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História do Direito Português

Período do direito português


de
inspiração romano-canónica
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
O direito comum
 Designa-se direito comum («ius commune»), em
sentido restrito, o sistema normativo de fundo
romano que se consolidou com os Comentadores e
constituiu, embora não uniformemente, a base da
experiência jurídica europeia até finais do século XVIII.
 Mas também se utiliza essa designação em sentido
amplo, sobretudo com referência ao direito romano e
ao direito canónico – direito comum romano-
canónico (os direitos comuns – «iura communia»).
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 Ao direito comum contrapunham-se os
direitos próprios («iura propria»), ou seja, os
ordenamentos jurídicos particulares dos
diferentes «Estados» (formados, sobretudo,
por normas legislativas e consuetudinárias).
 Os Comentadores ocuparam-se não só das
relações entre o direito romano e o direito
canónico, mas também das que intercediam
entre o «ius commune» e o «ius proprium».
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 Acepção peculiar de direito comum em Portugal
(além da mencionada), tanto em preceitos legais
como em obras de jurisconsultos – aludem a direito
comum com o significado de direito português, ou
seja, o direito que devia aplicar-se de preferência a
qualquer outro; procurava-se exprimir a ideia de
que o direito romano só vigorava no nosso país a
título subsidiário, pela sua autoridade intrínseca e
não extrínseca (cfr. Ordenações Manuelinas).
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 Evolução da relação entre o direito comum e os direitos próprios de cada
um dos países – o risco inerente às afirmações de carácter geral a este
respeito
 Durante os séculos XII e XIII, o direito comum sobrepôs-se às fontes com
ele concorrentes, pelo menos num plano teórico;
 Nos séculos XIV e XV verificou-se um relativo equilíbrio entre o direito
comum e os direitos próprios, que se foram afirmando como fontes
primaciais dos respetivos ordenamentos, enquanto o direito comum
começou a perder importância, passando a ser fonte subsidiária de direito;
 Nos começos do século XVI deu-se a independência plena do direito
próprio, que se tornou a exclusiva fonte imediata de direito, enquanto o
direito comum passou a valer como fonte subsidiária somente por força da
autoridade ou legitimidade que lhe era conferida por lei do monarca.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
Fontes do direito português desde meados do século XIII até às
Ordenações Afonsinas
 Relevância dessas fontes de direito – marcam a autonomização
progressiva do ordenamento jurídico português em face das
ordens jurídicas de outros Reinos peninsulares; o elenco das
fontes de direito deste período evidencia a influência do direito
romano renascido e do direito canónico renovado.
 Estão em causa as fontes de direito do período que se inicia com
a subida ao trono de D. Afonso III (1248), embora o governo de
Portugal lhe tenha sido entregue em 1245 (na sequência do
concílio de Lião, de 1244/1245), devido à anarquia que marcou o
final do reinado do irmão, D. Sancho II).
Época da recepção do direito romano
renascido e do direito canónico renovado
 Em 1245 (em Paris), o Conde de Bolonha (futuro D.
Afonso III) jurou guardar os foros e costumes do Reino, a
administrar boa e rápida justiça, a pôr termo aos abusos
que vinham já do tempo do pai (D. Afonso II), a respeitar
os mosteiros e os lugares pios, assim como a pessoa e a
fazenda dos religiosos, e a castigar os homicidas,
roubadores e demais faltosos.
 A justiça era, pois, um dos pontos fulcrais do juramento -
«que não prevaleça a ousadia dos maus, que a cada um
seja dado o que é seu, sem haver nisto respeito a grandes
ou pequenos, pobres ou ricos».
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 A legislação geral transformada em expressão da vontade do
monarca
 A partir de D. Afonso III verifica-se a supremacia da lei geral
(que também recebia as designações de decreto ou degredo,
ordenação, carta e postura) na criação de direito novo.
 Isso não significa que as leis se tenham tornado de imediato o
principal repositório do direito vigente; o costume continuou
a constituir o grande acervo jurídico da época.
 A importância assumida pela lei geral é indissociável da
recepção do direito romano justinianeu e do direito canónico
renovado em Portugal: [Continua]
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 A recepção do direito romano justinianeu, em particular, veio
favorecer a actividade legislativa do monarca; e,
 O desenvolvimento da legislação geral fomentou a divulgação dos
preceitos do direito romano e do direito canónico que, muitas
vezes, deixaram nela sinais marcantes (quando não se tratou,
mesmo, de puras traduções de preceitos romanos ou canónicos).
 O incremento da legislação do monarca resultou do reforço de
autoridade régia (no plano executivo, judiciário e legislativo) –
iniciou-se o caminho da centralização política e da consequente
unificação do sistema jurídico.
 A lei passou a ser considerada como um produto da vontade do
monarca, e como uma actividade normal dele, como inerente ao
exercício do poder soberano.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
O modelo romano de lei em que o monarca se inspirou, para esse
efeito, foi o da constituição imperial, como vontade unilateral do
imperador (aquilo que agradava ao príncipe valia como lei – «quod
principi placuit, legis habet vigorem», como se encontra nas
Institutiones de Justiniano e no Digesto, em I.1,2,6 e em D.1,4,1pr.), a
que este não estava submetido («princeps legibus solutus est», como se
acha estabelecido no Digesto, em D.1,3,31).
Justificação da transformação da lei em manifestação da vontade do
monarca – «Rex in regno suo imperator est» («O Rei, no seu próprio
reino, é imperador»), devendo ter todas as prerrogativas do imperador,
incluindo a de fazer leis sem necessidade da intervenção de qualquer
outro órgão (diferentemente do que acontecia na monarquia leonesa e
no tempo dos nossos primeiros reis), na época, as Cortes.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 A criação do direito era, pois, cada vez mais, uma
prerrogativa do rei (sem prejuízo da colaboração das
Cortes ou dos direitos dos municípios):
 A lei transformou-se num modo corrente normal de
criação do direito (deixando de constituir uma fonte de
carácter esporádico), recorrendo o monarca ao apoio
técnico de juristas de formação romanística e canonística.
 D. Afonso III fez mais de duzentas leis, muitas delas sobre
matéria processual; e essa actividade legislativa
intensificou-se nos reinados seguintes.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
Publicação e entrada em vigor da lei
 Como não existia a imprensa (apenas viria a ser introduzida em
Portugal nos finais do séc. XV), as leis eram manuscritas e
reproduzidas através de cópias.
 Os diplomas legais eram registados na chancelaria régia, mas isso
não constituía uma verdadeira forma de publicidade como esta
se entende modernamente: era, antes, um mecanismo de
fiscalização da autenticidade das leis e elemento de prova do
direito em vigor.
 Era frequente recorrer-se aos tabeliães para dar publicidade aos
preceitos legais, procedendo à sua leitura pública (além do
registo nos respectivos livros).
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 O início da vigência da lei não obedecia a um
regime uniforme
 Deve ter sido prática corrente a da aplicação
imediata;
 Mas são conhecidos diplomas em que se fixa
uma vacatio legis mais ou menos extensa.
 A aplicação das normas deveria depender da sua
difusão efetiva ao alcance dos destinatários, que
demorava a estender-se a todo o território.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 Resoluções régias
 Tratava-se de providências de natureza legislativa tomadas pelo
Rei em Cortes – assembleias consultivas que o Rei convocava
para ouvir o parecer do clero, da nobreza e (a partir das Cortes
de Leiria, de 1254) dos procuradores dos concelhos, em matéria
de governação –, em resposta a solicitações ou queixas
(«agravamentos») dos representantes das três classes sociais.
 Sempre que as resoluções régias continham normas a observar
para futuro, estava-se em face de autênticas leis do ponto de
vista material, que apenas diferiam dos diplomas que o rei
elaborava por iniciativa própria quanto ao processo de
formação.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
O costume
 O costume (que se traduzia numa criação espontânea de direito
pelos membros da comunidade, correspondendo ao sentimento
desta) continuou a ser um vasto repositório do direito vigente,
mas perdeu importância como modo de criação de direito novo
– nesse aspecto, a primazia passou a caber à lei.
 Os jurisconsultos passaram a considerar os preceitos
consuetudinários não já apenas na perspetiva de uma
manifestação tácita do consenso do povo, mas também como
expressão da vontade do monarca: se o rei não fazia leis
contrárias ao costume, revogando-o, era porque tacitamente o
aceitava.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 A doutrina (romanista e, sobretudo, canonista) foi
definindo os requisitos da existência, da validade e da
força vinculativa do costume, alguns dos quais vieram a
ser acolhidos na legislação:
 A exigência de prescrição, isto é, de um certo número de
actos (entre um e dez, bastando dois se fossem de
natureza judicial);
 A antiguidade – em matéria cível, de acordo com a
doutrina dos glosadores, 10/20 anos; alguns canonistas
exigiam 40 anos para o costume contrário à lei; [Continua]
Época da recepção do direito romano renascido
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 O consenso da comunidade;
 O consensus legislatoris (cfr. decretalistas), que
implicava o conhecimento consciente do costume e a
sua aprovação voluntária, excepto se legitimamente
prescrito;
 Conformidade com a lei de Deus e/ou com o direito
natural ou com a utilidade pública (como se
estabeleceu na legislação que visou erradicar a
vingança privada – cfr. leis de D. Afonso IV referidas
nas Ord. Afonsinas, Livro V, Título 53); [Continua]
Época da recepção do direito romano renascido
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 Conformidade à razão (racionalidade) e ao Direito (cfr.
Concordata entre D. Dinis e o Papa, de 1289, na sequência das
queixas do clero relativas a costumes invocados contra a
«livridão» da Igreja – isto é, a sua liberdade/autoridade – e a
paz existente no Reino);
 Conformidade ao bem comum (exigida por certos canonistas –
cfr. as referidas leis de D. Afonso IV contidas nas Ord. Afonsinas,
Livro V, Título 53).
 Os Reis portugueses, por não verificação de alguns desses
requisitos, vão corrigindo costumes considerados maus ou
menos convenientes, substituindo-os pelos preceitos de direito
romano ou do direito canónico.
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e do direito canónico renovado
 A favor dessa substituição estavam a Igreja e os letrados;
contra, a nobreza e o povo, que defendiam os seus
costumes.
 Exemplo – leis de D. Afonso IV contra a vingança privada
[de 1325, 1326 e 1330], referidas nas Ord. Afonsinas, Livro
V, Título 53:
 Esse costume (de origem germânica) era contra o Direito
Comum («mais proveitoso, com razão e afastamento de
todo o dano»);
 Era também «contra a Lei de Deus» e contra o direito
natural. [Remissão para as aulas práticas]
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 Por vezes, os costumes eram recolhidos pelo legislador –
nesses casos, tratava-se de direito consuetudinário
quanto à proveniência, mas não quanto à ratio
vinculatória (diferenciando-se, assim, do costume, pelo
menos parcialmente).
 Outras vezes, para evitar incertezas (derivadas do facto
de o processo de formação do costume ser oral e/ou
não intencional – de que resultava o carácter não fixo e
flutuante do costume), procurou-se fixá-lo por escrito
(particular ou público), a fim de assegurar a sua prova.
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Forais e foros ou costumes (estatutos
municipais)
 A importância dos forais manteve-se, sendo
conhecidos muitos de D. Afonso III (por ex., o
de Faro, o de Silves e o de Tavira, todos de
1266) e de D. Dinis (por ex., os de Almodôvar,
de Vila de Rei e de Torre de Moncorvo, todos de
1285); mas, a partir de D. Afonso IV deixaram,
praticamente, de ser outorgados novos forais.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 Nesta época, assumiu grande relevo uma outra fonte de
direito local: os foros ou costumes (ou estatutos municipais),
que datam da segunda metade do séc. XIII e do séc. XIV
 Trata-se de compilações medievais concedidas aos
municípios ou organizadas por iniciativa destes;
 São amplas codificações (sobretudo de direito
consuetudinário) que estiveram na base da vida jurídica do
concelho, abrangendo normas de direito político e
administrativo, normas de direito penal e de processo e
também normas de direito privado (contratos, direitos reais,
direito da família e direito das sucessões).
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e do direito canónico renovado
 Os elementos utilizados na elaboração destas
colectâneas tinham proveniência diversa: ao lado
de preceitos consuetudinários, encontram-se
sentenças de juízes arbitrais ou de juízes
concelhios, deliberações das assembleias
populares dos concelhos, opiniões de juristas,
normas criadas pelos próprios municípios a
respeito da polícia, higiene ou economia, e até
mesmo normas jurídicas inovadoras de natureza
legislativa, que o compilador introduzia.
Época da recepção do direito romano renascido
e do direito canónico renovado
 Os foros ou costumes (estatutos municipais)
são, assim, fontes com amplitude e alcance
muito mais vastos do que os forais, cujas
disposições frequentemente transcreviam;
mas nem assim continham uma disciplina
jurídica completa relativa ao território a que se
aplicavam.
 Frequentemente, é possível descobrir neles
influência nítida do direito romano renascido.
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Concórdias e concordatas
 Neste período (iniciado com a subida ao trono de D. Afonso III)
aumentou a necessidade de acordos que pusessem termo aos
diferendos entre o clero e a realeza (quer celebrados com as
autoridades eclesiásticas do Reino, quer diretamente com o Papado).
Exemplos de conflitos:
 A respeito do foro eclesiástico (a justiça régia reivindicava a jurisdição
sobre certos clérigos, assim como a execução de testamentos);
 Relativos a questões tributárias – por ex., conflito grave com D. Julião,
bispo do Porto, em 1247, por causa dos direitos relativos ao comércio
na foz do Douro (ao qual se pôs termo já no reinado de D. Afonso III);
[Continua]
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 Conflito motivado pelo facto de as Inquirições Gerais
de 1258 (D. Afonso III) terem denunciado usurpações
de terras pelo clero (que invocava imunidades); em
1267 foi dirigida queixa ao Papa Clemente IV (por
violação dos velhos foros e atentado contra a
liberdade da Igreja); em 1275, uma bula papal exigiu
a reparação de injustiças no prazo de 3 meses a um
ano (e que o poder eclesiástico não voltasse a ser
atacado); o conflito só viria a ser resolvido no
reinado de D. Dinis (por concordata de 1289).
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 Outro ponto de atrito era o beneplácito régio
 Razão pela qual foi introduzido – Em alguns casos, os
documentos do Papa (bulas, breves, etc.) continham normas
gerais ou decisões individuais para vigorarem em Portugal, as
quais, por vezes, contrariavam as leis do Reino, os costumes
vigentes ou a autoridade do Rei;
 Quando foi introduzido – Ainda no reinado de D. Afonso IV,
embora a referência à decisão do Rei de não permitir a
publicação de cartas pontifícias em Portugal sem o
consentimento ou placet do Rei se encontre apenas nos
capítulos ou agravamentos do clero apresentados nas Cortes
de Elvas de 1361; [Continua]
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 Em que consistia o beneplácito régio – na
declaração do monarca pela qual era atestado
que, revista a determinação pontifícia, esta
era legítima e autêntica, nada contendo de
ofensivo das normas e instituições vigentes no
país; sem isso, ou seja, sem autorização
expressa do monarca, as cartas pontifícias não
podiam circular em Portugal.
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Direito subsidiário
 Na falta de disciplina das situações sociais pelo
direito nacional (casos omissos neste, que eram
muitos e frequentes) recorria-se a fontes de direito
estranhas ao ordenamento jurídico português.
 Nesta época (anterior às Ordenações Afonsinas) a
definição das fontes de direito que podiam ser
utilizadas a título subsidiário era deixada ao critério
dos juristas e dos tribunais.
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 Fontes a que se recorria quando no direito
português não havia norma aplicável ao caso
concreto:
 Direito romano e direito canónico;
 Direito castelhano.
 O recurso ao direito romano renascido e ao
direito canónico renovado bem se compreendia,
em face do impacto que teve a sua difusão.
[Continua]
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 O recurso às obras doutrinais e legislativas castelhanas
explica-se pelo facto de, na sua generalidade, os juízes,
sobretudo a nível das comarcas, não terem preparação
para utilizarem directamente dos textos de direito romano
e de direito canónico (escritos em latim…).
 Essas obras (baseadas no direito romano e no direito
canónico) – as já mencionadas Flores del Derecho e Nueve
Tiempos de Los Pleitos (de Mestre Jácome das Leis), assim
como o Fuero Real e as Siete Partidas (de Afonso X) –
eram utilizadas a título subsidiário devido ao seu
conteúdo romano-canónico.
Época da recepção do direito romano renascido
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 Para facilitar o conhecimento e a aplicação subsidiária do
direito romano e do direito canónico:
 Foram traduzidas para português as referidas obras
castelhanas;
 Procedeu-se à tradução das Decretais de Gregório IX (1359),
assim como do Código justinianeu (segundo a divisão dos
glosadores), acompanhado da Glosa de Acúrsio e dos
Comentários de Bártolo (antes de 1426);
 Foi determinada a realização de resumos interpretativos dos
vários preceitos romanos ou canónicos, a fim de evitar
disparidades jurisprudenciais.
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Colectâneas privadas de leis gerais anteriores às
Ordenações Afonsinas
 Razão da sua necessidade de compilação – o aumento
significativo dos diplomas avulsos, com a consequente
dificuldade de conhecimento do direito em vigor.
 As colectâneas conhecidas são duas (ambas de
natureza privada e contendo, além de verdadeiras leis,
costumes gerais e jurisprudência do tribunal da Corte):
 O Livro das Leis e Posturas; e
 As Ordenações de D. Duarte.
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 Livro das Leis e Posturas
 É a colectânea mais antiga – a sua elaboração situa-se nos
fins do século XIV ou princípios do século XV.
 Contém preceitos de D. Afonso II, D. Afonso III, D. Dinis e D.
Afonso IV, além de uma lei, posteriormente acrescentada,
do Infante D. Pedro, que se tem identificado com o futuro
D. Pedro I;
 Não teve o propósito de coordenar a legislação, mas
apenas o de coligi-la (falta-lhe um plano sistemático e
verifica-se a repetição de alguns textos, em diversos
lugares, com diferenças consideráveis).
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 Ordenações de D. Duarte
 Motivo da sua designação: deve ter pertencido à biblioteca
de D. Duarte, que lhe acrescentou um índice da sua autoria e
um discurso sobre as virtudes do bom julgador.
 Compreendem leis que vão de D. Afonso II a D. Duarte;
 Nas Ordenações de D. Duarte existe um maior número de
leis do que no Livro das Leis e Posturas e as repetições de
preceitos são raras.
 Nas Ordenações de D. Duarte os diplomas estão separados
por reinados e, dentro de cada um deles, estão agrupados
por matérias.
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e do direito canónico renovado
Evolução das instituições jurídicas
 A crescente penetração das normas e da ciência dos
direitos romano e canónico determinou a progressiva
substituição do empirismo que predominava na vida
jurídica da fase precedente.
 Revelou-se importante, desde logo, a influência dessas
novas doutrinas em matéria de direito político,
principalmente pelo que toca ao desenvolvimento do
poder real (a autoridade soberana do monarca, à
semelhança do imperador romano).
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 Também se mostram significativas as alterações realizadas nos
outros domínios do direito público (em particular no direito
criminal, no processo criminal e no processo civil ) e na esfera do
direito privado.
 Quanto ao direito criminal:
A defesa da ordem jurídica tornou-se, gradualmente, um encargo
exclusivo do «Estado», que passou a ser o único titular do direito
de punir (ius puniendi) – justiça pública estadual;
Daí o combate às manifestações de vingança privada e de justiça
privada (ou autotutela do direito) – as sucessivas providências
legislativas de D. Afonso IV com essa finalidade e a resistência às
mesmas [remissão para as aulas práticas]; [Continua]
Época da recepção do direito romano renascido
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 Há uma tendência para o predomínio das penas
corporais (infligidas no corpo), em detrimento das
sanções pecuniárias, o que acentua o carácter
repressivo da justiça penal.
 O incremento das leis de aplicação geral supera as
antiquadas normas locais e foraleiras, dando-se
passos importantes no sentido da uniformização,
em todo o território, dos delitos e das penas
respectivas (anteriormente as penas variavam de
concelho para concelho); [Continua]
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 Passam a ser punidos como crimes actos que os costumes
não consideravam puníveis – por ex., por lei de D. Dinis (de
1312), passou a ser crime «descrer de Deus e de sua Mãe,
Santa Maria, ou doestá-los» (ofendê-los, injuriá-los), que
era um «crime contra a religião católica»; a pena era
extremamente cruel – o criminoso era queimado, depois
de lhe ser arrancada a língua pelo pescoço.
• N.B. Para evitar falsas denúncias da sua prática, D. Afonso
IV determinou que a denúncia da prática deste crime não
fosse recebida se o denunciante fosse inimigo capital do
acusado.
Época da recepção do direito romano renascido
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Foram punidos diversos crimes contra a moralidade – por ex., D.
Dinis cominou a pena de morte para a mulher casada que saísse
de casa para cometer adultério (e também para aquele com
quem o cometesse); e o mesmo aconteceu quanto ao homem
casado que «com outra casar ou se a receber por mulher»,
assim como para a mulher bígama.
Foram igualmente punidos os crimes sexuais e contra os bons
costumes – por ex., D. Afonso IV puniu o homem que cometesse
adultério com mulher que soubesse ser casada; a pena era
variável – se fosse homem fidalgo perderia o que tivesse do rei
ou de rico homem (de quem fosse vassalo) e seria desterrado; e
se fosse de condição inferior ser-lhe-ia aplicada a pena de morte.
Época da recepção do direito romano renascido
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 Como se verifica por estes exemplos, as penas eram
extremamente severas e, além disso, variavam consoante a
categoria social do delinquente.
 Quanto ao processo criminal (que foi separado do processo
civil)
 Distinguiam-se os crimes que só podiam ser perseguidos
quando houvesse «querela» (queixa) dos ofendidos (com
juramento de boa fé) daqueles que deviam ser averiguados por
ofício do juiz (quando chegasse ao seu conhecimento a prática
de crime grave na área do seu julgado, sem necessidade de
queixa) – estes são os chamados «crimes públicos»; [Continua]
Época da recepção do direito romano renascido
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 Definiram-se casos em que era admissível a prisão
preventiva dos acusados, determinada por juiz (por
ex. prisão em flagrante delito);
 Além da confissão (considerada a rainha das provas),
que implicava, sem mais, a condenação do acusado
e podia ser obtida mediante tortura, recorria-se à
prova testemunhal (por lei de D. Dinis, o falso
testemunho era punido com o cortamento dos pés e
das mãos e com o arrancamento dos olhos);
[Continua]
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 Assistiu-se à sobreposição do sistema
inquisitório (de actuação oficiosa do juiz) ao
antigo sistema acusatório;
 A partir de D. Dinis insistiu-se para que as
sentenças fossem escritas (eram ditadas pelo
juiz ao tabelião, presente na audiência, ou ao
escrivão privativo).
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 Quanto ao processo civil
 Desenvolveu-se muito a sua disciplina legislativa, definindo
o seu rito (tramitação) com a preocupação de abreviar o
julgamento dos processos (sobretudo quanto à Corte):
 Segue-se o modelo da cognitio do direito romano;
 Verifica-se a tendência para a substituição da oralidade
pelo uso da escrita e procede-se à organização do regime
dos recursos das decisões judiciais (duplo grau de
jurisdição), em especial as apelações cíveis, cujo regime foi
sendo modificado; [Continua]
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 Ainda no âmbito do processo civil, registam-se
alterações relevantes a respeito do ónus da
prova e no tocante à hierarquização dos
diversos meios probatórios admitidos – de
começo verifica-se ainda a prevalência da
prova testemunhal sobre a prova por
documentos, mas a regra viria mais tarde a
inverter-se.
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 Também ocorreu uma evolução profunda do direito privado:
 No âmbito do direito da família – por ex., por lei de D.
Afonso III, o homem casado foi proibido de vender ou alienar
(nomeadamente, «escambar») bens de raiz «sem
outorgamento de sua molher»;
 No âmbito sucessório – por ex., por resolução régia de D.
Pedro I, o direito de suceder ab intestato reconhecido ao
marido ou à mulher (que vivessem juntos, como tal), no caso
de falecerem sem parentes até ao décimo grau que
pudessem herdar os seus bens;
[Continua]
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 No domínio das obrigações:
 A proibição, estabelecida por lei de D. Afonso IV (de
acordo com o direito canónico), de que fosse dado
ou recebido a usura dinheiro, prata, ouro, ou
qualquer outra quantidade pesada, medida ou
contada, pela qual se pudesse haver ou dar alguma
vantagem;
 A disciplina da responsabilidade dos diversos
fiadores de um mesmo devedor, estabelecida numa
lei de D. Afonso III.

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