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EDWARD W. SOJA Geografias Pos-Medernas A REAFIRMACAO DO ESPACO NA TEORIA SOCIAL CRITICA JORGE ZAHAR EDITOR 1 HISTORIA: GEOGRAFIA: MODERNIDADE Teri comegado com Bergson ou antes? © espaco foi tratade como © morto, 0 fixo, o néo-dialéiico, o imdvel. O tempo, #0 contririo, era a riqueza, a fecundidade, a vida ¢ a dialética. (Fowcault, 1980, 70.) A grande obsessio do século XIX foi, como sabemos, a historia: com seus temas de desenvo! nloe suspensao, crise ¢ ciclo, temas do passado em ctema acumulago, com sua grande preponderancia de homens martes ¢ da ameagadora glaciagéo do mundo. (...) A era atual talves seja, acima de tude, «cra do espago. Estamos na era da simultaneidade: estamos na cra da justaposigio, na era do perio ¢ do bonge, do lade a lado, do disperse. Estamos num momenta, creio eu, em que nossa experiéncia do mundo € menos a de uma vida longa, que se desenvolve através do tempo, do que a de uma rede que liga pontos ¢ fay interseegdes com sua propria trama. Poder-se-ia dizer, talvez, que alguns confites ideoligicos que animam a polémica atual opdem os fitis descendentes do tempo acs decidides habitantes do espago. (Foucaull, 1986, 22.) A obsessiio do século XIX com a histéria, como Foucault a descrereu, néo morcu no fin de sicle. Tampouce fol inteiramente substituida por uma cspacializagio do pensamento ¢ da expetiénela. Uma cpiste- mologia cssencialmente histérica continua a perpassar a consciéncia critica da modcma tcoria social. Ela ainda compreende 0 mundo, primordialmente, através da dindmica decorrente do posicionamento do ser ¢ do devir sociais nos contextes interpretatives do tempo: no que Kant chamava nacheinander', ¢ que Marx definiy, tio transfigu- 1. Sueessko, seqienciagie (um stds do outro}. (NT) 18 Geografias puls-modernas rativamente, como a “construgio da histéria™, contingencialmente limitada, Essa presenga epistemolégica duradoura preservou um lugar privilegiado para a “imaginagio histérica” na definigio da propria natureza do discernimento ¢ interpretagio eritlens. Tio inamevivelmente hegemonico foi esse historicisme da cons- ciéneia tedtica, que tendeu a obstruir uma igual sensibilidade critica 4 espacialidade da vida social, uma conseiéneia pritico-tedrica que vé © mundo vital do ser como algo criativamente localizada, niio apenas na construgéo da histéria, mas também na construgio das geografias humanas, na produgio social do espago ¢ na formagio ¢ reformagio irrequictas das paisagens geognificas: o ser social ativamente pasicio- nado no espago ¢ no tempo, numa contextualizagio explicitamente histérica ¢ geogrifica, Embora outros tenham se aliado Foucault para insistir numa reequilibragio dessa priorizagio do tempo em relagdo ao espago, ainda nao ocorreu wenhuma mudanga hegeménica que permita ao olho critico — ou ao eu critica’ — enxergar espacial- mente com a mesma aguda profundidade da visio que provém do fooo na durée. A hermenéutica critica ainda estd envolta numa narrativa- mestra temporal, numa imaginagio histéries, mas alnda no equipa- ravelmente geografica. Assim, o revelador olhar retrospective de Foucault para os tiltimos duzentos anos continua a ser aplicdvel hoje em ‘© espago ainda tende a ser tratado como fixo, morta € nio-dialético, ¢ o lempo, como a riqueza, a vida, a dialética eo contexto revelador da teorizagio social critica, A medida que nos acercamos do fim do século XX, entretanto, as observagdes premonitdrias de Foucault sobre a emergéncia de uma “era do espacgo” assumem uma feicdo mais razedvel. Os contextos ¢ intelectual da modema teoria critica social comegaram a se modificar drasticamente. Nos anos citenta, as veneriveis tradigdes do historicismo que vé o espago com antolhos vém sendo questiona- das,’ com uma explicitude sem preeedentes, pelas demandas conver- gentes por uma ampla espacializagio da imaginagao critica, Uma gecografia humana nitidamente pds-moderna c critica vem tomando forma, reafirmando impetuosamente a importinela interpretativa do espago nos confins historicamente privilegiados do pensamento critica contemporines, A geografia pode ainda no ter desalojado a histéria ho ceme da teoria ¢ da critica contemporincas, mas hd uma nova c 2. Perde-se ma imdugiio a homofonia do original entre critical eye (alho exitico) e critical | (eu critica), (6.T.) A. Ghserve-se que o presente livro fol publicado nos EULA, em 1989. (NLT) Histéria: grografia: modernidade w animadora polémica na agenda tedtica e politica, uma polémica que anuncia manciras significativamente difereates de ver o tempo ¢ o espage juntos, a interagdo da histéria com a geografia, as dimensdes “verlicais” ¢ “horizeniais™ do ser-no-mundo, livres da imposigéo do privilégio categdrico intrinseca. ‘Continua ficil demais, mesmo para os melhores denire os “fidis descendentes do tempo”, reagir a exsas incémodas intromissdes pds- modemas com um aceno antidessituacionista de uma mio dominadora ainda confiante, ou com os bocejos presungosos da complacéneia do ja-vi-isso-tudo-antes, Em resposta, og intrusos decididos tendem, mul- las vezes, a enfalizat demais suas colocagdes, eriando uma aura contraproducente de anti-histéria ¢ exagerando inflexivelmente o privilégio critica da espacialidade contemporinea, isolada de uma abrangéncia temporal que ¢ cada vez mais silenciada. Desses confron- tos polémicos, no cntante, também vem emerginds algo mais — uma teoria critica mais flexivel ¢ equilibrada, que reenlaga a feitura da histéria com a produgdéo social do espago, com a construgio ¢ a configuragdo das geografias humanas. Novas possibilidades estéo sendo geradas a partir desse entrelagamento criativo, possibilidades de um materialisme simuluneamente histéries ¢ geogrifico, de uma dialética triplice de espago, tempo ¢ ser social; ¢ de uma reteorizagdo transformadora das relagies entre a histdéria, a geografia ¢ a moder- nidade. inda nao estamos suficientemente seputos dessa espacializagao incipiente da teoria critica para forncecr uma cxposigao cpistemobigica abrangente ¢ confiante. No cntunto, o desenvolvimento do que chamo peoprafias pés-modemas progrediu o bastante para mudar significati- vamente a paisagem material do mundo contemporince ¢ o campo interpretative da teoria critica, E chegado o momento, portanto, ao menos de uma primeira rodada de avaliagio recepliva desses dois econtextos cambiantes da histdria c da peografia, da moderidade ¢ da pés-modermidade — um conetetamente impresso no tecide empirica da vida contemporinea (a geografia pes-moderna do mundo material), ¢ 0 outro ziguczagueande pelas mancitas como damos sentido pritico ¢ politico ao presente, ao pasado ¢ ao futuro potencial (a geografia pés-moderna da consciéncia social critica). Neste capitulo de abertura, pretendo tragar um percurso recon- figurativo através da histéria intelectual da teoria critica social, desde o Ultimo fin de siécle até o presente, destacando a narrativa oculta que instigou a reafirmagio contemporinea do espace. Minha intengio niio é apagar ahermenéutica histérica, mas abrir e recompor o territério da imaginagao histérica atraves de uma espacializagaéo critica, Como 20 Geograyias peissmodernas se evidenciard em cada um dos capitulos seguintes essa reafirmagao do espago na teoria critica social ¢ um exercicio de desconstrugio ¢ de reconstituigéo, Nao pode ser executado, simplesmente, em se jentando pontos espaciais realgados a perspectivas criticas herdadas, ¢ depois recostando numa polirona para observar como eles brilham com conviegio logica. Primciro, ¢ preciso afrouxar a gravata de om historicismo ainda viciador, A wrefa narra € eficazmente deserita por Terry Eagleton em Against the Grain [A coniragosto] (1986, 80); “Desconstruir”, portanto, ¢ reinscrever © ressituar as significagdes, os acontcclmentos ¢ os objetos em movimento ¢ estruturas mais amplos; ¢, por assim dizer, virar pelo avesso a tapegaria imponente, para expor em todo o seu confuso emaranhamenio, desprovido de qualquer glamour, os fios que comphem a prispera imagem que cls expoe ao mundo, LOCALIZANDO AS ORIGENS DAS GEOGRAFIAS POS-MODERNAS As primeiras vores insistentes da geografia critica humana Pis-moderna surgiram no fim dos anos sessenta, porém mal se fizeram ouvir no alarido temporal vigente. Por mais de uma década, o projeto espacializante continuou estranhamente emudecido pela reafirmagaéo trangilila da primazia da bistéria sobre a geografia, que abarcava tanto © marxismo ocidental quanto a citncia social liberal numa visio Praticamente santificada do passido eternamente cumulative, Um dos quadros mais abrangentes ¢ convincentes dessa contextualizacio con- tinuamente histérica foi tragado por C. Wright Mills em sew retrato modelar da imaginagdo sociobégica (Mills, 1959). O trabalho de Mills oferece um proveitoso ponto de partida para a espacializagio da fnarriliva histética ¢ a reinterpretagio do curse da teoria critica social, A espacialidade silenciada do historicismo Mills mapeia uma imaginagdo socioldgica profundamente enrai- ada numa racionalidade histérica — o que Martin Jay (1984) chamaria de “totalizagio longitudinal” — que se aplica igualmente bem a ciéncia social critica ¢ ds tradigées erfticas do marxismo. Histdria: geografia: modernidade x [A imaginagio sociolégica] ¢ uma qualidade mental que ajuda [os individuos] » usarem a informaydo ¢ desenvolverem o raciocinio de modoa chegarcm a sumdrios licides do-que estd ecorrende no mundo ¢ do que pade estar acontecende dentro deles. (1959, 11.) ‘O primeciro fro dessa imaginagio — e as primeiras lipdes da cié social que © incorpora — consistem na idéia de que o individwo sé ¢ capaz de compreender sua propria caperiéncia ¢ aferir seu proprio destino ao se situar dentro de seu periods, de que ele sd pode conhecer ‘suas priprias oporiunidades na vida ao s¢ conscientizar das de todos os individuos em sua situagio. (...) Temos conhecimento de que todo individuo vive, de geragio em gerago, em alguma sociedade; que vive uma biografia, ¢ de que a vive dentro de algume sequé: histérica, Pelo fato de viver cle comtribai, da mais infima mancira que seja, para a conformagio dessa sociedade ¢ para o curso da histéria, ao mesmo tempo que ¢ feito pela sociedade ¢ por seus avangos © cmpurties histérices. (12) E cle vai adiante: A imaginagio socioldgica nos permite apreender a histéria ca hiografia ¢ as relagdcs entre ambas na sociedade, Essa € sua tarcfa © sua promessa. Reconhecer essa tarefa © essa promessa € a marca do analista social classien, (,..) Menhiem extudo social que ndo retorne aos problemas de biagrafia, da histiria © de suas intersecgdes mx seciedade completa sua jornade intelectual, (Ibid, grifo nosso.) Recorro i descrigdo de Mills do que ¢ essencialmente a imaginagio histdrica para ilustrar a Idgica atracnte do historicismo, a redugio racional do sentido ¢ da agao 4 consiituigao ¢ 4 experiéncia temporais do ser social, Essa ligagio entre a imaginagao bistérica ¢ o historicismo requer uma elaboragio adicional. Primeiramente, existe a questéo mais simples de determinar por que “sociolégico” transmudou-se em “his- tético™. Como assinala o proprio Mills, “todo sapatciro acha que o couro é tudo"; ¢, como socidlogo treinado, Mills nomeia seu coure segundo sua prdpria especializagdo ¢ socializagio disciplinares. A escolhs nominal especifica pessoslmente o que é uma “qualidade mental” muito mais amplamente compartida, que Mills alega que deve permear, ou, a rigor, incorporar toda a tcoria © andlise sociais, uma ractonalidade emancipatdria fundamentada nas intersecpes da hisid- ria, da blografia ¢ da sociedade. Sem chivida, esas “histérias de vida" tém também uma geogra- fia; tém ambientes, locais imediatos ¢ localizagées provocativas que afetam o pensamento ¢ a agao. A imaginagao histdrica nunca ¢ a2 ‘Geografias pés-modernas completamente desprovida de espaga, cos historiadores sociais criticos escreveram ¢ continvam a escrever algumas das melhores geografias do passado, Mas siio sempre © tempo ¢ a hisidria que fomecem os “conlinentes varidveis” primordiais nessas geografias. Ise parece igualmente claro, quer a oricntagin critica seja descrita come socio- ldgica, quer como politica ou antropoldgica — ou, a rigor, fenome- noldgica, existencial, hermenéutica ou materialisw histdvica, As énfa- ses-especificas podem diferir, masa perspectiva geral ¢ compartilhada, Uma geogtafia jd pronta prepara 0 cenitin, enquante a construgio intencional da bistéria dita a agde ¢ define o roteiro. E importante frisar que essa imaginag3o histérica tem sido particularmente central na teoria social critica, na busca de uma compreensio pritica do mundo como meio de cmancipagéo, em contraste com a manulengdo do srans quo. As leorias sociais que Mmeramente racionalizam as condigdes existentes ¢, com isso, servem Para promover o comporlamento repelilivo, a reprodugio continua das Priticas socisis accitas, nao se enquadram na definigio da teoria critica. Podem ndo ser menos precisas no tocante dquilo que desere- vem, mas sua raclonalidade (ou inrackonalidade, a rigor) tende a ser meeinica, normativa, cientifica ou instrumental, em ver de critica. Foi justamente o valor critico ¢ potencialmente emancipatério da imaginag&o bistérica, de pessoas “que fazem a historia”, em vez de Presumi-la como ceria, que a tommou tio compulsivamente atraenie. A constante reafirmagio de que o mundo pode ser modificade pela agia humana, pela praxis, sempre foi o cixo central da teoria social critica, sejam quais forem sua fonte & énfase particularizadas. O desenvolvimento da teoria social erftiea girou em toro da afirmagio de uma histétia mutivel, em oposigio a perspectivas & priticas que mistificam a mutabilidade do mundo. O diseurse histérice erilics se coloca, portanto, contra as wniversalizagdes absiratas transhistéricas (inclusive as nogdes de uma “natureza humana” geral, que explica tude ¢ nada ao mesmo tempo); contra og naluralismos, oe empirismes ¢ os positivismos que proclamam as detcrminagées fisicas da histéria, separadas das orlgens sociais; contra os fatalismos reli- giosos ¢ ideoldgicos que projetam determinagdes ¢ tclcologias cspiri- tuais (mesmo quando sio tansmitides revestindo-se da consciéncia humana); ¢ contra toda ¢ qualquer conccituagio do mundo que congele a frangibilidade do tempo, a possibilidade de se “quebrar™ ¢ refazer a historia, Tanto o atraente discermimento critico da imaginagao histérica quanto sua necessidade continua de ser vigorosamente defendida contra as mistificagdes desvirtuadores contribuiram para a sua asscrgao Histdria: geagrafia: modernicade u exagerada como historicisme. O bistoricisma tem sido convencion: mente definido de muitas manciras diferentes. Em Keywords [Pala- vras-chave] de Raymond Williams (1983), por exemplo, apresentam-se trés allernativas contemporineas, que cle descreve como: (1) “neutro” = métedo de estudo que usa fates do passado para rasirear os antecedentes dos acentecimentas atuais; (2) “deliberado” — énfase nas condigdes ¢ contextos histéricos varidveis como estrutura privile- giada para a interpretagio de todos os eventos especificas; © (3) “hostil” — um atnque a todas as interpretagdes ¢ previsdes hascadas em nogdes de necessidade histérica ou em leis gerais do desenvolvi- mento histérico. Quero dar um toque adicional a essas opgdes, definindo o historicismo como uma contextualizagio histérica hiperdesenvolvida da vida social ¢ da teoria social, que obscurece ¢ periferaliza ativa- mente a imaginagio geognifica ou espacial. Essa definigio niio nega © poder ¢ a importincia extraordinirios da historiografia como moda- lidade de discernimento emancipatdrio, mas identifica o historicismo com a criagio de um siléncio critico, com uma subordinagio implicita do espapo ao Iempo, que tolda as interpretagdes geogrificas da mutabilidade do mundo social ¢ se intromete em todos os niveis do discurse tedrico, desde os mais abstratos conccitos ontolégicos do ser até as explicagdes mais detalhadas dos acontecimentos empiricos. Essa defini¢io talvez se afigure muito estranha, quando compa- ada 4 longa tradigdo de debate acerca do historicismo, que foresceu durante sécubos,* A incapacidade desse debate de reconhecer a singular periferalizagio teérica do espago, que acompanhou até as formas mais nculras do historicismo, enirctanto, foi juslamente o que comegou a ser descoberto no fim dos anos sessenta, nos tilwbeantes primdrdios do que denominei de geografia humana crilica pds-moderna. Ji nessa ‘ocasiaio, as corentes principais do pensamento social critico tinham s¢ 4. Ver Popper (1957), Eliade (1959), Lowith (1949), Cohen (1978) © Rony (1980), para fet uma amosira de sbordagens muito diferentes de histoticisme. Rorty, em Philosophy and the Mirror of Nature [A flosofia e 0 espelho da naterezal (9), tece © interessante comedirio de que a filosofia cartesiano-kantiana tradicional foi “uma tentative de escapar da histéria ... para descobrir as condigdes nbo-histéricas de qualquer scontecimento histérico possivel™. As figures centrais da filosofin analiticn do sicelo XX adotadas por Rony — Wittgensicin, Dewey © Heidegger — tho ento apresentadas como revigorantemente historicistes. Rorly acrescenta: “A moral deste livto também ¢ historicista™ (10). A geografia humana, como é carectcrimico, desaparece qease por completo nesse modemo espelhamento da natureza, a nko ser como um reflexo arcaico. uM Geografias pit-modernas tornado Lio cegas para o espago, que as mais vigorosas reafinmagdes do espago em contraposigio ao tempo, da geografia em contraposicio a histéria, surtiram pouco efeito. A disciplina académica da geografin modema, dqucla altura, fora imobilizada em termes tedricos ¢ pouce contribuin para essas primeiras reafirmagdes. E, quando alguns dos mais influentes critieas sociais da época davam uma guinada espacial ousada, isso no apenas costumava ser visto pelos ndo-convertidos como algo inteiramente diferente, mas os priprios executores da virada Preferiam, muitas vezes, abafar suas criticas #o historicismo, a fim de serem minimamente compreendidos. Somente algumas vozes particularmente vigerosas ressoaram através do historicismo ainda hegemdnico dos dltimos vinte anos, tornando-se pionciras do desenvolvimento da geografia pés-modema. A mais persistente, insistente ¢ coerente dessas vozes espacializadoras Pertenceu ao fildsofo marxista francés Henri Lefebvre. Sua teorizagiio critica da produgao social do espa¢o ind entremear-se com todos os capitulos subseqiientes. Aqui, mo entanto, pretendo fazer excertos ¢ fornecer uma imagem dos projetos espacializantes de outros dois teéricos crideos, Michel Foucault ¢ John Berger, cujas geografias pas-modemas assertivas foram basicamente oculladas da visio por sua identificagdo mais comoda ¢ mais conhecida como historiadores. A ambivalente espacialidade de Michel Foucault As contribuigdes de Foucault para o desenvolvimento da gco- grafia humana critica dever ser arqueologicamente desencavadas, pois ele enterrou sua virada espacial precursora em brilhantes volteios de discemimento histdrico. Sem divida, ele resistiria a ser chamado de gedgrafo pis-modermo, mas o foi, malign’ ivi,’ desde a Histdria dav foveura na idade clissica (1961) até suas dltimas obras sobre a Histéria da sexwalidede (1978). Suas observagdes mais explicitas ¢ reveladoras sobre a importincia rel do espago © do tempo, ‘cHircianto, aparecem, nfo cm suas grandes obras publicadas, mas sim, de mancira quase indcua,em suas palestras ¢, apds algumas indagagies: persunsivas, em duas entrevistas reveladoras: “Questions on Geagra- phy” [Perguntas sobre geografia] (Foucault, 1980) ¢ “Space, Know- ledge, and Power” [Espago, saber ¢ poder] (Rabinow, 1984; ver também Wright ¢ Rabinow, 1982). 5, “A despeitio de af mesmo”, em francés no original. (6.T.) Hixtiria: geografia: modermidade a As memoriveis ohservagdes que encabecam este capitulo, por exemplo, foram inicialmente feitas numa palesira de 1967, intitulada “Des espaces autres*.* Permaneceram praticamente néo vistas ¢ nio ouvidas por quase vinte anus, até sua publicapo no periddico francés Architecture-Mouvement-Continuité, em (984, ¢, Uaduzidas por Jay Miskowice come “Of Other Spaces”, em Diaeritics (1986). Nessas anolagdes de aula, Foucault destacou sua nogio de “heterotoplas™ como sendo os espages caracteristicos do mundo moderne, substituin- do o hierdrquico “conjunto de lugares” da Idade Média ¢ 0 envolvente “espago de localizagdo" inaugurado por Galileu ¢ infinitamente des- dobrado no “espago de extensio” ¢ medida do modemo primitivo. Afastando-se do “espago interno” da brilhante poctica de Bachelard (1969) das descrigées regionais intencionais dos fenomenologistas, Foucault concentrou nossa atengio numa outra espacialidade da vida social, num “espago externo” — o espage ecfelivamente vivide (ec socialmente produzido) dos locais ¢ das relagdes entre eles: © espago cm que vivemas, que nes retira de nés mesmos, no qual ocorre @ desgaste de nossa vida, nossa ¢poca © nossa histétia, o cespago qe nos dilaceta ¢ corrdi, ¢ também, em si mesmo, um espago heterogénco. Em outras palavras, néo vivemos numa espécic de vazio dentro do qual possanos situar individuos ¢ coisas. Nio vivemos num vazio passivel de ser colorido por ma dos de luz, mas num conjunto de relagdes que delineia localizagdes imedutiveis umas as outras © absolutamente nio superponiveis entre si, (1986, 23) Esses espagos heterogéncos de localizagSes ¢ relagdes — as hetero- topias de Foucault — so constituidos cm todas as socicdades, mas assumem formas muito variadas ¢ se modificam a0 longo do tempo, 4 medida que “a histéria se desdobra™ em sua espacialidade inerente. Foucault identifica muitos desses locals: o cemitério c a igreja, otealro ¢ 0 jardim, o muscu ¢ a biblioteca, a feira ¢ a “cidade das férias”, o quartel ¢ a prisio, o kammam ‘tmugalmana ‘0 sauna eseondinava, o horde! ¢ a colinia. Ele contrasts esses “lugares reais” com os “espagos fundamentalmente irresis™ das utopias, que apresentam a sociedade numa “forma aperfcigoads™ ou “virada de cabega para baixo”: A heterotopia € capar de superpor num dnico tugar real diversos espagos, diversos locais que em si sio incompaliveis (...) cles tém uma fungio em relagio a todo o espaco restante, Essa fungio se 6. “Espagos outros” ou “Espagos diferentes”. (MT.) 26 Geografias pés-modernar desdobra entre dois pélos extremos. Ou seu papel consiste em criar um espago de ilusdo que expde todos of espagos reais, todos os lugares em que se divide a vida humana, como ainda mais ilusdrios (...) Ou enlao, ao contririo, seu papel consiste em criar um cspa¢o outro, um outro espace real, téo perfcito, meticuloso © bem disposto quanto o nosso ¢ desarrumado, mal construide ¢ confuse, Este dltimo tipo seria a heterotopia, no da ilusko, mas da compensayio, ¢ me pergunto se algumas coldnias néo terko funcionado um pouco dessa maneira. (1986, 25, 27) ‘Com esses comentirios, Foucault expos muitos dos instigantes rumos que iria tomar no trabalho de sua vida inteira c, indiretamente, levantow um poderose argumento contra o historicismo — ¢ contra as aborda- gens vigentes do espaco nas ciémcias humanas. O espago heterogénco ¢ relacional das heterotopias de Foucault néo ¢ nem um vazio despro- vido de substanela, a ser preenchide pela intigéo cogn! |, fem um fepositdrio de formas fisicas a ser fenomenologicamente descrito em toda a sua resplandecente variabilidade, Trata-se de um espage outro, daquilo que Lefebvre descreveria como ! espace vecu, a espacialidade cfetivamente vivida ¢ socialmente criada, simultancamente concrela ¢ abstrata, a contextura das praticas sociais, E um espacgo raramente visto, pois tem sido obscurecide por uma visio bifocal que, tradicio- nalmente, encara o espago como um consiructo mental ou como uma forma fisica — uma ilusio dual que discuto mais detalhadamente no capitulo $. Para ilustrar sua interpretagdo inovadora do espago ¢ do tempo © para eselarecer algumas das polemicas, amide confusas, que vinham surgindo em tome dela, Foucault se voltou para os debates entio eorquelros sobre o estruturalismo, uma das mais importantes vias do século XX para a reafirmagio do espago na teoria social critica, Foucault insistiu vigorosamente em que ele proprio nio era (apenas?) um estruturalista, mas reconhecia, no desenvolvimento do estrutura- lismo, uma visio diferente ¢ instigante da histéria ¢ da geografia, uma reorientago critica que estava vinculando o espago c¢ o tempo de manciras novas ¢ reveladoras, © estraturalismo, ou, pelo menos, aquilo que se reine sob casa dena Fao um tanto genética demais, é o esforzo de estabelecer, entre elementos que poderiam ligatse num cixo temporal, um conjunto de relagées que faz com que cles aparccam justapostos, contrabalangados uns com os outros, cm sums, como uma especie de configuragio. Na verdade, o estruturalismo mio implica uma Mittiria: geografia: modernidade n gagio do tempo; implica uma certa mancira de lidar com o que chamamos tempo ¢ com o que chamamos histéria. (1986, 22) Essa “configuragio” sineriniea é a espacializagao da histéria, a feitura da histéria entremeada com a produgio social do espago, a estruturagiin de uma geografia histérica.” Foucault se recusou a projeiar sua espacializagéo como uma anii-histéria, mas sua histdrla fol provocadoramente espacializada desde o comego, Isso mio constituiu uma simples mudanga de prefe- réncia metafdrica, come freqilemtemente parecia aconiceer com Althusser ¢ qutres, que estavam mais @ vontade com o rétulo de estruturalistas do que Foucault. Trateu-se da abertura da histéria para uma geografia interpretativa, No intuito de enfatizar o cardter central do espago para o olhar eritico, especialmente no tocante ao momento contemporines, Foucault tomou-se sumamente explic Seja coma for, creio que a angustia de nossa cra csté fundamental- mente relacionada com o espago, sem divide muito mais do que com o tempo. Provavelmente, o lempo se nos afigura como sendo apenas uma das virias operagies distribulivas possivels dos elemen- tos dispostos no espago, (Ibid, 23) Ele nunca voliaria a ser tdo explicito. A espacializaggo de Foucault assumiu uma postura mais demonsirativa do que declaratéria, talvez confiando cm que ao menos os franceses comprecndessem a inten qao ¢ a importincia de sua historiografia admiravelmente espacia- lizada. Numa entrevista realizada powco antes de sua morte (Rabinow, 1984), Foucault rememorou sua exploragio “Dos espagos autros™ ¢ a8 reagdes enfurecidas que ela provocou naqucles que cle ccrta vex identifieara como os “fidis deseendentes do tempo™, Ao Ihe indagarem 8¢ © espago era central para a andlise do poder, respondeu: 7. Asuposta *negsgiio” da histéela no estrucuralisme desencedeou ura atnque quase manfaco contra seus principals propanemies, par parte dos que estavam mais tigidamente imbuidos de um historicima emancigatérie, O que Foucwult sugere, eniretanto, ¢ que o extruturalismo nic eomsiste gumaant|-istéris, mat mums lestativa de lidar com a hisiéria de mancin diferente, como uma configuragio ‘espago-temporal, simultines ¢ intermivamente sincronica ¢ discrbaics (para usar- mos a oposipho categirien convencional), §. @ autor utiliza aqui o thubo da tradugio em Inglts do trabalho de Foucault, (NT) 8 Geografius paissmodernas Sim. © espago ¢ fundamental cm qualquer forma de vida comu- nitdria; o espago é fundamental cm qualquer cxercicio do poder. Fazendo uma observagio entre parénieses, lembro-me de ter sido convidado por um grupo de arquitetos, em 1966, para fazer um estudo do espaco, de algo que, na época, eu chamava de “heteroto- pias”, esses espages singulares encontrados em determinados expagos socials, cujas fungies cio diferentes ov até opostas a outras. Os arquitetos trabalharam nisso ¢, ao final do estedo, ergueu-se oma vor — de um psiedloge sartreano — que.me bombardeou, dizendo que o espago era reaciondrio ¢ capitalista, mas a histdria e o devir cram revoluciondrios, Esse discurso absurdo mio cra nada inco- mum nessa ocasiéo. Hoje em dia, todos se contorceriam em gargalhadas diante de um pronunciamento desses, mas ndo naquela época. Em meio 4s gargalhadas atuais — ainda nio tio difundidas e convul- sivas quanto Foucault presumin que seriam —, é possivel olhar para iris ¢ ver que Foucault explorou persistentemente aquilo a que chamou “intersecgao fatal entre o tempo e o espago™, do primeiro ao tiltimo de seus textos. Eo fez, como 36 agora comegames a pereeber, imbuido da perspectiva emetgente de uma geografia humana critiea pés-histo- ficista ¢ pds-moderna. Poweos conseguitam enxergar a geografia de Foucault, entretan- to, uma vez que ele nunca deixou de ser historiador, nunea rompeu seu compromisso com a identidade mesira do moderno pensamento critics. Ser rotulado de gedgrafo era uma maldigSo intelectual, uma agsociagio aviltante com uma diseiplina académica tio distanciadas das grandes matrizes da teoria social ¢ da filosofia modemas, que se afigurava fora do ambito da importincia critica. Foucault teve de ser persuadido a reconhecer sua vinculagdo formativa com a perspectiva espacial do gedgrafo, a admitir que a geografla sempre estivera no seme de suas prencupapies, Esse reconhecimento retrospective surgiu numa entrevista com os editores do periddico francés de geografia radical intitulado Merodore, ¢ fol publicado em inglés como “Perguntas sobre Geografia", em Power/Knowledge (Foucault, 1980). Nessa entrevisia, Foucault se estendeu sobre as observagées que fizera em 1967, mas sé depois de ser impelido a fazé-lo pelos entrevis- tadores. A principio, Foucault ficou surpreso — ¢ irritado — quando seus entrevistadores the perguntaram por que havia silenclado tanto sobre a importincia da geografia c da espacialidade cm suas obras, a despcito da utilizagdo profusa de metéforas gcogrificas ¢ cspacinis. Os cntre- vistadores Ihe sugeriram: Hisnéria: geografla: modernidade 29 Se a geografia fica invisivel ow mio apreendida na drea de suas exploragies ¢ escavagies, talver isso se deva a abordagem delibe- radamente histérica ou arqueoldgica, que privilegia o fator tempo. Assim, cncontra-se em sua obra uma preocupagio rigorosa com a periodizegio, que contrasta com o cariter vago de suas demarcagies espaciais. Foucault reagiu imediatamente através do desvio e da inversio, devolvendo a seus entrevistadores a responsabilidade pela geografia (embora recordasse os erilions que o censuravam por sua “obsessiio metaférica” com o espace). Apés mais algumas perguntas, entretanto, admitiu (owtra vez?) que o espage fora desvalorizado durante geragdes. pelos fildsofos ¢ pelos eriticos sociais, reafirmou a espacialidade intrinscea do poder/sabcr, ¢ terminow com uma meia-volta: Gostei dessa discussie com vocés por ter mudado de idéia desde que comegamos. Deve admitir que achei que vorés estavam exiginda um lugar para a geografia, como os professores que protestam, quando se propée uma reforma educacional, por haver um corte mo simero de horas para as ciéncias naturais ou a misies. (...) Agora, pereebo que os problemas que voots me estho formulande sobre a geografia sko problemas cruciais para mim. A geografia funcionow como @ esteio, a condigio de possibilidade da passagem entre uma sétie de fatores que tentci relacionar. No que conceme 4 geografia deixei » questio em suspenso, ou estabeleci uma série de ligagdes arbitrérias. (...) A geografia deve estar, realmente, no ceme de mews interesses. (Foucault, 1980, 77) Aqui, « argumentagio de Foucault toma um nove rumo, indo de um simples olhar para “outros espagos” ao questionamento das origens “dessa desvalorizagio do espago que tem prevalecido por geragies™. E nesse pomto que ele tece o comentirio anteriormente cilado sobre a abordagem pds-bergsoniana do espago como passive e sem vida, © do tempo como riqueza, fccundidade ¢ dialética. Ai esuivam, portanto, os ingredientes inquisitives para um alaque direto ao historicismo como fonte da desvalorizagio do espago, mas Foucault tinka outras coisas em mente. Num aparte revelador, ele Tumou por uma via integradora, ¢ nio desconstrutiva, atendo-se a sua histéria mas ecrescentando-lhe o nexo crucial que perpassaria toda a Sta obra: o elo entre o espago, o saber ¢ o poder: Para todos os que confundem a histéria com os amigos esquemas da evolugio, da continuidade da vida, do desenvolvimento orginico, do progresso da consciémcia ou do projeto existencial, o emprego » Geografias pés-modernas de termos espaciais parece ter um ar de anti-histéria, Se alguém comegava a falar em termos de espago, isso significava que era hostil ignificava, como dizem os tolos, que cle “negava a as formas de implantagio, delimitgio ¢ jos, os modos de classificagio, a organi iain pore releve os processes — histéricas, é desnecessé tio — do poder, A deserigio ecpacializante das realidades diseur- sivas se abre para a anilise dos efeitos correlates do poder. (Ibid.) Em “The Eye of Power™ [0 olho do poder), publicado como preficio a Jeremy Bentham, La Panoprigne (1977) ¢ reproduzido em Po- werKeowledge (Foucault, 1990, om. de Gordon, 149), cle reafirma seu projeto ecuménico: Resta escrever toda uma histdria dos exspagos — que seri tempo, a histéria dos poderes (os dois termos nw plaral as grandes estratégias da geapolitica alé as pequenss Uiticas do habitar. Assim, Foucault adia uma critica direta ao historicismo com wma aguda olbadcla lateral, ao mesmo tempo mantendo seu projeto espa- cializante, mas preservande sua postura historica. “A histéria ha de nos proteger do historicismo”, conclui cle, otimisticamente (Rabinow, 1984, 250). Voltarei 4 provocante cspacializagio foucaultiana do poder em capitulos posteriores. Por enquanto, utilizo sua obra para ilustrar uma carreira quase invisivel, mas mesmo assim formativa, na geografia humana critica pés-modcma, uma carrcira subtraida ao rcconhecimen- to cxplicito como geogrifica pela persistente hegemonia do histori- sismo, Outra geografia (histdrica) similarmente oculla pode ser en- contrada nos textos de John Berger, um dos mais influentes ¢ inova- does criticos de arte que alualmente escrevem em inglés. Contemplando o espago pelos olhos de John Berger Tal come Foucault, John Berger repisa a intersecgiio enue tempo € espa¢o cm praticamente todos os scus textos, Dene suas obras mais fecemes encontra-se uma pega intiwiads A Question of Geography [Uma questio de geografia] ¢ um volume personalizado de poesia © prosa que concelst o amor visualmente, com o tiulo Amd our faces, my heart, as brief as photos [E nossos rostos, meu coragdo, breves Mistéria: geografia: modernidede a come fotos} (Berger, 1984). Simbolizando seu insistente balango entre histéria © geografia, linhagem ¢ paisagem, periodo ¢ regiao, Berger inicia esse pequeno volume com a afirmagio: “A Parte 1 é sobre o Tempo, A Parte Tl, sobre o Espago.” Os temas inclusives seguem-se em consondncia com isso: a primeira parte, rotulada de “Um dia”, ¢ a segunda, de “Aqui — nenhuma intrinsccamente privilegiada, ambas necestariamente lapidadas em conjunto, Mas Berger realmente faz. uma opgao explicita, em pelo menos um de seus textos anteriores, ¢ é sobre essa escolha afirmativa que desejo concentrar a alengao. No que ainda hoje permanece, talvez, como a declaragio mais direta do fim do historicismo, esse que € 0 mais espacialmente visiondrio dos historiadores da arte — ousariames chamd-lo gedgrafo da arte? — conclama aberiamente a uma espacializagio do pensamento eritice. No seguinte trecho, extraido de The Look of Things [A aparéncla das coisas] (1974, 40), Berger condensa a esséncia das geografias pés-modernas numa estética espacialmente politizada: Guve-se muita coisa sobre a crise do romance modemo. O que isso envolve, fundamentalmente, é uma mudanga no meds de narragdo. Ja é quase impossivel contar uma histdria direla que se desdobre seqGencialmente no tempo. E isso se deve « estarmos por demais cientes daquilo que std o tempo todo a perpassar colareralmente 0 flo dia narrative. Em outs palavras, cm wer de estamos cinscios de um ponto como uma parte infinitamentc pequcna de oma rela, cslamos cinscios dele como uma parte infinitamente pequena de um némero infinite de linkas, como o centro de uma estrcla de linkas. Essa conscitncia resulta de scemos constantemente forgados a levar em conta a simultancidade ¢ a extensdo dos acontecimentos ¢ das possibilidades. Ha intimeras razdes pars issoc a amplitade dos modernos meios de comunicagko; a escala do poder moderna; o grau de responsabi- lidade politics pessoal a ser accita por eventos ocorridas no mundo Intelto; o fate deo mundo ter-se tormado indivisivel; a desigualdade do desenvolvimento econimica nesse mundo; ¢ a escala da explo- ragdo. Todos eles desempenham um certo papel. A projfecia, agora, implica uma projecio mais geogrdfica do que kistdrica; ¢ 0 espago, endo o tempo, que nos occulta as comsegGdncias, Hoje em dia, para Profelizar, € necessdmio apenas conhecer os homens [e as mulberes) tal come sio no mundo inteiro, em toda a sua desigualdade. Qualquer harrativa contemporinesa que ignore a urgél dessa dimensiio ¢ incompleta © adquire o caniter supersimplificade de uma fibula. (Grifos ¢ colchetes meus.) Essa passagem arguta salta de um ensalo sobre a moderna pintura de retratos, no qual Berger tenta explicar por que a importincia

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