµ


lidam mais com o produto do que o processo
de tradução.
OBJETIVO do livro: refletir sobre os diversos
fatores que definem e influenciam a tradução
(lingüísticos e extralingüísticos).
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Francis H. Aubert

TRADUÇÃO/INTERPRETAÇÃO:
2 atos comunicativos
(1) Emissor mensagem 1 <bloqueio> Receptor

(2) Emissor mensagem 2 Receptor

Mensagem 1 ~ Mensagem 2
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Francis H. Aubert

TRADUÇÃO/INTERPRETAÇÃO:
(1) Emissor mensagem 1 <bloqueio> Receptor
(2) Emissor mensagem 2 Receptor
O 1o e 2o ato comunicativos mantêm entre si um
certo grau de correspondência. Eles se
relacionam de forma que o 2o produza efeitos
similares aos pretendidos pelo 1o.
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Francis H. Aubert

Variação lingüística
² Correlação geográfica (línguas, dialetos, falares
regionais);
² Sociais (socioletos);
² Individuais (idioletos);
² Canal (escrita/fala);
² Circunstanciais (condições de produção da
mensagem).
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Francis H. Aubert

A DIMENSÃO TEMPORAL

Original......................Tradução

Intervalo (segundos, dias, semanas, anos)


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Francis H. Aubert

DIMENSÕES TEMPORAIS
Distância entre a conclusão do 1o ato de
comunicação e o 1o contato do tradutor com ele.
Distância entre a produção do 1o ato e o ato
tradutório.
Distância entre o 1o contato do tradutor com o 1o
ato da comunicação e o início efetivo do ato
tradutório (memória).
Distância entre o início e o fim do ato tradutório
(prazo).
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Francis H. Aubert

Interpretação simultânea: pelo fato de a tradução ser


efetuada sem uma visão completa do texto, é
comum haver alguma hesitação, improvisação e
recriação.
Tradução de textos antigos: diferenças diacrônicas,
de visão de mundo. Opções:
- atualizar a linguagem ou manter o arcaísmo;
- utilizar notas, glossários para auxiliar a leitura ou
proceder à sua ´modernizaçãoµ.
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Quanto maior a distância temporal, maior a


possibilidade de discrepâncias na tradução.

Aubert acredita que ´um maior distanciamento


temporal entre o 1o contato com o texto e o
início do ato tradutório pode propiciar um maior
engajamento, uma maior participação do
tradutor.
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PRAZO: dificilmente será possível realizar uma


tradução em um prazo ideal para uma revisão
adequada. Uma das habilidades apreciadas em
um profissional de tradução é a capacidade de
realizar uma boa tradução no menor tempo
possível.
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Emissor 1 e Emissor 2: papéis distintos e não


necessariamente pessoas distintas.
Em qualquer situação de comunicação,
estabelece-se, entre os participantes, uma rede
de relações imagéticas.
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EMISSOR
Imagem de si mesmo;
Visão de mundo;
Imagem da situação de interação;
Imagem dos interlocutores;
Imagem da auto-imagem dos interlocutores;
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EMISSOR
Imagem da imagem que os interlocutores têm
do emissor;
Imagem da imagem que os interlocutores têm
do mundo;
Imagem da imagem que os interlocutores fazem
da situação de interação.
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RECEPTOR
Imagem de si mesmo;
Visão de mundo;
Imagem da situação específica de interação;
Imagem do emissor e demais interlocutores
(quando houver);
Imagem da auto-imagem do emissor.
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RECEPTOR
Imagem que os interlocutores fazem dele,
receptor;
Imagem da visão de mundo dos interlocutores;
Imagem da imagem que os interlocutores têm
da situação.
O princípio geral acima exposto aplica-se à
tradução e à interpretação.
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Francis H. Aubert

OS CÓDIGOS
Relação código 1 e código 2: campo dos estudos e
das reflexões na área. Eixos básicos de
indagação:
Se há equivalência, isto é, similitude suficiente
por meio da qual a tradução possa se realizar.
Se a visão de mundo envolvida é tão inerente a
cada idioma que a tradução redundaria ao
fracasso.
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Francis H. Aubert

OS CÓDIGOS
Aubert reitera que a tradução seria constituída
exatamente da diferenciação entre significantes
e/ou significados lingüísticos. O que
distinguiria a relação original/tradução daquele
entre dois textos seria sua vinculação por meio
de uma equivalência de mensagem, de
interação comunicativa, total ou mesmo parcial.
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OS CÓDIGOS
Língua de partida e Língua de chegada: Apresentam
duas mensagens com fins comunicativos similares
e que se aproximam o o suficiente para que se
perceba que uma é a tradução da outra.
Elementos estilísticos, normas situacionais e
discursivas também têm papel importante na
análise de uma tradução. Ex. abstracts x resumos
(p. 32-3)
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Bidirecionalidade da Tradução
AĽB
A própria natureza de cada código resulta em
soluções diferentes, não-paralelas, não-
espelhadas.
Exemplo: linguagem jurídica
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Visões de Mundo
Conjunto de representações da realidade. Ex. p. 36
Presente nas flutuações socioletais, dialetais,
gírias, registros formais e informais em cada
cultura, nas diferentes maneiras de compor uma
estrutura textual.
Vivenciar o mundo é algo que se faz através da
linguagem.
Ex. uso metafórico de imagens cristalizadas na
realidade extralingüística (ex. p. 37)
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Francis H. Aubert

Visões de Mundo
A visão de mundo se estabelece de maneira
privativa, em cada código lingüístico. Pontos
de vista distintos são passíveis de tradução,
ainda que se realce diferentes aspectos em
cada idioma (ex. p. 38).
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Francis H. Aubert

Visões de Mundo
Há, ainda, visão de mundo de subgrupos
divididos por faixa etária, sexo, credo.
Assim, a visão de mundo não é um simples
conjunto uniforme de valores.
Jakobson (1969): ´as línguas diferem naquilo
que devem expressar, não naquilo que
podem expressarµ
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Francis H. Aubert

Visões de Mundo
Conclusão: as visões de mundo não são tão
específicas a ponto de condenar ao fracasso
qualquer tradução que tenha como propósito o
´resgateµ dessa mesma visão de mundo. Mas
também não há neutralidade na relação
língua/visão de mundo. Segundo Aubert, a
tradução de diferentes visões não constitui uma
servidão, mas um desafio.
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Francis H. Aubert

Problemas e armadilhas da tradução


Visão corriqueira da tradução: pressupõe que a
realidade tratada no texto (o referente, o
conteúdo) deve permanecer o mesmo, sendo
uma das dificuldades da tradução encontrar
meios de expressão para esse referente. Ex.
tradução juramentada (p. 45-6).
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Problemas e armadilhas da tradução


Segundo Aubert, a solução mais comum seria
manter certos elementos do texto de partida e
substituir outros, gerando uma aproximação e
facilitando a leitura do texto traduzido.
Ex. M.A. in Linguistics (Mestrado em
Lingüística)
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Problemas e armadilhas da tradução


Devido às diferentes realidades
extralingüísticas, recursos muitas vezes
adotados podem não resgatar a rede
associativa de imagens que um termo desperta
automaticamente nos falantes da língua de
partida.
Ex. (cachaça Ļ sugarcane brandy)
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Francis H. Aubert

Problemas e armadilhas da tradução


Seria necessário, conforme conclui Aubert, a
cada ato tradutório, efetuar uma análise global
da situação tradutória específica, identificar o
grau de ´amarraçãoµ referencial de cada texto e
adotar uma postura consciente para efetivar o
ato tradutório, sempre efetuando conciliações,
compensações, etc.
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Francis H. Aubert

A interação entre os participantes do ato tradutório e o


complexo código/referente: a questão das
competências
Atitude comum: pensar o texto original como
inviolável, imutável e a tradução como uma operação
que acaba por ocasionar a ´morteµ do texto. Essa
´mortalidadeµ, segundo Aubert, seria, na verdade,
explicada pelo fato de a tradução ser uma leitura,
condicionada individual, espacial e temporalmente.
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A interação entre os participantes do ato tradutório e o


complexo código/referente: a questão das
competências
Idealmente, o emissor expressaria a mensagem no
código de domínio mais ativo, ao passo que o tradutor
teria conhecimento, pelo menos, equivalente desse
código para poder expressar-se naquela que seria sua
língua e, portanto, de domínio de seus leitores. A
realidade, todavia, mostra-se diferente, visto que, por
exemplo, no âmbito da comunicação internacional.
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Francis H. Aubert

A interação entre os participantes do ato tradutório e o


complexo código/referente: a questão das
competências

A realidade, todavia, mostra-se diferente, visto que,


por exemplo, no âmbito da comunicação internacional,
em ambientes empresarial e comercial, é muito comum
a produção de textos no que seria uma 2a ou 3a língua
do emissor. A mesma situação se verifica com o
tradutor.
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A interação entre os participantes do ato tradutório e o


complexo código/referente: a questão das
competências

Aubert explica ainda que podem ocorrer situações em


que o tradutor deteria maior competência lingüística
(como receptor 1 e emissor 2) do que o emissor,
podendo empreender ´correçõesµ no dito original.
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OS CANAIS
Canal: escrito ou oral
Na maioria das vezes, textos escritos são submetidos
a traduções escritas e textos orais traduzidos
consecutiva e simultaneamente.
Entretanto, pode-se, por vezes, submeter uma
tradução escrita à leitura oral para eliminação de
cacófatos ou tradução sussurrada. Na interpretação, o
canal escrito também pode ser utilizado (glossários,
tomada de notas).
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OS CANAIS: ORAL
As relações escrita-escrita e oralidade-oralidade
podem, mesmo assim, apresentar problemas como:
Oralidade ² inflexões entoacionais
(melodia interrogativa x declarativa; subentendidos)
- expressão corporal (gestos)
(articulada com a linguagem ou como substituta dela)
Todos esses elementos são culturalmente marcados e
podem bloquear, parcial ou totalmente, o ato
tradutório.
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OS CANAIS: ESCRITA

Escrita ² sistemas discrepantes de grafia


(ex. uso de caracteres especiais ou diacríticos ^ )
A escrita pode apresentar maior especificidade que o
canal oral. Ela não seria um derivativo da fala.
Recursos de informática atuais (scanners, leitores
óticos) permitem manter a estética visual do original.
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OS CANAIS

Necessidade de troca de canal: passagem do texto


original escrito para uma tradução oral ou vice-versa.
Ex. leitura de documentos em cartórios. Segundo
Aubert, nesses casos seria imprescindível converter o
texto da forma típica do canal original para uma forma
apropriada ao canal utilizado em sua reprodução.
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AS MENSAGENS E OS LIMITES DA FIDELIDADE
Ao produzir linguagem, o emissor participa de uma
interação comunicativa que envolve 3 tipos de
mensagem.
MENSAGEM PRETENDIDA: o que o emissor ´quis
dizerµ, sua intenção comunicativa;
MENSAGEM VIRTUAL: conjunto de leitura possíveis
dessa mensagem (interpretações).
MENSAGEM EFETIVA: aquela que se realiza na
recepção, aquela que o receptor ´entendeuµ.
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Francis H. Aubert

AS MENSAGENS E OS LIMITES DA FIDELIDADE


A tradução toma como ponto de partida uma
mensagem efetiva, isto é, derivada do original
tal como decodificada (interpretada) por seu
leitor-tradutor, que a transforma em uma nova
mensagem pretendida (não idêntica à
mensagem efetiva).
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AS MENSAGENS E OS LIMITES DA FIDELIDADE


O tradutor, segundo Aubert, seria fiel à
mensagem efetiva, apreendida pelo tradutor
como um entre os vários receptores do texto
original. Seria uma experiência única e
individual, impossível de ser reproduzida até
pelo próprio tradutor em outro momento ou em
outras condições.
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Francis H. Aubert

AS MENSAGENS E OS LIMITES DA FIDELIDADE


O tradutor também seria fiel às expectativas (ou
à imagem que faz delas), necessidades e
possibilidades dos receptores finais.
2 fidelidades: - mensagem efetiva
- destinatário imaginado
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Francis H. Aubert

AS MENSAGENS E OS LIMITES DA FIDELIDADE


A tradução só existe por haver códigos,
culturas, momentos históricos e homens
diversos. Por outro lado, se não houvesse a
tentativa de fidelidade, também não haveria
tradução.
A tradução resume-se no compromisso entre
diversidade e identidade.
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Francis H. Aubert

A AUTONOMIA DO TRADUTOR NA TRADUÇÃO


O tradutor está longe de ser um meio de passagem
das idéias do autor, pois mesmo a tentativa de
apagamento revela uma opção pessoal do tradutor,
cujo texto traduzido não deixa de portar essas marcas.
Para Aubert, traduzir é, num certo sentido, desviar, já
que é a existência do desvio que institui a tradução e a
justifica como operação lingüística, cultural e
comunicativa.
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Francis H. Aubert

A AUTONOMIA DO TRADUTOR NA TRADUÇÃO


Então, quando Aubert questionou sobre até que ponto
os desvios seriam admissíveis na tradução, pode-se
concluir que não é possível estabelecer um critério
único e geral de aceitabilidade ou não de desvios.
Para Aubert, o trabalho do tradutor deve ser analisado
não mediante detalhes extraídos aleatoriamente do
texto traduzido, mas com base nas soluções
encontradas e nas conciliações estabelecidas.
Referência

AUBERT, FRANCIS. As (in)fidelidades da tradução:


servidões e autonomia do tradutor. 2. ed.
Campinas: Editora da Unicamp, 1994.

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