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RESUMO
A proposta deste estudo é analisar o direito à saúde enquanto um direito fundamental. Será
observado, também, o fenômeno da judicialização da saúde e os principais posicionamentos contrários
e favoráveis a ele.
1. INTRODUÇÃO
O direito à saúde, malgrado seja, cristalinamente, intrínseco ao direito à vida, somente veio a
ser elevado ao patamar dos direitos fundamentais com o advento da Constituição Federal de 1988.
O constitucionalista José Afonso da Silva diz que “O tema não era de todo estranho ao nosso
Direito Constitucional anterior, que dava competência à União para legislar sobre defesa e proteção da
saúde, mas isso tinha sentido de organização administrativa de combate às endemias e epidemias”. 1
Assim, uma vez que posto em debate o direito à saúde na realidade social brasileira, a
principal discussão direciona-se à sua abrangência, porquanto se trata de tema de grande
complexidade e de conceito assaz amplo.
Cumpre observar, no entanto, que, sempre que ouvimos falar a respeito desse direito,
somos, de plano, remetidos às idéias de prevenção e/ou tratamento, mormente essa segunda. Isso
porque, atualmente, ante a parca assistência oferecida pelo Estado no âmbito da saúde, ou ainda, ante
a não rara ineficácia do Poder Público na prestação dessa assistência, o cidadão somente tem
vislumbrado a efetivação das políticas públicas de saúde na seara da assistência médico-farmacêutica,
ainda assim, da forma mais precária possível. Dessa maneira, ante tal situação, buscando a efetivação
dessa assistência, o cidadão invoca o auxilio do Poder Judiciário. Tal proceder acabou dando gênese
ao fenômeno que muitos autores chamam de judicialização da saúde.
A primeira das críticas que surge, diz respeito à questão da autonomia dos poderes. De
acordo com o art. 2º da Constituição Federal, são poderes da União o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, e estes são independentes e harmônicos entre si. Fundados nisso, muitos afirmam que, não
obstante a boa intenção do Judiciário de buscar conferir aplicabilidade ao direito fundamental à saúde,
este não pode tomar para si a tarefa de suprir as carências de todos os cidadãos.
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BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: limites e possibilidades
3
Ademais, se o art. 196 da CF/88 apregoa que o direito à saúde será garantido mediante
políticas sociais e econômicas, inferimos daí, portanto, que essa garantia, nem de longe, incumbe ao
Judiciário.
Assim, os adeptos a essa idéia sustentam que o povo não pode ser privado da prerrogativa
de decidir, por meio de seus eleitos, em quais áreas, ou de que forma, a aplicação dos recursos
públicos lhe será mais proveitosa ou favorável.
Nesse sentido, inteligentemente, José Joaquim Gomes Canotilho leciona que “os juízes não
se podem transformar em conformadores sociais, nem é possível, em termos democráticos
processuais, obrigar juridicamente os órgãos políticos a cumprir determinado programa de ação”. 3
Esse argumento, contudo, é facilmente rebatido. Não podemos olvidar que a Magna Carta,
em seu artigo 5º, inciso XXXV, garante que toda e qualquer lesão ou ameaça de direito será passível
de apreciação do Poder Judiciário. Como já referido pelo eminente Desembargador Claudir Fidelis
Faccenda:
Outra objeção muito forte, imposta em face da judicialização da saúde, é a relativa à questão
técnica. Tal contraposição sustenta-se da afirmação de que os magistrados responsáveis por julgar as
demandas judiciais, na grande maioria das vezes, não são dotados de específico conhecimento para
que possam proceder da forma mais profícua no que diz à intervenção do Poder Judiciário nas políticas
Contudo, tais alegações são atacadas de maneira bastante simples e objetiva. Em face das
considerações supra, a alegação é de que as demandas são interpostas exatamente por não haver
políticas sociais eficazes.
Dessa forma, segundo a tese, se o Poder Público realmente objetivasse investir recursos
públicos em políticas de saúde que fossem levadas a efeito, já o teria feito, e as ações judiciais que
hoje são movidas pelos cidadãos que buscam a aplicação do direito fundamental à saúde seriam
despiciendas.
Talvez a crítica imposta mais frequente seja a fulcrada no princípio que se convencionou
designar “reserva do possível”. É uma crítica essencialmente financeira que sustenta que, do Poder
Público, são exigidas difíceis tomadas de decisão, uma vez que aplicar recursos públicos em
determinada área sempre implica deixar de aplicá-los em outra, haja vista que tais recursos seriam
insuficientes para atender às necessidades sociais.
Canotilho coloca a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais dentro de uma
“reserva do possível” e aponta a sua dependência dos recursos econômicos. 5
Em suma, a teoria da “reserva do possível”, no tocante ao assunto ora em comento, diz que,
geralmente, o juiz não se preocupa com os impactos orçamentários de sua decisão, tampouco com a
existência de meios materiais disponíveis para o seu cumprimento. Esquece-se, porém, que os
recursos são finitos.
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Apelação n.º 70031231913, 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Relator: Claudir
Fidelis Faccenda
5
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, 2001, p. 469.
6
BARCELLOS, Ana Paula de. O Mínimo Existencial e Algumas Fundamentações: Jonh Rawls, Michael Walzer
e Robert Alexy. In: Ricardo Lobo Torres. (Org.). Legitimação dos direitos humanos, 2002, p. 45.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o que foi apresentado neste estudo, verifica-se que tem sido crescente o número de
casos nos quais o Poder Judiciário tem de intervir coativamente para que o Poder Público leve a efeito
o direito à saúde que, consoante se demonstrou, é um direito fundamental.
Todavia, tal proceder tem se mostrado necessário porquanto o cidadão não pode ser
penalizado pela ineficiência que o Poder Público vem apresentando no cumprimento dos deveres que a
Constituição lhe impõe.
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Apelação e Reexame Necessário n.º 70011110509, 7ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS. Relator: José
Carlos Teixeira Giorgis
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mais eficaz de proteger os interesses sociais do cidadão brasileiro, outrossim, adotando certas cautelas
para que não sejam cometidas injustiças, nem no âmbito coletivo, e nem no individual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARCELLOS, Ana Paula de. O Mínimo Existencial e Algumas Fundamentações: Jonh Rawls, Michael
Walzer e Robert Alexy. In: Ricardo Lobo Torres (Org.). Legitimação dos direitos humanos. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002.
DA SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores,
2000.