No sábado, 14 de Maio ocorreu, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o
evento Portas Abertas 2011, onde a Universidade abre as portas para toda a comunidade conhecê-la melhor. A faculdade de Educação ofereceu diversas oficinas e a professora Aline Lemos da Cunha, juntamente com suas bolsistas de Iniciação Científica, Clarissa Machado e Elaine Montemezzo e as bolsistas de Extensão Ana Carolina Veríssimo e Laura Martini ministraram a oficina Mafaldas e Susanitas. “Mafaldas e Susanitas” foi um título sugestivo para tratar das questões das mulheres, visto que, Mafalda, personagem do chargista Quino, faz a crítica a diversas questões vivenciadas na sociedade argentina, que também podem ser vistas na sociedade brasileira, inclusive sobre a condição das mulheres. Susanita é amiga de Mafalda, mas diferentemente, é bastante reacionária e pensa que a mulher precisa casar, ter filhos e se dedicar ao marido. Partindo das duas personagens Aline fez os presentes refletirem sobre a opressão que ainda subjuga as mulheres, sobre movimento Feminista e Educação. Primeiramente Aline falou sobre sua formação em Pedagogia e o início de seus estudos sobre Mulheres, especificamente Mulheres Negras, vinculando ao seu próprio pertencimento étnico negro. Lembrou que no dia anterior se “comemorou” a assinatura da Lei Áurea, porém fez a crítica às Leis ditas beneficiárias dos escravos, pois, de fato, nenhuma das leis realmente beneficiava os mesmos, principalmente as mulheres. Com a Lei Eusébio de Queiros (1850) houve um aumento da circulação interna de escravos no Brasil. Consequentemente, as famílias já formadas, foram separadas, o que afetou diretamente as mulheres que, em muitas das etnias africanas presentes no Brasil, eram as matriarcas. A lei do Ventre Livre, de 1871, considerava livre os filhos de mulheres escravas, nascidos a partir da data da lei, porém haviam duas possibilidades, ou as crianças ficavam aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade ou seriam entregues ao governo. O primeiro caso foi o mais comum beneficiando os senhores que poderiam usar a mão-de-obra destes “livres” até os 21 anos de idade, então, muitas mulheres sofriam vendo seus filhos trabalharem da mesma forma que elas, mesmo sendo supostamente livres. A lei dos Sexagenários prejudicou as mulheres idosas que já haviam trabalhado muito, que já estavam curvadas e de repente não tinham mais “serventia”, ficando jogadas na rua, sendo esta uma lei que acabava por beneficiar os proprietários, que libertavam quem não produzia mais no trabalho pesado nas fazendas ou nas casas. Em relação à lei Àurea, Aline ressalvou aos presentes uma questão: mesmo concordando com a necessidade da existência desta Lei, reconhece que sua eficácia plena somente seria possível se fosse uma lei escrita pelos Negros. Destaca que as conquistas dos Negros vem de suas lutas, das conquistas das mulheres negras, dos seus saberes, das suas fugas na época da escravidão, do cuidado dos filhos, da luta hoje para garantir os seus direitos. Então, são as ações que estas mulheres fizeram com a sua luta e não de leis ou benefícios de fora. Após a apresentação, pediu que os presentes se organizassem em grupos por afinidades (começou perguntando quem faz determinada coisa, ou gosta de algo, para que os grupos fossem formados) para se apresentarem e conversarem durante 7 minutos, sobre o que pensam a respeito da relação entre o movimento Feminista e a Educação. Terminado o tempo de apresentação, situou de onde eram os cerca de 40 presentes que participavam da oficina, dentre estes estudantes de Magistério do Instituto de Educação e alunos(as) do Curso de Aperfeiçoamento em Educação de Jovens e Adultos da UFRGS. Continua, trazendo algumas frases de “coisas que se ouve” sobre as mulheres, por exemplo: “Por trás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher”, “Tem mulher que gosta de apanhar” e solicita que, caso algumas delas sejam frases que não ouvimos mais, que os presentes destaquem este fato. Uma mulher da platéia diz que o pior é que se ouvem essas coisas, também, das próprias mulheres e Aline trouxe uma ideia de Paulo Freire, que é referencia na Educação Popular, que diz: “Não são os opressores que libertarão os oprimidos, são os oprimidos que libertarão os opressores”, então, quem tem que propor a mudança é quem está incomodado com a situação. No caso de algumas mulheres que não a questionam pode-se entender que partem da naturalização de alguns pensamentos. Destacou, a respeito da naturalização o fato de parecer que “se nasce machista”, então questiona: “Uma criança nasce fazendo isso? Olha para o médico que está fazendo o parto e diz: Que bom que não é uma mulher porque se fosse, poderia até me deixar cair no chão porque é mais fraca”. Salienta que está enraizada esta cultura machista, que até quem sofre acaba repetindo o que se diz, de tanto ouvir. Após discutir as “coisas que se ouve”, mostra frases dos anos 60, tiradas do Jornal das Moças e das Revistas Cláudia, que também colocam a mulher como subalterna. Uma professora, presente na oficina, disse que o Jornal das Moças era leitura obrigatória no colégio de freiras em que estudou. Aline destaca também que os grandes pensadores, Kant, Rousseau, Schopenhauer, diziam que as mulheres eram incapazes, mas que nessa mesma época haviam mulheres filósofas que pensavam o contrário, mas que eles talvez tenham se recusado à lê-las ou ignorado seus pensamentos. Outra coisa interessante é o fato de que a menstruação já foi tida como a comprovação de que as mulheres tinham pactos demoníacos, pois nas épocas de guerra, quando os homens se machucavam e sangravam muito, acabavam morrendo, já as mulheres sangravam todos os meses e não morriam. Dizia-se que as mulheres tinham uma ferida interna, porém por seu pacto, não morriam. Diziam também que elas tinham brotos de crianças e que às vezes elas ficavam “loucas” (TPM) e a explicação para isso era que esses brotos se espalhavam pelo corpo, logo, o homem tinha que “cutucar” os brotos para isso não acontecer. Por tudo isso, a mulher não podia ter gravidez independente (outro fato não citado durante a oficina e que merece destaque é que este pensamento era o germe da ideia de que a relação sexual, com homens, poderia acalmar as mulheres, acalmando seus brotos internos em desordem). Hoje a igreja católica ainda não permite os métodos contraceptivos e o aborto é totalmente rechaçado, trazendo a tona a repressão exercida sobre as mulheres e a sexualidade. Encaminhando para as discussões finais mostra algumas tiras com diálogos entre Mafalda e Susanita, instigando que o público presente fale o que entendeu do diálogo das duas personagens. Na primeira tira, o grupo destaca o pensamento de Susanita sobre a imagem, que irá passar para o marido, se este souber que teve vários namorados antes do casamento. Uma das presentes fala que ainda ouve os amigos falarem que se sabem que uma menina não é mais virgem, para eles ela é vagabunda e que são jovens que falam isso e não pessoas de mais idade. Na segunda, Susanita tem a ideia de que poderia trocar de marido associando este fato à vivência em uma sociedade de consumo. Na terceira tira, Susanita se espanta ao saber que a mãe de Libertad, uma amiguinha, estudou e já estava casada e com a filha. Aqui, Aline complementa dizendo que o problema vivenciado pelas mulheres na atualidade é não ajuda para tarefas como cuidar da casa e dos filhos, que a mulher se condiciona ao casamento e muitas vezes pára de estudar por não ter onde deixar os filhos, ou porque o marido não deixa. Na quarta tirinha, Susanita imagina todo o caminho até o altar e acaba encontrando Manolito (por quem é apaixonada), lendo o jornal, sem se preocupar com aquilo que ocupava o pensamento dela, passando da ideia do glamour, para a de que “nem tudo são flores”, tentando “enforcar-se” com as próprias linhas que faz corte e costura. Aline questiona o porquê de algumas visões se cristalizarem como certas e por que se cristalizam só para as mulheres? Lembrando que isso é comum até os dias de hoje, onde é somente a mulher que assume todo o ritual do casamento. Tudo é um simbolismo, a mulher vai até o homem, quem leva a mulher é o pai e na falta desse o irmão ou outro homem, mostrando sempre um ato de que necessita estar “sob a guarda” de alguém. A última tira mostra que o fato de ser mulher nos aproxima, mas as lutas de classe, etnia, condição sexual, nos afastam, logo as mulheres também podem contribuir para a opressão de mulheres. Partindo para a confecção das Mafaldas, Aline explica que os trabalhos de artesanato eram imaginados como um momento onde as mulheres estavam ocupadas e não pensariam besteira, mas o que o “tiro saiu pela culatra”, porque o problema não eram as mãos desocupadas, eram as línguas, pois enquanto faziam seus artesanatos, as mulheres dialogavam e tramavam muito, umas com as outras. Passando de uma forma de opressão, o artesanato vira possibilidade de emancipação, onde as mulheres podem, discutir seus problemas e ter uma renda. Aline passa a palavra para as bolsistas, que se apresentam e falam brevemente sobre os projetos que trabalham. Posteriormente pedem que os participantes se organizem em grupos ou trios. As bolsistas distribuem as Mafaldas, os grupos realizam a montagem das mesmas, realizam a colagem e criam falas ou pensamentos para a Mafalda, que sintetizem o que foi discutido.
Elaine Luiza F. Montemezzo
Bolsista de Iniciação Científica Estudante de Pedagogia - UFRGS