de inspiração romano-canónica Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado O direito comum Designa-se direito comum («ius commune»), em sentido restrito, o sistema normativo de fundo romano que se consolidou com os Comentadores e constituiu, embora não uniformemente, a base da experiência jurídica europeia até finais do século XVIII. Mas também se utiliza essa designação em sentido amplo, sobretudo com referência ao direito romano e ao direito canónico – direito comum romano- canónico (os direitos comuns – «iura communia»). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Ao direito comum contrapunham-se os direitos próprios («iura propria»), ou seja, os ordenamentos jurídicos particulares dos diferentes «Estados» (formados, sobretudo, por normas legislativas e consuetudinárias). Os Comentadores ocuparam-se não só das relações entre o direito romano e o direito canónico, mas também das que intercediam entre o «ius commune» e o «ius proprium». Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Acepção peculiar de direito comum em Portugal (além da mencionada), tanto em preceitos legais como em obras de jurisconsultos – aludem a direito comum com o significado de direito português, ou seja, o direito que devia aplicar-se de preferência a qualquer outro; procurava-se exprimir a ideia de que o direito romano só vigorava no nosso país a título subsidiário, pela sua autoridade intrínseca e não extrínseca (cfr. Ordenações Manuelinas). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Evolução da relação entre o direito comum e os direitos próprios de cada um dos países – o risco inerente às afirmações de carácter geral a este respeito Durante os séculos XII e XIII, o direito comum sobrepôs-se às fontes com ele concorrentes, pelo menos num plano teórico; Nos séculos XIV e XV verificou-se um relativo equilíbrio entre o direito comum e os direitos próprios, que se foram afirmando como fontes primaciais dos respetivos ordenamentos, enquanto o direito comum começou a perder importância, passando a ser fonte subsidiária de direito; Nos começos do século XVI deu-se a independência plena do direito próprio, que se tornou a exclusiva fonte imediata de direito, enquanto o direito comum passou a valer como fonte subsidiária somente por força da autoridade ou legitimidade que lhe era conferida por lei do monarca. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Fontes do direito português desde meados do século XIII até às Ordenações Afonsinas Relevância dessas fontes de direito – marcam a autonomização progressiva do ordenamento jurídico português em face das ordens jurídicas de outros Reinos peninsulares; o elenco das fontes de direito deste período evidencia a influência do direito romano renascido e do direito canónico renovado. Estão em causa as fontes de direito do período que se inicia com a subida ao trono de D. Afonso III (1248), embora o governo de Portugal lhe tenha sido entregue em 1245 (na sequência do concílio de Lião, de 1244/1245), devido à anarquia que marcou o final do reinado do irmão, D. Sancho II). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Em 1245 (em Paris), o Conde de Bolonha (futuro D. Afonso III) jurou guardar os foros e costumes do Reino, a administrar boa e rápida justiça, a pôr termo aos abusos que vinham já do tempo do pai (D. Afonso II), a respeitar os mosteiros e os lugares pios, assim como a pessoa e a fazenda dos religiosos, e a castigar os homicidas, roubadores e demais faltosos. A justiça era, pois, um dos pontos fulcrais do juramento - «que não prevaleça a ousadia dos maus, que a cada um seja dado o que é seu, sem haver nisto respeito a grandes ou pequenos, pobres ou ricos». Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado A legislação geral transformada em expressão da vontade do monarca A partir de D. Afonso III verifica-se a supremacia da lei geral (que também recebia as designações de decreto ou degredo, ordenação, carta e postura) na criação de direito novo. Isso não significa que as leis se tenham tornado de imediato o principal repositório do direito vigente; o costume continuou a constituir o grande acervo jurídico da época. A importância assumida pela lei geral é indissociável da recepção do direito romano justinianeu e do direito canónico renovado em Portugal: [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado A recepção do direito romano justinianeu, em particular, veio favorecer a actividade legislativa do monarca; e, O desenvolvimento da legislação geral fomentou a divulgação dos preceitos do direito romano e do direito canónico que, muitas vezes, deixaram nela sinais marcantes (quando não se tratou, mesmo, de puras traduções de preceitos romanos ou canónicos). O incremento da legislação do monarca resultou do reforço de autoridade régia (no plano executivo, judiciário e legislativo) – iniciou-se o caminho da centralização política e da consequente unificação do sistema jurídico. A lei passou a ser considerada como um produto da vontade do monarca, e como uma actividade normal dele, como inerente ao exercício do poder soberano. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado O modelo romano de lei em que o monarca se inspirou, para esse efeito, foi o da constituição imperial, como vontade unilateral do imperador (aquilo que agradava ao príncipe valia como lei – «quod principi placuit, legis habet vigorem», como se encontra nas Institutiones de Justiniano e no Digesto, em I.1,2,6 e em D.1,4,1pr.), a que este não estava submetido («princeps legibus solutus est», como se acha estabelecido no Digesto, em D.1,3,31). Justificação da transformação da lei em manifestação da vontade do monarca – «Rex in regno suo imperator est» («O Rei, no seu próprio reino, é imperador»), devendo ter todas as prerrogativas do imperador, incluindo a de fazer leis sem necessidade da intervenção de qualquer outro órgão (diferentemente do que acontecia na monarquia leonesa e no tempo dos nossos primeiros reis), na época, as Cortes. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado A criação do direito era, pois, cada vez mais, uma prerrogativa do rei (sem prejuízo da colaboração das Cortes ou dos direitos dos municípios): A lei transformou-se num modo corrente normal de criação do direito (deixando de constituir uma fonte de carácter esporádico), recorrendo o monarca ao apoio técnico de juristas de formação romanística e canonística. D. Afonso III fez mais de duzentas leis, muitas delas sobre matéria processual; e essa actividade legislativa intensificou-se nos reinados seguintes. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Publicação e entrada em vigor da lei Como não existia a imprensa (apenas viria a ser introduzida em Portugal nos finais do séc. XV), as leis eram manuscritas e reproduzidas através de cópias. Os diplomas legais eram registados na chancelaria régia, mas isso não constituía uma verdadeira forma de publicidade como esta se entende modernamente: era, antes, um mecanismo de fiscalização da autenticidade das leis e elemento de prova do direito em vigor. Era frequente recorrer-se aos tabeliães para dar publicidade aos preceitos legais, procedendo à sua leitura pública (além do registo nos respectivos livros). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado O início da vigência da lei não obedecia a um regime uniforme Deve ter sido prática corrente a da aplicação imediata; Mas são conhecidos diplomas em que se fixa uma vacatio legis mais ou menos extensa. A aplicação das normas deveria depender da sua difusão efetiva ao alcance dos destinatários, que demorava a estender-se a todo o território. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Resoluções régias Tratava-se de providências de natureza legislativa tomadas pelo Rei em Cortes – assembleias consultivas que o Rei convocava para ouvir o parecer do clero, da nobreza e (a partir das Cortes de Leiria, de 1254) dos procuradores dos concelhos, em matéria de governação –, em resposta a solicitações ou queixas («agravamentos») dos representantes das três classes sociais. Sempre que as resoluções régias continham normas a observar para futuro, estava-se em face de autênticas leis do ponto de vista material, que apenas diferiam dos diplomas que o rei elaborava por iniciativa própria quanto ao processo de formação. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado O costume O costume (que se traduzia numa criação espontânea de direito pelos membros da comunidade, correspondendo ao sentimento desta) continuou a ser um vasto repositório do direito vigente, mas perdeu importância como modo de criação de direito novo – nesse aspecto, a primazia passou a caber à lei. Os jurisconsultos passaram a considerar os preceitos consuetudinários não já apenas na perspetiva de uma manifestação tácita do consenso do povo, mas também como expressão da vontade do monarca: se o rei não fazia leis contrárias ao costume, revogando-o, era porque tacitamente o aceitava. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado A doutrina (romanista e, sobretudo, canonista) foi definindo os requisitos da existência, da validade e da força vinculativa do costume, alguns dos quais vieram a ser acolhidos na legislação: A exigência de prescrição, isto é, de um certo número de actos (entre um e dez, bastando dois se fossem de natureza judicial); A antiguidade – em matéria cível, de acordo com a doutrina dos glosadores, 10/20 anos; alguns canonistas exigiam 40 anos para o costume contrário à lei; [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado O consenso da comunidade; O consensus legislatoris (cfr. decretalistas), que implicava o conhecimento consciente do costume e a sua aprovação voluntária, excepto se legitimamente prescrito; Conformidade com a lei de Deus e/ou com o direito natural ou com a utilidade pública (como se estabeleceu na legislação que visou erradicar a vingança privada – cfr. leis de D. Afonso IV referidas nas Ord. Afonsinas, Livro V, Título 53); [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Conformidade à razão (racionalidade) e ao Direito (cfr. Concordata entre D. Dinis e o Papa, de 1289, na sequência das queixas do clero relativas a costumes invocados contra a «livridão» da Igreja – isto é, a sua liberdade/autoridade – e a paz existente no Reino); Conformidade ao bem comum (exigida por certos canonistas – cfr. as referidas leis de D. Afonso IV contidas nas Ord. Afonsinas, Livro V, Título 53). Os Reis portugueses, por não verificação de alguns desses requisitos, vão corrigindo costumes considerados maus ou menos convenientes, substituindo-os pelos preceitos de direito romano ou do direito canónico. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado A favor dessa substituição estavam a Igreja e os letrados; contra, a nobreza e o povo, que defendiam os seus costumes. Exemplo – leis de D. Afonso IV contra a vingança privada [de 1325, 1326 e 1330], referidas nas Ord. Afonsinas, Livro V, Título 53: Esse costume (de origem germânica) era contra o Direito Comum («mais proveitoso, com razão e afastamento de todo o dano»); Era também «contra a Lei de Deus» e contra o direito natural. [Remissão para as aulas práticas] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Por vezes, os costumes eram recolhidos pelo legislador – nesses casos, tratava-se de direito consuetudinário quanto à proveniência, mas não quanto à ratio vinculatória (diferenciando-se, assim, do costume, pelo menos parcialmente). Outras vezes, para evitar incertezas (derivadas do facto de o processo de formação do costume ser oral e/ou não intencional – de que resultava o carácter não fixo e flutuante do costume), procurou-se fixá-lo por escrito (particular ou público), a fim de assegurar a sua prova. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Forais e foros ou costumes (estatutos municipais) A importância dos forais manteve-se, sendo conhecidos muitos de D. Afonso III (por ex., o de Faro, o de Silves e o de Tavira, todos de 1266) e de D. Dinis (por ex., os de Almodôvar, de Vila de Rei e de Torre de Moncorvo, todos de 1285); mas, a partir de D. Afonso IV deixaram, praticamente, de ser outorgados novos forais. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Nesta época, assumiu grande relevo uma outra fonte de direito local: os foros ou costumes (ou estatutos municipais), que datam da segunda metade do séc. XIII e do séc. XIV Trata-se de compilações medievais concedidas aos municípios ou organizadas por iniciativa destes; São amplas codificações (sobretudo de direito consuetudinário) que estiveram na base da vida jurídica do concelho, abrangendo normas de direito político e administrativo, normas de direito penal e de processo e também normas de direito privado (contratos, direitos reais, direito da família e direito das sucessões). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Os elementos utilizados na elaboração destas colectâneas tinham proveniência diversa: ao lado de preceitos consuetudinários, encontram-se sentenças de juízes arbitrais ou de juízes concelhios, deliberações das assembleias populares dos concelhos, opiniões de juristas, normas criadas pelos próprios municípios a respeito da polícia, higiene ou economia, e até mesmo normas jurídicas inovadoras de natureza legislativa, que o compilador introduzia. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Os foros ou costumes (estatutos municipais) são, assim, fontes com amplitude e alcance muito mais vastos do que os forais, cujas disposições frequentemente transcreviam; mas nem assim continham uma disciplina jurídica completa relativa ao território a que se aplicavam. Frequentemente, é possível descobrir neles influência nítida do direito romano renascido. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Concórdias e concordatas Neste período (iniciado com a subida ao trono de D. Afonso III) aumentou a necessidade de acordos que pusessem termo aos diferendos entre o clero e a realeza (quer celebrados com as autoridades eclesiásticas do Reino, quer diretamente com o Papado). Exemplos de conflitos: A respeito do foro eclesiástico (a justiça régia reivindicava a jurisdição sobre certos clérigos, assim como a execução de testamentos); Relativos a questões tributárias – por ex., conflito grave com D. Julião, bispo do Porto, em 1247, por causa dos direitos relativos ao comércio na foz do Douro (ao qual se pôs termo já no reinado de D. Afonso III); [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Conflito motivado pelo facto de as Inquirições Gerais de 1258 (D. Afonso III) terem denunciado usurpações de terras pelo clero (que invocava imunidades); em 1267 foi dirigida queixa ao Papa Clemente IV (por violação dos velhos foros e atentado contra a liberdade da Igreja); em 1275, uma bula papal exigiu a reparação de injustiças no prazo de 3 meses a um ano (e que o poder eclesiástico não voltasse a ser atacado); o conflito só viria a ser resolvido no reinado de D. Dinis (por concordata de 1289). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Outro ponto de atrito era o beneplácito régio Razão pela qual foi introduzido – Em alguns casos, os documentos do Papa (bulas, breves, etc.) continham normas gerais ou decisões individuais para vigorarem em Portugal, as quais, por vezes, contrariavam as leis do Reino, os costumes vigentes ou a autoridade do Rei; Quando foi introduzido – Ainda no reinado de D. Afonso IV, embora a referência à decisão do Rei de não permitir a publicação de cartas pontifícias em Portugal sem o consentimento ou placet do Rei se encontre apenas nos capítulos ou agravamentos do clero apresentados nas Cortes de Elvas de 1361; [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Em que consistia o beneplácito régio – na declaração do monarca pela qual era atestado que, revista a determinação pontifícia, esta era legítima e autêntica, nada contendo de ofensivo das normas e instituições vigentes no país; sem isso, ou seja, sem autorização expressa do monarca, as cartas pontifícias não podiam circular em Portugal. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Direito subsidiário Na falta de disciplina das situações sociais pelo direito nacional (casos omissos neste, que eram muitos e frequentes) recorria-se a fontes de direito estranhas ao ordenamento jurídico português. Nesta época (anterior às Ordenações Afonsinas) a definição das fontes de direito que podiam ser utilizadas a título subsidiário era deixada ao critério dos juristas e dos tribunais. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Fontes a que se recorria quando no direito português não havia norma aplicável ao caso concreto: Direito romano e direito canónico; Direito castelhano. O recurso ao direito romano renascido e ao direito canónico renovado bem se compreendia, em face do impacto que teve a sua difusão. [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado O recurso às obras doutrinais e legislativas castelhanas explica-se pelo facto de, na sua generalidade, os juízes, sobretudo a nível das comarcas, não terem preparação para utilizarem directamente dos textos de direito romano e de direito canónico (escritos em latim…). Essas obras (baseadas no direito romano e no direito canónico) – as já mencionadas Flores del Derecho e Nueve Tiempos de Los Pleitos (de Mestre Jácome das Leis), assim como o Fuero Real e as Siete Partidas (de Afonso X) – eram utilizadas a título subsidiário devido ao seu conteúdo romano-canónico. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Para facilitar o conhecimento e a aplicação subsidiária do direito romano e do direito canónico: Foram traduzidas para português as referidas obras castelhanas; Procedeu-se à tradução das Decretais de Gregório IX (1359), assim como do Código justinianeu (segundo a divisão dos glosadores), acompanhado da Glosa de Acúrsio e dos Comentários de Bártolo (antes de 1426); Foi determinada a realização de resumos interpretativos dos vários preceitos romanos ou canónicos, a fim de evitar disparidades jurisprudenciais. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Colectâneas privadas de leis gerais anteriores às Ordenações Afonsinas Razão da sua necessidade de compilação – o aumento significativo dos diplomas avulsos, com a consequente dificuldade de conhecimento do direito em vigor. As colectâneas conhecidas são duas (ambas de natureza privada e contendo, além de verdadeiras leis, costumes gerais e jurisprudência do tribunal da Corte): O Livro das Leis e Posturas; e As Ordenações de D. Duarte. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Livro das Leis e Posturas É a colectânea mais antiga – a sua elaboração situa-se nos fins do século XIV ou princípios do século XV. Contém preceitos de D. Afonso II, D. Afonso III, D. Dinis e D. Afonso IV, além de uma lei, posteriormente acrescentada, do Infante D. Pedro, que se tem identificado com o futuro D. Pedro I; Não teve o propósito de coordenar a legislação, mas apenas o de coligi-la (falta-lhe um plano sistemático e verifica-se a repetição de alguns textos, em diversos lugares, com diferenças consideráveis). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Ordenações de D. Duarte Motivo da sua designação: deve ter pertencido à biblioteca de D. Duarte, que lhe acrescentou um índice da sua autoria e um discurso sobre as virtudes do bom julgador. Compreendem leis que vão de D. Afonso II a D. Duarte; Nas Ordenações de D. Duarte existe um maior número de leis do que no Livro das Leis e Posturas e as repetições de preceitos são raras. Nas Ordenações de D. Duarte os diplomas estão separados por reinados e, dentro de cada um deles, estão agrupados por matérias. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Evolução das instituições jurídicas A crescente penetração das normas e da ciência dos direitos romano e canónico determinou a progressiva substituição do empirismo que predominava na vida jurídica da fase precedente. Revelou-se importante, desde logo, a influência dessas novas doutrinas em matéria de direito político, principalmente pelo que toca ao desenvolvimento do poder real (a autoridade soberana do monarca, à semelhança do imperador romano). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Também se mostram significativas as alterações realizadas nos outros domínios do direito público (em particular no direito criminal, no processo criminal e no processo civil ) e na esfera do direito privado. Quanto ao direito criminal: A defesa da ordem jurídica tornou-se, gradualmente, um encargo exclusivo do «Estado», que passou a ser o único titular do direito de punir (ius puniendi) – justiça pública estadual; Daí o combate às manifestações de vingança privada e de justiça privada (ou autotutela do direito) – as sucessivas providências legislativas de D. Afonso IV com essa finalidade e a resistência às mesmas [remissão para as aulas práticas]; [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Há uma tendência para o predomínio das penas corporais (infligidas no corpo), em detrimento das sanções pecuniárias, o que acentua o carácter repressivo da justiça penal. O incremento das leis de aplicação geral supera as antiquadas normas locais e foraleiras, dando-se passos importantes no sentido da uniformização, em todo o território, dos delitos e das penas respectivas (anteriormente as penas variavam de concelho para concelho); [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Passam a ser punidos como crimes actos que os costumes não consideravam puníveis – por ex., por lei de D. Dinis (de 1312), passou a ser crime «descrer de Deus e de sua Mãe, Santa Maria, ou doestá-los» (ofendê-los, injuriá-los), que era um «crime contra a religião católica»; a pena era extremamente cruel – o criminoso era queimado, depois de lhe ser arrancada a língua pelo pescoço. • N.B. Para evitar falsas denúncias da sua prática, D. Afonso IV determinou que a denúncia da prática deste crime não fosse recebida se o denunciante fosse inimigo capital do acusado. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Foram punidos diversos crimes contra a moralidade – por ex., D. Dinis cominou a pena de morte para a mulher casada que saísse de casa para cometer adultério (e também para aquele com quem o cometesse); e o mesmo aconteceu quanto ao homem casado que «com outra casar ou se a receber por mulher», assim como para a mulher bígama. Foram igualmente punidos os crimes sexuais e contra os bons costumes – por ex., D. Afonso IV puniu o homem que cometesse adultério com mulher que soubesse ser casada; a pena era variável – se fosse homem fidalgo perderia o que tivesse do rei ou de rico homem (de quem fosse vassalo) e seria desterrado; e se fosse de condição inferior ser-lhe-ia aplicada a pena de morte. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Como se verifica por estes exemplos, as penas eram extremamente severas e, além disso, variavam consoante a categoria social do delinquente. Quanto ao processo criminal (que foi separado do processo civil) Distinguiam-se os crimes que só podiam ser perseguidos quando houvesse «querela» (queixa) dos ofendidos (com juramento de boa fé) daqueles que deviam ser averiguados por ofício do juiz (quando chegasse ao seu conhecimento a prática de crime grave na área do seu julgado, sem necessidade de queixa) – estes são os chamados «crimes públicos»; [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Definiram-se casos em que era admissível a prisão preventiva dos acusados, determinada por juiz (por ex. prisão em flagrante delito); Além da confissão (considerada a rainha das provas), que implicava, sem mais, a condenação do acusado e podia ser obtida mediante tortura, recorria-se à prova testemunhal (por lei de D. Dinis, o falso testemunho era punido com o cortamento dos pés e das mãos e com o arrancamento dos olhos); [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Assistiu-se à sobreposição do sistema inquisitório (de actuação oficiosa do juiz) ao antigo sistema acusatório; A partir de D. Dinis insistiu-se para que as sentenças fossem escritas (eram ditadas pelo juiz ao tabelião, presente na audiência, ou ao escrivão privativo). Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Quanto ao processo civil Desenvolveu-se muito a sua disciplina legislativa, definindo o seu rito (tramitação) com a preocupação de abreviar o julgamento dos processos (sobretudo quanto à Corte): Segue-se o modelo da cognitio do direito romano; Verifica-se a tendência para a substituição da oralidade pelo uso da escrita e procede-se à organização do regime dos recursos das decisões judiciais (duplo grau de jurisdição), em especial as apelações cíveis, cujo regime foi sendo modificado; [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Ainda no âmbito do processo civil, registam-se alterações relevantes a respeito do ónus da prova e no tocante à hierarquização dos diversos meios probatórios admitidos – de começo verifica-se ainda a prevalência da prova testemunhal sobre a prova por documentos, mas a regra viria mais tarde a inverter-se. Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado Também ocorreu uma evolução profunda do direito privado: No âmbito do direito da família – por ex., por lei de D. Afonso III, o homem casado foi proibido de vender ou alienar (nomeadamente, «escambar») bens de raiz «sem outorgamento de sua molher»; No âmbito sucessório – por ex., por resolução régia de D. Pedro I, o direito de suceder ab intestato reconhecido ao marido ou à mulher (que vivessem juntos, como tal), no caso de falecerem sem parentes até ao décimo grau que pudessem herdar os seus bens; [Continua] Época da recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado No domínio das obrigações: A proibição, estabelecida por lei de D. Afonso IV (de acordo com o direito canónico), de que fosse dado ou recebido a usura dinheiro, prata, ouro, ou qualquer outra quantidade pesada, medida ou contada, pela qual se pudesse haver ou dar alguma vantagem; A disciplina da responsabilidade dos diversos fiadores de um mesmo devedor, estabelecida numa lei de D. Afonso III.