Você está na página 1de 3

Recordações

De noite, as recordações reúnem-se todas no coração. Deixam-se ficar lá quietas,


completamente paradas, à nossa espera. Às vezes vamos lá revê-las. Pegamos nelas com
cuidado para não ferir (de novo) os nossos sentimentos, mas elas são de tal forma frágeis,
que acabamos por deixar cair uma lágrima, e ela rola infinitivamente pela nossa face. A
seguir a essa, vêm mais, desta vez mais sentidas e profundas. Estas já nos deixam sem
respiração regulada, fazem-nos soluçar e gemer...

Esta é apenas mais uma daquelas noites em que o meu pluche seca essas gotas salgadas
que provêm dos meus olhos. Mais uma noite em que revivo o passado de uma maneira tão
real que chego a pensar que estou a viver o presente.

Chega a hora em que as lágrimas acabam, em que as lágrimas extinguem e fico em silêncio.
Um silêncio interior de tal maneira profundo que chego a pensar que nunca mais vou
conseguir ouvir nem falar. No entanto, um silêncio necessário!

A noite acaba assim, até que o sol nasce ou o despertador anuncia o começo de um novo
dia... Esse sim, bem mais complicado que a noite. Um dia cheio de gente à minha volta a
cumprimentar-me e perguntar se está tudo bem (uma pergunta que já faz parte da rotina,
não que achem que estou mal).

Durante o dia sim, sou obrigada a mentir aos outros, mas, sobretudo, a mentir-me a mim
própria. É nessas alturas em que agradeço as aulas de teatro e todos aqueles truques que
me ensinaram para conter o riso, truques esses que uso, mas para conter o choro.

Eu sei que já passou muito tempo, que já passaram muitas noites e muitos dias desde que
me deixaram naquele sítio: sozinha e sentada. Eu sei que já passaram algumas semanas,
alguns meses e mesmo até alguns anos que não conseguia levantar-me. Sim, eu sei que já
passaram alguns crepúsculos desde que me ensinaram a chorar (e hoje agradeço por isso,
pois até aí desconhecia o sabor salgado das lágrimas).

Sim, eu lembro-me disso... Disso e de outras quantas coisas e palavras que me disseram,
lembro-me de umas quantas pessoas e, acima de tudo, lembro-me de uns quantos
sentimentos...
Naquela altura, era difícil explicar o que tinha acontecido, era mesmo, pois percebera (no
início) que não havia acontecido nada, que o tempo havia sido o culpado das coisas
acabarem. Desde sempre soubera que, para tudo, há um início, uma história para contar e,
inevitavelmente, um fim! Só não sabia que os fins eram assim: suaves que nem chegávamos
a dar conta deles.

Sim, eu lembro-me de quantas vezes achei que tinha sido eu a culpada das coisas se
passarem daquela maneira. E mesmo que muita gente ache o contrário, eu ainda o sinto,
nem que seja pêlo simples facto de não ter dado um grito de uma vez, por não ter dado um
final a esta história, para que pudesse ser apenas passado!

Tenho pena (e sim, eu sei que pena não é um bom sentimento), pena de não ter dito
“adeus”, pena de não ter dito “obrigada por me ensinarem que a desilusão não mata,
ensina!”, pena de não ter mostrado logo a verdade, pois agora carrego o peso de uma
mentira.

Desculpem a todos se alguma vez passei por cima de alguém, mas quem me conhece bem,
sabe que, se o fiz, não foi por mal. Desculpem ter-vos chateado com os meus problemas
esquecendo-me que também têm os vossos. Desculpem também daquela vez em que vos
molhei o casaco de lágrimas sufocantes, ou daquela em que vos magoei ao dar-vos um
abraço profundo. Desculpem as mentiras (que às vezes são necessárias), mas, sobretudo,
desculpem as verdades, sim? Mas os amigos são para isso mesmo, para dizerem as
verdades na cara, mesmo que estas sejas más, mesmo até para dizer “já não te amo”.

Acreditem que é melhor acabar uma amizade assim, do que andar aqui com ceninhas tristes
de amigos (e amigas) falsos. E ninguém sabe o quão eu detesto pessoas falsas!

Para aqueles a quem este texto foi dedicado, eu peço um obrigada enorme, pois foram os
meus maiores professores, porque a melhor maneira de ensinar alguém é fazer a pessoa
sofrer: e acreditem, que isso, vocês conseguiram fazer. Obrigada ainda, por me terem feito
abrir os olhos para a realidade, para não me atirar de tal maneira às amizades. Obrigada
mesmo, por me terem feito ganhar AMIGOS (de verdade) inesquecíveis (apesar de,
também, jamais vos poder esquecer, nem que seja pelos piores motivos). Obrigada, por fim
por me terem feito perceber que os obstáculos passam-se, mas levamos sempre um
bocadinho deles, que depois guardamos naquela caixinha especial, a caixinha das
recordações...
O dia mais uma vez está a acabar. A lua espera-me, pois durante mais de dois anos, ela têm-
me ensinado a admirar o brilho das lágrimas, e essas, inevitavelmente, também me
esperam!

A rapariga da Rosa Negra

Você também pode gostar