Crônica poética que narra o encontro entre sonoridades distintas em meio ao cotidiano de um ônibus em Belo Horizonte. Os sons do trânsito, do vozerio do motorista e de um violeiro.
Crônica poética que narra o encontro entre sonoridades distintas em meio ao cotidiano de um ônibus em Belo Horizonte. Os sons do trânsito, do vozerio do motorista e de um violeiro.
Crônica poética que narra o encontro entre sonoridades distintas em meio ao cotidiano de um ônibus em Belo Horizonte. Os sons do trânsito, do vozerio do motorista e de um violeiro.
Entrei num nibus diametral, desses que atravessam Belo Horizonte de
ponto a ponto. Era cedinho e me deparei com um homem e sua viola num dos primeiros bancos. Do outro lado do corredor, um homem mais gordo, com um vozeiro impressionantemente alto, porm muito musical, falava com o motorista. Antes que eu passasse na roleta, o nibus para no sinal vermelho. E o que acontece? O violeiro, uma pessoa indescritvel, comea a tocar alguma coisa. Ao mesmo tempo, o homem gordo sinaliza ao motorista, com malcia, sobre o outro motorista de um nibus que tambm para ao lado. Eles comeam a rir do colega e o homem gordo grita pela janela, numa musicalidade impressionante: - Ele t perguntando cad a camisola que voc rasgou! O motorista do nibus ao lado, abrindo um canivete, responde: - Vem aqui palhao, que eu lhe mostro! Dito assim, parece briga. Mas no . A coisa to genial que a resposta mostra-se ameaadora (vem aqui palhao...), mas com um tom ao mesmo tempo distanciado caracterizando afinal uma grande brincadeira. tudo de uma sonoridade musical e de uma cultura de bom humor. No entanto, no deixa de ter uma ponta de perigo num timo, sabem todos, tudo pode virar muito srio. Mas prevalece um concerto de rudes delicadezas. As vozes, quase aos gritos, vo se misturando ao som da viola. Os dois nibus arrancam. J so, agora, pouco mais de oito horas da manh e o violeiro comea a cantar tambm. Tudo isso se mistura ao barulho dos motores, na sua voragem matinal. O violeiro tocava e cantava msica sertaneja. E de um modo que no se ouve por a. Aquilo vinha de outro lugar. E eu fiquei suspenso, entre sons de motores, a conversa aos gritos do motorista com o passageiro, alm daquele violeiro cantador e deslocado de tudo. Uma festa para os sentidos. E o violeiro, de onde vinha? Para onde ia? E ele, parando de tocar e cantar, olha para o lado e suspira: - Que saudade de minha terra! Queria saber mais sobre ele, mas percebi que o nibus entrara numa pista onde seria impossvel descer. O prximo ponto ficava muito longe dali. Pergunto ao trocador se poderia parar e ele me diz que era tarde, mas falaria com o motorista. Este grita l da frente: - Vai l e prepara para descer, que os carros vo buzinar atrs de mim!
E parou, subitamente. Agradeci, surpreendido pela sua generosidade e
flexibilidade em meio a um mundo com tanta pressa e tantas normas. Coisa de segundos, mas os carros j buzinavam atrs, com pressa. O nibus foi embora. E levou junto as sonoridades e as histrias.