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SENADO FEDERAL
COMISSÃO DE ASSUNTOS ECONÔMICOS

SUBCOMISSÃO TEMPORÁRIA
DA REFORMA TRIBUTÁRIA
(CAERT)
DESTINADA A AVALIAR A FUNCIONALIDADE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO
NACIONAL E O DESEMPENHO DAS ADMINISTRAÇÕES TRIBUTÁRIAS,
E ANALISAR A REFORMA TRIBUTÁRIA

PRESIDENTE: Senador Tasso Jereissati - PSDB - CE


VICE-PRESIDENTE: Senador Neuto De Conto - PMDB - SC
RELATOR: Senador Francisco Dornelles - PP - RJ

Relatório Preliminar

MARÇO DE 2008
2

SUMÁRIO

Páginas

APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 3

CAPÍTULO 1 – O DESEMPENHO DAS ADMINISTRAÇÕES TRIBUTÁRIAS.. 8

CAPÍTULO 2 – A FUNCIONALIDADE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO .............. 19

CAPÍTULO 3 – O PROJETO DO EXECUTIVO FEDERAL ................................... 34

CAPÍTULO 4 – O NOVO SISTEMA TRIBUTÁRIO ................................................ 39

CAPÍTULO 5 - OBSERVAÇÕES FINAIS .................................................................. 67


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APRESENTAÇÃO

Criada pela aprovação do Requerimento nº 09/2007-CAE, de autoria


do Senador Tasso Jereissati, e instalada em 12 de abril de 2007, a
Subcomissão Temporária da Reforma Tributária (CAERT) tem por
objetivo constituir ferramenta no atendimento às elevadas atribuições do
Senado Federal, seja na avaliação do Sistema Tributário Nacional, seja na
análise da reforma tributária, atividades que se relacionam e se
complementam.

É importante ter sempre presentes as justificativas que levaram a


Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) a criar esta Subcomissão
temática. A Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003,
acrescentou o inciso XV ao artigo 52 da Constituição Federal, prevendo,
dentre as competências exclusivas do Senado Federal, “avaliar
periodicamente a funcionalidade do sistema tributário nacional, em suas
estruturas e seus componentes, e o desempenho das administrações
tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios”.
Na esfera do Senado, tal atribuição constitucional se relaciona à
atividade da CAE, pois o Regimento Interno desta Casa prevê, em seu art.
99, IV (parte), que àquela Comissão compete opinar sobre proposições
relativas a “tributos, tarifas, empréstimos compulsórios, finanças públicas,
normas gerais sobre direito tributário, financeiro e econômico,...”.
Na justificativa do requerimento para criação da CAERT, o Senador
Tasso Jereissati chamava a atenção para os seguintes aspectos:
“Surge, porém, um certo descompasso entre a atividade
costumeira de uma comissão legislativa e uma instância de
avaliação sistemática. Para este mister, mais do que apenas
opinar sobre proposições que versem sobre matéria tributária,
é necessário que a Subcomissão de Avaliação Tributária, seja
dotada de instrumentos capazes de perscrutar os agentes deste
sistema, seja do lado do fisco seja do contribuinte, formando
diagnóstico e propondo soluções para os conflitos e
desequilíbrios, promovendo o crescimento da economia.”
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A Subcomissão Temporária da Reforma Tributária realizou em 2007


dez reuniões temáticas, entre ordinárias e extraordinárias, ouvindo diversas
autoridades fazendárias do governo federal, dos governos estaduais e dos
governos municipais, bem assim especialistas em finanças públicas,
economistas e juristas, a saber:
- em 23 de abril de 2007, foi realizada Audiência
Pública com a presença do Sr. Bernard Appy, Secretário de
Política Econômica do Ministério da Fazenda, a fim de debater
a reforma tributária;
- em 7 de maio de 2007, foi realizada Audiência Pública
a fim de discorrer sobre a Reforma Tributária apresentada pelo
Governo Federal, com a presença da Sra. Lina Maria Vieira,
Secretária de Estado de Tributação do Estado do Rio Grande
do Norte e Coordenadora dos Secretários no Conselho
Nacional de Política Fazendária (Confaz); do Sr. Thomaz
Afonso Queiroz Nogueira, Secretário Executivo da Receita do
Estado do Amazonas, representando o Sr. Isper Abrahim
Lima, Secretário de Estado da Fazenda do Estado do
Amazonas; Sr. Mauro Ricardo Machado Costa, Secretário de
Estado da Fazenda do Estado de São Paulo; Sr. Simão Cirineu
Dias, Secretário de Estado da Fazenda do Estado de Minas
Gerais; Sr. Carlos Mauro Benevides Filho, Secretário de
Estado da Fazenda do Estado do Ceará; Sr. Aod Cunha de
Moraes Junior, Secretário de Estado da Fazenda do Estado do
Rio Grande do Sul; Sr. Waldir Júlio Teis, Secretário de Estado
da Fazenda do Estado de Mato Grosso, e ainda, do Sr. Milton
Gomes Soares, Secretário de Estado da Receita do Estado da
Paraíba;
- em 21 de maio de 2007, foi realizada a Audiência
Pública a fim de discorrer sobre a Reforma Tributária
apresentada pelo Governo Federal com a presença dos
Senhores Luiz Wellisch, Secretário Municipal de Finanças do
Município de São Paulo; José Afonso Bicalho Beltrão,
Secretário Municipal de Finanças do Município de Belo
Horizonte; Felipe Mendes, Secretário Municipal de Finanças
do Município de Teresina; e Paulo Roberto Ziulkoski,
Presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM);
- em 12 de junho de 2007, foi realizada Reunião de
Trabalho com a presença dos Senhores Samuel de Abreu
Pessôa, Assessor Técnico do Senador Tasso Jereissati, e José
5

Roberto Rodrigues Afonso, Economista do Banco Nacional de


Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP);
- em 14 de junho de 2007, a reunião teve por objetivo a
realização de Audiência Pública com a presença Sr. Bernard
Appy, Secretário de Política Econômica do Ministério da
Fazenda;
- em 20 de junho de 2007, foi realizada Audiência
Pública com a presença da Sra. Maria Helena Zockun,
Coordenadora de Pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas
Econômicas (FIPE), e do Sr. Fernando Antonio Rezende Silva,
Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV);
- em 20 de setembro de 2007, a reunião teve por
objetivo discutir os subsídios técnicos para avaliação do
sistema tributário, tendo como Expositor o Sr. José Roberto
Rodrigues Afonso, Assessor Técnico da Subcomissão e
Economista do BNDES;
- em 8 de outubro de 2007, a Audiência Pública teve a
presença dos Srs. Bernard Appy, Secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda, e Jorge Rachid,
Secretário da Receita Federal do Brasil; e
- em 25 de outubro de 2007, foi realizada Audiência
Pública com a presença dos Srs. Everardo Maciel, Ex-
Secretário da Receita Federal do Brasil e Consultor na Área
Tributária, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, Presidente
da Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), Seção de São Paulo, e Gustavo
Brigagão, Advogado Tributarista.

Especificamente sobre a reforma tributária, os debates da


Subcomissão tiveram como referencial as diretrizes propostas pelo
Ministério da Fazenda. As linhas gerais para a reforma foram apresentadas
na Subcomissão pelo representante indicado pelo Senhor Ministro da
Fazenda, o seu Secretário de Política Econômica, o Senhor Bernard Appy,
nas três audiências públicas de que participou na Subcomissão. A proposta
do Executivo Federal só foi enviada ao Congresso em 28 de fevereiro
último.

Este relatório preliminar concentrará sua atenção em apresentar,


primeiramente, análise da funcionalidade do sistema e do desempenho das
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administrações tributárias, tomando por base as opiniões manifestadas


pelos especialistas nas reuniões da Subcomissão e as estatísticas e os
documentos disponíveis para livre consulta. As proposições de mudanças
no sistema tributário partirão das diretrizes apresentadas pelo Ministério da
Fazenda no Senado Federal ao longo do ano de 2007, bem assim das
alterações contidas no projeto de emenda constitucional proposto pelo
Poder Executivo Federal ao final de fevereiro último, e concluirão
defendendo um processo de constituição gradual e progressiva de um novo
sistema tributário, que reflita discussões realizadas no âmbito da CAE
desde o final de 2003 e que já compreendem um relativo consenso no
Senado.
É fundamental destacar que não se apresentará aqui um projeto
pronto e acabado. Este relatório tem caráter especulativo, é uma
contribuição para o debate. Ele procura apontar diferentes alternativas para
mudanças nas competências tributárias e de transferência com o objetivo de
contribuir para as discussões, que agora devem ser ampliadas a partir do
envio pelo Executivo Federal de um projeto de emenda constitucional. Em
suma, não será aqui apresentado outra proposta de reforma tributária. A
conclusão deste relatório é propor a construção de um novo sistema
tributário no país.

Por último, registro o acompanhamento dos trabalhos e a


participação nas reuniões e discussões dos seguintes consultores
legislativos do Senado Federal: os Srs. José Patrocínio da Silveira e Alberto
Zouvi, Consultores Legislativos do quadro permanente da Casa, do Sr.
Samuel de Abreu Pessôa, Assessor Técnico do Senador Tasso Jereissati, e
do Sr. José Roberto Rodrigues Afonso, Assessor Técnico requisitado pelo
Senado junto ao BNDES. Aliás, importa registrar que o economista José
Roberto Afonso participou, desde julho, de dezenas de seminários,
congressos e outros eventos que discutiram aspectos do sistema tributário e
de sua reforma, bem assim de reuniões com autoridades e especialistas em
diferentes cidades brasileiras. Registro, ainda, o apoio prestado pelo
7

Secretário da Comissão de Assuntos Econômicos, Luiz Gonzaga Silva


Filho, e sua equipe, especialmente da Srta. Idiane Antunes de Carvalho que
assistiu esta Subcomissão.

Com essas considerações, apresento este relatório preliminar dos


trabalhos realizados em 2007 por esta Subcomissão Temporária e submeto
à apreciação dos Membros da Comissão.

Sala da Comissão, 27 de março de 2008.

Senador Francisco Dornelles

Relator
8

CAPÍTULO 1

O DESEMPENHO
DAS ADMINISTRAÇÕES TRIBUTÁRIAS

O capítulo inicial deste relatório preliminar é dedicado a avaliar o


“desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do
Distrito Federal e dos Municípios”, de que trata a expressão final do inciso
XV do art. 52 da Constituição.
O verbete desempenho, segundo o Dicionário Houaiss, dentre outras
acepções, significa “atuação desejada ou observada de um indivíduo ou
grupo na execução de uma tarefa, cujos resultados são posteriormente
analisados para avaliar a necessidade de modificação ou melhoria”.
Arrecadar é a função precípua que se espera de qualquer
administração tributária em qualquer lugar do mundo. Nesta concepção
mais restrita, o desempenho das citadas administrações no Brasil atende a
tarefa esperada, uma vez que o volume de arrecadação é expressivamente
alto, recorde seja em relação ao passado tributário do País, seja
comparativamente às outras economias, especialmente as emergentes.
Basta citar que, em 2006, a arrecadação de todos os impostos, taxas e
contribuições já superava a casa de R$ 800 bilhões e de 35% da produção
interna.
Este sucesso na coleta de um montante recorde de tributos, por outro
lado, resulta num alto custo para a economia, com danos para a
competitividade e para a justiça social, mas tais distorções e questões serão
discutidas no próximo capítulo, dedicado a examinar a funcionalidade do
sistema tributário.

Para elaborar um retrato atual da arrecadação tributária no país,


optou-se por recorrer aos balanços contábeis anuais das três esferas de
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governos e levantar o somatório das receitas tributárias e de contribuições.


Deste modo, aqui são desconsiderados os recursos que não integram o
orçamento público (como aqueles destinados para fundos e entidades de
direito privado) e também a arrecadação da dívida ativa e de multas e juros
de mora. As figuras a seguir se referem a 2006, último exercício financeiro
com balanços publicados – incluindo uma estimativa apenas no caso de
tributos municipais, em razão de alguns pequenos municípios não terem
entregue os seus balanços para consolidação e divulgação pelo Tesouro
Nacional.

A arrecadação tributária bruta global, por si só, é bastante elevada:


chegou a R$ 751 bilhões em 2006. Isso significou pouco mais de R$ 4 mil
por habitante e equivaleu a 32,3 por cento do Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro.
Arrecadação Tributária Direta por Esfera de Governo: 2006
Governo/Tributos R$ Bilhões % PIB % Total Per capita (R$)

TOTAL 751,29 32,34 100 4.093

UNIÃO 501,74 21,60 67 2.733


Impostos 165,84 7,14 22 904
Contribuições Sociais 190,81 8,21 25 1.040
Previdência Social 121,06 5,21 16 660
Demais 24,02 1,03 3 131

ESTADOS 208,12 8,96 28 1.134


ICMS 165,67 7,13 22 903
IPVA 12,06 0,52 2 66
Demais 30,39 1,31 4 166

MUNICÍPIOS 41,43 1,78 6 226


ISS 16,62 0,72 2 91
IPTU 10,83 0,47 1 59
Demais 13,98 0,60 2 76
Fontes primárias: Balanço Oficial da União, STN; Balanço dos Estados, STN; SRF.
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Em termos federativos, a arrecadação direta foi razoavelmente


concentrada nas mãos do governo federal em 2006: responde por dois
terços do total. Assim, a União se vale de competências tributárias mais
numerosas, diversificadas e sólidas para arrecadar sozinha pouco mais de
meio trilhão de reais. Chama a atenção que esse montante, equivalente a
21,6 por cento do PIB, significaria uma carga tributária similar à obtida nas
economias emergentes e latinas.
Os Estados arrecadaram perto de 28% da receita tributária nacional
ou o equivalente a 9% do PIB em 2006, em grande parte explicados pelo
desempenho do imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação (ICMS) - que, sozinho, gerou mais de 7%
do PIB.
Os Municípios responderam por pouco mais de 5% da receita
nacional daquele ano ou o equivalente a 1,8% do PIB.

A tabela a seguir detalha o produto da arrecadação das competências


tributárias de cada esfera de governo.
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Arrecadação Direta por Governo e Tributos: 2006

Governos/Tributos R$ Bilhões % PIB % Total Per capita (R$)

TOTAL 751,3 32,34 100,0 4.093

UNIÃO 501,7 21,60 66,8 2.733


IR 122,2 5,26 16,3 666
Previdência Social 121,1 5,21 16,1 660
Cofins 89,1 3,84 11,9 485
CPMF 31,9 1,37 4,3 174
IPI 26,8 1,15 3,6 146
CSLL 26,5 1,14 3,5 145
PIS-PASEP 23,4 1,01 3,1 127
Contribuições Econômicas 20,4 0,88 2,7 111
Imp. Comércio Exterior 9,9 0,42 1,3 54
Salário Educação 6,9 0,30 0,9 38
IOF 6,7 0,29 0,9 37
Previdência Servidores 6,7 0,29 0,9 37
Outras Contribs.Sociais 6,2 0,27 0,8 34
Taxas 3,7 0,16 0,5 20

ESTADOS 208,1 8,96 27,7 1.134


ICMS 165,7 7,13 22,1 903
Previ.Servidores Estl. 15,4 0,66 2,1 84
IPVA 12,1 0,52 1,6 66
IR Fonte Estl. 7,4 0,32 1,0 41
Taxas 6,1 0,26 0,8 34
ITCMD 1,0 0,04 0,1 5
Contribs.Melhoria 0,4 0,02 0,1 2

MUNICÍPIOS 41,4 1,78 5,5 226


ISS 16,6 0,72 2,2 91
IPTU 10,8 0,47 1,4 59
Previ.Servidores Munic. 3,4 0,15 0,4 18
IR Fonte Estl. 3,1 0,13 0,4 17
Taxas 3,0 0,13 0,4 16
ITBI 2,4 0,10 0,3 13
Contribs.Melhoria/Ecos. 2,2 0,09 0,3 12
Fontes primárias: Balanço Oficial da União, STN; Balanço dos Estados, STN; e SRF.
Não computa contribuições ao FGTS e ao Sistema S, royalties e multas e juros da dívida ativa.

A arrecadação tributária está baseada em mais de cinco dezenas de


incidências tributárias, entre impostos, taxas e contribuições, que acabam
tornando muito complexo e oneroso, seja para os contribuintes recolherem
tributos, seja para os fiscos administrarem sua cobrança. Entretanto, a
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arrecadação tributária nacional é concentrada em poucas figuras tributárias,


como se verifica na seguinte tabela.

Arrecadação Tributária por Maiores Impostos e Contribuições: 2006

Tributos R$ Bilhões % PIB % Total % Acumulado Per capita (R$)

TOTAL 751,3 32,34 100,0 4.093

ICMS 165,7 7,13 22,1 22,1 903


Imposto de Renda (Global) 132,7 5,71 17,7 39,7 723
Previdência Social 128,0 5,51 17,0 56,8 697
Cofins 89,1 3,84 11,9 68,6 485
CPMF 31,9 1,37 4,3 72,9 174
IPI 26,8 1,15 3,6 76,4 146
Contrib. Lucro 26,5 1,14 3,5 80,0 145
Pis/Pasep 23,4 1,01 3,1 83,1 127
ISS 16,6 0,72 2,2 85,3 91
IPVA 12,1 0,52 1,6 88,2 66
IPTU 10,8 0,47 1,4 89,6 59
Imp. Importação 9,9 0,42 1,3 86,6 54
IOF 6,7 0,29 0,9 90,5 37
ITBI 2,4 0,10 0,3 90,9 13
ITCMD 1,0 0,04 0,1 91,0 5
ITR 0,3 0,01 0,0 91,0 2
Demais tributos 67,5 2,90 9,0 100,0 367
Fontes primárias: Balanço Oficial da União, STN; Balanço dos Estados, STN; SRF
Imposto de Renda inclui retido na fonte pelas administrações estaduais e municipais.

Sozinho, o ICMS estadual respondeu por 22% da receita tributária


brasileira em 2006. Imposto e contribuições sobre a renda e mais as
arrecadadas pela previdência social, cada um, arrecadou pouco mais de
17% do total. Logo, somados, os três maiores tributos geraram 57% da
receita; os cinco maiores, acrescentado as contribuições sociais sobre
receitas (COFINS) e transações financeiras (CPMF), coletaram 73%.
É bom qualificar que a observação sobre a concentração da receita
não dispensa a demanda premente por se racionalizar o atual sistema.

Em termos retrospectivos, o desempenho no longo prazo do conjunto


das administrações tributárias pode ser considerado excepcional se o
parâmetro para avaliação for resumido ao tamanho da carga tributária. A
tabela a seguir, com base em levantamento coordenado pelo economista
José Roberto Afonso, mostra a evolução da carga no conceito global, de
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acordo com as contas nacionais, e é mais abrangente que o levantamento


das duas tabelas anteriores. Evidencia-se a trajetória claramente ascendente
no pós-guerra no País, com uma aceleração desde o final da década
passada.

CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA GLOBAL - 1947/2006


Ano Carga Tributária An o Carga Tributária Ano Carga Tributária
1947 13,84% 1967 20,47% 1987 23,77%
1948 14,03% 1968 23,29% 1988 22,43%
1949 14,39% 1969 24,87% 1989 24,13%
1950 14,42% 1970 25,98% 1990 28,78%
1951 15,74% 1971 25,26% 1991 25,24%
1952 15,41% 1972 26,01% 1992 25,01%
1953 15,20% 1973 25,05% 1993 25,78%
1954 15,82% 1974 25,05% 1994 29,75%
1955 15,05% 1975 25,22% 1995 26,93%
1956 16,42% 1976 25,14% 1996 26,85%
1957 16,66% 1977 25,55% 1997 27,41%
1958 18,70% 1978 25,70% 1998 27,67%
1959 17,86% 1979 24,66% 1999 29,00%
1960 17,41% 1980 24,52% 2000 31,15%
1961 16,38% 1981 25,25% 2001 32,33%
1962 15,76% 1982 26,34% 2002 33,37%
1963 16,05% 1983 26,97% 2003 32,82%
1964 17,02% 1984 24,34% 2004 33,69%
1965 18,99% 1985 24,06% 2005 34,95%
1966 20,95% 1986 26,19% 2006 35,50%
Elaborado por Afonso, Meirelles e Castro.
Conceito de contas nacionais - impostos, taxas e contribuições, inclusive FGTS e Sistema S.

O primeiro grande aumento de patamar se deu logo após a reforma


tributária promovida em meados dos anos sessenta (levando a ultrapassar
os 20 por cento do PIB). Já no caso da última reforma, em vigor a partir de
1989, após o baixo desempenho de 1988 (a carga de 22,4 por cento do PIB
foi a mais baixa obtida na vigência do sistema anterior), houve um
incremento para o patamar de 25 por cento do produto.
Com as crises externas do final da década passada e a promoção de
um vigoroso ajuste fiscal, a carga tributária sofreu uma escalada contínua e
anual: de menos de 27 por cento do PIB em 1996, subiu até superar a casa
de 35 por cento do produto dez anos depois.
Não custa registrar que, na época da superinflação, a indexação
monetária da receita não se repetia pelo lado do gasto no orçamento
14

público, o que criava um ganho (o imposto inflacionário) que desapareceu


depois da bem-sucedida criação do Real.
Os especialistas alertam que poucos países no mundo ocidental, em
tempos de paz, lograram obter um crescimento tão expressivo e rápido de
sua arrecadação tributária. O mais impressionante é que o aumento da
carga tributária se deu mesmo em um período de clara desaceleração da
economia, de modo que a receita tributária nacional chegou a aumentar na
casa de 6 por cento ao ano, em média, quando a economia mal crescia a 2
por cento na média anual.
A avaliação histórica recente das administrações tributárias não pode
se furtar a reforçar esta que pode ser considerada uma façanha dos
administradores brasileiros, que foi lograr um desempenho anticíclico, ou
seja, conseguiram aumentar a arrecadação mesmo quando a economia
desacelerava, o que foge ao esperado pelos manuais de finanças públicas e
pela experiência da maioria dos outros países. O marcante desempenho no
aumento da carga tributária nacional foi crucial para o ajuste fiscal
realizado desde o final da década passada, pois, como é notório, foi muito
mais o aumento da receita do que o corte de gastos que resultou na
elevação e geração de expressivo montante de superávit primário do setor
público brasileiro e, conseqüentemente, na redução da dívida pública.
Se a escalada na arrecadação atendeu à política macroeconômica de
curtíssimo prazo, por outro lado, é inegável que gerou distorções e desvios,
que serão examinados no próximo capítulo, mas que tomam como partida
um diagnóstico mais profundo da situação atual da arrecadação.

Em termos de classificação da arrecadação, outra forma interessante


para análise do desempenho é agrupar as principais bases de tributação. A
tabela a seguir, também elaborada pelo economista José Roberto Afonso,
compreende o conceito mais abrangente, de carga tributária global, e segue
metodologia adotada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
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Carga Tributária no Brasil por Categoria de Tributo - em 2006

Arrecadação Global e R$ R$ por % do Total Carga


por Categorias bilhões habitante Arrecadado % PIB

Global 824,6 4.492 100,0% 35,50%

Mercadorias, Serviços e Bens 383,1 2.087 46,5% 16,49%


Produção e Vendas em Geral 340,0 1.853 41,2% 14,64%
Produção e Vendas Específicos 32,0 175 3,9% 1,38%
Serviços Públicos 11,0 60 1,3% 0,47%

Salários 200,0 1.090 24,3% 8,61%


Empregados, Servidores, Autonomos 41,5 226 5,0% 1,79%
Empregadores 148,2 807 18,0% 6,38%
Outros 10,4 56 1,3% 0,45%

Renda e Ganhos 144,6 788 17,5% 6,23%


Famílias 50,6 276 6,1% 2,18%
Empresas & Acionistas 93,2 508 11,3% 4,01%
Outros 0,8 4 0,1% 0,03%

Transações Financeiras 60,2 328 7,3% 2,59%


Patrimônio 26,7 145 3,2% 1,15%
Comércio Internacional 10,0 55 1,2% 0,43%
Elaborado por José Afonso com Beatriz Meirelles e Kleber Castro.
Classificação de tributos segundo metodologia do FMI. Carga no conceito mais abrangente (contas nacionais).

É uma estrutura tributária extremamente concentrada em tributos


indiretos, ao contrário dos países mais desenvolvidos, que apresentam
carga tributária média semelhante à brasileira, mas com predomínio dos
impostos diretos.
A primeira categoria em volume de receita é a dos tributos incidentes
sobre a produção, a venda e o consumo no mercado doméstico de bens e
serviços. Arrecadou R$ 383 bilhões em 2006, de modo que, sozinha,
respondeu por 46,5% da arrecadação tributária do País. Tal proporção
supera a metade da arrecadação nacional, se agregados àquele grupo os
impostos sobre transações financeiras (7,3% do total da receita), que
incluem o imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro (IOF) e a
extinta contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de
valores e de créditos e direitos de natureza financeira (CPMF). Com isso,
chega-se à conclusão de que mais da metade da carga deriva de tributos
regressivos.
16

A segunda maior categoria é formada pelos tributos incidentes sobre


a folha de salários (basicamente, contribuições sociais, tanto para o regime
geral de previdência social, quanto para o regime próprio dos servidores),
que renderam R$ 200 bilhões em 2006 e representaram quase um quarto da
arrecadação tributária nacional. A geração dessa base também pode assumir
contornos semelhantes à tributação indireta porquanto os empregadores
recolheram (R$ 148 bilhões) quatro vezes mais que os empregados (R$ 41
bilhões) para os diferentes regimes de previdência.
Os impostos e contribuições sobre rendas, lucros e ganhos aparecem
como a terceira maior categoria de receita, tendo gerado R$ 148 bilhões e
contribuindo com 17,5% da arrecadação tributária global, proporção muito
baixa diante da observada nos países mais ricos. As pessoas jurídicas
pagaram (R$ 93 bilhões) quase o dobro do imposto de recolhido por
aquelas (R$ 50 bilhões), mesmo após agregar ao imposto de renda das
pessoas físicas (IRPF) o que foi retido na fonte sobre trabalho e loterias.
O bloco de tributos patrimoniais (R$ 26 bilhões em 2006) e dos que
incidem diretamente sobre o comércio exterior (R$ 10 bilhões) tem
participação residual na formação da carga global – respectivamente, 3% e
1% da receita tributária nacional.

O último traço marcante no desempenho das administrações


tributárias respeita à distribuição da arrecadação entre impostos, taxas e
contribuições, com o gráfico a seguir demonstrando a situação de 2006.
17

Composição da Ca rga Tributária do S etor P úblico Consolida do

3%

2%
Impostos

Contribuições

47%
Taxas

48%
Outros

Elaborado por José Roberto Afonso. Carga tributária no conceito mais abrangente (contas nacionais).

O produto agregado da arrecadação de contribuições superou o dos


impostos tradicionais em todo o País, mesmo computadas as três esferas de
governo. Isso resultou do fato de que, nos últimos anos, a União usou
crescente e intensamente as contribuições. Criou novas figuras - como a
contribuição social dos empregadores sobre o lucro líquido (CSLL) e as
contribuições de intervenção no domínio econômico relativas às atividades
de comercialização e às de importação de petróleo e seus derivados, gás
natural e álcool carburante (conhecidas como CIDE), além da CPMF.
Ampliou a base e majorou fortemente as alíquotas de contribuições já
existentes, como no caso da contribuição dos empregadores para o
financiamento da seguridade social incidente sobre o faturamento ou
receitas (COFINS) e das contribuições para os Programas de Integração
Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP),
vinculadas depois da Constituição de 1988 para o Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT). Isso tudo porque tais contribuições estavam sujeitas a
menores restrições ao poder de tributar e, especialmente, não precisavam
ser repartidas com os Estados e Municípios. A desproporção chegou ao
18

ponto em que, em 2006, computada apenas a arrecadação coletada pela


União, as contribuições responderam por 68% do total e os impostos por
apenas 29% (o saldo é composto por taxas e pela cobrança da dívida ativa).
A mera descrição dessa desproporção entre contribuições (infladas) e
impostos (abandonados) já indica a anomalia em que o que deveria ser
marginal ou acessório se tornou o principal. Isso remete à avaliação do
resto da funcionalidade do sistema e, antecipa-se, constitui uma das
questões que necessariamente precisa ser equacionada na reforma tributária
que será defendida por esta Subcomissão.
19

CAPÍTULO 2

A FUNCIONALIDADE
DO SISTEMA TRIBUTÁRIO

Para avaliar a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional em sua


estrutura e seus componentes, como a Constituição Federal imputa ao
Senado, podemos partir da última observação do capítulo anterior,
apontando um abandono relativo de impostos clássicos, como o de renda
(IR) e o sobre produtos industrializados (IPI), que foram deixados para trás
diante do apelo das contribuições, fáceis de serem criadas, majoradas e
cobradas e nem sempre compartilhadas com os outros membros da
Federação. Isso remete à análise do chamado equilíbrio federativo, em que
se constata uma recentralização fiscal recente. Também serão analisados os
danos causados para a eficiência econômica e a justiça social dessa mistura
de quantidade excessiva de tributos com qualidade inadequada de suas
bases.

Se fosse para resumir em apenas um único indicador a completa falta


de funcionalidade que o sistema brasileiro tem para os contribuintes,
bastaria citar o número de horas que uma empresa brasileira precisa
despender para pagar seus tributos em comparação a igual empresa em
outros países. O Banco Mundial divulgou recentemente um estudo
realizado com a Price Waterhouse Coopers, denominado Paying Taxes
2008, em que definiu uma empresa como modelo e, considerando o mesmo
faturamento, salários, lucro e capital, estimou os impostos que a mesma
pagaria em 177 países do mundo. Foram medidas as obrigações acessórias
(como o número de guias de recolhimento preenchidas e o tempo gasto
para apurar e pagar os impostos) e, o principal, o montante de impostos em
proporção do lucro da empresa modelo. A classificação do Brasil no
20

ranking de 177 países foi a seguinte: 137º lugar no índice global de


facilidade para pagar impostos, decorrente do 24º lugar, quando
considerado o número de pagamentos realizados por ano (11
pagamentos/ano); do 158º lugar, quando apurada a razão entre total de
impostos e lucro da empresas (69.2%); e 177º lugar, último, quando
computado o time gasto pela empresa para apurar e pagar os impostos
(2.600 horas/ano).
O Brasil chamou a atenção especial no estudo para o último critério:
a empresa modelo gastaria 2.600 horas por ano para apurar e pagar seus
tributos, das quais 1.374 horas relativas aos tributos sobre consumo
(basicamente, o ICMS estadual), 736 horas com os tributos sobre lucro e
renda e 491 horas com tributos sobre salários. Isso coloca o País em último
lugar entre os 177 países pesquisados. A diferença para outros países é tão
gritante que se tal carga horária fosse cortada pela metade, o Brasil só
melhoraria duas posições no ranking mundial, como revelado pelas figuras
a seguir extraídas do relatório citado:
21

Compilado de World Bank e Price Waterhouse Coopers, Paying Taxes 2008.

Os impostos estão ficando para trás diante do avanço das


contribuições. Em 1988, 84% da arrecadação de impostos da União e 43%
do somatório de todos os tributos coletados nessa esfera provinha de apenas
dois impostos: o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza
(IR) e o imposto sobre produtos industrializados (IPI). Desde a
promulgação da nova Constituição, aqueles dois impostos perderam cada
vez mais prioridade na política tributária federal e, por conseguinte,
também diminuíram sua importância na geração da receita – chegaram a
representar apenas um quarto da arrecadação tributária federal em 2005 e
alcançaram 26,4% em 2006.

Não custa relembrar que a reforma promovida pela Constituinte de


1987/88 extinguiu impostos federais cumulativos e descentralizou a receita.
O Capítulo do Sistema Tributário da nova Constituição era (e ainda é)
extremamente restritivo no que concerne à criação de novos impostos.
Entretanto, o Capítulo dedicado à Seguridade Social da Carta Magna abriu
caminho para a criação de novas contribuições, que na realidade são
impostos disfarçados e alcançam receitas, lucros, loterias e até
movimentação financeira. Ou seja, as contribuições não alcançam apenas
os salários, como ocorre no resto do mundo.
22

Como reação à descentralização da reforma de 1988, a União passou


a cobrar cada vez mais contribuições e mesmo taxas e, em conseqüência,
reduziu a importância relativa dos impostos cuja receita era compartilhada
com Estados e Municípios. Foi no bojo dessas mudanças que foram criadas
a COFINS, a CSLL, a CPMF e as CIDEs. Além de afetar o equilíbrio
federativo, a justiça social e a eficiência econômica também foram
prejudicadas, porque muitas dessas contribuições têm natureza regressiva e
cumulativa. São cobradas de forma invisível, embutidas nos preços dos
bens e serviços, e hoje já propiciam uma arrecadação maior que aquela
derivada dos impostos clássicos.

Este capítulo, inicialmente, concentrará a atenção em mostrar os


desarranjos na divisão federativa da receita tributária. O governo federal
passou a se esforçar para arrecadar mais onde não precisava realizar
transferências (contribuições sociais) e “deixou de lado” os impostos
tradicionais e que pela Constituição de 1988 deveriam ser divididos com
Estados e Municípios (caso do IR e do IPI).
Essa estratégia avançou tanto que não há como negar a tendência à
recentralização no período mais recente, quando analisada a divisão
federativa do “bolo” tributário. O quadro a seguir, elaborado pelo
economista José Roberto Afonso, compreende o conceito mais abrangente
de carga tributária (incluídas receitas não computadas na análise do
capítulo anterior) e mostra que, depois de computadas transferências
obrigatórias, a participação relativa da União na receita tributária nacional
cresceu 1,4 ponto percentual nesta década. No longo prazo, comparada a
divisão federativa da geração direta de recursos e, sobretudo, da receita
disponível, fica clara outra profunda mudança observada na Federação: os
Municípios avançaram sobre o espaço que antes era ocupado pelos Estados.
E esse é um processo muito mais acentuado do que ocorreu com a União,
que reverteu muito das perdas sofridas em 1988.
23

ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA POR ESFERA DE GOVERNO - 1960/2006


Ano Receita Central Estadual Local Total
% PIB Composição - % do Total

ARRECADAÇÃO DIRETA
1960 17,41 64,0 31,3 4,7 100,0
1980 24,52 74,7 21,6 3,7 100,0
1988 22,43 71,7 25,6 2,7 100,0
1995 26,93 66,0 28,6 5,4 100,0
2000 31,15 66,7 27,6 5,7 100,0
2006 35,50 68,3 26,0 5,7 100,0
RECEITA DISPONÍVEL
1960 17,41 59,5 34,1 6,4 100,0
1980 24,52 68,2 23,3 8,6 100,0
1988 22,43 60,1 26,6 13,3 100,0
1995 26,93 56,2 27,2 16,6 100,0
2000 31,15 55,8 26,3 17,9 100,0
2006 35,50 57,2 25,4 17,4 100,0
Elaborado por Afonso, Meirelles e Castro.
Fontes : Balanço Oficial da União, STN; Balanço dos Estados, STN; Finbra, STN; SRF
Conceito de contas nacionais - impostos, taxas e contribuições, inclusive FGTS e Sistema S.
Receita disponível considera repartição constitucional de impostos.

À parte, é comentado que a repartição da receita tributária


compreende os fundos de participação, a quota do salário-educação, a
redistribuição promovida pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação
(FUNDEB) e, ainda, os repasses federais oriundos da Lei Kandir (Lei
Complementar nº 87, de 1996), dentre outros. Abrange uma movimentação
expressiva de recursos públicos: em 2006, foram cerca de R$ 137 bilhões,
equivalente a 5,9% do PIB, como detalhado na tabela a seguir. Nesse ano, a
União transferiu para as outras esferas de governo cerca de R$ 82 bilhões
ou 60% da repartição nacional de tributos. É curioso que os Estados
entregaram aos seus Municípios cerca de R$ 11 bilhões a mais do que
receberam da União a título de transferências obrigatórias em 2006. Isso
explica porque eles também perdem participação relativa no cálculo final
da divisão do “bolo” tributário nacional, do mesmo modo que o governo
federal.
24

Repartição Constitucional e Legal de Receitas Tributárias em 2006

Transferências R$ Bilhões % PIB % Total Per capita (R$)


Soma 136,8 5,89 100,0 745
União para Estados 43,9 1,89 32,1 239
FPE 28,2 1,21 20,6 154
FPEx (10% IPI) 2,3 0,10 1,7 13
SAL.EDUCAÇÃO 4,6 0,20 3,4 25
FUNDEF/B 4,4 0,19 3,2 24
Auxílio Exportadores 1,8 0,08 1,3 10
CIDE 1,3 0,06 1,0 7
Lei Kandir ICMS 1,2 0,05 0,9 7
IOF OURO 0,0 0,00 0,0 0
União para Municípios 37,8 1,63 27,7 206
FPM 29,5 1,27 21,6 161
FUNDEF 6,7 0,29 4,9 37
Auxílio Exportadores 0,6 0,03 0,4 3
ITR 0,2 0,01 0,1 1
CIDE 0,4 0,02 0,3 2
Lei Kandir ICMS 0,4 0,02 0,3 2
IOF OURO 0,0 0,00 0,0 0
Estados para Municípios 55,0 2,37 40,2 300
ICMS 35,2 1,52 25,7 192
FUNDEF/B 13,2 0,57 9,6 72
IPVA 6,0 0,26 4,4 33
FPEx (10% IPI x 25%) 0,6 0,03 0,4 3
Fontes primárias: STN e CONFAZ (repartição estadual arbitrada a partir da receita).

A avaliação da funcionalidade do sistema tributário brasileiro em


termos de reflexos para a alocação de recursos na economia e a eficiência
do setor empresarial é marcada pelo predomínio já comentado dos
chamados tributos indiretos.
Os tributos oneram, ainda que indiretamente, as exportações (são
crescentes as reclamações dos exportadores em relação aos saldos credores
acumulados e não aproveitados de ICMS e mesmo COFINS e PIS).
Também são onerados os bens de capital, inclusive diretamente –
pela cobrança de impostos sobre a produção e a importação de máquinas e
equipamentos, prática que não é comum, especialmente entre países em
desenvolvimento. O Ministério da Fazenda divulgou o documento
“Reforma Tributária”, em 28/02/2008, por ocasião da apresentação da
proposta de emenda constitucional (PEC) do Executivo Federal, em que
25

estima o aumento do custo financeiro dos investimentos decorrente do


retardo na recuperação dos impostos embutidos no preço das máquinas
compradas (24 meses no caso da COFINS/PIS e 48 meses do ICMS), e
apresenta os resultados no quadro a seguir compilado:

Compilado da cartilha “Reforma Tributária”, Ministério da Fazenda, 28/2/08.

Por conta da intensa guerra fiscal, o sistema não é neutro quanto à


escolha do local e do método de produção e interfere diretamente na
concorrência entre empresas, o que distorce a alocação de recursos e
prejudica a eficiência da economia. O mesmo bem, fabricado pelas mesmas
plantas industriais e até tendo a mesma estrutura de custo de produção,
acaba sujeito a imposto diferente se produzido e consumido em diferentes
locais do território nacional. Se não há um sistema nacional, tanto mais
difícil será adotar alguma harmonização internacional, ainda que apenas no
âmbito do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Em suma, é um
sistema que tributa até o crescimento econômico.
Joga peso decisivo para tais distorções a cobrança demasiadamente
alta de tributos sobre bens e serviços, que fica mais evidente ao se
comparar a carga tributária recente no Brasil e na média dos países ricos e
emergentes, como ilustrado no gráfico a seguir.
26

Carga Tributária por Base de Incidência (% do PIB)

40
35
30
% do PIB

25
20
15
10
5
0
Renda, Lucros e Bens e Serviços Salário (Contribuições Propriedade Carga Tributária
Ganhos Sociais)

Base de Incidência
Países Industrializados Países em Desenvolvimento Brasil (2006)

Elaborado por José Afonso, com apoio de Beatriz Meirelles e Kleber Castro.
Carga Tributária no conceito mais abrangente (contas nacionais) e bases, segundo metodologia do FMI.

Se a carga tributária global brasileira se aproxima mais da praticada


pelos países desenvolvidos, tal fenômeno não se repete em todas as bases
tributárias: pelo contrário, especialmente na tributação da renda, da
propriedade e dos salários, a carga brasileira é inferior à daqueles países.
Logo, o diferencial é dado pela carga sobre o mercado de bens e serviços: a
brasileira supera em muitos pontos percentuais do produto a praticada nos
outros países.
Sobre a tributação da folha salarial, foi qualificada como
“elevadíssima” pelo próprio Ministério da Fazenda, quando divulgou
recentemente uma proposta de reforma tributária e apresentou o quadro
reproduzido a seguir. Acrescentou como distorções decorrentes: “piora das
condições de competitividade das empresas nacionais; estímulo à
informalidade; baixa cobertura da previdência social”.
27

Compilado da cartilha “Reforma Tributária”, Ministério da Fazenda, 28/2/08.

A pior distorção, porém, é a representada pela sobrecarga de tributos


indiretos, muitos de caráter cumulativo, o que gera grande ineficiência na
economia brasileira, especialmente pela tributação indireta das exportações
e dos investimentos produtivos. Em termos estruturais, isso fere o princípio
clássico de que a tributação não deve onerar exportações (mas sim
importações) e o Brasil aumentou essa carga justamente quando avançou a
globalização no mundo e a sua economia mais se abriu ao exterior. Em
termos conjunturais, essa distorção é agravada pelos danos causados pela
excessiva valorização do Real diante do dólar.
É notório que o maior problema envolve o ICMS estadual, com os
governos estaduais retardando ou negando a devolução de saldos credores
acumulados pelos exportadores, em grande parte sob a justificativa de que
a contrapartida em débito (sobre os insumos ou os bens de capital) gerou
receita em outros estados. Esta questão se mescla com o desarranjo da
Federação brasileira e exige uma intervenção inevitável da União. Contudo,
as transferências compensatórias que esta vinha realizando em favor dos
28

governos estaduais e municipais decresceram sensivelmente, como


mostrado na tabela a seguir.
Os repasses da União para Estados e Municípios a fim de subsidiar
as desonerações das exportações em relação ao ICMS, conforme
demonstrado na tabela a seguir, foram reduzidos drasticamente nos últimos
anos: se em 1999 chegaram a representar 4,5% da arrecadação do imposto
estadual e equivaliam a 4,3% das exportações brasileiras, em 2007
decresceram para apenas 0,75% do ICMS e menos de 0,5% das vendas ao
exterior. Nesse cenário, não é de se estranhar que os Estados venham
retardando e negando a devolução de créditos acumulados pelos
exportadores.

Transferências Federais vinculadas à Lei Kandir


em relação ao ICMS e Exportações - 1996/2007
Ano Montante Repasses em % Exportações
R$ mil ICMS Exportações em % ICMS
1996 545.431 1,0% 1,2% 82,1%
1997 864.870 1,5% 1,6% 92,8%
1998 1.723.789 2,8% 3,0% 94,1%
1999 3.075.768 4,5% 4,3% 106,2%
2000 3.246.769 3,9% 3,2% 122,3%
2001 3.045.465 3,2% 2,5% 127,7%
2002 3.361.337 3,2% 2,2% 147,4%
2003 3.288.817 2,8% 1,4% 196,5%
2004 2.891.350 2,1% 1,0% 204,6%
2005 2.891.146 1,9% 1,0% 186,0%
2006 1.657.862 1,0% 0,6% 174,6%
2007² 1.432.275 0,7% 0,5% 161,9%
Elaboração do IEDI. Fontes primárias: STN, Confaz, Bacen e IpeaData.
¹ Transferências com FUNDEF/FUNDEB deduzidos.
² Dados estimados para o ano de 2007.

A composição da arrecadação muito concentrada em tributos


indiretos também resulta em danos importantes e desconhecidos para a
justiça tributária. Como foi exposto por Maria Helena Zockun,
pesquisadora da FIPE na reunião de 20 de junho último desta Subcomissão,
as famílias que ganham menos acabam pagando proporcionalmente mais
29

impostos do que as que famílias de maior renda, em grande parte porque


aquelas consomem quase tudo que ganham e aí a tributação indireta passa a
fazer o diferencial, como bem demonstrado na tabela seguinte, extraída da
apresentação da professora.

Carga Tributária Direta e Indireta sobre a Renda Total das Famílias em 1996 e em 2004

em % da renda familiar
renda mensal acréscimo de
tributação direta tributação indireta carga tributária total carga tributária
familiar
(em pontos de
1996 2004 1996 2004 1996 2004 percentagem)

até 2 SM 1,7 3,1 26,5 45,8 28,2 48,8 20,6


2a3 2,6 3,5 20,0 34,5 22,6 38,0 15,4
3a5 3,1 3,7 16,3 30,2 19,4 33,9 14,5
5a6 4,0 4,1 14,0 27,9 18,0 32,0 14,0
6a8 4,2 5,2 13,8 26,5 18,0 31,7 13,7
8 a 10 4,1 5,9 12,0 25,7 16,1 31,7 15,6
10 a 15 4,6 6,8 10,5 23,7 15,1 30,5 15,4
15 a 20 5,5 6,9 9,4 21,6 14,9 28,4 13,5
20 a 30 5,7 8,6 9,1 20,1 14,8 28,7 13,9
mais de 30 10,6 9,9 7,3 16,4 17,9 26,3 8,4

Fonte dos dados primários: IBGE, POF 1995/1996, POF 2002/2003; Vianna et. alii (2000); SRF " A Progressividade no Consumo -
Tributação Cumulativa e sobre o Valor Agregado".
* tributos considerados nas POFs: IPI, ICMS, PIS, COFINS ( indiretos); IR. contribuições trabalhistas, IPVA, IPTU (diretos); ISS.
elaboração da autora

As famílias que recebem até dois salários mínimos pagam pouco


menos da metade de sua renda apenas em impostos, segundo esse estudo da
FIPE. Na outra ponta, as famílias que recebem mais de trinta salários
mínimos contribuem para o governo com apenas 27% de sua renda. Tal
efeito regressivo fica mais claro no gráfico a seguir, que também destaca
em separado qual seria o efeito da CPMF, a partir de apuração realizada
pela Professora Zockun.
30

Carga Tributária em % da Renda Familiar - 2004

2,19

1,66
1,47
1,36 1,26 1,27 1,21
1,16 1,1
0,96
48,83
37,95
33,93 31,99 31,68 31,67 30,46 28,44 28,67 26,29

até 2 SM 2a3 3a5 5a6 6a8 8 a 10 10 a 15 15 a 20 20 a 30 mais de


30

sem CPMF (a) CPMF (b)

Elaborado por Maria Helena Zockun.

Pior é que a maior parte dessa regressividade passa despercebida


porque, como decorre da carga de tributos indiretos, consumidores e
contribuintes arcam com tal ônus sem saber, pois já vem embutido no preço
das mercadorias adquiridas e dos serviços prestados. Não custa citar dados
de relatório da FIPE e que têm como fonte primária o Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário (IBPT), a respeito dos tributos incidentes sobre o
preço de bens de uma cesta comum de consumo na cidade de São Paulo.
Eles revelam que, ao acordar e acender uma lâmpada, o brasileiro está
pagando de impostos, sem saber, 46% de sua conta de energia. Usa um
sabonete para lavar o rosto e paga 42% do seu preço em impostos. Que já
tinham explicado perto de 36% do preço da tolha de banho, bem assim do
lençol e do cobertor. No café da manhã, os impostos equivalem a 36% do
preço do café, 40% do açúcar e 35% do biscoito. Mesmo com incentivos
para a cesta básica, os impostos ainda comem 18% do preço da carne e do
feijão e 35% do macarrão. Se usa o telefone, paga 40% da conta em
impostos. Para o lazer, se compra uma TV, 38% do preço vão para o fisco.
31

Tomando uma cerveja, paga 56% em impostos; no caso da cachaça, 83%;


já o cigarro, 82%.
É importante enfatizar, novamente, que os impostos vêm embutidos
no preço das mercadorias e serviços adquiridos, seja para consumo, seja
para investimento. São os chamados impostos indiretos. Eles assumem
formas e denominações as mais diversas no Brasil: impostos - como no
caso do ICMS estadual sobre mercadorias, do IPI federal sobre produtos
industrializados e do imposto municipal sobre prestação de serviços de
qualquer natureza (ISS) -; contribuições, ora sociais - como a COFINS e o
PIS sobre faturamento em geral -, ora econômicas, como a incidente sobre
combustíveis; e mesmo taxas, como as destinadas ao Fundo de Fiscalização
das Telecomunicações (FISTEL), cobradas sobre a instalação e a licença
anual de cada telefone.
O ônus tributário é pesado não apenas pelo tamanho das alíquotas,
mas também porque, primeiro, com freqüência, elas incidem sobre o
próprio valor do imposto (as chamadas “alíquotas por dentro” são tidas
como uma invenção tributária brasileira); segundo, isso é agravado pelo
fato de que muitos tributos são cobrados sobre o valor dos outros tributos
(por exemplo, a COFINS incide sobre o ICMS, que incide sobre a
COFINS).
Um efeito colateral dessa prática é a cumulatividade que decorre de
os impostos cobrados ao longo da cadeia de produção nem sempre serem
devolvidos, quando são isentadas ou aliviadas as exportações, os
investimentos produtivos e a cesta básica. Por exemplo, não adianta isentar
o pão de imposto, se for aumentado aquele cobrado da farinha e não for
devolvido; do mesmo modo, se a exportação de um veículo for isenta, é
preciso devolver o que foi antes cobrado do aço, motor e autopeças usadas
na sua fabricação. Como essa distorção não ocorre na maioria das outras
economias, a tributação nacional prejudica a competitividade do que é
produzido no País, seja quando vai vender lá fora, seja quando concorre
com os importados no mercado interno. O Ministério da Fazenda estimou
em pelo menos 2% do PIB a incidência cumulativa remanescente na
economia brasileira, conforme o quadro seguinte, que divulgou junto com o
32

seu projeto de reforma tributária (o próprio reconheceu que o problema é


maior porque essa projeção não pôde calcular o impacto do regime
cumulativo da PIS/COFINS).

Compilado da cartilha “Reforma Tributária”, Ministério da Fazenda, 28/2/08.

O agravante é que ninguém sabe o que está pagando porque, ao


contrário das práticas tributárias dos países mais desenvolvidos, não é
informado o total de imposto cobrado sobre uma compra em sua nota ou
recibo. Logo, uma tarefa primordial, possivelmente, antecedente à própria
reforma do capítulo constitucional da tributação, respeita a acabar com essa
opacidade do sistema. É preciso fazer algo bem simples e há muito evitado:
informar o consumidor de uma mercadoria ou serviço quanto de imposto
ele está pagando no ato da compra!
A transparência tributária é missão fundamental de quem quer
transformar para valer o sistema tributário. Porque, quando os
consumidores souberem quanto pagam de imposto em cada bem que
compram, certamente terão outra atitude em relação aos governos, aos
governantes e parlamentares e ao uso dos recursos públicos. Em particular,
os mais pobres precisam descobrir que também pagam impostos e, pior, na
maioria das vezes, pagam proporcionalmente mais do que aqueles de renda
mais elevada. Isso certamente os fará, primeiro, reagir à tentativa de novos
aumentos de carga (como fizeram os profissionais liberais contra o
aumento da carga sobre os serviços ou os assalariados contra a falta de
correção da tabela do IR). Em segundo lugar, poderão refletir não somente
sobre o tamanho e a qualidade da carga tributária, mas também sobre o
33

poder público como um todo, se o que recebem em benefícios e serviços


dos governos compensa ou está à altura do que pagam em impostos.
Chama a atenção que a falta de transparência é a mãe da
regressividade, da elevada carga tributária, da injustiça social e da
inadequação do sistema tributário do País. Reformar esta estrutura deve
começar por transformar os consumidores-pagadores em cidadãos-
cobradores.
34

CAPÍTULO 3

O PROJETO DO EXECUTIVO FEDERAL

Se os dois primeiros capítulos deste relatório demonstraram a


necessidade de se reformar o sistema tributário, vale mencionar que tal
mudança consumiu a maior parte dos esforços desta Subcomissão.
Tais debates tiveram como referencial as diretrizes propostas pelo
Ministério da Fazenda. O representante recomendado pelo Presidente da
República para discutir a matéria, o Secretário de Política Econômica
daquela Pasta, Senhor Bernard Appy, compareceu em três oportunidades às
Audiências Públicas da Subcomissão só em 2007.
Ao final de fevereiro último, o Poder Executivo Federal enviou ao
Congresso uma proposta de emenda constitucional para reformar parte do
sistema tributário nacional.

Segundo a correspondente Exposição de Motivos, “os objetivos


principais da Proposta são: simplificar o sistema tributário nacional,
avançar no processo de desoneração tributária e eliminar distorções que
prejudicam o crescimento da economia brasileira e a competitividade de
nossas empresas, principalmente no que diz respeito à chamada “guerra
fiscal” entre os Estados. Adicionalmente, a Proposta amplia o montante de
recursos destinados à Política Nacional de Desenvolvimento Regional e
introduz mudanças significativas nos instrumentos de execução dessa
Política.”

O Poder Executivo Federal atribui a necessidade de se reformar o


atual sistema tributário a problemas que podem ser resumidos em:
complexidade, cumulatividade, aumento do custo dos investimentos,
35

distorções do imposto estadual sobre mercadorias, guerra fiscal e tributação


excessiva da folha de salários.

Para tentar solucionar tais questões, são propostas mudanças


constitucionais que podem ser sintetizadas em torno de seis grandes temas,
segundo diretrizes divulgadas pelo Ministério da Fazenda.

A primeira diretriz é a simplificação de tributos federais. A principal


medida só entrará em vigor no segundo ano após aquele em que for
aprovada a reforma e compreende: a extinção de cinco tributos federais e a
criação de um novo imposto federal sobre o valor adicionado (IVA-F),
mantendo neutra a arrecadação. “Neste sentido, seriam extintas a Cofins, a
Contribuição para o PIS, a CIDE-Combustíveis e a Contribuição sobre
folha para o Salário-Educação, cuja receita seria suprida pelo IVA-F.
Adicionalmente, propõe-se a extinção da CSLL, que seria incorporada pelo
imposto de renda das pessoas jurídicas.” O projeto não contempla a
extinção ou fusão de qualquer imposto estadual ou municipal, nem
extingue alguma das categorias de contribuições.
Já a simplificação do ICMS, tomará por base a unificação das 27
legislações estaduais desse imposto. O governo federal prevê a criação de
um “Novo ICMS”, com a mesma abrangência - mercadorias e apenas os
serviços de comunicações e transportes não-municipais. Quanto às
alíquotas, “... serão nacionalmente uniformes e fixadas na seguinte
seqüência: a) o Senado define quais serão as alíquotas aplicáveis
(provavelmente 4 ou 5 alíquotas); b) o Confaz propõe o enquadramento dos
bens e serviços entre as diversas alíquotas; c) o Senado aprova ou rejeita a
proposta do Confaz.” Ainda é previsto que, para um número limitado de
bases tributárias, será facultado aos Estados aplicar alíquotas diferenciadas.

A segunda diretriz respeita ao fim da guerra fiscal entre os Estados


em torno do ICMS, que seria obtida a partir de mudança na tributação das
transações interestaduais – com a adoção do chamado “princípio de
destino”. O imposto até poderá ser cobrado no Estado de origem (como
36

forma de combater a sonegação), mas a receita necessariamente pertencerá


ao Estado de destino, salvo uma pequena alíquota que seria mantida na
origem (como estímulo à fiscalização). Para compensar aqueles Estados
que eventualmente percam receita com a mudança na tributação
interestadual, é prevista a criação de um Fundo de Equalização de Receitas,
prevendo que os seus recursos “... sejam utilizados de forma decrescente
para a compensação dos Estados pela desoneração das exportações e de
forma crescente para a equalização dos efeitos da Reforma Tributária”.

A terceira diretriz contempla medidas de desoneração tributária,


principalmente nas incidências mais prejudiciais ao desenvolvimento. O
Ministério da Fazenda relaciona especificamente três formas de
desoneração: da folha salarial (“... redução de 20% para 14% da
contribuição dos empregadores..., a qual seria implementada ao ritmo de
um ponto percentual por ano...”); dos investimentos (“... pela redução
gradual do prazo requerido para a apropriação dos créditos de impostos
pagos na aquisição de máquinas e equipamentos”); e da cesta básica (“...
abre-se a oportunidade de rever a estrutura de alíquotas atualmente
existente...”). Ainda é destacado que disposição transitória de caráter
programático “... assegura que não haverá aumento da carga tributária em
decorrência da criação do IVA-F e do Novo ICMS.”

A quarta diretriz respeita à correção das distorções dos tributos sobre


bens e serviços que prejudicam o investimento, a competitividade das
empresas nacionais e o crescimento. O modelo de tributação indireta será
mais simples e próximo das melhores práticas internacionais, tendo por
base a introdução da nota fiscal eletrônica. Três distorções serão
necessariamente corrigidas: “desoneração completa das exportações...;
forte redução da cumulatividade...; fim do favorecimento às importações”.

Na quinta diretriz, o aperfeiçoamento da Política de


Desenvolvimento Regional (PDR) é sublinhado no contexto dessa reforma
tributária que busca o fim da guerra fiscal. Para tanto, são mencionadas: “...
37

a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR)...;


ampliação do montante de recursos destinados à PDR, através da
destinação ao FNDR de montante equivalente a 4,8% da receita de IR e IPI
- hoje, considerando os fundos constitucionais, o Fundo de
Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e o Fundo de Desenvolvimento da
Amazônia (FDA), este montante equivale a 4,1% do IR e IPI; ampliação do
escopo da política de desenvolvimento regional através da possibilidade de
aplicação de até 5% dos recursos nas áreas menos desenvolvidas das
regiões Sul e Sudeste, garantindo-se assim a ampliação do montante de
recursos dessa política para todas as regiões; garantia de que pelo menos
60% dos recursos do FNDR serão aplicados em financiamentos, através
dos instrumentos atualmente existentes, visando evitar a descontinuidade
do modelo já implementado...”, dentre outras medidas.

A sexta e última diretriz básica respeita à melhoria da qualidade das


relações federativas, de modo a ampliar a solidariedade fiscal entre a União
e os Estados e Municípios, a permitir a correção das distorções do sistema
e, ao mesmo tempo, a aprimorar o federalismo fiscal no País. A maior
mudança respeita ao alargamento da base de partilha da principal
transferência federal. “No caso das partilhas estaduais, para evitar a
alteração das porcentagens do FPE e FPM já consagradas na Constituição,
optou-se por definir-se uma base de partilha cujo valor corresponde
exatamente à receita atual do IR e IPI. Esta base de partilha corresponde à
receita do IR, IPI e IVA-F, deduzidas as porcentagens destinadas à
seguridade, ao FAT/BNDES, à educação básica e à infra-estrutura de
transportes.” Já no caso dos programas federais atendidos atualmente por
contribuições, também são previstas participações na arrecadação conjunta
dos três impostos federais (IR, IPI e IVA-F), pois “a metodologia adotada
garante que não há perda de recursos para nenhuma das finalidades, apenas
altera-se a base tributária sobre a qual estes recursos são definidos. As
porcentagens relativas à seguridade e ao FAT/BNDES são fixadas na
Constituição, enquanto as porcentagens relativas à educação básica e à
infra-estrutura de transportes poderão ser alteradas por lei complementar.
38

Para a educação básica há uma garantia adicional de que, em nenhuma


hipótese, a porcentagem definida na lei complementar será inferior à
calculada com base na receita do Salário Educação em seu último ano de
vigência.”

Por último, a proposta do Executivo Federal prevê que a grande


maioria das novas disposições constitucionais permanentes só entrará em
vigor a partir do segundo ou do oitavo ano seguinte àquele em que for
promulgada a referida emenda.
39

CAPÍTULO 4

O NOVO SISTEMA TRIBUTÁRIO

A avaliação atribuída ao Senado, em caráter exclusivo, pela


Constituição Federal, seria limitada ou insuficiente se apenas formulasse
um diagnóstico, apontando quanto se arrecada no País e quanto de má
funcionalidade implica o atual sistema tributário. É preciso apresentar uma
avaliação construtiva, que aponte alternativas para melhorar a qualidade do
sistema e sem prejudicar o desempenho das administrações tributárias.
Aqui serão apresentadas reflexões nesse sentido proativo, sem a menor
pretensão de constituir um projeto pronto e acabado. Não será formulado
outro projeto de reforma tributária, mas será defendido um processo para a
construção de um novo sistema tributário para o Brasil.

O objetivo central desta proposta é melhorar a qualidade da


tributação no Brasil e reduzir sua carga.
A parcela visível da carga tributária, ou seja, aquela representada
pelo volume da arrecadação de impostos, taxas e contribuições, depende de
alíquotas, bases de cálculo e outras definições a serem estabelecidas na
legislação infraconstitucional posterior. O novo sistema proposto
contempla mecanismos para mitigar essa carga tributária visível,
especialmente para que ela não volte a crescer durante esse redesenho.
Existe, entretanto, a carga tributária invisível, que é representada
pelo custo de pagar tributos. O Brasil é campeão mundial nesse quesito e
com larga folga de vantagem para os outros países que se excedem na
burocracia. Estudo do Banco Mundial apurou que uma empresa padrão
gasta no Brasil 2.600 horas por ano para pagar os impostos básicos. Entre
40

os 177 países analisados, em apenas 23 são exigidas mais de 500 horas/ano,


sendo profunda a diferença do Brasil em relação aos países desenvolvidos e
até mesmo aos emergentes, como ilustrado no gráfico a seguir. Essa carga
invisível é fruto da má qualidade e da estrutura pouco funcional do sistema
tributário brasileiro. A sua redução é o objetivo desta proposta de
construção de novo sistema tributário e isso será assegurado pela profunda
simplificação aqui defendida na forma de se cobrar tributos no País.

HORAS GASTAS PARA SE PAGAR IMPOSTOS EM PAÍSES SELECIONADOS


2600

2500

2000

1500

H
o 1120
r 1000
a 872
s
615
552
500 448
350 350
298 316 325
268 271 290
170 180 196
135 166
63 80 87 105 107 119 132

Impostos Consumo Impostos Renda (PJ) Impostos Salários

Fonte primária: World Bank and Price Waterhouse Coopers, Paying Taxes 2008.
Impostos compreendem também contribuições e taxas. 23 dos 177 Países pesquisados exigem mais de
500 horas/ano para pagar impostos, a saber (em ordem alfabética): Argentina; Armenia; Belarus; Bolívia;
Brasil; Bulgária; Camarões; República Centro-Africana; China; República do Congo; República Tcheca;
Equador; Egito; Laos; Mauritânia; México; Nigéria; Paquistão; Senegal; Timor-Leste; Ucrânia;
Venezuela e Vietnã.

Há um conceito fundamental para permear tudo que será


desenvolvido nesta proposta: o entendimento de que a construção de um
novo sistema tributário constitui um processo. Ela não pode ser limitada
apenas a um ato. Não é possível desatar todos os nós do sistema com uma
única emenda constitucional, por mais bem preparada que seja.
41

É preciso revisar o tratamento que foi dispensado aos projetos de


reforma tributária dos anos anteriores. Não se deve concentrar demasiada
atenção na mudança constitucional e menosprezar ou abandonar, as
alterações na legislação ordinária e nos regulamentos.
Um dos equívocos cometidos por projetos de reforma tributária tem
sido iniciar o debate pela apresentação e exame de um texto legal, ou seja,
começando pelo que deveria ser o fim. Antes de formular um texto legal,
cabe avaliar o consenso em relação ao desenho proposto, principalmente
em relação aos seus aspectos federativos.
Tive o propósito de iniciar o exame da mudança na tributação no
Brasil apresentando aqui um desenho inicial do que será o novo sistema.
Havendo entendimento sobre ele, passar-se-ia a examinar as estatísticas
fiscais, estimando a arrecadação e a situação que adviria para cada esfera
de governo e ente federado da adoção do novo desenho, dentre outros
aspectos quantitativos. Só então passar-se-ia à redação dos textos
constitucionais e legais, como indicado na proposta minimamente
acordada.

Esta é uma proposta para desenho de um novo sistema tributário


nacional, que será construído a partir de um processo gradual e progressivo
de mudanças nas áreas da legislação tributária – constitucional e ordinária –
e da administração tributária.

No âmbito constitucional, o texto ficará limitado a três matérias: a


definição de tributo e dos seus limites; a distribuição das competências
tributárias entre os entes federativos; e a fixação das parcelas da receita a
serem repartidas entre eles.
Toda e qualquer norma que trate da extração compulsória de recursos
pelo Poder Público, hoje dispersa entre vários capítulos da Carta Magna,
será transferida para o capítulo do sistema tributário.

A fundamentação da proposta para a divisão federativa das


competências tributárias é a seguinte: concentrar as competências de
42

tributos que gravam a renda, os lucros, o comércio exterior e a folha


salarial, na União; as que incidem sobre o mercado doméstico de produtos
e serviços, nos Estados; e as relativas à propriedade imobiliária, nos
Municípios.
O fato de um governo centralizar a cobrança e a fiscalização do
imposto não significa que a receita lhe pertença integralmente. As atuais
experiências bem sucedidas na repartição de impostos entre Estados e
Municípios - como no caso da quota-parte municipal do ICMS e do
imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) -, bem como
das transferências vinculadas à educação - caso do FUNDEB -, indicam
que é possível repartir o produto da arrecadação já na rede bancária, de
modo automático e no mais curto período de tempo possível, sem que a
receita transite pelos cofres do governo responsável pela coleta do imposto.

No âmbito da legislação infraconstitucional, o principal instrumento


será o Código Tributário Nacional, que concentrará a regulamentação do
sistema tributário redesenhado pela emenda constitucional. A entrada em
vigor do novo código também definirá a vigência do novo Sistema. Para
este código serão transferidos todo o detalhamento e todas as normas
específicas hoje discriminadas no texto constitucional.
Outras mudanças na legislação podem ser promovidas
independentemente da aprovação da emenda constitucional e do código
tributário. É o caso, por exemplo, da elaboração de regulamentos que
consolidem toda a legislação de cada tributo e em cada esfera de governo.
Outro caso é o do início da desoneração efetiva das exportações e dos
investimentos produtivos, incluindo o equacionamento gradual do passivo
de créditos tributários acumulados, especialmente no caso do ICMS dos
exportadores.

No âmbito da administração tributária, é sugerido o seguinte: a


criação e a implantação de cadastro único de contribuintes, em caráter
nacional, seja de pessoas jurídicas, seja de físicas, e se possível também de
veículos e de bens imóveis; a implantação da emissão eletrônica de notas
43

fiscais, com um só procedimento em todo território nacional; a organização


de um sistema integrado de informações fiscais, abrangendo dados e ações
de todas as administrações fazendárias, inclusive as estaduais e as
municipais; e a obrigação de que o contribuinte seja informado do
montante estimado do conjunto de tributos hoje incidentes sobre a venda de
uma mercadoria ou a prestação de um serviço.

A apreciação da proposta da emenda constitucional não dependerá e


nem condicionará algumas mudanças legislativas e administrativas, pois a
PEC poderá ser examinada ao mesmo tempo em que são decididas e
adotadas aquelas medidas.

Sem a pretensão de propor um desenho pronto e acabado, pretendo


analisar a seguir as mudanças mais relevantes que integrarão o sistema
tributário ora proposto.

Aspectos Gerais do Novo Sistema

• Definição de tributos
• Anterioridade
• Regime simplificado para micro e empresas de pequeno porte
• Regime de base presumida para serviços profissionais e médias empresas
• Regime especial para agricultura e isenção para cesta básica
• Taxa não poderá arrecadar mais que gasto efetivo por ela custeado
• Cadastro único e sistema nacional de informações fiscais
• Transparência tributária
• Novo Código Tributário Nacional
• Extinção de empréstimos compulsórios para investimentos, imposto sobre
grandes fortunas e enfiteuse sobre terrenos da Marinha
44

• Definição de Tributo

A redefinição de tributo constitui o primeiro passo para


construir um novo sistema.
A proposta é iniciar o capítulo constitucional do Sistema
Tributário Nacional (art.145, caput, novo inciso), discriminando os
tributos e adotando a definição de tributo que hoje consta no art. 3º
da Lei n. 5.172, de 25/10/1966, com um acréscimo de uma
expressão final:
“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda
ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de
ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada e cuja receita pertença a
entidade de direito público.
Os tributos compreenderão impostos, taxas e contribuições.”

O principal efeito prático da adoção inicial dessa definição


será a inclusão das contribuições no rol de tributos. Isso tem um
caráter simbólico, pois, na prática, as contribuições já constituem
uma forma de extrair recursos compulsoriamente da sociedade. Os
Constituintes de 1988 já tinham sinalizado nessa direção ao
estender algumas normas dos impostos para as contribuições
criadas pela União. A proposta é completar esse movimento. Isto
porque, como já foi dito, a arrecadação das contribuições já
superou, em muito, a receita de impostos no âmbito da União, e já
se equivalem no governo consolidado.
A mera inclusão das contribuições no rol de tributos já
assegura que estarão sujeitos a todos os princípios e, especialmente,
às restrições que já alcançam impostos – como a legalidade, a
irretroatividade e a anterioridade.
Cabe precisar que a competência para criar contribuições será
exclusiva da União, com raras exceções. Especificar que a
contribuição constitui um tributo não esgota o assunto, pois a
racionalização do sistema impõe a extinção da maior parte das
atuais contribuições e sua transformação em impostos.
45

Importa destacar que, sempre que contribuições forem


incorporadas e transformadas em impostos, o sistema tributário
proposto contemplará a destinação de parcelas da receita tributária
da União para as atividades públicas específicas até então
beneficiadas pelas receitas das contribuições a serem extintas.

• Princípio da Anterioridade Ampliada

Uma mudança que isoladamente já provocará uma


transformação radical na vida dos contribuintes respeita à
ampliação do conceito de anterioridade (art.150, inciso III).
A proposta é que nenhum tributo (imposto, taxa ou
contribuição) seja criado ou majorado sem que “a respectiva lei
tenha sido aprovada pelo Poder Legislativo até 30 de junho do
exercício anterior àquele em que entrar em vigência”. Excetuam-se
desta restrição tão somente o eventual aumento dos três impostos
de caráter regulatório (sobre exportações, importações e operações
financeiras).
A intenção é ampliar o princípio para tornar efetivamente mais
previsível, tanto o orçamento da administração pública, quanto o
planejamento dos contribuintes. Quando o Chefe do Executivo
enviar o projeto de lei do orçamento anual ao Poder Legislativo, já
conhecerá e considerará na sua elaboração apenas a legislação
tributária que efetivamente estará em vigor no exercício financeiro
seguinte. Desse modo, no segundo semestre, a apreciação do
orçamento será concentrada apenas na alocação dos recursos. Já os
contribuintes poderão planejar suas atividades para o ano seguinte
sabendo, com a devida e adequada antecedência, a que carga
tributária estarão sujeitos.
46

• Regime Simples para Micro e Pequenas Empresas

O tratamento diferenciado e favorecido para microempresas e


empresas de pequeno porte (art.146, inciso III, alínea “d”, e
parágrafo único) deverá ser fortalecido no novo sistema tributário.
O objetivo é aprofundar e completar a maior inovação
realizada pela última alteração constitucional, objeto da Emenda
Constitucional nº 42, de 2003, que levou à criação de um regime
simplificado em escala nacional, abrangendo tributos das três
esferas de governo – conhecido como “SuperSimples”.
É preciso assegurar que essa faculdade seja oferecida a todos
os setores da economia, especialmente aos serviços que foram
impedidos de aderir aos regimes simplificados vigentes.
Uma hipótese que reclamará maiores estudos respeita à
possível delegação aos Municípios da competência para cobrar e
fiscalizar o novo regime simplificado nacional, caso futuramente o
ISS também viesse a ser incorporado ao IVA Nacional.

• Regime de Base Presumida

No momento em que se procura eliminar a burocracia e


diminuir o custo de pagar imposto e a própria carga tributária dos
contribuintes, não faria nenhum sentido modificar uma sistemática
que está operando com grande eficiência e reduzido custo. A
proposta é que seja mantida e melhorada a sistemática de cálculo
do imposto com base no lucro presumido.
Os profissionais liberais poderão optar por não se submeterem
ao IVA Nacional (vez que hoje já não são contribuintes do ICMS
estadual) e continuarem sujeitos a tributação pelo lucro presumido,
sobre o qual incidirá somente o imposto de renda. Nesse novo
47

regime de base presumida, a alíquota máxima incidente sobre a


receita bruta será o somatório das alíquotas efetivas atuais exigidas
pelo IRPJ, pela CSLL, pela COFINS e pelo PIS.

• Agricultura e Cesta Básica

Será criado um regime especial e diferenciado de tributação da


agricultura, especialmente para efeitos de aplicação do IVA
Nacional, para atender as especificidades deste setor. As mercadorias
que compõem a cesta básica de consumo essencial da população
mais pobre também serão isentas do IVA Nacional.

• Taxas

Será assegurado que a exigência do valor de uma taxa não


resultará em arrecadação superior às despesas efetivamente
incorridas no exercício do poder de polícia ou na prestação dos
serviços públicos, que justificam sua cobrança. A receita de cada
taxa será apartada dos demais recursos públicos e aplicada apenas
em sua finalidade específica; o saldo que não for utilizado ao final
do ano reverterá em redução do valor da taxa exigida no exercício
seguinte. Isso dará plena eficácia àquela restrição, particularmente
para evitar que a União venha a recorrer à criação e à majoração de
taxas como meio para contornar os efeitos da extinção de
contribuições e da repartição intergovernamental e destinação
setorial do total da receita de impostos.
48

• Cadastro Único

Serão adotados cadastro único de contribuintes (pessoas


jurídicas e pessoas físicas) e sistema de informações fiscais de
caráter nacional, ambos compartilhados pelo fisco federal com cada
fisco estadual, distrital e municipal, conforme contribuintes das
respectivas jurisdições e sob coordenação da União. Esses
instrumentos estão vinculados à adoção universal da emissão
eletrônica de notas fiscais.

• Transparência Tributária

Outra importante mudança em favor dos contribuintes respeita


à determinação para que, na forma da legislação complementar,
seja obrigatório discriminar nas notas e documentos relativos à
venda de bens ou prestação de serviços o montante total dos
tributos incidentes diretamente sobre aquela transação. Não se trata
de informar alíquotas, mas apenas o valor e o conjunto de tributos
(indiretos) incidentes sobre aquela venda, ainda que tal apuração
seja feita por estimativa. Também não é o caso de constar o valor
dos tributos na publicidade ou exibição do preço dos produtos, mas
apenas de informar uma estimativa da incidência total sobre a
venda na respectiva nota fiscal.
O novo sistema eliminará muito das atuais incidências
tributárias e reunirá aquelas que incidem sobre uma mesma base,
de modo que será mais explícita a carga incidente sobre cada bem
ou serviço. Também será vedada a aplicação de alíquotas “por
dentro”, como hoje é feito no caso do ICMS (o imposto incide
sobre ele próprio), de modo a explicitar a real dimensão de cada
tributo.
49

• Novo Código Tributário

Um aspecto crucial respeita à unificação e consolidação do


Código Tributário Nacional. Uma única lei complementar deve
consolidar, unificar e harmonizar toda e qualquer matéria sobre
tributação. As mudanças sugeridas neste Relatório deverão ser
incorporadas ao atual Código.

• Empréstimo Compulsório

No novo sistema será extinta a possibilidade de sua criação


para financiar investimentos (art.148, II), que perdeu muito do
sentido depois das mudanças no regime da responsabilidade fiscal e
nem foi utilizado após a Constituição de 1988.

• Imposto sobre Grandes Fortunas

Para atender ao objetivo de simplificar o sistema, é extinta a


competência para criar o imposto sobre grandes fortunas (art.153,
VII), visto que tal imposto só pode ter como base a renda ou o
patrimônio, que já estão sujeitos a impostos específicos.
50

• Enfiteuse sobre Terrenos da Marinha

Outra forma tortuosa e escondida de oneração compulsória da


propriedade respeita ao instituto da enfiteuse sobre os terrenos de
Marinha, gravados pela União na forma de laudêmio sobre a
transmissão e de foro anual sobre o domínio útil. Propõe-se
extinguir estes ônus porque os imóveis correspondentes já estão
sujeitos a impostos sobre a sua transferência (ITBI/ITCMD) e
sobre sua propriedade (IPTU/ITR).

• Imposto sobre o Valor Adicionado

Sistema Atual Sistema Proposto


União cobra os seguintes tributos sobre Único e amplo imposto sobre valor
bens e serviços: IPI; COFINS; PIS; adicionado (IVA-NACIONAL).
CIDE; FUST; FUNTTEL e outras
contribuições.
Estados cobram o ICMS.

A fusão dos diferentes tributos que alcançam o mercado


interno de bens e serviços em um único e amplo imposto sobre
valor adicionado constitui uma mudança fundamental do novo
sistema tributário.
51

IVA NACIONAL

 Competência legislativa exclusiva da União.


 Fiscalização pelos Estados e pelo Distrito Federal.
 Arrecadação nacional, compartilhada entre as duas esferas de governo.
 Desoneração das exportações e dos investimentos produtivos.
 Cadastro único de contribuintes e sistema nacional de informações -
emissão eletrônica de notas fiscais.
 Alíquotas seletivas e fixadas em lei complementar. O Senado enquadrará
por alíquota as mercadorias e os serviços, por iniciativa do Executivo
Federal.
 Cobrança integral na origem.
 Receita partilhada entre a União e os Estados, diretamente a partir da rede
bancária, sem transitar pelos cofres do Estado em que for recolhida.
 No caso dos Estados, pertence ao de origem uma pequena parte do
arrecadado em qualquer caso. A maior parte dos recursos alocada entre
todos Estados segundo índice de participação relativa no consumo final dos
bens e serviços tributados, apurado periodicamente pelo IBGE.
 Mantida repartição de 25% da receita estadual do IVA para Municípios.
 Nos primeiros três anos, quota estadual alocada conforme a atual
participação de cada Estado na arrecadação nacional de ICMS.
 Fundo de compensação para eventuais perdas estaduais, tendo por base o
total da arrecadação tributária da União.
 Vedada a concessão de incentivos fiscais que não tenham caráter nacional.
Fomento ao desenvolvimento regional permitido com recursos oriundos do
orçamento próprio.
 Mantida diferenciação de alíquota na Zona Franca de Manaus equivalente
ao atual IPI.
 Facultado a Estado que aplique hoje alíquota de ICMS superior à padrão
criar adicional , sobre consumo final de até 4 bens, cobrado no destino.
 Competência da justiça estadual. Receita de multas apenas para Estado
responsável pela cobrança ou para União, caso de fiscalização supletiva.

Será chamado de IVA Nacional, porque sua legislação e sua


regulamentação terão caráter nacional.
Esse imposto incidirá sobre a circulação de mercadorias e a
prestação de serviços. As demais receitas hoje alcançadas pela
COFINS e pelo PIS e não sujeitas a incidência do IVA Nacional
terão um tratamento tributário específico, podendo, inclusive,
serem alcançadas pela incidência do imposto de renda.
52

O IVA Nacional incorporará todo e qualquer tributo federal


que hoje incide sobre o faturamento ou a receita das empresas,
como é o caso: do imposto sobre produtos industrializados (IPI);
das duas contribuições sociais incidentes sobre o faturamento e
receitas (COFINS e PIS); e das contribuições econômicas, como as
incidentes sobre combustíveis (CIDE) e as destinadas ao Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) e ao
Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações
(FUNTTEL), dentre outros.
O ICMS estadual será transformado em um autêntico imposto
sobre valor adicionado, nos moldes adotados na Europa há tempos
e, agora, na imensa maioria dos países do mundo.
Como a COFINS e o PIS já alcançam hoje toda e qualquer
prestação de serviços, por princípio, não será necessário extinguir o
correspondente imposto municipal sobre serviços de qualquer
natureza (ISS) para que o novo IVA Nacional alcance tal base.

O IVA terá legislação e arrecadação nacional. O que será


compartilhado entre a União e os Estados é a receita do IVA, e não
a competência para sua criação (que será da União) ou para sua
cobrança (que será dos Estados).
Atingirá a mesma mercadoria ou o mesmo serviço,
independentemente de onde seja produzido, importado ou prestado,
sujeito às mesmas alíquotas, à mesma forma de apuração e, quando
for o caso, aos mesmos incentivos – como no caso de isenções ou
reduções para a cesta básica.

Competirá aos Estados executar sua cobrança – ou seja,


lançar, fiscalizar e cobrar judicialmente.
As autoridades fazendárias federais, por sua vez, exercerão um
papel chave na retaguarda desse processo: gerir o sistema nacional
de informações fiscais, compreendendo desde o cadastro único de
53

contribuintes até a exigência de notas fiscais eletrônicas em todas


as transações.
Essa opção reflete o fato de que as autoridades fazendárias
estaduais possuem longa e ampla tradição na tributação do valor
adicionado pelo método de imposto contra imposto (caso do
ICMS), enquanto as federais só há poucos anos passaram a gerir
um regime não-cumulativo amplo e ainda assim apurado por outro
método, de base contra base (no caso da COFINS e PIS).

Competirá à União legislar sobre o imposto. Para tanto,


tomará por base as normas gerais estabelecidas em capítulo
específico do novo código tributário nacional. A regulamentação,
as consultas e as interpretações terão caráter nacional.

O IVA Nacional, a exemplo do atual ICMS e diferentemente


da COFINS/PIS, será apurado por operação de circulação de
mercadoria e por prestação de serviço, compensando o imposto
devido sobre as saídas com o imposto creditado sobre as entradas
de cada contribuinte, com a novidade de que não discriminará entre
os insumos e os demais bens ou produtos por ele adquirido. Isso
garante a desoneração completa e imediata dos bens de uso e
consumo e, principalmente, dos bens de capital incorporados ao
ativo permanente dos contribuintes. As exportações terão
imunidade do IVA e será reforçada a garantia de aproveitamento
dos eventuais saldos credores acumulados, seja por ressarcimento,
seja por transferência a outros credores.
O IVA será exigido no ato da saída de mercadoria ou da
prestação do serviço - ou seja, será cobrado integralmente no
Estado de origem. A justificativa para adoção deste princípio é o
combate mais eficaz da sonegação. Isto sem contar que qualquer
saída ou prestação será necessariamente realizada mediante a
emissão de nota fiscal eletrônica.
54

As alíquotas do IVA Nacional serão seletivas em função da


essencialidade das mercadorias e dos serviços (princípio hoje
adotado no ICMS e IPI).
O novo imposto não incidirá sobre ele próprio (ou seja, a
alíquota será calculada “por fora”).
Alíquotas serão fixadas em lei complementar. Para assegurar o
equilíbrio federativo, competirá privativamente ao Senado Federal,
por proposta do Presidente da República e aprovada por quórum
qualificado, o enquadramento por alíquota das mercadorias e dos
serviços.
A mercadoria ou o serviço será enquadrada em uma de até oito
alíquotas “ad valorem”.
Como o IVA Nacional será cobrado integralmente na origem,
sobre qualquer saída de mercadoria ou prestação de serviço, não
mais existirão alíquotas interestaduais como no atual ICMS.

Será vedado estabelecer alíquotas, isenções ou quaisquer


benefícios ou mesmo regras diferenciadas por região ou localidade.
Deste modo, o mesmo produto, fabricado em qualquer uma das 27
unidades federadas, ou se consumido em qualquer uma delas,
deverá pagar o mesmo imposto, sujeito às mesmas regras, e
recolhido na mesma data.
O Estado não poderá reduzir de qualquer forma o imposto
exigido dos contribuintes nele estabelecidos e nem conceder
quaisquer benefícios fiscais e financeiros – inclusive, não poderá
retardar prazos de recolhimento, conceder crédito presumido ou
deixar de cobrar o imposto ou relaxar na execução de dívidas.
A atual guerra fiscal é afastada pelo simples fato de que o
Estado não terá competência para legislar ou regulamentar o IVA
Nacional. O Estado poderá continuar fomentando o
desenvolvimento regional, inclusive atraindo novos
empreendimentos, porém, mediante a alocação de recursos
55

oriundos de seu orçamento – isto é, à conta de sua receita própria e


não da dos outros Estados, como atualmente ocorre.

A competência para o julgamento de assuntos relativos ao


IVA Nacional será da justiça estadual.
O produto da arrecadação de multas pertencerá ao Estado que
cobrar o IVA Nacional e, nesse caso, não será aplicado o repasse
para a União da sua quota e nem o rateio para outros Estados da
quota-parte estadual.
Em casos definidos em lei complementar (por exemplo, se
houver indício de sonegação e relaxamento na cobrança pelo fisco
estadual), a União poderá supletivamente promover a cobrança
administrativa e a execução judicial do IVA Nacional, hipótese em
que o produto da arrecadação das multas (de mora e de ofício) lhe
pertencerá integralmente (isto é, sem aplicação da quota estadual).

O produto da arrecadação do IVA Nacional será dividido em


duas quotas: a da União e a dos Estados.
Os dois percentuais, o da quota federal e o da quota estadual,
serão previamente fixados no próprio texto da Constituição.
O produto da arrecadação do novo IVA Nacional será alocado
à União e aos Estados automaticamente pela rede bancária, sem
passar pelos cofres do tesouro estadual responsável pela cobrança -
a exemplo da atual repartição (entre o governo estadual e
respectivos municípios) do IPVA e do FUNDEB. O contribuinte
preencherá uma única guia de recolhimento, não precisando
discriminar quanto caberá a cada governo.
A quota federal será o percentual correspondente à
participação da receita dos impostos e contribuições da União que
serão incorporados ao IVA Nacional na receita deste. Já a quota
estadual será o percentual da participação do ICMS na receita do
IVA Nacional.
56

Da quota estadual, um percentual pequeno pertencerá ao


Estado de origem da arrecadação, em toda e qualquer operação ou
prestação. O saldo remanescente será alocado entre todas as 27
unidades federadas proporcionalmente ao índice de participação de
cada uma no consumo nacional das mercadorias e serviços sujeitos
ao imposto. O referido índice será periodicamente apurado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fixado pelo
Tribunal de Contas da União (TCU).
Portanto, pela sistemática proposta de divisão federativa do
IVA Nacional, o imposto será cobrado integralmente no local de
origem da produção, importação ou comercialização de
mercadoria, ou ainda da prestação de serviço. A parcela estadual do
IVA será partilhado, na maior parte, segundo o consumo final
tributado de bens e serviços realizados em seu território e, na
menor parte, segundo a origem da arrecadação.

Continuará pertencendo aos Municípios 25% da receita que


cada Estado receber a título de quota-parte do IVA Nacional, sem
que sejam alterados os critérios de rateio entre os governos
municipais hoje aplicados à quota do ICMS.

A criação do IVA Nacional exigirá atenção para ao menos


cinco aspectos específicos abordados a seguir.

Em primeiro lugar, para evitar o aumento da carga tributária


no processo de nacionalização das alíquotas, que ocorreria caso as
alíquotas elevadas do ICMS hoje existentes em alguns Estados
fossem tomadas em conta para a fixação do IVA Nacional, será
facultado ao Estado criar um adicional sobre o novo imposto. Este
poderá ser exigido de até quatro mercadorias ou serviços sujeitos
ao novo imposto, desde que destinadas a consumo final (para
dispensar a concessão de crédito na operação seguinte) e seja
sempre exigido no Estado de destino da operação ou prestação. A
57

arrecadação do adicional também será repartida, em 25%, para os


Municípios do respectivo Estado.

Em segundo lugar, nos três primeiros anos de exigência do


novo IVA Nacional, a quota-parte estadual será alocada entre os
Estados segundo a participação relativa de cada um no produto da
arrecadação nacional do ICMS vigente. Esse período também
permitirá ao IBGE organizar a apuração por Estado do consumo
final tributado pelo novo imposto.

Em terceiro lugar, será necessário adotar mecanismo pelo qual


a União garanta aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
que não haverá perda de receita tributária em relação à situação
anterior. É proposta a criação de um Fundo de Compensações, na
forma de transferência da União em favor dos Estados que tenham
sofrido perdas financeiras depois da criação do novo sistema
tributário. A origem dos recursos será a receita tributária federal, a
mesma base dos fundos de participação.

Em quarto lugar, há o caso particular da Zona Franca de


Manaus (ZFM). Será prevista uma redução da alíquota do novo
IVA Nacional, que seja equivalente à alíquota vigente do IPI
aplicada fora de Manaus, para uma lista de mercadorias com
produção atualmente concentrada naquela zona franca. Na prática,
será mantido o mesmo incentivo fiscal hoje existente, sem prejuízo
da incorporação de impostos e contribuições ao IVA Nacional.

Em quinto lugar, é importante alertar que serão mantidos os


programas e os recursos hoje alocados a partir das contribuições
que vierem a ser incoporadas ao IVA Nacional, tanto na área social
(exemplos da seguridade social, do ensino básico e do seguro-
desemprego e abono salarial), quanto na área econômica (exemplos
dos investimentos em transportes, em comunicações e no
58

desenvolvimento tecnológico). Será exigida a destinação pela


União de parcelas do produto da arrecadação tributária da União
para as mesmas ações e serviços específicos atendidos pelas atuais
contribuições. Tais porcentagens serão fixadas de modo que
resultem em montantes equivalentes ao das receitas das
contribuições a serem extintas.

Em síntese, a proposta é criar um único e amplo imposto


nacional sobre valor adicionado, o IVA Nacional. Será cobrado
pelos Estados, recolhido integralmente na origem e com
arrecadação nacional, pertencente à União e aos Estados e
Distrito Federal. A quota federal será uma porcentagem
equivalente à participação dos impostos e contribuições da
União na receita do IVA Nacional. A quota estadual será a
participação do ICMS nessa mesma receita. A arrecadação
será alocada diretamente à União e aos Estados pela rede
bancária, sem transitar pelos cofres do Estado em que for
arrecadada. No caso da quota estadual, uma pequena parte
pertencerá ao Estado de origem e a maior parcela será alocada
a todos os Estados segundo índices de participação no consumo
final das mercadorias e serviços sujeitos ao imposto, apurados
periodicamente pelo IBGE. Nos três primeiros anos de
cobrança do novo imposto, a alocação da quota estadual será
igual a da atual arrecadação do ICMS.
59

• Imposto de Renda

Sistema Atual Sistema Proposto


União cobra: imposto de renda (IR) e Único imposto sobre a renda.
contribuição sobre o lucro das empresas
(CSLL).

A legislação do imposto de renda no Brasil alcançou


importantes avanços. O regime do lucro presumido para empresas
prestadoras de serviços bem como a declaração simplificada de
pessoas físicas são instrumentos altamente positivos no sentido da
desburocratização e da redução dos custos. A sistemática de
tributação dos ganhos e rendimentos do mercado financeiro tem
propiciado excelentes resultados de simplificação de
procedimentos. A tributação da renda das empresas de pequeno
porte e das microempresas através do chamado “SuperSimples”
constituiu uma importante mudança e excedeu a todas as
expectativas de adesão e arrecadação.
No campo da tributação dos rendimentos do trabalho, a meta
deve ser a manutenção da carga tributária hoje existente, sem
qualquer aumento.
Na área da tributação internacional, deve haver maior
acompanhamento do regime do imposto de renda de outros países,
no sentido de compatibilizar certos procedimentos legislativos e
impedir a transferência de recursos do fisco brasileiro para o fisco
estrangeiro sem qualquer benefício para os contribuintes que, de
forma direta ou indireta, exercem atividades no Brasil e no exterior.
Não existe sentido na manutenção de duas incidências que
praticamente têm a mesma base de cálculo e o mesmo fato gerador
- quais sejam o imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ) e a
contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL). Esta contribuição
60

será extinta e sua arrecadação incorporada a do imposto de renda


das empresas.
Na tributação dos ganhos de capital na área imobiliária, é
importante avançar nas modificações ocorridas nos últimos
exercícios, de forma a fazer com que esse tributo incida sobre o
ganho de capital efetivamente realizado, e não sobre um ganho
fictício. Para impedir o aumento oculto do imposto, a tabela do
imposto de renda das pessoas físicas deverá ser aprovada pelo
Congresso periodicamente (a cada três anos) e deverão ser
agilizados os procedimentos de restituição do imposto, hoje
utilizado como verdadeiro empréstimo compulsório.

• Impostos sobre o Patrimônio

Sistema Atual Sistema Proposto

União - imposto sobre propriedade Municípios:


territorial rural - imposto único sobre propriedade
Estados – imposto sobre herança e imobiliária
doações - imposto único sobre transmissões “inter
Municípios – imposto sobre propriedade vivos” e “causa mortis”
predial e territorial urbana e impostos
sobre transmissão “inter vivos” de bens Extintos ITR e ITCMD.
imóveis e seus direitos

União pode criar imposto sobre grandes Extintos.


fortunas e cobra enfiteuse sobre terrenos
da Marinha.

Os Municípios cobrarão dois impostos: um único imposto


sobre a propriedade predial e territorial (art.156, I) e, também, um
único imposto sobre a transferência “inter vivos” e “causa mortis”
(art.156,II). Para tanto, serão extintos dois impostos: o da União
sobre a propriedade territorial rural (ITR) e o dos Estados sobre
61

transmissão “causa mortis” e doação de bens e direitos (ITCMD).


Eles serão incorporados aos atuais impostos dos Municípios,
respectivamente: sobre a propriedade predial e territorial urbana
(IPTU) e sobre transmissão “inter vivos” de bens imóveis e de
direitos reais sobre imóveis (ITBI).
Atendendo a orientação geral para simplificar e racionalizar o
sistema, as fusões de impostos propostas transformam os
Municípios na esfera de governo que centralizará a tributação sobre
o patrimônio. Uma hipótese que reclamará maiores estudos respeita
à eventual transferência do imposto sobre propriedade de veículos
automotores (IPVA) também para os Municípios, caso futuramente
o ISS viesse a ser incorporado ao IVA Nacional.
A transferência para os Municípios do atual imposto estadual
sobre heranças e doações (ITCMD), é bom esclarecer, em nada
mudará a base de cálculo desse imposto. No caso da transmissão
“inter vivos”, o imposto continuará alcançando exclusivamente os
bens imóveis e, no caso da transmissão “causa mortis” e de
doações, todos os bens e direitos, sujeitas às mesmas limitações
estabelecidas no atual texto constitucional (inclusive alíquotas
máximas).

• Contribuições

Sistema Atual Sistema Proposto


Apenas contribuições de melhoria Qualquer contribuição cuja receita
definidas como tributo. pertença a entidade de direito público é
definida como tributo e sujeita às mesmas
normas aplicadas a impostos.
Contribuições para seguridade social: Extintas COFINS e CSLL.
dos segurados; dos empregadores, sobre Mantidas contribuições para previdência.
salários, faturamento (COFINS) e lucro
(CSLL); e concursos de prognósticos.
Contribuições sociais exigidas pela Extintas PIS/PASEP e salário-educação.
União.
Contribuições de intervenção no domínio Extintas CIDE, FUST e FUNTTEL.
econômico exigidas pela União.
62

A normatização sobre contribuições constante no texto


constitucional deverá ser toda transferida e reunida no capítulo que
trata do sistema tributário, ao contrário da atual situação em que
disposições estão espalhadas por outros Títulos e Capítulos. A
integração das matérias que tratam de exigências tributárias busca
mais harmonia e sistematização.
As contribuições estarão sujeitas às mesmas limitações do
poder de tributar hoje aplicadas aos impostos.

Sobre a competência, será exclusiva da União, salvo em três


casos. Primeiro, a contribuição de melhoria continuará na
competência comum às três esferas de governo. Segundo, os
Estados e os Municípios também manterão a competência para
exigir dos respectivos servidores contribuições para o custeio do
regime próprio. Terceiro, será mantida a contribuição exigida pelos
Municípios para custeio da iluminação pública.
As principais contribuições sociais e econômicas devem ser
incorporadas a impostos, sendo mantida especialmente as
contribuições previdenciárias.

A extinção proposta da contribuição ao PASEP significará um


aporte indireto de recursos para as administrações públicas
estaduais e municipais, sem prejuízo para a formação do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT), que deverá continuar a receber o
mesmo aporte de recursos no novo sistema, oriundo de um
percentual aplicado sobre o total da receita tributária da União.

Cada ação, serviço ou programa da União, que hoje é


financiado por contribuição (social ou econômica) a ser extinta no
novo sistema, continuará a receber recursos públicos mediante a
destinação obrigatória de percentual aplicado sobre o produto total
63

da arrecadação federal de impostos e contribuições (excluídos


apenas as contribuições para previdência) que resulte em montante
equivalente à receita da atual contribuição. Esse será o caso da
seguridade social, do fundo de amparo ao trabalhador (FAT), do
ensino básico e de investimentos em transportes, comunicações e
desenvolvimento tecnológico, dentre outros programas.

• Da Repartição de Receitas

O alargamento da base de repartição de receitas da União, para


compreender o produto total da arrecadação de tributos, constitui
mudança fundamental para a constituição do novo sistema
tributário, especialmente beneficiando os Fundos de Participação
dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM).
Outras duas inovações na repartição de receitas compreendem
propostas semelhantes às contempladas no projeto de emenda
constitucional recentemente enviado pelo Executivo ao Congresso,
relativamente ao desenvolvimento regional e à complementação de
receitas dos Estados, em ambos os casos, com recursos oriundos da
mesma base abrangente de tributos federais.

Sistema Atual Sistema Proposto

União entrega: - Mantido FPE, FPM e FPEx com


- 21,5% do IR/IPI para FPE percentual calculado sobre o total da
- 23,5% do IR/IPI para FPM arrecadação tributária da União, exceto
- 3% do IR/IPI para FNE/FNO/FCO contribuição previdenciária.
- 10% do IPI para FPEx - Mantido e aumentado FNE/FNO/FCO,
- 20% de novos impostos para Estados com mesma e ampla base de cálculo.

- Criado fundo de compensação para


União suprir eventuais perdas de receitas
estaduais com mudança de sistema.
64

• Fundos de Participação

A base para a repartição de receitas da União em favor dos


Estados e Municípios será o produto total da arrecadação de
impostos e contribuições, exceto as de melhoria e destinadas ao
custeio de benefícios previdenciários.
Essa é uma bandeira antiga dos defensores da descentralização
fiscal e já contemplada no último projeto de reforma do Executivo
Federal. Ao invés dos fundos de participação serem formados por
porcentagens elevadas da arrecadação dos impostos de renda e
sobre produtos industrializados, passarão a ser constituídos por
porcentagens menores incidente sobre uma base maior, formada
pelo produto total da arrecadação de tributos da União, exceto as
contribuições previdenciárias (para o regime geral e o próprio dos
servidores).
Como toda receita tributária será incluída na nova e
abrangente base proposta para os fundos de participação, perde
sentido a atual previsão de quota de 20% dos novos impostos
criados pela União.

• Fundos de Desenvolvimento Regional

Para o desenvolvimento regional, ao invés de se criar um novo


fundo, a sugestão é manter e ampliar a destinação de recursos em
favor dos fundos de financiamento já existentes e que beneficiam
apenas as três regiões menos desenvolvidas – por intermédio, do
Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), o do
Norte (FNO) e o do Centro-Oeste (FCO). Também serão mantidos
65

e aqui contemplados os fundos orçamentários de investimentos


naquelas regiões.

• Fundo de Compensação

Para o complemento de receita aos Estados, é proposta a


criação de um fundo de compensação que cubra as eventuais perdas
de receita de impostos que algum fisco estadual sofra depois de
implantado o novo sistema tributário. Tal fundo constituirá uma
nova fonte de recursos federais em favor dos Estados e não
substituirá ou extinguirá os atuais repasses federais em favor dos
Estados exportadores, seja por conta da partilha de 10% do IPI
(conhecida como FPEx), seja os vinculados à Lei Kandir (Lei
Complementar n. 87 de 1996) e legislação posterior.

• Vinculações

Sistema Atual Sistema Proposto


Contribuições vinculadas por sua própria Extintas contribuições e mantida
natureza (exemplo, da COFINS, CSLL, aplicação de recursos a resultarem de
PIS/PASEP, salário-educação, CIDEs). destinações específicas de porcentagens
que incidirão sobre o total da
Vinculações para ensino e saúde. arrecadação federal de impostos e
contribuições (exceto as previdenciárias)

A mesma base abrangente dos fundos de participação,


formada pela totalidade da arrecadação tributária da União,
também será das vinculações para programas, ações e serviços
públicos hoje financiados pelas contribuições, tais como: a
seguridade social (COFINS e CSLL); o fundo de amparo ao
trabalhador (PIS/PASEP); o ensino básico (salário-educação); e os
66

investimentos em infra-estrutura (caso das contribuições


econômicas para transportes e desenvolvimento tecnológico),
dentre outros. Os percentuais para tais destinações específicas serão
fixados de forma que não haverá perda de recursos para os
programas setoriais com a incorporação das contribuições aos
impostos. Será preservada a destinação de recursos para ensino
público e para o sistema único de saúde hoje oriunda das receitas
de impostos.

• Vigência

O novo sistema tributário nacional entrará em vigor tão logo


as mudanças propostas neste Relatório vierem a ser integradas ao
atual Código Tributário.
67

CAPÍTULO 5

OBSERVAÇÕES FINAIS

Mudar o atual sistema tributário é uma demanda inquestionável e que


se torna cada vez mais premente para a sociedade brasileira. Uma evidência
foi dada pela última pesquisa de opinião popular do IBOPE/CNI, divulgada
em 12 de dezembro de 2007, apontando que: primeiro, dentre oito áreas
específicas, os impostos mereceram o mais alto índice de desaprovação
(69%), superando até mesmo a rejeição à segurança pública e à taxa de
juros (66% e 59% das citações); segundo, dentre as principais tarefas
priorizadas para 2008, reduzir impostos mereceu 21% de citações
(superando os 14% dados para controlar a inflação).
A avaliação da funcionalidade do sistema tributário nacional e do
desempenho das administrações tributárias, competência constitucional
exclusiva do Senado Federal, não deve se limitar apenas ao diagnóstico.
Precisa também apontar os caminhos para aperfeiçoar o atual sistema e, na
seqüência, construir um novo, moderno, simples e racional sistema.

São arrecadados no Brasil tributos em demasia, seja em relação ao


passado, seja em comparação com outras economias emergentes. A
quantidade e, principalmente, a qualidade da tributação resultam em
diversas distorções e desvios, de natureza federativa, econômica e social.
Como já foi demonstrado anteriormente em pesquisa divulgada pelo
Banco Mundial, é inaceitável que o Brasil fique em último lugar (exigindo
2.600 horas por ano para pagamento de impostos), distante até mesmo do
penúltimo colocado (a Ucrânia com 2.085 horas/ano) quando considerado o
tempo gasto para pagar tributos por uma empresa modelo e por larga
diferença em relação aos outros últimos colocados.
68

O grande desafio é passar do diagnóstico para as mudanças. Essas


não podem mais ser focalizadas apenas na criação de um, dois ou três
impostos sobre o valor adicionado. É preciso ampliar os horizontes da
análise e, sobretudo, dos objetivos e das mudanças necessárias.

Um dos equívocos cometido por projetos de reforma tributária tem


sido iniciar o debate pela apresentação e exame de um texto legal, ou seja,
começando pelo que deveria ser o fim. Antes de formular um texto legal,
cabe avaliar o consenso em relação ao desenho proposto, principalmente
em relação aos seus aspectos federativos.
Tive o propósito de iniciar o exame da mudança na tributação no
Brasil apresentando aqui um desenho inicial do que será o novo sistema.
Havendo entendimento sobre ele, passar-se-ia a examinar as estatísticas
fiscais, estimando a arrecadação e a situação que adviria para cada esfera
de governo e ente federado da adoção do novo desenho, dentre outros
aspectos quantitativos. Só então passar-se-ia à redação dos textos
constitucionais e legais, como indicado na proposta minimamente
acordada.
Para dimensionar quanto se precisa arrecadar, teremos que
equacionar duas questões essenciais: primeiro, quanto se precisa gastar,
especialmente com os programas sociais básicos; segundo, como devemos
distribuir recursos dentro da Federação, especialmente atentando para os
Estados e as Prefeituras.

É importante qualificar que mudança constitucional envolve muito


mais a qualidade da tributação do que a quantidade do que se arrecada.
O redesenho imperioso do Capítulo do Sistema Tributário na
Constituição deverá abranger a simplificação e racionalização da cobrança
de tributos impostos à sociedade, de modo que sejam utilizados menos
instrumentos e, ao mesmo tempo, aplicados de forma mais eficiente para a
economia e menos regressiva na distribuição do ônus entre os brasileiros. A
redução da carga invisível, representada pelo custo de se pagar tributos,
será assegurada pelo novo sistema tributário ora proposto. Já o tamanho da
69

carga tributária visível depende muito mais das políticas e das práticas
tributárias, que são decididas e definidas no âmbito da legislação
infraconstitucional, especialmente ordinária.

Esse Relatório procura contribuir para o debate traçando uma


avaliação do desempenho das administrações tributárias e da
funcionalidade do sistema que, diante das deficiências e distorções
identificadas, leva a sugestão de formação de um novo sistema tributário
nacional. Racionalizar o sistema e simplificar a cobrança dos impostos é o
norte desta proposição. Como a arrecadação atual de tributos gira em torno
de 37% do PIB, no conceito mais abrangente, mas o custo para os
contribuintes é ainda maior por conta das pesadas e complexas obrigações
acessórias exigidas, não há como melhorar o atual sistema sem pensar
numa profunda simplificação e racionalização.
Portanto, o objetivo maior desta proposta é reduzir a carga tributária
global. Isso é assegurado porque o novo sistema é muito mais simples, de
melhor qualidade na tributação e inegavelmente reduzirá expressivamente a
parcela invisível da carga, ou seja, o custo imposto ao contribuinte para
pagar seus tributos. O tamanho da parcela visível da carga, representada
pelo recolhimento de tributos, dependerá da regulação dos tributos, ou seja,
da legislação complementar e ordinária que fixará as alíquotas dos novos
tributos.
Na época em que o Executivo Federal envia ao Congresso um
projeto de emenda constitucional para reformar a tributação no País, é
aproveitada a oportunidade, por intermédio deste relatório preliminar, de
apresentar idéias e alternativas para que o assunto possa ser mais e melhor
debatido, com a construção de um novo e moderno sistema tributário no
Brasil.

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