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aqui entrar em questées teolégicas. O que nos parece porém indiscutfvel 6 que os ind{genas foram também utilizados em determinados momentos, e sobretudo, na fase inicial; nem se podia colocar problema nenhum de maior ou melhor “aptida’o” ao trabalho escravo, _, que disso é que se tratava_O.que talver tenha importado ¢ a rarefacio demogréfica dos abortgenes,¢ as dificuldades de seu apresamento, transporte, etc. Mas na “preferéncia’” pelo africano (5) revela-se, cremos, de colonizago; esta se processa, repitamo-lo tantas vezes quantas necessdrio, num sistema de relagdes tendentes a promover a primitiva acumualedo capitalista na metrépole: tréfico negreiro, isto 6, 0 abastecimento das colénias em escravos, abria um novo e importante setor de comércio colonial, enquanto que o apresamento dos indigenas era um negécio interno da colénia. Assim, os ganhos comerciais resultantes da preacdo dos aborigenes mantinham-se na col6nia, com os colonos empenhados nesse “‘género de vida”: acumulaedo gerada no comércio de africanos, entretanto, flu‘a para a metrépole, realizavam-nas os mercadores metropolitanos, engajados no abastecimento dessa ““mercadoria’. Este talvez seja o segredo da melhor “adaptacéio” do negro & lavoura.. . . escravista. Paradoxalmente, 6 a partir do tréfico negreiro que se pode entender a escraviddo africana colonial, e ndo o contrario, Nas Indias de Castela, nas colénias inglesas, francesas ou holandesas, variaram. regionalmente as incidéncias do fendmeno (nao cabe aqui uma analise pormenorizada de todas as suas manifestagdes (1! *)), mas 0 pano de fundo se mantér compuls6rio, servis ou semi-servi ultramarina da época mercanti IV ~ ACRISE DO COLONIALISMO MERCANTILISTA Tais as pecas do sistema, e os mecanismos de seu funcionamento; dispomos agora dos elementos com que podemos analisar a sua crise. Pois que se pensamos em “rise do sistema”, €-do seu proprio funcionamento que ela tem que provir, ¢ no de fatores exégenos. Noutros termos, ao.se.desenvolver,.o sistema calonial do Antigo Regime promove ao mesmo tempo 0s fatores de sua superacio,. E de fato: nos quadros do Antigo Sistema Colonial, a colonizago da época mercantilista se desenvolveu nas suas grandes linhas promovendo a acumula¢ao capitais nas economias centrais européias; para tanto, porém, isto é, para que a exploragdo colonial se pudesse processar, ia se engendrando no mundo ultramarino o universo da sociedade senhorial — escravista (''7), cujas interrelagdes e valores se antepem cada vez mais aos da sociedade burguesa em ascensdo na Europa. Detenhamo-nos, portanto, ainda por um momento, nas implicagdes do escravismo para a economia e sociedade coloniais, Em primeiro lugar, no plano da produego, distinguem- setores bésicos (*'*): um, de exportacéo, organizado em grandes unidades funcionando 4 base do trabalho escravo, centrado na produgo de mercadorias para.o consumo europeu, 6 0 setor primordial, que responde a razo mesma da colonizagdo capitalista; outro, subordinado e dependente do primeiro, de subsisténcia, para atender ao consumo local naquilo que se ndo importa da metrépole, no qual cabe a pequena propriedade o trabalho independente, que se 32 organiza para pert Yamento do primeiro. A dinémica do conjunto da economia colonial é definida pelo setor exportador; em certas circunsténcias e éreas determinadas, 0 setor subsisténcia pode adquirir certo vulto, como no caso da pecuaria, e entdo se organiza em grandes propriedades, ou noutros casos, incorpora o regime escravista, Mas a dinamica global depende sempre do influxo externo, o centro dindmico dtimo 6 0 capitalismo europet tratase de uma economia, em todo o sentido do termo, deaendente. O setor principal depende diretamente, o secundério, indiretamente. Em segundo lugar, no nivel das relacdes s6cio-econdmicas, a estrutura escravista determina um alto grau de concentraco da renda nas méos dos senhores de escravos que so a0 mesmo tempo proprietérios das empresas produtoras de mercadorias para.o. comércio colonial. © produtor direto reduzido a condiao de simples instrumento de trabalho — “instrumentum vocale”’ — isto é, o homem coisificado em escravo, no possui, por definic&o, renda propria; a renda concentra-se pois, na camada senhorial (11°). E aqui reencontramos o elemento que nos faltava para compreender os mecanismos do sister exatamente essa concentragdio da renda, necesséria na sociedade colonial, que permite seu funcionamento, articulando enfim as varias pecas da engrenagem. Atente-se bem: a renda global gerada nas economias periféricas s6 se realiza em Ultima instncia nos mercados da economia central, européia; assim, a sua maior parte se transfere, através dos mecanismos do comércio colonial j4 analisados antes, para as metrdpoles, ou antes, pera 0s grupos burqueses ligados as transagSes ultramarinas; mas € 0 fato de a parcela (menor) que permanece na colénia se concentrar na pequena camada senhorial que permite o continuo funcionamento da exploragdo colonial. De fato, é essa concentragao de renda que faz com que, apesar de os mecanismos do regime de comércio transferirem o maior quinhéo para a burguesia européia, os colonos-senhores possam manter a continuidade do proceso produtivo, e mesmo levar uma vida faustosa; da mesma forma e ainda dentro da mecanica do sistema, tém (os mesmos colonos recursos para importar os produtos da economia européia. A renda na sua parte mais significativa cria-se nas exportagdes e se consome nas importaces, transagdes que se fazer no regime colonial de comércio, o qual transfere para a metropole os.lucros do exclusiva. Assim, a produgo colonial promove a acumulac3o primitiva na economia européia. Encarada em conjunto, a sociedade colonial é expoliada pela burguesia metropolitana, mas, nessa mesma sociedade colonial a camada de colonos-senhores situa'se numa posi¢o privilegiada, o que permite a articulago das varias pecas do sistema. E o escravismo, que 60 reverso da medalha, reaparece como seu elemento essencial: mais uma vez, agora sob novo Angulo, explora¢do colonial significava exploracéo do trabalho escravo. Nao terminam porém pqui as implicagdes do modo que assume a produgdo colonial. Produgao para o mercado europeu a base do trabalho escravo, produgao a um tempo ‘mercantitescravista ('7°), ela se processa em meio a condigGes de escassez de capital (ligada a exploragao da Colénia pela Metropole) e abundancia do fator terra (j4 vimos as conexdes estruturais entre disponibilidade de terras e instaurago da escravidao). Por outro lado, a prépria estrutura escravista bloquearia a possibilidade de inversSes tecnolégicas; 0 escravo, por isso mesmo que escravo, hé que manter-se em niveis culturais infra-humanos, para que ndo se desperte a sua condi¢o humana, isto 6, parte indispensével da dominagao escravista. Logo, no ¢ apto a assimilar processos tecnolégicos mai adiantados. Em certas situagdes os colonos-senhores chegaram & maravilha de opor-se 33 catequese dos negros (que enfim era 0 argumento com o qual se justificava a sua vinda da Africa) pois jé isto era perigoso: aprendiam uma lingua comum, podiam comunicar-se os varios grupos africanos. Lembre-se de passagem que 6 uma ilusdo supor-se, como as vezes se faz, estdvel a sociedade escravista; muito ao contrério, foram freqiientes as fugas e rebelides, e 05 troncos néo eram nem de longe objetos decorativos. Ndo nos afastemos porém em demasia de nossas reflexes: nem havia capitais escravista era favordvel a0 progresso técr ado: a economia colonial é de baixa produtividade. Decorréncia: ela cresce, como o notou Celso Furtado ('**), extensivamente, isto , por agregagdo de novas unidades com a mesma composi¢ao dos fatores. Mais ainda, como no reinveste em escala crescente, mas apenas repde e agrega, — dilapida a natureza, A economia colonial, escravista-mercantil, é uma economia predat6ria. E reencontramos de Novo 0 sentido primério da colonizagao: desdobramento da expansio comercial européia, a colonizagao do Novo Mundo comerou por uma atividade de pura exploraco dos produtos naturais (pau-brasil, peles); ao se instaurar a produgo colonial o sistema adquire extraordinéria complexidade, mas mantém o sentido originério de depredago da paisagem natural. Neste sentido, pois, a expansio colonial tinha limites naturais: 0 esgotamento dos recursos dilapidados pelo modo colonial de produedo. Como entretanto esse processo se desenvolve num contexto mais amplo, e ndo s6 puramente econdmico em sentido estrito, muito antes de atingidos aqueles limites ja se desencadeiam tenses de toda ordem. Com isso, entretanto, comecamos a penetrar nas contradicdes do sistenna.. _ E efetivamente, a estrutura escravista da economia e da sociedade colonial implicava ainda, indiretamente, numa fimitagao ao crescimento da economia de mercado. A contradi¢3o reponta pois na natureza mesma da produgo colonial: mercantil e escravista a um tempo, isto 6, produgo de mercadorias para o capitalismo europeu através do trabalho escravo, esses dois componentes definidores da economia colonial, convivem dificilmente no mesmo contexto, provocando tensdes. De um lado, o escravismo determina um baixo grau de produtividade e poi de rentabilidade na produgo das colénias, como j& vimos. Ora, como no houvesse condigdes para minimizar os custos através do progresso técnico, a camada senhorial empreséria tinha necessariamente que procurar reduzir ao minimo o custo da manutencdo da forga de trabalho escravizada. Para tanto, procurava fazer com que os escravos produzissem pelo menos uma parcela substancial de sua subsisténcia dentro da propria unidade produtora para exportacdo. E assim. se inseria, no bojo de uma economia basicamente mercantil, toda uma faixa de produgo de subsisténcia cujo processo se desenrola a margem do mercado, Mais ainda: esta era a Unica forma de defender-se a economia colonial das flutuagées do mercado consumidor europeu sobre © qual quase nenhuma aco poderia ter.. Nas épocas de expansio da procura, mobilizavam-se todos 08 fatores dentro das unidades produtivas de exportagdo para produzir para o mercado externo; abrie-se, entdo, uma faixa para a produgo colonial de subsisténcia autonoma (quer dizer, fora dos dom{nios da lavoura de exportago) vender ao setor exportador os seus excedentes. Em condiges porém de estabilidade, ou depressio, nas grandes unidades produtives exportadoras se deslocavam fatores da produc&o mercantil para a de subsisténcia; assim se preservava a estrutura, num nivel baix(ssimo de produt ‘Acres¢a-se, por outro lado, que no contexto do sistema colonial e da economia mercantilescravista, parte do pagamento do fator trabalho no processo produtivo era feito fora do parque produtor (referimo-nos ao pagamento do prego dos escravos aos seus mercadores); 34 a outra parte (ou seja, manutengo do escravo) processava-se através da producao de subsisténcia, ndo dando pois lugar a operagdes mercantis, pelo menos em larga escala. Logo, 1a8 parcelas em que, na economia colonial, se dividia a remuneraco do trabalho fa em procura interna, que estimulasse autonomamente o desenvolvimento econdmico. | mercantil-escravista tem necessariamente um mercadi Isto significava, no conjunto do sistema, que a economia colonial ficava ainda mais dependente da economia metropolitana. Dada a estreiteza do mercado interno, no tinha condiges de auto-estimular-se, ficando ao sabor dos impulsos do centro dinémico dominante, isto 6, do capitalismo comercial europeu. Neste sentido, o fendmeno se ajustava ao sistema e no havia contradigdes . . . Porém, examinemo-lo sob outro angulo. Jé sabemos que na base de todo 0 processo de expansdo moderna esto, em dltima instancia, as tens6es geradas no desenvolvimento do capitalismo comercial; a expansdo européia significou, no fundo, uma expansio comercial, abertura de novos mercados vantajosos, colonizacSo. A colonizaco significava, como ja vimos, também uma extensdo da economia de mercado. Ora, bem encarades as economias coloniais periféricas em coniunto.e as suas relagées com a. economia economia de mercado; quer dizer, montavam-se niicleos que produziam para os mercados europeus. A colonizagao foi de fato um desdobramento da expansdo comercial, Examinadas internamente, entretanto, na sua estrutura, as economias coloniais configuram um modo de producéo escravista-mercantil, 0 que limita a constituiggo de seu mercado interno; hé toda uma_ substancial camada da populaco (os produtores diretos) cujo consumo em grande parte se_ desenrola 4 margem das transagdes mercantis. Expansdo da economia de mercado, sim, mas trazendo no seu bojo limitagées estruturais. As decorréncias disso eram de suma importancia. Na economia colonial tipica {escravista-mercantil), ou mais precisamente, na sociedade colonial (**), 0 universo das relagBes mercantis atingiu apenas a camada social superior dos colonos senhores de escravos; eles importavam das economias centrais mercadorias de varia espécie para o seu consumo proprio: produtos alimentares ou manufaturas para seu consumo pessoal, implementos para consumo produtivo, € claro que a realidade é um tanto mais complexa, pois a colonizagao envolve outras aitvidades (administrativas, militares, religiosas), o que amplia de certo modo a faixa da sociedade colonial ligada 4 economia mercantil; por outro lado, o proprio funcionamento da producao colonial, exigia outras categorias sociais além do bindmio senhor-escravo. Na agro-inddstria do agiicar, por exemplo, toda uma gama de operadores, funcionérios, etc.; 0 comércio impunha intermediérios, instalagdes. Tudo resultava, na_ colénia, na formacdo dos primeiros aglomerados urbanos, e mais uma vez ampliava-se a faixa ‘da economia de mercado, complicando o esquema. Atente-se porém que todos estes componentes da sociedade colonial que estamos agora apontando (funcionérios, administradores, clérigos, militares) so no fundo categorias secundaria da sociedade colonial, na medida em que a sua presenga no mundo ultramarino decorria da economia escravista e da produgio para 0 capitalismo europeu; — era para produzir para a metropole que se colonizava, mas a colonizagiio acabava por envolver outros ingredientes. Logo, as outras categorias sociais dependem do bindmio matri: scravo, da mest que 0 setor sul produgio colonial depende do setor exportador. No fundo portanto, e em Giltima an 35 mbito da coldnia, tudo depende da camada senhorial, e a economia mercantil se expande em fungdo dela. © mecanismo fundamental portanto, mantém-se. O universo das relarbes mercantis 6 fungdo dos senhores e, digamos, agregados. A massa de produtores diretos (escravos) vive fora das relagdes mercantis, e isso trava a constituigo de um mercado interno. No conjunto, tal configuragdo do mundo colonial responde ao funcionamento do sistema, enquanto as economias centrais se desenvolvem apenas no n{vel da acumuulagdo primitiva de capit se expande no nivel artesanal, ou mesmo manufatureiro. Quando porém essa etapa & ultrapassada, e a mecanizacdo da producdo com a Revolugo Industrial, potenciando a ividade de uma forma répida e intensa, leva a um crescimento da producdo capitalista num volume e ritmo que passam a exigir no Ultramar mais amplas faixas de consumo, consumo no 6 de camadas superiores da sociedade, mas agora da sociedade como um todo; o que se torna imprescindivel é a generalizagio das relacdes mercantis. Entdo o sistema se compromete e entra em crise. Ora, promovendo a primitiva acumulacao capitalista nas economi © funcionamento do sistema colonial se comporta, como jé vimos, como ut fundamental (embora no o Gnico, evidentemente: ha que considerar fatores internos do italista na Europa) a promover a passagem para o capitalismo industrial, \do-se nos quadros do sistema colonial, as economias periféricas tha tendente a complementar a economia central, fornecendo centrais européias, instrumento De fato, organiz: desenvolviam a sua produggo numa aqueles produtos de que ela carecia e provendo matérias primas para sua produgo industrial ‘manu e depois maqui-fatureira; configuram-se assim em auténticas economias complementares, tendentes a dar as metrOpoles condig&es de autonomizagao econdmica frente 3s demais poténcias mercantilistas. E note-se a importancia deste mecanismo, numa época em que as praticas da politica mercantilista se generalizavam entre os varios estados europeus. Os tamente aqueles onde, por defini¢éo, as normas do mercantilismo se podiam exercitar: daf as disputas verdadeiramente, furiosas pela conquista desses mercados excepcior Nesta linha, desenvolveu-se a politica colonial das metrépoles no sentido de impedir a produco manufatureira nas colénias. Visava-se, assim, a preservar o mercado colonial para as manufaturas da mée-pétria, Aliés, dada a estrutura social e econdmica que se organizava ras col6nias tipicas, isto é, naquelas perfeitamente integradas no sistema, as possibilidades de um desenvolvimento manufatureiro eram substancialmente reduzidas; nas colénias de povoamento, ao contrario, como a Nova Inglaterra, tais condig&es eram favordveis: mas a Nova Inglaterra, no pensamento mercantilista, era considerada “‘the most prejudicial plantation of this kingdom” (Josiah Child). Desta forma, também, o éxito da politica proibit6ria teve mais ou menos sucesso conforme incidiu sobre coldnias mais ou menos ajustades ao sistema. As coldnias de povoamento constituiram-se exatamente na zona temperada do Novo Mundo, regiées no visadas pela colonizapo européia moderna na sua primeira fase, exatamente por no se poder organizar ali uma produgao que satisfizesse aos reclamos do mercado europeu. Assim, no século XVII, é para essas regides que se encaminham os emigrantes ingleses fugitivos de tenses politicas e religiosas da mée-pétria, na tentativa de refazerem seu modo de vida no Novo Mundo. Formam-se pois as coldnias de povoamento & margem do sistema, e & exatamente o esforco por enquadré-las nele, que 36 deflagra no fim do século XVIII a luta da independéncia e a constituigao dos Estados Uni ‘com 0 que se abre a crise do Antigo Regime. De qualquer forma, no conjunto, predomina a situagdo em que a politica proibitéria encontra fraca resisténcia, dada a falta de condiges econdmicas para um surto manufatureiro no mundo colonial; destarte, a expansdo da empresa colonizadora ultramarina envolveu efetivamente um alargamento crescente do mercado consumidor de produtos manufaturados. Assim, em var itidos, as colénias do Antigo Regime complementam as economias, nacionais européias, na fase de formacdo do capitalismo. Na medida em que preenchem as, lacunas da economia metropolitana, dio-lhe maior grau de autonomiza¢ao e, pois, melhor Posi¢do competitiva nos mercados internacionais; assim, indiretamente, favorecem mais uma vez © desenvolvimento econémico que nessa fase do capitalismo mercantil tem por elemento essencial a acumulagdo originéria, indispensével a transico para 0 capitalismo industrial. Em suma, os elementos até aqui analisados, isto é, 0s mecanismos de funcionamento do sistema colonial, permitem-nos explicitar agora sua posi¢3o no quadro do desenvolvimento ou antes da formagéo do capitalismo. A colonizago do Novo Mundo Epoca Moderna, ou antes a exploraggo colonial ultramarina organizada nas linhas do antigo ‘sistema colonial, configura um poderaso instrumento de aceleracdo da acumulagdo primitiva ‘ho contexto, do capitalismo mercantil europeu; envolve, efetivamente, um processo de transferéncia de renda das colonias para as metr6poles, ou mais exatamente das economias periféricas para os centros dinamicos da economia européia, renda que tende a se concentrar na camada empresarial ligada ao comércio colonial. Num plano mais geral, constituindo-se em economias complementares, respaldo econdmico das metropoles, a colonizagao do antigo sistema colonial contribuiu poderosamente para o desenvolvimento das economias nacionais européias, desenvolvimento nessa época que consiste em expansio do capitalismo mercantil, e pois, envolve também uma acentuacdo da acumulacdo capitalista. Se recordarmos agora 0 que indicamos antes a propésito do capitalismo comercial como fase intermediéria entre a desintegraco do feudalismo e a Revolucao Industrial, 0 sistema colonial mercantilista apresenta-se-nos atuando sobre os dois pré-requisitos bisicos da passagem para o capitalismo industrial: efetivamente, a exploragdo colonial ultramarina promove, por um lado, a primitiva acumulago capitalista por parte da camada empresarial; por outro lado, amplia o mercado consumidor de produtos manufaturados. Atua, , simultaneamente, de um lado, criando a possibilidade do surto maquinofatureiro (acumulaggo capitalista), por outro lado, a sua necessidade (expansio da procura dos produtos manufaturados). Criam-se, assim, os pré-requisitos para a Revolugéo Industrial — processo hist6rico de emergéncia do capitalismo ('?*). Assim, pois, chegamos 20 niicleo da dindmica do sistema: ao funcionar plenamente, vai criando a0 mesmo tempo as condigées de sua crise e superagao. Este 0 mecanismo bsico da crise, na sua dimensdo estrutural. Antes, porém, que se esgotassem as possibilidades do sistema, isto é, antes que se atingissem o: exploracdo colonial, j4 as tenses geradas por esses mecanismos de fundo impéem reacomodacées, alteragSes, mudangas ¢ palavras, nfo foi preciso que o capitalismo industrial atingisse seus mais altos graus de desenvolvimento e expansSo para que 0 sistema colonial — colonialismo-escravista — entrasse ‘em crise, bastou o primeiro arranque. Foram suficientes os primeiros passos da revolugo industrial. 37 Assim, era da propria légica do sistema de exploraco colonial do Antigo Regime que as poténcias mercantilistas competissem furiosamente na orbita do Ultramar; tal competi¢go s6 se resolvia, enfim, com a hegemonia de uma delas. Nem é pura coincidéncia que a /nglaterra seja a0 mesmo tempo a poténcia que levava de vencida a concorréncia colonial e a nagSo que dé os primeiros pasos no industrialismo moderno: sem se desprezar 0 fatores internos de seu crescimento econdmico na rota da industrializaeao, a supremacia colonial permitiu-the carrear para dentro de suas fronteiras, mais que as outras poténcias, 08 est/mulos advindos do sistema colonial. Em torno da década de 60 de Setecentos, convergem a consolidacao da preponderdncia inglesa e a abertura da Revolugo Industri Mas jé eto os problemas se colocam agudamente, neste periodo que transcorre entre 1763 (término da guerra dos Sete anos) e 1776 (independéncia dos Estados Unidos). Superada a rivalidade com a Franga, pode a Gré-Bretanha, de um lado, reforgar seu proprio exclusivo metropolitano (tentativa de enquadramento das colénias da Nova Inglaterra nas linhas da politica mercantilista), doutra parte, acentuar a penetragao comercial nas coldnias ibéricas, seja via metropoles, seja pelo contrabando. Tudo isso era decorréncia da supremacia politica e do desenvolvimento industrial. Ao funcionar plenamente, portanto, 0 sistema engrendra tenses de toda ordem. Quanto mais se avancava neste proceso, menos a poténcia hegemdnica podia suportar 0 comércio “independente” de suas coldnias americanas; e cada vez mais 0 contrabando com as colénias ibéricas vai se tornando insuficiente para o escoamento de sua produgio fabril. Ainda mais, as prerrogativas que as “plantations” inglesas das Antilhas detinham no mercado metropolitano inglés (era a outra face do Pacto) vo se tornando mais e mais onerosas para a metropole: era como que a inversio do pacto colonial ('7*). Neste quatro de agudas tensdes, neste complexo emaranhado de miltiplos interesses, ‘© equil brio se torna evidentemente precério, e se rompe com a independéncia dos Estados Unidos. A constituigdo da nova Repiblica tinha com efeito implicagSes que de muito transcendiam o simples evento politico. Era a primeira vez que uma coldnia se tornava independente. Crises, tenses, competicdo, supremacia de uma poténcia que se apropria de coldnias de outras metropoles haviam sido ajustamentos dentro do sistema, O que este evidentemente no comportava era a ruptura do pacto. Na medida mesma em que as tenses estruturais se agravavam, que os interesses divergentés vinham & tona, o mundo colonial passava a viver em tensdo; a critica do Antigo Regime atingia as coldnias, onde encontrava ambiente altamente receptivo. Com a independéncia dos Estados Unidos porém 0 que era uma possibilidade passou a ser uma realidade. As inovag&es politicas envolvidas na forma republicana que assumia 0 novo estado ainda mais acentuava o seu significado, mercando 0 inicio da crise nao s6 do Sistema Colonial mas de todo 0 Antigo Regime. 38

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