Você está na página 1de 11

Livro do escritor Miguel Sousa Tavares

Era uma vez uma casa pequena e branca,


com uma chaminé por onde saía o fumo
da lareira.
À volta da casa havia um pomar com
árvores de frutos e, como as árvores
eram variadas, havia frutos todo o ano.
Nessa casa morava um rapaz com a mãe
e o pai. Quando passava a estação de
cada fruto, podia-se comer as compotas
que a mãe do rapaz fazia.
Mas, além das árvores do pomar,
existiam muitas outras árvores antigas
que já lá estavam antes do avô ter feito a
casa. Junto ao ribeiro, havia faias, altas e
esguias, e chorões.
Mas, o seu sítio preferido era o ribeiro.
O ribeiro fazia uma curva e depois
mergulhava numa cascata.
A água era transparente e era óptima
para beber e para cozinhar. Tinham
todos muito cuidado para não sujar o rio,
atirando outras coisas lá para dentro.
Nesse lago, o rapaz aprendeu a
nadar. O rapaz nadava muito no lago
e por isso já conhecia o fundo do
lago. Debaixo do lago havia dois ou
três peixes que moravam nas
margens do lago, entre esconderijos.
Quando o rapaz ficava com frio de
tanto tomar banho, saía da água. Nas
noites de Verão, antes de ir para a
cama, o rapaz deitava-se ao lado do
rio a observar as estrelas. A sua mãe
ensinara-lhe que cada estrela era
uma pessoa que tinha morrido e que
tinha deixado na terra uma pessoa
muito especial.
Numa noite de Verão, quando o menino estava
sentado à beira do ribeiro, ouviu um barulho
que vinha do meio das silvas. Escondeu-se.
Entretanto, saiu dali um javali com os seus dois
filhos e vieram beber água ao ribeiro.
Mas, a maior aventura do menino ainda estava
para acontecer numa tarde de Primavera.
De repente o rapaz ouviu um barulho e voltou-
se para trás mesmo a tempo de ver um grande
peixe a dar um grande salto. O rapaz ficou
quieto durante muito tempo porque nunca
tinha visto um peixe tão grande.
Os peixes sabem dar saltos fora de água e
sabem até fugir. O rapaz ficou a olhar para o
peixe como se fosse o dono do lago. Daí a pouco
o peixe pôs metade do corpo de fora de água.
De repente o peixe começou a falar como se
fosse um sonho.
-Olá rapaz! Tu vives aqui?
-Vi -vi - vo - gaguejou o rapaz.
-Ah! - disse o peixe - este sítio é muito
bonito! Este lago é teu?
-É, é meu. É onde eu tomo banho no
Verão. Diz-me uma coisa peixe: como
é que tu falas a língua das pessoas
-É a história da minha vida. Eu vivia num
aquário e tinha um dono que gostava
muito de mim e tratava-me bem.
Dava-me comida e eu fui crescendo.
Nós falávamos tanto que eu fiquei a falar
a língua das pessoas. Só consigo falar
fora de água. Como fiquei muito
grande, combinou-se que eu ia ser
lançado para um rio. Depois de nadar
muito tempo ainda não consegui
encontrar um lugar como o do meu
aquário. É esta a minha história.
Aquele peixe enorme e falador era uma
coisa estranha ali no ribeiro.
Mais tarde estava a pensar se o peixe
encontrou um lugar para viver ou se já
está no mar. Quando o peixe voltou já
sabia o que fazer. O rapaz e o peixe
fizeram um acordo. O peixe ficava lá e o
rapaz não contava a ninguém que ele
falava e assim ficou combinado.
O peixe agradeceu e deu um salto
enorme.
Na Primavera, o rapaz e a carpa ficaram
muito amigos, a brincar juntos. O rapaz,
quando não tinha escola vinha até ao
ribeiro e aí falava com a carpa.
Chegou a estação do Verão. Os dias
continuavam lindos e ficavam cada vez
mais quentes.
Nas noites mais claras desse Verão,
quando vinha muito calor, ninguém
conseguia dormir.
Passou o Verão, veio o Outono e, em
lugar das chuvas que se esperavam, o
sol continuou a abrir e a brilhar e os
dias continuaram sempre quentes.
O rapaz andava sempre feliz e
continuava a tomar banho no ribeiro.
Mas, o pai do rapaz andava muito calado.
E de semana para semana, as coisas foram
ficando muito piores. Continuava a não
chover e, em muito breve, o poço que
servia para regar os legumes e o pomar
ficaria seco. A mãe também andava muito
calada, a pensar muito. Também já não
tinha muita fruta para fazer as compotas.
A mãe do rapaz já tinha conhecimento dos
anos anteriores e sabia que não havia nada
a fazer! Só choveria quando o céu quisesse.
Subitamente, a mãe teve uma grande ideia
e a sua cara alegrou-se, por ter visto há
dias uma carpa gigante no ribeiro.
- Eu digo-te que aquela carpa deve pesar,
para aí uns cinquenta quilos. – comentou a
mãe.
- Mas que grande ideia. Amanhã, mesmo
logo de manhãzinha, vou tirar a rede da
capoeira e estendê-la dum lado ao outro
do ribeiro. – disse o pai esfregando as mãos
de contente.
O rapaz ouviu aquela conversa com muito
medo, sem saber o que fazer!
Se eu avisar o meu amigo peixe, ele pode
fugir nessa mesma noite.
Se assim o pensou, assim o fez…
As despedidas entre o peixe e o rapaz
foram rápidas e tristes. O peixe disse ao
rapaz que talvez não fosse morar para
muito longe e que provavelmente o viesse
visitar. O rapaz ficou muito triste ao ver o
peixe partir.
Passaram dias e dias até que um dia…
Um dia, o peixe voltou.
O rapaz ficou louco de alegria ao vê-lo e
a carpa disse-lhe que se arranjasse
comida talvez pudesse ficar no lago,
porque assim já não havia razão para o
pescarem.
O peixe encontrou comida num
barco que estava no fundo do rio.
Ele pediu ajuda a duas raposas. O
peixe, com a ajuda das duas raposas
arrastaram a comida até ao rio. O
menino viu a comida e foi chamar a
família. Eles arrastaram a comida
até casa.
O pai e a mãe ficaram contentes
com a comida.
Nesse dia o pai, no fim de almoçar,
foi fazer uma tabuleta de madeira.
Prendeu-a a um pau e espetou-a à
frente do rio. A tabuleta dizia:
proibido pescar.
O rapaz viu a tabuleta do pai e fez
uma igual, mas a dizer: este rio tem
um segredo e esse segredo é só
meu.

Você também pode gostar