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Ma Educagao Ola, Nao sei onde te meteste nesse dia, que niio te vi, mas terias feito bem em ir conversar com as cem mil pessoas que foram desfilar pelas ruas & capital Decerto concluirias que, a0 contratio do que diz a ministra da Educagao, os professores sabem do que esto a falar quando dizem que estdo cansados fartos. Jé me ouviste dizer isto centenas de vezes desde a nossa infiincia, mas sabes que gosto sempre de repetir: a minha politica é a politica do trabalho. Foi uma frase que foi gravada na minha meméria pelos meus pais € pela minha avozinha — ai de mim se a chamasse sem este diminutivo gramatical — muito antes do 25 de Abril de 1974. Lembro-me de o meu pai um dia, ao regressardo café, dizer- me pedindo segredo aquilo que um amigo the contou: a sigla “VMPS” (da égua mineral de “Vidago Melgago Pedras Salgadas”) queria afinal dizer “Vamos Mandar Prender Salazar”. Lembras-te de te contar quando eu estudava no liceu da Covilha, logo a seguir & revoluc3o dos cravos, aquele episédio da aula de ginastica em que o professor faltou? Como estivamos equipados, fomos jogar futebol. Havia um colega que queria ir para a baliza, Mas para a outra era sempre um impasse, porque ninguém aceitava ficar ali quieto a levar com boladas enquanto os outros podiam marcar canelas. Um colega mais matulio sugeriu: “Fazemos uma votag3o para quem deve ir para a baliza”. Ainda mal tinha acabado a frase e disparou logo uma pergunta, colocando o brago no ar: “Quem vota no Paulo Moura para ir para a baliza?” o que levou unanimidade nos bragos levantados.... mas no meu caso foi um manguito, uma declaragdo de voto ~ “Porra para a vossa democracia” — e uma corrida para os balnedrios mudar de roupa S6 ao longo da vida assimilei as varias ligdes deste dia: uma delas foi que a democracia pode ser perigosa, quando desrespeita as minorias, a0 quebrar aquela velha maxima de “a nossa liberdade acaba quando comeca a liberdade dos outros”; outra foi que ser franzino n&o ajuda nada a fazer valer a nossa posigao; ¢ a principal foi que eu ¢ 0 futebol nao combinamos. Eu sei, eu sei, € como se estivesse daqui, na Cova da Beira, a ouvir as tuas gargalhadas. Aposto que te ests a recordar dos meus tempos da escola priméria em que, mesmo nos dias em que levavaeuabola, ndomeescolhiam para nenhuma equipa. E pior ainda era quando havia um nimero impar de jogadores ¢ eu ficava para 0 fim. Até que os dois que escolhiam as equipas chegavam a acordo: “Tu tens a equipa mais forte, ficas também com 0 Paulo Moura”, ‘A minha aleunha dos tempos de juventude reflectiu tudo isto: Cruijff. Na primeira vez que fomos jogar para 0 pinhal da cerca do conde, 0 Zé Papas comecou por gritar aos colegas de equipa “nao deixem 0 Cruijff desmarcar-se” mas, ao fim de poucos minutos, ja gritava “passem a bola a0 Cruijff que ele remata para fora”. Nao falando de politica nem de futebol, resta-me falar de trabalho. E deixa-me que insista: a malta que manda ainda nao se convenceu que 08 professores do ensino piblico nao ‘tém meios para trabalhar como Ihes € exigido. E muito menos ainda para 0 que desejariam fazer! Se eu pudesse, falaria com cada professore dizia-Ihe para exigir, nasua tJ CRONICA escola, os meios para poder exercer a sua actividade. E quando falo em meios é no sentido mais lato possivel: ambiente social e respeito pela profisstio; enquadramento e proteceo legal; formagio; _ equipamentos funcionais (informéticos, multimédia, internet,...); consumiveis; gabinete de trabalho para actualizagio de conhecimentos, preparago de aulas e de testes, bem como para a sua correcgio; apoio administrativo; e, 0 recurso mais escasso de todos: tempo. Exijam que se cumpra o Estatuto da Carreira Docente: “O direito a0 apoio ‘€enico, material e documental exerc se sobre os recursos necessirios & formagdo e informagao do pessoal docente, bem como ao exercicio da actividade educativa”. Enos regulamentos daavaliagZo:“Odocente ‘em direito a que Ihe sejam garantidos ‘0s meios € condigdes necessirios a0 seu desempenho, em harmonia com 10 objectivos que tenha acordado”” Ou terdo que ser os cdnjuges dos professores a cobrar do Estado tudo ‘o que este devia providenciar? Algum professor jé apresentou factura dos riscos que Ihe sao feitos no carro? Do tempo que trabalha em casa fora do horério laboral? Dos tinteiros, resmas de papel e outros materiais que paga do seu bolso? Sabes que mais? Se as coisas se mantiverem como estio, @ culpa ¢ dos professores, a0 permitirem, com 0 seu voluntarismo, que o Ministério da Educag2o continue a fazer omeletas sem ovos, usando 0 truque de por a cabeca de cada professor... num ovo! Cem mil abragos, Paulo Moura ABRIL 2008 Bperpectue 64

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