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“FREI LUÍS DE SOUSA”

de Almeida Garrett

Personagens e sua caracterização


Manuel de Sousa Coutinho
•   

• Nobre, cavaleiro de Malta

• - No ato I, assume uma atitude condizente


com um espírito clássico, deixando
transparecer uma serenidade e um
equilíbrio próprios de uma razão que
domina os sentimentos e que se manifesta
num discurso expositivo e numa linguagem
cuidada e erudita:
• - revela-se patriota, corajoso e decidido não
sente ciúmes pelo passado de Madalena;

• - No ato III, evidencia uma postura


acentuadamente romântica: a dor, após a
chegada do Romeiro, parece ofuscar-lhe a
razão, tal é a forma como exterioriza os
seus sentimentos, fazendo-o de uma forma
um tanto violenta, descontrolada e, por
vezes, até contraditória (a razão leva-o a
desejar a morte da filha e o amor impele-o a
contrariar a razão e a suplicar
desesperadamente pela sua vida);

• - Pode-se, pois, concluir que esta


personagem, do ponto de vista psicológico,
evolui de uma personalidade de tipo
clássico (atos I e II) para uma personalidade
de tipo romântico (ato III).
D. Madalena de Vilhena
• * Uma mulher bem nascida, da família e
sangue dos Vilhenas, os sentimentos
dominam a razão:

• - «Não é uma figura típica da época


clássica, em que vive, em oposição ao que
acontece com Manuel de Sousa. Toda a
ordem abstrata de valores encontra nela
uma ressonância pouco profunda, todo o
idealismo generoso se empobrece dentro
dos limites de um seu conceito prático,
objetivo, pessoal de felicidade imediata,
toda a espécie de transcendência choca,
numa zona muito íntima da sua
personalidade, com uma aspiração vitalista
de realização humana e terrena.» - Luís
Amaro de Oliveira, Frei Luís de Sousa, de
Almeida Garrett, Realização Didáctica;

• - O sentimento do amor à Pátria é


praticamente inexistente: considera a
atitude dos governadores espanhóis como •
As actrizes Suzana Borges (Madalena) e Patrícia Guerreiro (Maria) .Imagem do filme Quem és tu? de João Botelho

uma ofensa pessoal;

• - Para ela, é inaceitável que o sentimento


do amor de Deus possa conduzir ao
sacrifício do amor humano, não
compreendendo, nem aceitando a atitude
da condessa de Vimioso que abandonou o
casamento para entrar em votos: isto
explica que, até ao limite, tente dissuadir o
marido da tomada do hábito, só se
resignando quando tem a certeza de que
ele já foi;
D. Madalena de Vilhena
• - Apesar de se não duvidar do seu amor de mãe, é nela mais forte o amor
de mulher, ao contrário do que acontece com Manuel de Sousa Coutinho,
que se mostra muito mais preocupado com a filha do que com a mulher;

• - A consciência da sua condição social mantém a sua dignidade, mas tal não
impediu de ter amado Manuel de Sousa ainda em vida de D. João de
Portugal e de ter casado com aquele sem a prova material da morte deste.

• * Supersticiosa;

• - Nota de curiosidade: Madalena, que, desde o primeiro instante, vive


aterrorizada com o «fantasma» do seu primeiro marido, no momento em
que o tem, fisicamente, diante de si, e apesar das inúmeras coincidências, é
incapaz de o reconhecer! Penso que as modificações físicas que entretanto
se operaram na pessoa não justificam, por si só, tal falha.
Maria
• * Uma personagem idealizada:

• - a ingenuidade, a pureza, a meiguice, o


abandono, etc., próprios duma alma
infantil, e a inteligência, a experiência, a
cultura, a intuição, características de um
espírito adulto, confluem numa
personagem pouco real, só entendida à luz
do desvelo que Garrett votava a sua filha
Maria Adelaide e à condição social que,
para a mesma, resultara da morte
prematura da mãe;

• - protótipo da mulher-anjo, tão do agrado


dos românticos, Maria é demasiado
angélica para ser verdadeira;

• - a sua dimensão psicológica resulta, por


isso, contraditória, ao revelar
comportamentos, simultaneamente, de
criança e de adulto;

• * Alguns traços caracterizadores de Maria:


• - ternura
• - culto sebastianista
• - dom de sibila (dom da profecia)
• - cultura
• - coragem, ingenuidade e pureza
• - tuberculosa
Telmo Pais - Personagem Central?
• Convém analisar o terceiro elemento que Garrett
recebeu do teatro clássico: o conflito psicológico
suscitado pelos dilemas perante os quais são
colocadas as personagens.

•  Este terceiro elemento realiza-se particularmente na


figura de Telmo Pais, que Garrett interpretou
pessoalmente na representação particular da peça. 

• Telmo Pais tem de escolher entre Maria, que ele


criou, e D. João, que ele também criou e a quem
deve, além disso, fidelidade de escudeiro.
• Mas o que faz deste caso uma novidade na
história do teatro é que Telmo Pais, na realidade,
não tem de escolher, ele está de antemão
decidido. A perplexidade perante o dilema é
apenas a forma exterior com que Garrett revestiu
uma coisa bem diferente daquilo que o teatro
clássico conhecia.
• Telmo Pais, amo e criado de D. João de Portugal, era o seu maior
amigo, e nenhuma criatura sofreu tanto como ele o seu
desaparecimento; opôs-se quanto pôde a que a sua viúva casasse
segunda vez e não lhe pôde perdoar a infidelidade para com o amo,
cuja morte se recusou sempre a aceitar. O resto dos seus dias é
consagrado ao culto do desaparecido, a quem levanta no seu
coração um altar. E lentamente os dias vão passando, a imagem de
D. João vai-se-lhe entranhando na alma, tornando-se com o tempo
talvez mais rígida, mais nítida, mais adorada. O tempo só fazia
aumentar a adoração. Mas deste casamento abominado nascera
uma criança. Quis o destino que Telmo também fosse o amo dela, e
o seu coração cresceu com este novo amor. Mas pode Telmo
continuar a não acreditar na morte de seu amo? Porque se ele é
vivo e voltar, que será feito da sua menina? Órfã e desgraçada é o
que ela será, segundo a moral da época. Durante muito tempo
Telmo não chega a ter consciência clara desta contradição.
Telmo Pais - Personagem Central?

• No momento culminante, o pobre Telmo Pais descobre que no fundo da alma


desejava que D. João tivesse continuado morto. O seu reaparecimento
transtorna-lhe a sua verdadeira vida. E Garrett leva o drama desta personagem
às suas consequências últimas, porque é ele - a mandado de D. João, é verdade,
mas com uma satisfação secreta e cheia de remorsos -, é ele quem vai à última
hora espalhar que o Romeiro é um impostor. É ele, afinal, e isto é que é terrível,
quem vai matar definitivamente seu amo, ele, o único que lhe não tinha
acreditado na morte e que fizera votos pelo seu regresso, o único que pode
testemunhar a sua vida.

• Se esta interpretação é verdadeira, Garrett põe mediante esta personagem um


problema, que é novo, na história do teatro. Telmo Pais tem uma personalidade
fictícia, convencional, e, por baixo desta, uma personalidade autêntica.

• A personalidade fictícia, construída, feita da nossa vida passada, coerente, é


aquela que nós próprios nos atribuímos e aquela com que figuramos nos atos
correntes da vida. Mas a outra personalidade, secreta, que nós próprios às vezes
não conhecemos, é a que vem à superfície nos momentos de crise e ante o
nosso próprio espanto. Telmo quer ser coerente com o seu passado; a imagem
em que ele próprio se construiu foi a do escudeiro fiel: com essa máscara o
vêem os outros e se vê ele próprio a si. e um dia esta imagem é quebrada como
uma capa de gelo, e a onda da vida jorra. [...]»
D. João de Portugal
• * Casado com D. Madalena, mas desaparecido na
Batalha de Alcácer Quibir, revela-se como:

• - Uma existência abstrata (uma espécie de fantasma


omnipresente) até à cena XII do ato II, inclusive,
permanecendo em cena através dos receios
evocativos de Madalena, da crença de Telmo em
relação ao seu regresso e do sebastianismo de
Maria (se D. Sebastião pode regressar, o mesmo
pode acontecer em relação a D. João de Portugal);

• - Uma existência concreta a partir da cena XIII do


ato II:

• - regressa a Portugal ao fim de 21 anos, depois de


ter passado 20 em cativeiro, em África e na Ásia,
surgindo na figura do Romeiro (mesmo assim, a sua
identidade só é revelada no final do ato II);

• - procura interferir voluntariamente na acção


dramática, tentando impedir, com a cumplicidade de
Telmo, a entrada em hábito de Madalena e de
Manuel de Sousa;

• - acaba por assistir à morte de Maria e à tomada de


hábito dos ex-cônjuges.

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