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CULPABILIDADE. EVOLUCAO E ANALISE CRITICA ATUAL'. Alexis Couto de Brito Sumirio: I, Introdugao. ~ I. Evolugdo do conceito de culpabilidade. - III. Configuragdo atual da discussio. - IV. Anilise critico-filoséfica do livre-arbitrio. — V. Anélise critico-dogmatica da normatividade. — 1. Imputabilidade. ~ 2. Potencial consciéncia da ilicitude. — 3. Exigibilidade de conduta conforme o Direito. ~ VI. O conceito e a consideragdo da culpabilidade no Brasil. — VIL. Conclusdo, ~ VII Referéncias Resumo: 0 texto tenta contribuir para o debate atual do conceito de culpabilidade ¢ de seus elementos, principalmente quando se invoca que a normatividade é a marca de sua aplicagio. Apés uma apertada evolusao histérica do conceito, utilizam-se as posturas mais modernas para, delas, concluir por um esvaziamento da culpabilidade © a busca de sua adequagao ao agit comunicativo como teoria da agao. INTRODUGAO. O conceito analitico de crime ou, se preferirem, a teoria do delito como um todo & a paixdo de todo penalista. Concordar com uma definigdo ou teoria elaborada por outrem nio é exercitar a ciéncia do Direito penal. Atualmente, as escolas, no sentido utilizado a época de CARRARA e FERRI, is e cada doutrinador entende o delito a seu modo, Se por um lado tal posicionamento causa certa confusdo e dispersio do estudo & aplicagdo do direito penal, por outro acaba favorecendo seu desenvolvimento. Pede-se apenas que os estudos sejam criticos e seus fundamentos lastreados, evitando-se os “achionismos” e convicgdes puramente intimas sobre esta ou aquela teoria, A finalidade de tanto estudo & uma sé: em um auténtico Estado Democratico de Direito a dogmatica é um instrumento imprescindivel para manter o direito penal sob controle, para que a pena no chegue mais longe de onde o legislador se propés a que chegasse, para criar penas presididas pela calculabilidade e pela seguranga juridica. A idéia penal mais progressiva e avangada é, primeiro, somente i idéia. Para realizi-la € necessdrio formuli-la legalmente; esta formulag: ' Texto publicado originalmente em BRITO, Alexis Couto de; VANZOLINI, Maria Patricia. Direito Penal: aspectos juridicos controvertidos. Sao Paulo: Quartier Latin, 2006. interpretago — seré tanto mais perfeita quanto mais desenvolvido e seguro seja o aparato dogmatico de que se dispde * Inspirados pela palavras de GIMBERNAT ORDEIG & que decidimos por investigar a culpabilidade, seu conceito ¢ seus elementos. Aquela, que evoluiu da psique a0 normativo, precisa continuar seu caminho, ¢ a isto se propée este singelo trabalho, a colaborar. Como questio inicialmente apresentada esté a incluso da imputabilidade como elemento da culpabilidade. Seu lugar inicial no era este, até ser incluida por FRANK, € fixada por MEZGER. Como justificar, ainda que parcialmente, a imputabilidade com um critério normativo ¢ manté-la na culpabilidade, quando, por exemplo, temos elementos normativos no tipo e que exigiriam o discernimento do autor jé na valorago do agir? Em seguida questionamos os demais elementos que compde a culpabilidade, a ia do ilicito e a exigibilidade de conduta conforme o direito Mas a principal intengdo deste escrito ¢ questionar criticamente a normatividade da culpabilidade e promover uma abordagem de sua justificagdo a partir do agir comunicativo, ou seja, de um ponto de vista discursivo e, com isso, destacar a importancia da linguagem na argumentagdo ¢ justificagdo do direito penal Como ponto de partida, devemos, ainda que resumidamente, elaborar uma retrospectiva do modemo conceito de culpabilidade, para que o leitor rememore a incluso dos elementos ¢ o desenvolvimento do conceito até o posicionamento atual. . EVOLUGAO DO CONCEITO DE CULPABILIDADE. © conceito analitico de crime pode ser considerado relativamente moderno. Até a metade do século XIX, havia apenas referéncia a duas partes do delito: uma objetiva, relacionada a analise do fato, e outra subjetiva, com a relevancia do sujeito’. O Direito anglo-americano mantém, ainda hoje, esta andlise singela do delito, focando o momento fatico (actos rea) e posteriormente o individuo como autor deste fato (mens rea). Com a evolugio cientifica do direito penal germénico comegam os estudos analiticos do delito, mas ainda de forma acanhada. Atribui-se a INERING em seu trabalho Das Schuldmoment im Rémischen Privatrecht (1867) a separagdo da antijuridicidade objetiva da culpabilidade. E, como & sabido, somente em 1906 (Die Lehre vom Tatbestand) com ERNST BELING é que 0 conceito de tipicidade tomou rumos de teoria. ? GIMBERNAT ORDEIG, op. cit, p. 160. * OTTO, Harro, Grundkurs Strafrecht. Allgemeine Strafrechtslehre, p. 205. Na esteira da separagio do delito em um momento objetivo ¢ outro subjetivo, também na segunda metade do século XIX, surge a concepedo psicolégica da culpabilidade. A doutrina naturalista da época, com suas premissas metodolégicas influenciadas pelo positivismo comtiano ¢ seu pensamento mecanicista dogmético causal, concebeu a culpabilidade como uma simples conexdo subjetiva, simultanea e paralela ao nexo de atribuigdo objetiva. Tratava-se de um sistema bipartido rigido de dclito, O elemento subjetive ¢ separado do objetivo de forma drastica - um corte — mantendo-se de um lado o injusto e de outro a culpabilidade. A culpabilidade ¢ a relago psiquica do autor com o resultado, que pode possuir duas vertentes: ou 0 dolo ou a culpa. © modelo de teoria do delito contendo a culpabilidade como um dos elementos analiticos foi estruturado pela primeira vez — dogmaticamente - por FRANZ VON LISZT, no chamado sistema classico do ilicito’, ‘A mudanga estrutural do conceito de culpabilidade comega a ser desenhada por BIERLING em 1905, quem pela primeira vez fala de culpabilidade como um juizo de valor. A seguir, GRAF ZU DOHNA (Elemente des Schuldbegrifis), também em 1905, ao estudar a culpabilidade, fala de um elemento, a contrariedade ao dever de conduta, 0 que implicaria em ter uma consciéncia do injusto’, Mas ainda se comparava esta consciéncia ao dever moral confundindo-o com o direito, um retrocesso ao_pré- positivism. © primeiro estudo profundo a respeito foi claborado doutrinariamente por REINHARD FRANK que publica suas conclusdes em 1907, e faz um giro normativo no estudo da culpabilidade. A publicagdo foi modesta, em uma revista juridica em homenagem a faculdade de Giessen, ¢ nfo era uma revista especializada em Direito Penal. O destaque dado a teoria de FRANK deveu-se ao fato da culpabilidade poder conter outros elementos que no somente os psicolégicos. FRANK no negou a colocagao do dolo e da culpa como elementos, mas sim afirmou que a culpabilidade nao se esgotava naqueles. Para FRANK existem circunstancias concomitantes que atuam sobre 0 fato ¢ 0 agente ¢ capazes nio sé de diminuir como de excluir a culpabilidade, Estas circunstineias - que chegou a chamar de “motivagdes normais" - seriam um meio de determinar o grau de exigibilidade da conduta Em seu texto Uber den Aufbau des Schuldbegrifis, 0 estudo de FRANK comeca por exemplificar 0 caso de dois caixas que desviam dinheiro de um comércio, um com uma mulher doente e dois filhos pequenos, ¢ outro abastado e com uma familia em étimas condigdes °. No conceito naturalista de culpabilidade ndo se pode dizer que nao houve dolo por parte de ambos, mas sem divida a conduta do primeiro ¢ menos reprovavel que a do segundo. © mesmo acontece ao analisarmos a culpa (negligéncia), como exemplifica FRANK com 0 caso do guarda ferroviério que era ao acionar os desvios logo ao iniciar seu tumo, perfeitamente descansado, e daquele que erra apés 12 horas ininterruptas de servico. Estas seriam as “circunstncias concomitantes” que * VON LISZT, Tratado de Derecho Penal, vol. 2, p. 252. § Para o autor, contrariedade ao dever “é a vontade direcionada & realizagio de um resultado antijuridico”. GRAF ZU DOHNA, Der Aufbau der Verbrechenslebre, 4. ed, p. 40 © FRANK, Sobre la estructura del concepto de culpabilidad, p. 28 aumentam ou diminuem o grau de avalia ou seja, da reprovabilidade de sua conduta. io ou valoragdo da culpabilidade do agente, Verificava-se que, nos casos concretos, estas situagdes eram reconhecidas pelos tribunais e amenizavam as penas. FRANK passa entdo a trabalhar com um dilema pois se tais circunstincias poderiam amenizar a pena, no haveria motivo para que no a excluisse. Por outro lado, sendo a culpabilidade somente composta pelo dolo ou pela culpa, nfo se poderia admitir a “exclusio” da culpabilidade nos casos em que continuassem existindo tais elementos (dolo e culpa). © ‘tribunal alemao emitiu 0 famoso julgado do “apanhador de rédeas” (Leinenfiingerfall) que possibilitou o alargamento do conceito de culpabilidade e do reconhecimento da insuficiéncia de seus elementos. Tratava-se do caso de um cocheiro que, a mando de seu chefe, andava com sua carroga puxada por um cavalo o qual sabia no poder controlar, por seu conhecido comportamento de apanhar as rédeas das maos do cocheiro com seu rabo, o que efetivamente aconteceu. A carroga, que ndo podia mais ser controlada pelo cocheiro, ocasionou a fratura da perma de um transeunte (um ferreiro). O condutor estava seguro de que o comportamento do cavalo poderia causar um acidente, mas se no conduzisse a carroga, perderia o emprego. O tribunal constatou que 0 autor nao poderia agir de outra forma naquela circunstincia, isentando-o de pena. ‘Duas foram as conseqiiéncias do desenvolvimento tedrico de FRANK. A primeira = © maior aporte tedrico - foi considerar a culpabilidade como reprovabilidade. Reprovabilidade significando uma valoragao negativa de uma conduta desaprovada que WELZEL posteriormente explicaré como uma reprovagio pessoal. Este conceito invade ¢ influencia toda teoria do delito da primeira metade do século XX. A. segunda conseqiiéncia foi considerar a imputabilidade nio como mera capacidade (pressuposto) de culpabilidade, mas como elemento integrante daquela. E a qualidade ou estado espiritual normal do autor, Somente o culpavel ¢ digno de pena. FRANK explora 0 caso do doente mental que pode agir dolosamente, mesmo sendo inimputavel, © exemplifica com a participago, considerada acesséria ¢ que no permitiria a punigdo do participe se a imputabilidade fosse pressuposto da culpabilidade. Outros autores como MAX ERNST MEYER e ALEXANDER GRAF ZU DOHNA aparecem na literatura como tendo permeado 0 assunto mas foi JAMES GOLDSCHIMDT que em seus dois textos - Der Notstand, ein Schuldproblem (1913) e Normativer Schuldbegriff (1930) - impulsionou novamente as discussdes sobre a existéncia de algum elemento da culpabilidade externo ao agente ¢ se, existindo, teria a natureza normativa, GoLDScHIMDT termina por afirmar a existéncia de tal elemento como a contrariedade ao dever, ou seja desenvolve seu estudo a partir de GRAF ZU DOHA, que ja havia feito tal afirmagdo, Mas o autor trabalha a consciéncia da antijuridicidade sobre a base da norma de dever hipotética (nao de base kantiana do imperativo categérico) que obriga 0 autor a motivar sua conduta, conforme sua representagdo de se ela pode resultar proibida pela norma ’. A norma de dever é exigivel de acordo com as caracteristicas do homem médio, e ndo de cada um em cada caso conereto, A 7 GOLDSCHIMDT, La concepcién normativa de la Cupabilidad, p. 98 reprovabilidade é o nao se deixar motivar em sua conduta pela representago do dever, ou seja, pela representagao do resultado negativo que possa ocorrer no crime doloso ou pela falta de precaugdo no crime culposo. A culpabilidade é a atribuigdo de um fato juridico a uma motivagao reprovavel. Em suma, para GoLDScimMpT, 0 individuo deve motivar sua conduta de acordo com 0 dever (norma hipotética) que Ihe ¢ imposto. Se assim nao o faz, ou seja, se no age conforme o dever exigido de um homem médio, sua conduta é reprovavel ¢ dai o fato poder ser-Ihe atribuido como culpavel. Sdo, portanto, duas normas: a interna, relacionada com a culpabilidade e a externa, com 0 ordenamento juridico. Mas é importante destacar que 0 normativo do conceito de culpabilidade de GOLDSCHIMDT nao é a previsio legal (Lei) da causa excludente ou exculpante mas sim © fato de fazer-se uma valoracdo da motivagao interna do agente (norma). Assim como a antijuridicidade € a valoragio do injusto (elementos normativos do tipo), a culpabilidade é a valorago da conduta do agente perante a sociedade, se desaprovada ou no. Mas ainda aqui, a valorag3o se atém ao dolo e a culpa, que para este autor sZo graus ¢ no tipos de elementos da culpabilidade. Assim: ) quanto maior a representago do resultado ¢ sua aproximagio do motivo da conduta, maior o grau de culpabilidade; ¢ b) quanto menores os fatores externos e quanto maior o desenvolvimento intelectual ou espiritual do autor, mais exigivel era a contra-motivagao contratia a0 dever a ser observado. Com isso, GOLDSCHIMDr acreditou ter resolvido certos problema excesso na legitima defesa, do estado de necessidade ¢ da culpa consciente. como o © terceiro grande passo para o “giro normative” foi dado por BERTHOLD FREUDENTHAL, em sua obra Schuld und Vorwurf im geltenden Strafrecht (1922), ao trabalhar a idéia de FRANK mas nao considerando as circunstancias concomitantes como elementos da culpabilidade ao lado do dolo ¢ da culpa, FREUDENTHAL as considera como elementos do dolo e da culpa. Deve-se descobrir a falha no agir (doloso ou culposo) do autor e aferir se havia exigibilidade de conduta adequada 4 norma. O poder de decisio estaria viciado e por isso ndo se poderia exigir conduta adequada. Este é 0 critério de reprovabilidade, a capacidade de agir adequadamente, FREUDENTHAL esclarece que o dever é importante e indispensavel como apontou GoLpscuimpr, pois © comportamento deve ser exigido para se falar em conduta culpavel. Mas ndo basta s6 o dever. F preciso poder agir de forma adequada ao dircito *. Somente se pode reprovar aquilo que se podia exigir. E importante destacar, para os objetivos deste trabalho, que ao se falar em exigibilidade ou ndo de certa conduta adequada ao direito os autores acima a relacionam intimamente com 0 que na teoria do delito da época eram as espécies de culpabilidade © dolo e a culpa, Pela preciso dos termos utilizados, pedimos licenga ao leitor para transcrever o trecho de FREUDENTHAL: * FREUDENTHAL, Culpabilidad y reproche en el Derecho Penal, p. 71 ess. rodeos exigir, tanto no dolo como na culpa — que sdo espécies de culpabilidade — que ao autor possa ser formulada uma reprovagao por sua conduta, Agora, se as circunstincias da execug%o deram-se de um modo tal que qualquer um teria agido assim como 0 fez 0 autor, entdo falta o pressuposto comum do dolo ¢ culpa, a possibilidade de formular uma reprovagdo, ¢ com isso, ainda de lege lata, estario ausentes ambas as formas de culpabilidade ” (grifos no original). Posteriormente, autores como ENGISCH, MEZGER ¢ WELZEL € que passaram a considerar a inexigibilidade como algo independente com a finalidade de exclusio da culpabilidade ". dolo ¢ a culpa integraram a culpabilidade até que HANS WELZEL passa a analisé-los na tipicidade, elaborando a teoria finalista do delito. O autor considera que 0 poder ter agido de forma diferente ¢ 0 centro da reprovabilidade, esséncia da culpabilidade. A culpabilidade para WeLZEL é a reprovabilidade da configuragdo da vontade. O objeto de reprovagao da culpabilidade & a vontade de agdo antijuridica; esta reprovada na medida em que poderia ter consciéncia da antijuridicidade da ago e isto poderia converter-se em contramotivo determinante do sentido", WELZEL afirma que: a) 0 autor seja capaz psiquicamente de motivar-se de acordo com a norma, 0 que significa ser imputavel. Imputabilidade é a capacidade de compreender o injusto do fato © de determinar sua vontade conforme esta compreensio; ¢ b) © autor seja capaz de motivar-se pela compreensio possivel da antijuridicidade (compreensio do injusto), ou seja, capacidade de livremente autodeterminar-se, Apés WELZEL, a culpabilidade definitivamente perde o dolo e a culpa como seus elementos. Mas 0 que pouco se nota & que o autor nao cinde a exigibilidade de conduta diversa do dolo e da culpa, deixando-a na culpabilidade. Fazemos tal referéncia porquanto WELZEL, ao “retirar” o dolo da culpabilidade, muda seu conceito, que continha também a consciéncia da ilicitude, ou seja, dolo e consciéneia da ilicitude eram insepariveis. Ao passar a anélise do dolo para o tipo, deixou a consciéneia da ilicitude na culpabilidade 5 os posteriores estudos pouco modificaram sua perspectiva, com algumas excegdes que utilizaremos, a seguir, como ponto de partida para uma contribuigao ctitica, FRI UDENTHAL, op. cit, p. 76/77. NGISCH, Untersuchungen tiber Vorsatz und Fahrlissigkeit im Strafrecht, p. 441 ¢ ss; MEZGER, Lerbuch des Strafrechts, p. 371. WELZEL, Derecho Penal Alemén, p. 210. "'WELZEL, op. cit, p. 195 I. CONFIGURAGAO ATUAL DA DISCUSSAO. A grande eficiéncia do conceito ou do principio de culpabilidade esta ainda no plano do injusto, com a tarefa de excluir os resultados decorrentes do mero acaso, € assim evitar a puniggo de alguém pela simples ocoréncia de um resultado (responsabilidade objetiva ou versari in re illicita) ". Diferentemente de outros ramos juridicos como o Civil e 0 Administrativo, a culpabilidade exige uma consideragZo subjetiva (do sujeito ou de seu agir) para a atribuigo de um sucesso que cause uma lesiio ao bem juridicamente protegido. Hodiernamente, grande parte dos doutrinadores acompanha a mesma dogmética sobre a culpabilidade, predicando-a de reprovabilidade normativa, embora utilizando uma terminologia por vezes diferente, e que tem como elementos a liberdade de decisao da pessoa, a imputabilidade, o conhecimento da ilicitude e a inexigibilidade de conduta diversa ". Tomando por todos JESCHECK, a culpabilidade ¢ a reprovabilidade pela formagdo da vontade ¢ subdivide-se em (a) prinefpio de culpabilidade, (b) culpabilidade como fundamento da pena e (c) a culpabilidade como medida da pena. O primeiro (a) afirma que a pena somente pode ser fundamentada se 0 autor puder ser reprovado pelo fato e que a pena somente ¢ admissivel dentro dos limites da culpabilidade. O segundo (b) é a encarnagdo dos requisitos que podem excluir ou fundamentar a reprovabilidade do fato em atengio a existéncia da ameaga penal. O terceiro (c) € © conjunto das circunstincias que responsabilizam 0 autor © que so consideradas na determinagdo da pena ', Como elementos minimos a culpabilidade ¢ composta da capacidade de culpabilidade (imputabilidade), 0 conhecimento ainda que virtual da proibica0, ¢ a exigibilidade de conduta conforme o Direito. Com tantos seguidores, poderia parecer que a culpabilidade nao sofre qualquer ameaga, Os manuais ¢ tratados modemos repetem, um a um, 0 mesmo conceito de culpabilidade (reprovabilidade) e enumeram seus elementos (imputabilidade, capacidade potencial de consciéncia da ilicitude ¢ inexigibilidade de conduta diversa), Assim como a Teoria da Imputagdo Objetiva, em ROXIN, Straffecht, Allgemeiner Teil, 4. ed. ,p. 223 (§ T,n° 63) " Nese sentido, KUHL, Kristian, Strafrecht, p. 296; JESCHECK, Tratado de Derecho penal, p. 434; KINDHAUSER, Strafiecht. Allgemeiner Teil, p. 170; MUNOZ CONDE/GARCIA ARAN, Derecho Penal, parte general, p. 360; BUSTOS RAMIREZ/HORMAZABAL MALAREE, Lecciones de Derecho Penal, p. 139/140 (sem utilizar a expressio culpabilidads);, LANDECHO” VELASCO/MOLINA BLASQUEZ, Derecho Penal Expatol, p. 334; GOMEZ BENITEZ, Teoria Juridica del delito. Derecho Penal, parte general, p. 453 e ss; BACIGALUPO, Derecho Penal, parte general, p. 423/424 PAGLIARO, Princip: di Diritto Penale, p. 315: FANDACA/MUSCO, Dirto Penale. Parte Generale, p 243; PADOVANI, Diritto Penale, p. 235; MANTOVANI, Diritto Penale, p. 287 e ss; RAMACCI, Corso di Dirt Penale, p. 395/396; ANTOLISEI, Manuale di Dirito Penale, p. 320 e ss (com algumas restrigdes), No direito penal brasileiro, os manuais atuas fo undnimes nesse sentido. Alguns dos autores italianos, no entanto, ainda mantém o Dolo e a Culpa como elementos da Culpabilidade \ JESCHECK/WEIGEND, Tratado de Derecho Penal, p. 434. sendo poucas as almas aventureiras a procurarem um caminho mais tortuoso ¢ arriscado, dissonante da maioria, Mas & certo que uma profunda andlise do “padronizado” conceito de culpabilidade aponta-nos algumas questdes. O livre-arbitrio, a normatividade, a consciéncia do ilicito, a exigibilidade de conduta conforme o direito ¢ até a propria equiparag3o & reprovabilidade s3o questionados por alguns autores, tanto que, arbitrariamente, ousamos selecionar alguns pensadores para, a partir deles, promover um questionamento pessoal que, se bem no conseguira resolver a todas as questdes, talvez possa contribuir para com o debate filos6fico-dogmatico. As primeiras criticas afetam a normatividade. Deste ponto partem algumas, talvez, inconsistentes. Um exemplo é a critica formulada por ANTONIO PAGLIARO que roga pelo descarte da idéia de recorrermos 4 concepg4o normativa da culpabilidade como reprovabilidade do agente, pois se entendéssemos a reprovabilidade em sentido juridico, pareceria claro que nao hd nenhum modo de derivi-la da lei penal e definir que coisa seria (¢, entio, para estabelecer se 0 sujeito seria culpavel e, por, conseqiiéncia, punivel); se entendéssemos a reprovagdo em senso ético (reprovabilidade ética do sujeito), nos afastarfamos da esfera dos conceitos dogméticos ¢ mergulhariamos inadvertidamente no “principio de culpabilidade” ", Explicamos: para o autor, 0 “principio de culpabilidade”, cdnone do direito penal italiano, ¢ aquela exigéncia ética que veda o legislador de prever a punigio de um fato que nao tenha sido expresso do homem como “pessoa”. Porém, tal prinefpio & exatamente o conceito de culpabilidade adotado pelo direito germanico, o que enfraquece sua critica, pois o autor simplesmente substitui a culpabilidade pelo principio de culpabilidade, que compreende o entender € querer, a possibilidade de exigir-se do sujeito um comportamento conforme a norma e gue ele tenha a possibilidade de reconhecer a ilicitude penal do fato "A real critica do autor — de todo nio descartivel — € quanto 4 normatividade do conceito © sua equiparagdo a reprovabilidade do autor ou da conduta. Os elementos da culpabilidade constituem uma unidade, um todo de requisitos indispensiveis. Parte da doutrina entende que a questo da culpabilidade juridico-penal deve exigir uma extrema individualizagdo, ou seja, indicada pelas circunstincias concretas (objetivas) consideradas a partir do autor, ¢ com pardmetros normativos, aqui no sentido de serem abstraidos da norma posta (dai a normatividade) Mas tal individualizago (objetiva) somente seria possivel quanto ao potencial conhecimento da ilicitude e & capacidade de culpabilidade, ainda que auxiliada por topoi como “ninguém poderé escusar-se alegando 0 desconhecimento da lei” ou ainda por definigdes arbitrariamente formuladas como a incapacidade penal do menor de 18 anos A. exigibilidade de conduta conforme 0 direito ndo poderia fazer parte desta objetividade ou estrita normatividade desejada por alguns, seja por se constituir em uma expresso vazia de contudo — indefinivel — ou ainda por sua absoluta impossibilidade de comprovagio. 'S PAGLIARO, Principi di Diritto Penale, p. 318. "*Ibidem, p. 315. Nesta esteira, MAURACH', entendendo que a inexigibilidade de conduta diversa no poderia participar de uma conceituagao normativa (legal-objetiva) da culpabilidade, consir6i sua teoria criando uma nova categoria no conceito analitico de delito e, entre a antijuridicidade ¢ a culpabilidade (esta contendo apenas a capacidade de culpabilidade © potencial conhecimento da ilicitude) existiria a responsabilidade pelo fato. Esta sempre estard presente quando a ago se achar livre de fatores externos que influenciem na motivacdo do agente. Diante de uma situago normal, o direito penal “deduz” (no demonstra) a possibilidade de motivagdo livre e desta a responsabilidade do autor pelo resultado de uma formagio atribuivel de sua vontade. Observamos que possuimos outra palavra: a responsabilidade. CLAUS ROXIN utiliza-se dela para também construir sua teoria do delito, e também com um destaque sobre a culpabilidade, mas agora ndo mais como fez MAURACH colocando-a lado-a-lado com aquela, mas fazendo com que a responsabilidade contenha a culpabilidade. Para este autor, a culpabilidade no integra o conceito analitico de delito como um de seus elementos. ROXIN fala do conceito de responsabilidade, que engloba a culpabilidade © a necessidade preventiva da pena. Ao sujeito responsavel poder-se-ia aplicar uma pena. A culpabilidade atua como um limite ao poder punitive do Estado, vinculado a necessidade de prevengdo. O sujeito atua culpavelmente quando realiza um injusto juridico-penal ainda que pudesse alcangar o efeito da chamada de atengao da norma'* na situag%o concreta e possuisse uma capacidade suficiente de autocontrole, de modo que a ele eta psiquicamente acessivel uma alternativa de conduta conforme ao Direito Em RoxIN a culpabilidade & uma fico em favor do autor de que este dispde de liberdade de decisdo, um limite para a aplicagdo da pena ¢ que por seus efeitos in bonan partem no exigiria a verificagdo empirica do livre-arbitio. ROXIN sofreu € sofie algumas criticas, que entende haver rebatido em seus liltimos escritos, A tentativa de reduzir a culpabilidade a um aspecto preventivo ¢ de determinagio da responsabilidade pessoal somente como fungo de limitagao da pena no convenceria, ou seria imitil para alguns autores. A consideragdo da liberdade e da razo para imposigao da pena poderia ser tomada como afronta ao principio da dignidade humana, por utilizarem estes elementos formadores da humanidade somente em prejuizo do sujeito, como fundamento para a aplicago da pena. Serviria muito mais para definir o meio pelo qual a sociedade entende o autor como um perigo e como "" MAURACHIZIPF, Derecho Penal, p. $44 e ss. O autor desenvolve em longas 38 paginas da versio espanhola de seu tratado a responsabilidade do autor pelo fato. Separa o cardter subjetivo da culpabilidade — exigibilidade de conduta diversa ~ para dar unidade a teoria das conseqiiéncias do delito. Ao delito impune (até este momento) agrega-se a resposta penal. Configurada a responsabilidade, a esta se une a culpabilidade, e aplica-se pena a0 réu, ou une-se a periculosidade, e aplica-se a medida de seguranea. E, para os sistemas que ainda aplicam o duplo bindrio (pena e medida de seguranga) ao autor, por reconhecerem neste tanto a culpabilidade como a periculosidade, a incluso da responsabilidade pelo fato autorizaria a aplicagao de ambas respostas penais, "GRECO taduz normativer Ansprechbarkeit, por nés referida como a “possibilidade de atengio a norma’ - expresso preferida por Roxin em lugar do “poder agir diversamente” por possuir maior rigor téenico - como “idoneidade para ser destinatirio de normas”, A respeito, conferir Sobre a fundamentagio Politico-criminal do Sistema Penal, in: ROXIN, Estudos de Direito Penal, trad. Luts Greco, p. 87. "° ROXIN, Straffecht. Allgemeiner Teil. Der Aufbau der Verbrechenslehre, p. 852. Com enfeque especifico, conferir a excelente tradugiio de GRECO, “A culpabilidade e sua exclusio no Direito Penal”, in: ROXIN, Estudos de Direito Penal, passim. poderia puni-lo por ser dotado de razio”. A critica é de Oro, que se refere a possibilidade de aplicagao da pena a um autor culpavel somente por ser necesséria & prevengdo geral ou especial. Da critica de OTTO extraimos outra palavra: sociedade. GUNTHER JAKOBS analisa 0 delito nao a partir de uma conduta, mas sim da necessidade de imposigio da pena, Nao trabalha com a idéia de um individuo isolado mas a percepgo da sociedade como um todo, um sistema autopoiético que tem 0 homem como uma estrutura portadora de papéis a desempenhar. Portanto, deve-se encontrar quem € 0 responsavel pelo resultado ilfcito entre os atores definidos pelo direito, cuja conduta significa uma expressio de sentido que deve ser negada com o direito penal para estabilizar 0 ordenamento ¢ demonstrar que este vigente e deve ser respeitado ”', A finalidade da pena nfo se volta para o futuro mas para o presente, com a reafirmagio da validade da norma. O autor de um fato antijuridico tem culpabilidade quando dita agdo antijuridica 0 s6 indica uma falta de motivagdo juridica dominante, mas também quando o autor & responsdvel por essa falta, Esta responsabilidade se d4 quando falta disposigao a motivar-se conforme a norma correspondente e esta falta no se pode fazer entendivel sem que atinja a confianga geral na norma. Esta responsabilidade por uma falta para com a motivagdo juridica dominante (dominanter rechtlicher Motivation) com uma postura antijuridica é a culpabilidade. (...) Designa infidelidade ao direito™, © Direito Penal ndo se desenvolve na consciéncia do individuo mas na comunicagao, na qual a individualidade somente teré importincia quando 0 conflito puder ser resolvido por outras vias que a imputagdo de um fato criminoso. Para este autor, a determinag3o da culpabilidade é estabelecida a partir de quantas expectativas (Zwange) sociais podem ser atribuidas ao suposto autor e quantas qualidades perturbadoras deste mesmo autor deverdo ser aceitas ou suportadas pelo Estado, pela sociedade ou por terceiros individualmente, bem como pela vitima, © que disso resulta rege-se em principio pela idéia dominante daquelas condigdes as quais para a existéncia de todo o sistema penal e seus subsistemas essenciais devem ser imprescindiveis. A isso certamente também pode pertencer a Tolerdncia perante as qualidades individuais perturbadoras ™. Ento, a palavra central da discussiio passa ser a comunicagio. Outros autores como KINDHAUSER também conectam a culpabilidade ao processo comunicativo, Para este autor, a culpabilidade material é um déficit de lealdade comunicativa. O Direito é um produto da autonomia comunicativa dos cidadaos em uma democracia e a infragao & a lesdo da autonomia dos demais co-cidadaos. A reprovabilidade se converte em uma reprovagdo da falta de lealdade com a autonomia comunicativa dos interlocutores da interagdo. KINDHAUSER entende que nao se reprova o fato real mas sim o ato comunicativo da negagdo da norma proibitiva que se supde em um acontecimento real. A iimica realidade & 0 ato comunicativo de expresso da decepgio ocasionada pela infragdo da norma, Talvez a teoria sofra suas criticas por reduzir a realidade & comunicagio. ® OTTO, Harro, Grandkurs Strafrecht, Allgemeine Strafrechtslehre, p. 211 ® JAKOBS, Strafrecht. Allgemeiner Teil. Die Grundlagen und die Zurechnung, p. 481 ® IAKOBS, op. cit, p. 469. ® TAKOBS, op. cit, p. 482/483, conceito discursive da culpabilidade tenta fixar a relagdo entre culpabilidade legitimidade da norma, Tal conceito entende aquele que viola a norma nao sé como destinatério, mas também como seu autor. Em um Estado Constitucional democratico de dircito as normas so expressGes do entendimento juridico-formal da autonomia da pessoa sobre uma possivel discussio sobre 0 equilibrio de um interesse. Em seu papel como autor da norma, aquele firma seu entendimento com outros, mas poder divergir neste caminho. Todos, em um Estado Constitucional Democratico de Direito, podem configurar normas diferenciadas, mas somente em um discurso comunicativo regido pela leal atengdo ao direito dos demais, em um processo de entendimento participativo. Quando se viola a norma, nega-se o fundamento encontrado através do entendimento compartilhado. A culpabilidade material de uma infrago é em si uma falta demonstrada 4 lealdade fiente ao participante no entendimento sobre um discutido equilibrio de interesses ™. Percebemos que de cada teoria poderiamos extrair uma expresso, e a ela atribuir um significado como sendo o principal para o inicio de uma discuss4o. Mas, estrategicamente, é no ambito do discurso e do entendimento dos participantes do didlogo que aparecem as conclusdes mais eficazes ¢ as que entendemos serem as melhores para a revisdo do conceito de culpabilidade. Iv. ANALISE CRITICO-FILOSOFICA DO LIVRE-ARBITRIO. ponto de discérdia das teorias modernas ainda passa pelo reconhecimento ou no da existéncia do livre-arbitrio e de sua comprovagao empirica a cada caso concreto. Sobre a capacidade de decisio pessoal ainda se discute o livre-arbitrio, com respeito capacidade do homem determinar-se livremente no momento da realizagao de sua conduta, O Tribunal Federal Supremo alemao (BGH) tem se posicionado afirmando que a fundamentagdo material da reprovago da culpabilidade est na capacidade inata da pessoa autodeterminar-se livremente, ¢ portanto ser capaz de decidir-se a favor do Direito ¢ contra 0 ilicito °°, Pereebemos a preponderancia do conceito de JESCHECK. A linha de pensamento do tribunal alemio demonstra a indispensabilidade de um conceit que faga referéncia & liberdade de ago do individuo. A utilizagao do Direito Penal depende da capacidade do destinatario para cumprir a norma, o que equivale a sua capacidade de evitar a conduta lesiva ao bem juridico, E este fato esté intimamente ligado & capacidade de autodeterminag4o do ser humano. Lembramos que a Escola positivista de LOMBROSO afirmava categoricamente o determinismo, com a criminalidade sendo uma qualidade inata do individuo, ¢ pregando a intemagdo ou pena ™ KINDHAUSER, Urs, Strafrecht. Allgemeiner Teil, p. 170. * Nesse sentido, ESER/BURKHARDT, Derecho Penal. Cuestiones fundamentales de la Teoria del Delito sobre la base de easos de sentencias, p. 298. indeterminada como a solugdo para o “doente” (criminoso). Negando-se a capacidade de autodeterminagdo negamos a possibilidade de aplicagdo de uma pena, com quaisquer finalidades imagindveis pela doutrina penoligica. Os que contestam a autodeterminagdo ou o livre-arbitrio recorrem a impossibilidade de demonstragdo da capacidade de atuar de modo diverso diante do caso conereto, ou seja, empiricamente ndo hé como o livre-arbitrio ser demonstrado, Dai decorrer igualmente a indemonstrabilidade da liberdade de agdo. Mas se 0 homem nfo pode se autodeterminar, se todos os seus atos esto enquadrados ¢ limitados, o certo seria adotarmos um direito penal de medidas de seguranga, ou de penas indeterminadas como gostariam LOMBROSO ¢ FERRI. Como bem conclui WAGNER GINOTTI PIRES, ou 0 homem é absolutamente livre, ¢ deve pagar por isso, ou no o é, e toda pena é simplesmente uma fatalidade, um castigo * E qual seria a referéncia para a autodeterminagao? Certamente, 0 homem médio, ainda que existisse, em nada poderia contribuir para confirmar, diante do caso concreto, a possibilidade do autor em agir de forma diversa Certamente, a possibilidade de se autodeterminar nio poderd ser provada em um contexto empirico ou ontoldgico. Mas, e por que deveria? O plano ontoldgico (naturae), indispensdvel para a formaco e fundamentagao do direito positive nado pode ser desprezado, mas o positivo igualmente nfo. E 0 plano no qual trabalha o jurista € 0 normative. O ontolégico é o ponto de referéncia, a base de legitimago para os demais planos, mas dele decore 0 normative como ferramenta indispensavel para a demonstragio e alcance da justiga, valor buscado pelo Direito. Assim como 0 artista no dispensa a tela para demonstrar a busca do belo, 0 jurista ndo pode dispensar da lei ou da decisao judicial para isso. Com isso no queremos dizer que 0 livre-arbitrio deve ser aceito incondicionalmente, ou seja, que ainda que ndo possa ser comprovado no plano ontolégico deva, por isso, ser aceito como uma suposigo e ponto final. Confessar que 0 reconhecimento do livre-arbitrio € algo irracional ¢ ainda assim decidir-se por ele é transferi-lo a um plano no qual fica excluida de antemao qualquer possibilidade de discussdo e argumentagio ™. Definindo-se a lei ou decisio como o instrumento de realizago da justiga, fal nos a técnica para operacionalizar este instrumento, Neste ponto & que 0 processo discurso demonstra-se como 0 mais adequado a um regime democratico ¢ de direito, pois respeita os diferentes grupos e subgrupos do sistema, posicionando maioria ¢ minoria em um processo dialético de existéncia. As modemas discusses caminham para a fundamentagdo do livre arbitrio no processo comunicativo. E certo que o sistema juridico-penal ¢ um sistema aberto ao entorno. Cada subsistema especializa-se em seu segmento de comunicagio, e na forma como resolve a complexidade que lhe & apresentada. Essa complexidade ¢ resolvida pelos meios internos, ainda que apresentada pelo entorno (os homens, outros °° PIRES, Wagner Ginotti, Culpa Direito e Sociedade, p. 88 » Nesse sentido, HASSEMER, Winfried, Persona, mundo y responsabilidad, p. 101 * GIMBERNAT ORDEIG, “éTiene un futuro Ia dogmtica juridicopenal?”, in: Estidios de Derecho Penal, p. 142/143. subsistemas ¢ prépria sociedade). © sistema tem a capacidade de estabelecer relagdes consigo mesmo e de diferenciar estas relagdes das relagdes com seu entorno **, E como os demais sistemas, o juridico-penal é formado lingtiisticamente com a incumbéncia de reagir as expectativas do entorno ¢ retribui-lo com as solugdes possiveis. Mas no se poderia representar lingilisticamente um ordenamento juridico construido completamente sobre as condutas humanas se estas fossem determinadas, como prega o determinismo, ao negar o livre-arbitrio. Em tal caso deveriamos poder descrever todos os fatos juridicamente relevantes como 0 modelo dos processos naturais, e teriamos um sistema absolutamente fechado e com previsdo para todos os casos. Por conseqiiéncia, também nao poderiamos sancionar o autor do fato, por absolutamente ser incapaz de ndo atuar de outra forma, ou , 0 que seria pior, punir a todos antecipadamente somente pela certeza de que ao final de um proceso comissivo, teriamos a certeza de que cometeria um ilicito. Dos autores citados acima, JAKoBS entende que o direito no pode demonstrar sua certeza (verdade) e portanto dependem de um reconhecimento e de uma justificagio comunicativas. Para este autor, a autodeterminaco nao s6 faz parte de um processo lingitistico, como se limita a ele. A tese de JAKoBS faz com que, com uma roupagem diferente, a nica finalidade da pena seja a retribuiggo — chamada prevengdo geral positiva — em uma retomada a Hegel do delito como a negagdo da norma, e a sangdo a negagdo da negagio. A fungdo da pena é a reafirmagdo do sistema e volta-se a0 presente, sem finalidades preventivas ou distanciadas do momento em que a comunicagao foi violada, Todavia, este méximo de abstrago elimina a realidade e transforma o processo de legitimo exercicio da violéncia estatal - que resultara em prisdo até mesmo pelo resto da vida - em um simples ato de comunicagao ™. Devemos ter por pardmetro a antiga experiéncia de sentido comum de que somente é possivel comunicar-se sobre a vida humana, a integridade corporal, ou outras situagdes se estas existirem previamente. Associa-se ao principio de culpabilidade, no mais das vezes, somente a exigéncia de que a pena seja definida em medida o mais correspondente possivel & “culpa” do autor. Mas esta forma de correspondéncia passa do primeiro para o segundo plano, Primeiramente © principio da culpabilidade determina a congruéncia entre o injusto e a culpa do autor. A culpabilidade deve abranger o injusto da conduta e, em verdade, disso vem a decisdo sobre todo 0 contetido do injusto da ado". Mas para a formulacao do sistema podemos ter por base a relago comunicacional entre as partes, em um agir comunicativo, ainda que dispensando para a protegdo destes conceitos as definigdes a priori. Nesse sentido a linguagem, como meio de expresso comunicativa, reflete a natureza essencial do homem (de ser comunicativo). As particularidades lingtifsticas de uma sociedade revelam uma determinada visdo do mundo (Lebenswelt). A construgdo da linguagem com voz ativa passiva, com sujeito atuante e outro objeto da ago comprova a liberdade de ago, e com ela a liberdade de vontade na realidade social ® Assim em LUHMANN, Niklas. Soziale System. Grundif ciner allgemeinen Theorie, p. 31 e ss. 3's observagiio é de SCHUNEMANN, “La culpabilidad: estado de la cuestién”, in: Sobre el estado de la Teoria del Delito, p. 100. °! KAUFMANN, Arthur, Unrecht und Schuld beim Delikt der Volltrunkenheit, JZ (1963), p. 425 % Nesse sentide, SCHUNEMANN, “Libertad de voluntad y culpabilidad”, in: Temas actuales y permanentes del Derecho penal después del milenio, p. 37 ess. Se por um lado refuta-se por completo a possibilidade do poder ou da liberdade de atuagao do sujeito no momento da conduta, por outro ndo caberia pretender que os tomemos em consideragZo para uma eventual exclusdo ou diminuigdo da capacidade de atuar conforme ao direito, 0 que se constituiria em um dogmatismo altamente prejudicial para a justica penal, mesmo que objetivamente tenha sido provada, durante 0 processo penal, a ocorréncia de circunstancias que autorizaram a reduco ou exclusdo ™. A filosofia tradicional, de cunho extremamente positivista, deve ser superada, O homem, ser livre ¢ racional, ndo é somente esséncia mas existéncia e que acumula em sua experiéncia de vida sua visio de mundo, o que pressupde sua liberdade e autodeterminago. © homem, participa de variados processos de socializagdo e como produto de suas tradigdes™ se autodetermina pela aceitagio ou ndo de um comportamento normativo. Nesta perspectiva poderiamos afirmar que a comprovagdo empirica do livre arbitrio em nada influencia a culpabilidade. A atengio deve estar voltada para os aspectos objetivos de limitago do livre-arbitrio, Estes limites estariam na vida cotidiana, no conhecimento adquirido e no agir comunicativo. A culpabilidade funcionaria apenas como um critério normative como capacidade de conhecimento do ilicito, uma capacidade de autodeterminagdo, ou seja, uma das interpretagdes da ‘expresso dignidade humana *°, $6 pode haver punigiio na quebra do discurso em relagdo ao agir comunicativo. E dai a importincia da dignidade, como fundamento da possibilidade de comportamento conforme 0 objetivo do discurso. v. ANALISE CRiTICO-DOGMATICA DA NORMATIVIDADE. A culpabilidade como teoria normativa tem softido algumas criticas, a ponto de alguns autores abandonarem este qualificative e optarem por outro: culpabilidade discursiva, A qualificagdo é das mais apropriadas, mas isto ndo deve significar que a normatividade deva estar ausente, Talvez fosse melhor questionar os elementos que compie 0 conceito normativo de culpabilidade, em dirego ao fundamento discursivo, mas mantendo-se o cardter de reprovagio como valoragdo (dai o normative) do legislador e do discurso concreto no qual houve a deslealdade por parte de um dos falantes. Pedimos licenga ao leitor para transcrever um pequeno trecho de KINDHAUSER que, pela sua clareza e lucidez, no merece ser parafraseado: “com a infrago da norma o autor nega a compreensdo comunicativa no que se baseia a norma e também na autonomia comunicativa dos participes, com independéncia de se o autor considera — por quaisquer razbes — que a norma é ® Como em CORDOBA RODA, Culpabilidade y pena, p. 72. CHAVES CAMARGO, Culpabilidade e Reprovagio Penal, p. 9. * CHAVES CAMARGO, Imputago Objetiva e Direito Penal Brasileiro, p. 115, irracional ou injusta, No € sua racionalidade, sendo a lealdade comunicativa frente autonomia dos demais o que vincula o autor norma. E evidente que uma lealdade comunicativa assim circunscrita, baseada no efeito legitimante do compromisso que produzem as normas democriticas, é uma fidelidade ao dircito. Culpabilidade em um Estado democratico de direito é, ainda que formulada de maneira completamente genérica, uma ago que expressa uma falta de fidelidade a0 Direito — isto é, um déficit na lealdade comunicativa que faz em geral possivel a compreensdo comunicativa expressada juridicamente -. Um conceito de culpabilidade, assim entendido, implica sem diividas também um vis a tergo que reduz a culpabilidade: uma socializagio do autor na que ndo se manifestou suficientemente 0 atuar orientado 4 compreensio comunicativa, Baixo estes pressupostos, os defeitos das capacidades comunicativas sio excludentes da culpabilidade, enquanto produzam circunstincias exculpantes sob as quais a lealdade frente a qualquer outro é inesperada. (...) a fidelidade ao direito nao é algo exigido positivamente. Ninguém esté forgado a obedecer a norma juridica em consideragiio a sua autonomia. O que se deve fazer & tomar a auséncia de fidelidade — a culpabilidade como reprovagio - quando se manifesta a infragdo a norma porquanto que nao se pode conceber a lesdo desleal a autonomia dos outros” ™. Deste ponto de partida, ousamos investigar os elementos tradicionais da culpabilidade, esperando contribuir, ainda que diminutamente, para o debate da questo. 1. Imputabilidade. A utilizagdo da expressio culpabilidade como uma caracteristica do sistema penal nfo é de nenhum uso especial conveniente, porque desperta muitas associagdes politico-morais e em geral ndo leva a nenhuma idéia concreta. A expressio “imputabilidade subjetiva da ago” é vazia e mostra claramente a abertura do problema da culpabilidade no direito penal”, Ao iniciarmos a anilise dos elementos normatives da culpabilidade como reprovabilidade, encontramos a imputabilidade como o primeiro, Nao seria reprovavel a conduta de quem nao possui as condigdes de comportamento de uma pessoa normal, Alguns autores a interpretam como a capacidade de entender e se determinar. Outros, como RoxIN, como a capacidade de ser destinatério de normas. Seu fundamento tem sido a capacidade (real ou ficticia) de compreensio da finalidade buscada, e de conduzir sua conduta conforme esta compreensio. Como visto, a imputabilidade passou de condigao para avaliagio da culpabilidade para integra-la como um de seus elementos. Notamos que a imputabilidade, da forma com que é apresentada, ndo pode ser tratada como um critério normativo. Sua base é ontolégica, j4 que adentramos no conjunto biopsicolégico do agente para determinarmos — ou tentarmos determinar — se % KINDHAUSER, Straffecht, Allgemeiner Teil, p. 170 © ss, O autor desenvolve seu conceito de culpabilidade em um artigo especifico, que pode ser mais facilmente conferido na tradugio La fidelidad al Derecho como categoria de la culpabilidad, in: LUZON PENA, Diego Manuel; MIR PUIG, Santiago. Cuestiones actuales de la teoria del delito, p. 210. *7 a critica realizada por NAUCKE, Strafrecht, eine Einfubrung, p. 235. em sua compleigdo encontramos a firmeza de vontade e condugdo de comportamento do homem para qualquer ago, ndo somente a juridica, sendo também a ilicita, A imputabilidade € assim entendida como a capacidade intelectual, ou melhor dizendo, de discernimento que uma pessoa comum, completamente formada, biolégica ¢ psicologicamente para a condugio dos atos de sua vida, Até mesmo nos limites de imputabilidade impostos em razio da (menor) idade do autor o que se tem como pano de fundo ¢ 0 discutivel momento no qual o adolescente passa 4 completude de seu discernimento, Poderiam, alguns, objetar esta consideragao jé que na maioria dos cédigos penais modemos a capacidade de entendimento vem sempre acompanhada do carater ilicito do fato", Mas incluir o predicado ilicito neste conceito equivale a anular o segundo elemento da culpabilidade, qual seja, © potencial conhecimento da ilicitude. Ao entendermos a imputabilidade dessa forma, os demais elementos da culpabilidade também poderiam ser desprezados. Seno vejamos. Falar-se de capacidade de entendimento do cariter ilicito do fato, seja cla derivada de uma teoria psicolégica ou de uma normativa acaba por abranger a potencial consciéneia da ilicitude. Aquele que nao entende o cariter ilicito do fato no 0 faz ou por deficiéncia psiquica (desvios psicolégicos), biolégica (anomalias mentais) ou normativa (adolescentes ou no caso do erro de proibigao). Por outro lado, o “determinar-se conforme o entendimento” (ou exigibilidade de conduta conforme o direito) possibilita a andlise tanto pela auséneia de capacidade biopsicolégica como por motivos externos de coagdo, constrangimento ou erro. Os defensores da tradicional e majoritéria teoria da culpabilidade no enxergam este conflito, e imputabilidade é um elemento diverso da consciéncia da ilicitude. Ora, sendo assim, a imputabilidade acaba por ser um falso critério normativo de aferigao da suposta reprovabilidade do agente, pois impossivel de ser derivado da lei ou de seu conhecimento, Ainda que aceitissemos esta intromisso ontoldgica em nosso critério normative estariamos diante de outro problema, o mesmo que obriga a quase todas as legislagdes modemas de orientag3o romano-germanicas a estipularem através do texto da lei uma certa idade como o limite da capacidade penal: a real possibilidade de determinar, com © maximo de preciso possivel, o que costumeiramente é denominado discernimento. Se nao bastasse a imprecisio do préprio termo, sua determinagao ¢ extremamente dificil, quigé impossivel, como afirmam alguns autores de escol da psicologia e da medicina forense *. Poderiamos, entio, tomar o caminho inverso. A imputabilidade deve ser abordada negativamente, ou seja, pela auséncia de fundamentos que acabem por exclui- la, Mas como partir de uma suposigdo de discernimento se exatamente esta suposi¢do dificilmente - ou nunca - poder servir de padrdo para o confronto de um caso concreto, exatamente pela sua imprecisao? ** Por exemplo, o artigo 26 de nosso cédigo penal: “E isento de pena o agente que, por doenga mental ow desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da agdo ou da omissio, inteiramente ineapaz de entender o cariter ilicito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. ® Para uma abordagem maior sobre © discernimento, conferir nosso O novo Cédigo Civil ¢ o Direito Processual Penal, in: MENDONCA, Jacy de Souza, Repercussdes do Novo Cédigo Civil no Sistema Juridico Brasileiro, p. 148 a 152, Talvez pudéssemos observar a imputabilidade de uma perspectiva normativa, mas retirando-a do conceito de culpabilidade. A imputabilidade apresenta-se muito mais. como pressuposto da conduta, assim entendida a manifestagio da autodeterminagio em um discurso comunicativo, Talvez pudéssemos despertar 0 debate nesse sentido, considerando-a como a capacidade de atuar comunicativamente, entendendo e fazendo- se entender e com consciéncia e influéncia de seu mundo de vida. Assim resolveriamos algumas questdes, como por exemplo, o agir consciente que deve ou ndo ser imputado a uma pessoa que nao interage comunicativamente a certos tipos possuidores de elementos normativos, que exigem um mundo de vida maior para a realizagdo de um discurso em nivel comunicativo, endo estratégico. A situagdo ndo é a de igualdade na comunicagdo quando determinados tipos “construidos”, de dificil compreensio até mesmo por aqueles que possuem um mundo de vida amplo, adequam-se a condutas de autores sem a menor capacidade de entender © compreender sua seméntica, A imputabilidade nao mais integraria a culpabilidade, que se reduziria a consciéneia do ilicito (legalmente proibido), agora sim, de carter exclusivamente normativo. Mas isto no seria indevidamente esvaziar o conceito de culpabilidade, fazendo- a depender da ago ou do injusto praticado? Talvez. Mas ROXIN apontou muito bem que © fato da culpabilidade ter a “metade de seus frutos” no plano do injusto nao desorienta seu estudo nem causa seu desprestigio. Em verdade, o ilicito como um todo se encontra entre os pressupostos da culpabilidade 2. Potencial consciéncia da itude. Aqui encontramos um dos componentes que mais se encaixam ao conceito de culpabilidade, e que poderia proporciond-la normativamente tanto no sentido de quantificar a pena como de limité-la, ou até mesmo exclui-la, © conhecimento ou consciéneia do ilicito, exigido para caracterizar a potencial consciéncia da ilicitude, ainda soffe a intromisso indevida de outros critérios que nao os normativos. Qual o grau deste conhecimento? Somente poderemos falar da ilicitude relacionada ao subsistema ao qual pertence 0 participante do discurso e da relagao daquele como sistema social. A consciéneia da imoralidade nao é suficiente", porquanto © direito, ainda que possua um minimo moral, atua no Ambito da justiga, ou seja, no Ambito da relagio dos integrantes da sociedade no relacionamento que mantém em busca do bem comum. Neste relacionamento, que somente ¢ colocado em ago com a utilizagdo da linguagem, é necessaria a definigdo dos termos conforme mundo de vida dos falantes e o mundo real entendido como o sistema no qual se inclui 0 subsistema especifico. Os fundamentos devem ser os de direito ¢ no os morais, politicos ou religiosos. ‘Ao falarmos da consciéncia do autor sobre a ilicitude de seu comportamento tipico e antijuridico no queremos com isto afirmar que a potencial consciéncia da ilicitude faga referéncia exatamente 4 lei, ou seja, ao preceito normativo positivado, mas sim a potencial consciéncia do autor, calcada em seu mundo de vida, da contrariedade “ ROXIN, “A culpabilidade e sua exclusio no Direito Penal”, in: Estudos de Direito Penal, p. 137, * MAURACH, Derecho Penal, p. 672 ¢ ss. JESCHECK/WEIGEND, Tratado de Derecho Penal, p. 487/488; STRATENWERTH/KUHLEN, Statfecht. Allgemeiner Teil I. Die Straftat, p. 208. ao direito de sua ago. A exigéncia do conhecimento efetivo do preceito (dispositive de lei) para caracterizar este elemento conduziria 4 punigdo exclusivamente os juristas, ¢ mais, apenas aos juristas afetos ao estudo do Direito Penal °. Exatamente por isso também. ndo podemos coadunar com 0 extremo oposto do brocardo latino ignorantia legis neminem excusat, porquanto j4 apontado por JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, a obrigatoriedade de obediéncia e conhecimento da lei penal pelo fato desta haver sido regularmente publicada ndo se confunde com a impossibilidade de conhecimento da proibicio e nfo deve servir como “economia de andlise” da efetiva ou potencial consciéncia da ilicitude . Se a reprovagiio puder partir do conhecimento técnico juridico da norma ou da valoragiio possivel ao ambito do autor do fato“, este conhecimento técnico deve influenciar na medida da pena. Se conhecia a norma e ainda mais a sang%o imposta, tal circunstancia podera ser considerada em seu desfavor. A culpabilidade indica uma socializago do autor na que no se manifestou suficientemente 0 atuar orientado & compreenso comunicativa. Esta falha no atuar, em nosso entender, nao esta relacionada capacidade bio-psicolégica que, como sugerimos acima, faz parte da pripria capacidade do agir discursivo. A falha na comunicagdo ou deslealdade com sugere KINDHAUSER & na potencial e concreta capacidade de consciéncia do ilicito. A culpabilidade — podendo ainda ser tomada por reprovabilidade —revela a consciéncia da ilicitude do comportamento discursivo, que reflete o injusto cometido ainda que 0 sujeito conhecesse os limites normativos do agir comunicativo, A deslealdade no discurso somente sera reprovavel se 0 autor tinha a consciéncia — a0 menos potencial — de que aquele comportamento (tipico e antijuridico) violava a comunicatividade do discurso ¢ de forma desautorizada pelas convengdes normativas jd determinadas. 3. Exigibilidade de conduta conforme ao Direito. Logo apés sua confecsdo dogmética ~ iniciada por FRANK — a exigibilidade ou inexigibilidade de conduta conforme o direito sofreu varias criticas, e de todas as naturezas. As prineipais criticas que recaiam sobre a inexigibilidade afirmavam que 0 conceito era demasiado indeterminado (OETKER), conduziria a uma intoleravel relativizagéo do conceito de culpabilidade (GERLAND), estabeleceria fontes cognoscitivas turvas porquanto subjetivas ¢ removeria a protegio absoluta dos bens juridicos reduziria em uma medida insuportavel as exigéncias de dever apresentadas ao cidadio (SCHUMACHER), provocaria uma individualizagio do juizo de culpabilidade em circunstincias que a apreciagio desta deveria aspirar a uma generalizagao, além de separar demasiadamente a sentenga judicial do carter positivo do direito ¢ conduzir a uma recaida ao Direito Natural (FINGER), etc. * * CORDOBA RODA, Juan, Culpabilidad y pena, p. 44, * SANTOS, Juarez. Cirino, A moderna Teoria do Fato Punivel, p. 24. “ STRATENWERTH/KUHLEN, Strafiecht. Allgemeiner Teil I. Die Straftat, p. 208/209 * Para uma visio geral sobre os autores ¢ suas criticas, conferir HENKEL, Exigibilidad e inexigibilidad como principio juridico regulativo, p. 56/58. ‘A mais severa das criticas, por muitos transmitida, afirma que jamais se poderia dizer o que, em verdade, o autor estaria pensando no momento do seu agir, ¢ que jamais, com a necessaria precisio, poderfamos dizer o que poderia ter sido dele exigido. Isto porquanto as suas caracteristicas pessoais ¢ sua possibilidade de resposta a0 caso concreto sofreram imposigées externas ndo controladas por aquele ¢ que, sendo outra pessoa em seu lugar, talvez as mesmas circunstincias nfo tivessem atuado, ou se tivessem, influenciariam de outra forma, O trabalhar com esta presungdo & 0 que toraria imprestvel tal conceito. Assim sendo, é certo que um conceito de inexigibilidade de conduta diversa nao pode passar por uma andlise metafisica ou psicolégica do autor Devemos lembrar que 0 “principio” de inexigibilidade — algo mais amplo que um conceito — nao est limitado & teoria da culpabilidade, como tampouco possui ali sua fungo, sendo que comparece, mas também nas teorias do tipo e da antijuridicidade Acrescentariamos a conduta a este rol. De fato, verificamos claramente que ao falarmos de incapacidade de participar do discurso e agit voltado ao entendimento por uma deficiéncia biolégica de compreensio (conforme supra), estamos falando da inexigibilidade de conduta conforme o direito. Também podemos conferir a existéncia da inexigibilidade ainda no ambito do tipo, como ¢ 0 caso do favorecimento pessoal, no qual ndo é tipica a conduta dos pais que o fazem com relagdo ao autor “”. No ambito da antijuridicidade, ao reconhecermos a excludente da legitima defesa estamos afirmando que nao se poderia exigir outra conduta por parte do que repele a agressio. Portanto, a inexigibilidade é algo que permeia toda a teoria do delito. Assim na culpabilidade, restrita 4 potencial conscigneia da ilicitude, também reconhecemos que na auséncia desta capacidade, é inexigivel a conduta conforme o direito, Nao se exige conduta conforme 0 direito daquele que no poderia conhecer a proibigo de seu agir, ou daquele que se engana quanto a tal proibigdo (erro de proibigdo). Mas a inexigibilidade nao aparece como um elemento destacado da potencial consciéncia, mas sim uma qualidade intrinseca desta, Mas a explicagdo do porqué o peso da inexigibilidade sempre foi apontado na culpabilidade a ponto de ser reconhecida como um elemento independente reside no “ HENKEL, Exigibilidad e inexigibilidad como principio juridico regulativo, p. 74. Também MEZGER passa a adotar o estudo ¢ as conclusdes de HENKEL na iltima edigdo de seu Livro de Estudo, p. 273. Consideragdes semelhantes slo feitas por WELZEL, que na Gitima edigfo de seu livro literalmente afirma que com a imputabilidade e também com a possibilidade de conhecimento do injusto encontra-se estabelecida materialmente a culpabilidade (p. 210). A chamada inexigibilidade de conduta conforme ao direito no é uma causa excludente de culpabilidade, senio que “uma causa fitica de exculpagio, no sentido de que o ordenamento juridico, pese a existéncia de culpabilidade, outorga indulgéncia ao autor” (p. 211). Percebe-se que 0 autor da teoria finalista da ago, responsivel por extrair o dolo e a culpa do conceito de culpabilidade, ndo deixou no interior desta a inexigibildade de conduta diversa ou conforme ao direito como um de seus elementos *" Tal situagdo é denominada escusa absolutéria por nossa doutrina. Trata-se de uma circunstincia, de carter pessoal ¢ incomunicavel, pré-existente ao cometimento do delito, © que excluiia a punibilidade do agente, A teoria sobre as condigdes objetivas de punibilidade, na qual se encaixam as escusas absolutérias, no recebe especial ateng@o da doutrina pelo fato de serem to poucos os casos de sua aplicagdo que acabam por serem “confundidos” com institutos processuais como as condigSes de procedibilidade. No sentido do texto, tais escusas poderiam ser consideradas exculdentes de tipicidade, definidas expressamente pela parte geral ou especial do diteito penal fato de que, nos demais elementos da composigdo do delito (tipicidade ¢ antijuridicidade), temos a inviolabilidade do principio da estrita legalidade como garantia da restrigio do poder-dever punitivo do Estado. Isto significa que as formas de adequagio da conduta ao tipo em um cariter positive (de perfeita semelhanga) © a antijuridicidade em cardter negativo (auséncia de excludente) obedecem expressamente ao disposto em lei, e qualificado como o aspecto objetivo da teoria do delito, a ponto de nao permitir a consideragdo de causas supralegais de imputago © exclusio respectivamente. Nao se pode imputar a alguém uma conduta como criminosa se no estiver previa e expressamente prevista como um tipo legal, e néo podemos excluir a antijuridicidade desta mesma conduta se nao tal exclusdo tiver sido autorizada pelo direito “. E na culpabilidade, iltima oportunidade para excluir a aplicagdo de pena a0 autor que, sem o rigor da estrita legalidade, faz-se uso corriqueiro da inexigibilidade de conduta diversa. E aqui nao procedem as criticas que aludem a possibilidade de inverso do principio, ou seja, de se utilizar a exigibilidade de conduta diversa como fundamento para a punigao, pois o carter da inexigibilidade ¢ sempre o de limitar ou de exeluir a aplicagdo de pena, mesmo porque ndo podemos admitir a aplicagdo da analogia em malam partem, ou seja, contra reum. Assim, a inexigibilidade — como limitadora ou excludente - ainda que deva ser considerada por toda a teoria como um principio e servir a individualizar quanto a0 autor 0 caso conereto, no momento de definigio da culpabilidade, deve ser tomada objetivamente, nao pelas valoragdes individuais feitas pelo autor (religiosas, ideolégicas ou politicas), mas pelas valoragées feitas pelo ordenamento juridico, pela lei e pelas circunstaneias constatadas em seu mundo de vida (Lebenswelt) ¢ 0 mundo real no qual se comunica, Dizemos no ambito da culpabilidade porquanto no da imputabilidade talvez. possam ser feitos se relacionados com as caracteristicas naturais. E na dosagem da pena, poderdo influenciar 0 juiz conforme © grupo ou subsistema ao 0 autor esteja vineulado, Se permitirmos que a valoragdo subjetiva do autor o autorize a no se comportar conforme 0 direito, deixariamos novamente o plano normative exigido 4 culpabilidade. Ainda que 0 Direito e, especialmente, seu aplicador tenham que respeitar as convicgdes éticas, morais, religiosas etc, ndo & neste plano que atuam. Se assim fosse, no caso hipotético de pais religiosos que ndo permitem o atendimento médico de seu filho a no ser por um dos lideres religiosos, nao poderiamos exigir daqueles a conduta conforme o direito, por valoragdes exclusivamente subjetivas dos autores da situagZo fatica. O mesmo poderia ser dito do médico que, por conviegdes religiosas, recusa-se a fazer um aborto para salvar a vida da gestante. VL. O CONCEITO E A CONSIDERACAO DA CULPABILIDADE NO BRASIL * Ressalvamos e respeitamos algumas excegdes & consideragdo de causas supralegais de exclusto da antijuridicidade defendidas por certes autores, cm especial, aqucles que no adotam a Teoria da Imputago Objetiva, Para mais detalhes sobre a imputagdo objetiva, conferir o excelente artigo de Jove Paulo Orsini Martinelli deste mesmo volume. No Brasil, 0 atual posicionamento da doutrina acerca da culpabilidade parece unissono “’, A culpabilidade ¢ composta da imputabilidade, do potencial conhecimento da ilicitude e da inexigibilidade de conduta diversa. A revolugio vivenciada pela dogmética alema nfo ameaga nem por um segundo a existéncia ou definigio da culpabilidade nos textos nacionais, ou sequer a inclusdo ou exclusio de um de seus elementos. © fundamento da culpabilidade continua sendo o livre-arbitrio como um pressuposto ontoldgico. Parte-se da avaliagdo do caso concreto tendo por referéncia 0 homem médio, ¢ dai para a andlise do individuo isoladamente diante do caso, em sua liberdade psicolégica de comportamento naturalistico. O direito brasileiro nao abre espaco para a discussio da realidade normativa em que se encontrava o sujeito, nem ao processo de comunicag%o de seu agrupamento social. O sistema ¢ tomado como um todo, ignorando-se os subsistemas ¢ as referéncias ético-sociais daquele grupo em cujo discurso foi interrompido. Diante da indemonstrabilidade do livre-arbitrio ontolégico, presume-se a possibilidade de atuagdo, ¢ aplica-se a sango penal ao individuo como se pertencesse a um tinico sistema fechado, no qual 0 homem médio é na verdade o préprio magistrado do caso. Também servem de fundamentos a consciéncia moral, religiosa e politica do sujeito, mas no sentido de possibilitar que a ele seja aplicada uma pena. Sua linica saida sera a alegac3o de inimputabilidade (também uma deficiéncia biopsicolégica) ou a demonstragZo de uma situagio de erro ou constrangimento, também conjugados em um tnico macro-sistema de exclusiva relago naturalistico- positivista, ou seja, sem a apreciagdio de seu mundo de vida e do contexto lingiiistico no qual o fato ocorreu. ‘Vimos que a culpabilidade realmente funciona como reprovacdo e fundamento da pena, Mas no sistema juridico-penal brasileiro, a culpabilidade realmente limitaria a determinagio da pena? Ao refletirmos sobre o artigo 59°’, estamos falando de culpabilidade? Na concepso atual da culpabilidade, esta serve muito mais de fundamento ou desculpa para agravagdo da pena do que para sua limitagdo. A associagio da culpabilidade a reprovabilidade permite apenas a obtengao de circunstincias externas & desconexas tanto ao delito como ao grupo social ao qual pertence o apenado. A refergneia aos antecedentes ¢ & conduta social do agente ndo tem o condio de observar seu mundo de vida e os valores de seu grupo, mas sim outras ameagas ou lesées jusadas ao sistema normativo fechado representado exclusivamente pela Lei. Utilizado desta forma, o artigo $9 jamais permitiu que um magistrado utilizasse sua determinagao in fine, que autoriza a aplicagao da sano penal apenas “conforme seja necesséria e suficiente para a reprovagao e prevengaio do crime”, A doutrina nacional tem lutado constantemente para o reconhecimento, por parte dos magistrados, de uma evolugio do conceito de delito e, especialmente, de seu © Ressalvem-se alguns entendimentos de autores consagrados que nao consideram a culpabilidade como elementos do conceito analitico de crime, mas sim como pressuposto de aplicagao de pena. Para estes, autores, crime serd somente um fato tipico e antijuridico, Neste sentido, DOTTI, Curso de Direito Penal; JESUS, Direito Penal; MIRABETE, Manual de Direito Penal, dentre outros. Quanto a0 contetido do conceito, seja ele elemento ou no do conceito de crime, parece nao haver discordéncia, “0 juiz, atendendo & culpabilidade, aos antecedentes, & conduta social, & personalidade do agente, aos ‘motives, és eircunstincias e conseqléneias do crime, bem como ao comportamento da vitima (.)" elemento considerado como 0 critério de reprovag4o, Vagarosamente algumas posturas so dispostas e certas garantias reconhecidas em favor do discurso e de seus participantes. Por vezes, sentengas reconhecem a importincia de subsistemas ¢ nao aplicam ou diminuem a pena, Porém, outras decisdes utilizam inadequadamente este orientagio para, em favor do grupo dominante, majord-la ou recrudescé-la, Vi. CONCLUSAO. Verificamos que a crise que envolve a culpabilidade passa por toda sua estrutura Atinge seu fundamento de base ontoldgica, passa por seus elementos constitutivos, € termina por questionar sua qualidade de limitadora da pena. Coneluimos pela necessidade de discussio sobre o tema, sem a pretensio de esgoti-lo ou encerré-lo, propugnando por uma mudanga no ponto de partida dogmatico. A raiz, ontolégica do livre-arbitrio, embora exista e integre a esséncia do ser humano, no pode ser objeto de uma fundamentagio de cunho normativo, especialmente pela impossibilidade de demonstragdo diante do caso conereto da capacidade de conduta conforme o direito. Mas, ao tomarmos por referéncia o agir comunicativo ¢ a dignidade da pessoa humana, justificamos comunicativamente a possibilidade de exigirmos a consciéncia do ilicito e a determinagdo do agir em diregdo aquela consciéncia. O agir comunicativo pressupée a condugaio do didlogo ¢ o desprendimento das qualidades ou hierarquias dos participantes. Se de outra forma pensdssemos, seria inconcebivel o agir comunicativo, com fundamento na vontade de entendimento em convénio das partes em busca da verdade do discurso. De outra parte, a culpabilidade merece a reflexdo sobre seus elementos ¢ acerca da incluso da imputabilidade em seu conceito. A atual configuragdo ¢ autofagica ¢ toma tautolégica e desnecessdria a exigibilidade de conduta diversa. A imputabilidade parece-nos mais com a possibilidade de integrar o agir comunicativo, precedente pois do proprio agir. Apés a existéncia de dois falantes dotados dessa capacidade, a culpabilidade mostra-se como a consciéneia do ilicito, ainda que de forma profana, mas analisada dentro do contexto (subsistema) ao qual pertence o falante. A culpabilidade continua a ser vista como reprovagio normativa, Nesta reprovagdo, também poderia continuar a funcionar como fundamento e limite da aplicagdo da pena, O autor, consciente da ilicitude de seu agir, e abrangido pelas circunstancias objetivas de maior ou menor compreensio dessa ilicitude, tera sua pena determinada pelo seu discurso desleal, criminoso. Mas a reprovabilidade & feita pelo fato, pela conduta desleal ao discurso, ¢ ndo do agente. O que se reprova ¢ 0 descompasso entre os interlocutores refletido no discurso, e nao o agente em si Sabemos que uma imersio no Ambito da argumentagdo juridica ainda é muito combatida pelos doutrinadores patrios ¢, destarte, a adogio de qualquer teoria desta seara o sera muito mais. O intuito deste conciso texto & apenas colaborar neste sentido. A especial intengdo & propugnar por uma limitagiio do normative na formulagio ¢ aplicagao do direito penal, Com isso nao pretendemos desprezar 0 ontolégico que — insistimos — & a base e 0 fundamento do direito, porquanto o homem é a medida e razio do ordenamento positivado, Muito menos pretendemos isolar o direito penal, fechando- © como um subsistema, invulneravel aos demais ramos ou mesmo ciéncias do saber humano. Pleiteamos apenas no ambito da culpabilidade estreitar seu conceito, ainda que a mantendo como reprovabilidade, ao de potencial consciéneia do ilicito, recolocando que conhecemos por imputabilidade como pressuposto do agir comunicativo, ¢ desprezando a exigibilidade com conceito auténomo por imprecisio ¢ vagueza. Ainda assim, entendemos que o presente trabalho ¢ apenas uma breve introdugdo ao assunto a ser adicionada as demais jé existentes em nossa doutrina patria, com a simples pretensfo de ser lido e criticado, para que possa contribuir na discussio e no conseqiiente avango da dogmitica penal brasileira. VL. BIBLIOGRAFIA. ANTOLISEI, Francesco. Manuale di Diritto Penale, Parte Generale. 15. ed. Milano: Giuffté, 2000. BACIGALUPO, Enrique, Derecho Penal — Parte General. 2. ed, Buenos Aires: Hamurabi, 1999, BUSTOS RAMIREZ, Juan J; HORMAZABAL MALAREE, Hemin. Leeciones de Derecho Penal. Madrid: Trotta, 1997. BRITO, Alexis Augusto Couto, O Novo Cédigo Civil e o Direito Processual Penal, in: MENDONGA, Jacy de Souza (coord.). Repereussdes do Novo Cédigo Civil no Sistema Juridico Brasileiro. S30 Paulo: Quartier Latin, 2004. CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Culpabilidade e Reprovagio Penal. Sio Paulo: [s/n], 1993 Imputago Objetiva e Direi Penal Brasileiro. 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