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HUMANOS
Origem, sentido e evolução histórica dos Direitos Humanos.
Estudo conjunto com:
1 Os fundamentos filosóficos dos Direitos Humanos. Os direitos naturais do Milenna
jusnaturalismo racional e do contratualismo moderno. Os direitos
fundamentais do juspositivismo.
A sacralidade da pessoa e a dignidade humana. Gabriele
2
Estábile
Teoria crítica dos Direitos Humanos. A denúncia da mistificação ideológica
dos direitos humanos abstratos. A dificuldade de reconstrução dos direitos
Fabrício dos
3 humanos na era da biopolítica: os limites da cidadania como direito a ter
Santos
direitos, estado de exceção e campo de concentração como paradigmas
políticos modernos.
Encantos e desencantos dos Direitos Humanos: entre dominação e
emancipação. Perspectivas pós-violatórias, estatais e monistas X pré-
4 Rebeca
violatórias, existenciais e pluralistas para a proteção dos Direitos
Humanos.
Efeito encantatório e usos políticos dos Direitos Humanos: intervenções
5 humanitárias e imperialismo dos Direitos Humanos (universalismo, Iuscia
relativismo e hermenêutica diatópica).
5. As tensões da Modernidade ocidental e as tensões dos Direitos
Humanos: da colonialidade à descolonialidade. Os Direitos Humanos na
6 Daniele
zona de contato entre globalizações rivais. Os Direitos Humanos como
bandeiras de lutas dos movimentos sociais.
A reconstrução contra-hegemônica dos Direitos Humanos: Direitos
7 Humanos interculturais, pós imperiais e descoloniais no horizonte pós- Luis Gustavo
capitalista.
Direito internacional dos Direitos Humanos: fontes, classificação,
Leonardo de
8 princípios, características e gerações de direitos humanos. Normas de
Paula
interpretação dos tratados de Direitos Humanos.
A responsabilidade internacional por violação dos direitos humanos:
9 tratados internacionais de direitos humanos e as obrigações assumidas Letícia
pelo Brasil, formas de reparação e sanções coletivas e unilaterais.
10 O controle de convencionalidade. Cristina
11 O direito da autodiscriminação: discriminação direta e indireta e ações Mariana
1
afirmativas.
O sistema internacional de proteção e promoção dos Direitos Humanos:
Organização das Nações Unidas (ONU). Declarações, tratados,
12 Roberto
resoluções, comentários gerais, relatórios e normas de organização e
funcionamento dos órgãos de supervisão e controle.
Lucas
13 Órgãos convencionais e extraconvencionais.
Mariela
2
Sistema Regional Interamericano de Proteção de Direitos Humanos.
Organização dos Estados Americanos (OEA): declarações, tratados,
resoluções, relatórios, informes, pareceres, jurisprudência (contenciosa e
21 Maria Camila
consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos), normas de
organização e funcionamento dos órgãos de supervisão, fiscalização e
controle.
Comissão Interamericana de Direitos Humanos: relatórios de casos,
Bruno
22 medidas cautelares, relatórios anuais e relatoria para a liberdade de
Zogaibe
expressão.
Corte Interamericana de Direitos Humanos. Leonardo
23
Lima
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Convenção
Americana de Direitos Humanos. Protocolo adicional à Convenção
24 Bruna
Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos,
sociais e culturais – “Protocolo de San Salvador”.
Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura. Protocolo à
Convenção Americana sobre direitos humanos relativo à abolição da pena
de morte. Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a
25 violência contra mulher. Convenção Interamericana sobre o Thomaz
desaparecimento forçado de pessoas. Convenção Interamericana sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas
portadoras de deficiência.
Reflexos do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito
brasileiro. Programa Nacional de Direitos Humanos I, II e III. Programa
26 Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo. Comissão Gabriela
Nacional da Verdade: histórico, atribuições, legislação, audiências públicas
e relatórios.
Direitos Humanos em espécie e grupos vulneráveis. Direitos Humanos das
minorias e de vítimas de injustiças históricas: Mulher, Negro, Criança e
Adolescente, Idoso, Pessoa com Deficiência, Pessoas em situação de rua,
27 Eduardo
Povos Indígenas, LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais
e transgêneros), Quilombolas, Sem-teto, Sem-terra, Imigrantes e
Refugiados.
3
ii. A vigência e eficácia das normas do direito internacional dos Direitos
Humanos. As possibilidades de aposição de reservas e de oferecer
denúncia relativas aos tratados internacionais de Direitos Humanos. A
incorporação dos tratados internacionais de proteção de direitos
humanos ao direito brasileiro. A posição hierárquica dos tratados
internacionais de Direitos Humanos em face da Constituição da
República do Brasil (estudado em constitucional).
iii. Direitos Humanos e acesso à justiça: o dever dos Estados de promover
o acesso à justiça, 100 Regras de Brasília e desenvolvimentos no
âmbito da Organização dos Estados Americanos relacionados à
Defensoria Pública.
iv. Mecanismos de proteção aos direitos humanos na Constituição da
República do Brasil. Federalização de crimes contra os Direitos
Humanos. Remédios constitucionais.
Sumário
PONTO 1..............................................................................................................6
PONTO 2............................................................................................................16
PONTO 3............................................................................................................21
PONTO 4............................................................................................................22
4
PONTO 5............................................................................................................25
PONTO 6............................................................................................................30
PONTO 7............................................................................................................37
PONTO 8............................................................................................................48
PONTO 9............................................................................................................56
PONTO 10..........................................................................................................65
PONTO 11...........................................................................................................75
PONTO 12..........................................................................................................83
PONTO 13..........................................................................................................92
PONTO 14..........................................................................................................99
PONTO 15........................................................................................................109
PONTO 16........................................................................................................121
PONTO 17........................................................................................................128
PONTO 18........................................................................................................136
PONTO 19........................................................................................................140
PONTO 20........................................................................................................150
PONTO 21........................................................................................................154
PONTO 22........................................................................................................161
PONTO 23........................................................................................................167
PONTO 24........................................................................................................175
PONTO 25........................................................................................................184
PONTO 26........................................................................................................190
PONTO 27........................................................................................................203
PONTO 1
Origem, sentido e evolução histórica dos Direitos Humanos. Estudo
conjunto com: Os fundamentos filosóficos dos Direitos Humanos. Os
direitos naturais do jusnaturalismo racional e do contratualismo moderno.
Os direitos fundamentais do juspositivismo.
5
Fundamentar os direitos humanos é buscar as razões que legitimam e
motivam o reconhecimento dos direitos humanos, buscar essa genealogia,
investigar o porquê dos direitos humanos.
Através desse estudo temos maior possibilidade de garantir efetividade aos
direitos humanos, de tirá-los do papel e fazer com que eles não sejam somente
“direitos de cartas”. Para Caio Granduque, “a proteção dos direitos do homem
depende dos fundamentos com que eles se justificam”.
Assim, em que pese haver posição em sentido contrário, entendendo pela
desnecessidade de buscar a fundamentação dos direitos humanos, Caio
defende uma fundamentação existencialista e afirma que o baixo nível de tutela
jurisdicional de direitos humanos está intimamente ligado à fundamentação
tradicional e idealista desses direitos.
6
“natureza”. Sendo assim, a depender da concepção que se tenha da
“natureza”, teremos significados diversos a respeito do direito natural.
7
As premissas de Grócio foram desenvolvidas pelo jurista alemão Samuel
Pufendorf, que concebia o direito natural como um rígido e estruturado sistema
racional. Seu maior legado foi a edificação de um sistema de direito natural
deduzido de um único princípio imanente à natureza, a saber, o de
“conservação do indivíduo”, do qual decorre a ideia de que os homens são
naturalmente livres e iguais. Pufendorf destaca o que ele chama de “dignidade
da natureza humana”, avançando no estabelecimento de condições para a
insurgência dos direitos humanos.
Em suma, através do método dedutivo-racional, esses pensadores
libertaram o direito natural do conteúdo teológico que prevaleceu na doutrina
jusnaturalista da Idade Média. Como explica Caio Granduque, o direito natural
passou a ser considerado um conjunto de normas e princípios eternos,
universais e imutáveis descobertos racionalmente da natureza do homem, o
que foi fundamental para o posterior nascimento dos direitos humanos. Nas
palavras de Caio, “a ideia de que o homem possui direitos inatos, decorrentes
da sua própria natureza humana, pressupostos e antecedentes a qualquer
organização política, foi elaborada pelo jusnaturalismo moderno. Foi o
jusnaturalismo antropológico, portanto, quem deu à luz os direitos humanos,
travestidos de direitos naturais”.
8
indivíduo em face do Estado. Essa supremacia dos direitos humanos teria
como base um contrato social firmado por todos na comunidade humana, que
limita o arbítrio do Estado e impõe a proteção desses direitos.
Os teóricos do contratualismo buscavam teorizar a limitação do poder
político, tendo em vista que seu exercício era o grande responsável pela
violação da dignidade e dos direitos das pessoas da época. Para tanto,
recepcionaram a doutrina moderna do direito natural, instituída por Hugo
Grócio (que inaugurou o processo de laicização do jusnaturalismo) e
desenvolvida, entre outros, por Pufendorf. Os pensadores contratualistas
perceberam a força dos direitos naturais diante do desafio de superar a ordem
estamental em vigor e, assim, conferiram a esses direitos um espaço de
destaque em suas doutrinas.
Locke e Rousseau partem da dicotomia estado de natureza/estado civil,
pois sabem que a única hipótese racional que poderia inverter a concepção
secular de que o poder político procede de cima para baixo seria a de um
estado de natureza no qual os indivíduos possuíssem direitos naturais.
Thomas Hobbes construiu seu contratualismo em sentido oposto,
buscando legitimar o poder soberano das monarquias absolutas. Assim,
descreve o estado de natureza como aquele em que há a guerra de todos
contra todos, onde o homem é o lobo do próprio homem. Dessa forma, os
direitos naturais (exceto o direito natural à vida) deveriam ser contratualmente
transferidos a um Estado artificialmente criado, o Leviatã, único capaz de
assegurar a paz e a segurança. Por defender a transferência dos direitos
naturais dos indivíduos ao Leviatã, Hobbes não contribuiu para o surgimento
dos direitos humanos no século XVIII. Segundo Bobbio, Hobbes adota a teoria
do direito natural para reforçar o poder, e não para limitá-lo, usa meios
jusnaturalistas para alcançar objetivos positivistas.
Locke, por outro lado, utiliza sua teoria a serviço da limitação do poder
político, condicionando-o ao respeito das leis naturais. O estado de natureza
para Locke é uma mistura de bem (representado pelos direitos naturais, como
liberdade e igualdade) e mal (traduzido na falta de um juiz imparcial que
canalizasse o exercício pacífico desses direitos). Assim, a função do estado
civil, contratualmente constituído pelos indivíduos, seria a de conservar o bem
e eliminar o mal. O Estado, portanto, surge com poderes limitados,
configurando-se o modelo de Estado Liberal. Vale destacar que caberia ao
Estado garantir o direito de propriedade, visto por Locke como um direito
sagrado, natural e inviolável, como consta do artigo 17 da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
Rousseau entendia o estado de natureza como um estado de plena
liberdade e igualdade natural entre os homens. No estado de natureza temos o
homem bom, em pleno gozo de sua liberdade, até que o advento da sociedade
provoque sua corrupção. Com o objetivo de superar essa questão, Rousseau
propõe a celebração de um contrato social a ser estabelecido conforme os
ditames da razão, restabelecendo-se as leis naturais por meio das leis civis.
Aqui reside sua contribuição para a afirmação dos direitos humanos: sua
filosofia política busca encontrar uma forma de associação política que proteja
e potencialize os direitos naturais do homem.
Diante do exposto, percebe-se que o jusnaturalismo moderno dos
pensadores contratualistas lançou mão da lei (entendida como produto da
vontade geral) para a tutela dos direitos naturais. O direito se converteu em
9
legalidade e a lei que passou a dar validade aos direitos. Assim, o
contratualismo moderno, que partiu das ideias jusnaturalistas para legitimar a
inversão da titularidade do poder político, chega ao legalismo, com base no
qual posteriormente se afirmaria o positivismo jurídico.
10
sua previsão no ordenamento posto. Dessa forma, a ideia de “direitos
inerentes” da corrente jusnaturalista é substituída pela ideia dos “direitos
reconhecidos e positivados pelo Estado”.
Como explica Caio Granduque, se o jusnaturalismo é dualista na medida
em que admite a convivência do direito natural com o direito positivo
(defendendo a superioridade daquele), o positivismo jurídico é monista, tendo
em vista que admite apenas o direito positivo.
Vale ressaltar que os direitos do homem que nasceram como direitos
naturais e, portanto, imutáveis, eternos, universais, titularizado pelo homem em
geral, passaram, no século XIX, a ser entendidos como direitos fundamentais,
isto é, direitos positivos particulares, cuja titularidade restringia-se aos cidadãos
do respectivo Estado. Buscando combater o idealismo abstrato ou metafísico
do jusnaturalismo racional, o positivismo jurídico não reconhece direitos para
além do direito posto. Sendo assim, o direito passa a ser identificado com a lei,
convertendo-se na legalidade.
Em suma, pela concepção legada pelo positivismo jurídico, os direitos
humanos nada mais são do que direitos fundamentais, cuja existência e
validade dependem da lei, na forma da doutrina do século XIX, e, após um
processo de adaptação teórica, encontram-se subordinadas à Constituição no
século XX.
11
O problema da não realização dos direitos humanos é um problema
econômico, político, social e cultural, mas é também um problema jurídico.
Consequentemente, será um problema jusfilosófico, na medida em que exige a
busca dos fundamentos que os legitimam.
Como ensina Caio Granduque, o baixo nível da proteção jurisdicional dos
direitos humanos está intimamente relacionado com a fundamentação
tradicional e idealista, seja jusnaturalista ou juspositivista, tendo em vista que
se prestam a artifícios ideológicos funcionais para a indiferença dos juristas
frente a esses direitos.
Enquanto não buscamos a fundamentação (corrente negacionista),
permitimos uma fundamentação tradicional, que coloca esses direitos apenas
como direitos abstratos, direitos de cartas. As fundamentações jusnaturalista e
juspositivista acabam sendo manejadas para funcionalizar uma posição do
jurista que fecha os olhos, uma posição de indiferença, um suicídio intelectual,
e por isso não podemos aceitá-las.
Os direitos humanos têm uma relação direta com as revoltas, com as lutas
de classe. O próprio nascimento dos direitos humanos no século XVIII como
direitos naturais nas declarações de direitos se refere a uma luta da classe
burguesa contra os privilégios da nobreza. No século XIX, esses direitos vão se
transmudar das declarações para as Constituições, ou seja, vão deixar de ser
direitos naturais e vão se tornar direitos fundamentais, porque positivados nas
Constituições. Na fase de internacionalização dos direitos humanos (século
XX), vão se positivar em um plano supranacional, nos tratados e convenções.
Questão que se coloca, portanto, é: de que modo vamos buscar um
fundamento para esses direitos humanos que os retirem do papel?
Como afirma Caio Granduque, a gênese dos direitos humanos é (e está
sendo!) um produto de revoltas de homens que, lançados nas mais diversas e
absurdas situações históricas, não voltaram aos grilhões, e com coragem e
lucidez souberam o que fazer com sua liberdade. Os direitos nasceram do agir
e do fazer de homens que, alimentados pela solidariedade e tendo em mente a
máxima fundamental “eu me revolto, logo existimos”, ousaram reinvidicar o fim
do escândalo e da injustiça vivenciados.
O existencialismo pode ser entendido, portanto, como o conjunto de
filosofias que se valem da análise da existência, ou seja, que analisam a
existência do homem, a vida. Para Caio Granduque o existencialismo se opõe
a toda forma de explicação sistemática, universal, lógica e abstrata da
realidade, preocupando-se com o existente homem concreto.
Diferentemente do jusnaturalismo, para quem os direitos humanos são
descobertos, e do positivismo, para quem os direitos são aplicados, a
fundamentação existencialista defende que os direitos humanos são
construídos, isto é, são aquilo que nós fizermos com que eles sejam.
12
humano é considerado em sua igualdade essencial e dotado de liberdade e
razão. Cabe lembrar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que
consubstancia essa noção, vai aparecer apenas 25 séculos depois, mas já é
nesse momento que começa a surgir essa ideia.
Na segunda fase da construção do conceito de pessoa identificada por
Comparato (século VI, Boécio), percebemos que a igualdade de essência da
pessoa forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos, ou seja, os
direitos humanos nascem a partir dessa noção de igualdade de essência.
Na terceira fase temos como grande marco teórico Kant (século XVIII),
para quem a pessoa deve ser compreendida como sujeito de direitos
universais, anteriores e superiores a toda ordenação estatal. Para Kant todo
homem tem dignidade, jamais preço, pois ele não pode ser confundido com as
coisas. O homem é sujeito de sua própria história e titular de direitos universais
anteriores e superiores à ordenação estatal.
No século XIX, Karl Marx critica a noção de direitos humanos de forma
abstrata e o capitalismo enquanto sistema de coisificação da pessoa humana,
uma vez que dentro do sistema capitalista o homem é explorado e dominado
pelo próprio homem que detém os meios de produção.
No século XIX temos a quarta fase da construção do conceito de pessoa
com a (re)descoberta do mundo dos valores, da ética. Comparato diz que o
homem é o único ser vivo que dirige sua vida em função de preferências
valorativas. A compreensão da realidade axiológica transforma no sec. XIX toda
a teoria jurídica, porque os direitos humanos passam a ser identificados como
os valores mais importantes da convivência humana.
No século XX chegamos à quinta fase de construção do conceito de
pessoa. Após os horrores das Grandes Guerras, temos a elaboração do
conceito de pessoa dialogando com a construção concreta, existencial dos
direitos humanos. Nesse sentido, o ser humano é um vir-a-ser, um contínuo
devir, ele é sendo. Trabalhamos, portanto, com a filosofia da vida e com o
pensamento existencialista e o homem passa a ser visto como o protagonista
do seu próprio destino.
Em suma, a partir da noção do que é pessoa se constrói a noção de direito
dessa pessoa. E com a evolução a pessoa deixa de ser vista como o cidadão
de um Estado, passa a ser vista como um indivíduo, um ser dotado de
humanidade e chega, enfim, à noção de pessoa como um “vir-a-ser”.
13
16. Fale sobre a noção de sincronismo entre as grandes declarações e as
grandes descobertas científicas no processo de afirmação histórica dos
direitos humanos.
Fabio Konder Comparato afirma que há um sincronismo entre as grandes
evoluções da técnica e as grandes regras que protegem direitos, considerando
essa a segunda chave para a compreensão das grandes etapas históricas de
evolução dos direitos humanos. Segundo Comparato, são dois grandes fatores
de solidariedade humana, um de ordem técnica, que transforma os meios e
instrumentos de convivência, mas é indiferente aos fins; e outro de ordem ética,
que procura submeter a vida social ao valor supremo da justiça.
14
Na segunda metade do século XX, pós 2ª Guerra Mundial, temos a
segunda fase de internacionalização dos direitos humanos. Nesse momento
temos o surgimento das Declarações de Direitos (Declaração Universal de
Direitos Humanos e Declaração Americana de Direitos Humanos), a extinção
da Liga das Nações e o nascimento da ONU e da OEA.
Nessa segunda fase temos também o surgimento do Direito Internacional
dos Direitos Humanos como uma disciplina autônoma, trazendo uma
preocupação com a pessoa humana enquanto sujeito de direito internacional.
Cabe lembrar que o surgimento da pessoa como sujeito de direito internacional
está vinculado ao direito a ter direitos e à releitura da noção clássica de
soberania.
15
Parte da doutrina critica o termo “dimensões” por entender que ele poderia
levar a uma falsa impressão de encerramento de uma fase e surgimento de
outra de maneira totalmente independente. Dessa forma, poderíamos ter uma
ideia equivocada e que violaria a característica de indivisibilidade dos direitos
humanos.
PONTO 2
A sacralidade da pessoa e a dignidade humana.
Obs.: As respostas foram elaboradas com base nos seguintes materiais: (i) “A
sacralidade da pessoa: nova genealogia de direitos humanos” – Hans Joas,
2012, Editora UNESP; (ii) “Sobre direitos humanos na era da bio-política” –
Oswaldo Giacoia Junior; (iii) caderno FMB – 1ª fase.
16
O pensamento central da obra passa pelo desafio de sustentar que a
sacralização e a genealogia afirmativa ocorreram por meio de processos nos
quais muitas vezes a adesão aos direitos humanos não surgiu de ponderações
racionais.
Joas se vale de sua definição da modernidade como uma “sacralização do
indivíduo”. Porém, o binômio sagrado/profano não tem correspondência direta
com a dualidade de religioso/secular. Sagrado, etimologicamente, quer
dizer: separado. Algo da ordem secular, ou seja, fora da esfera religiosa, pode
ser investido de um valor sagrado, à medida que for preservado pela
comunidade. Em uma palavra: consagrado. Sagrado é tudo aquilo que,
entendido como dom inalienável, consegue resistir à lógica instrumental das
relações de troca. Não por acaso, Kant havia definido dignidade como um valor
que não pode ser trocado. Portanto, não pode ser alienado. Esse bem humano
salvaguardado dos demais bens cambiáveis constitui a pessoa.
Assim, ao se tornarem sistemas complexos, as sociedades precisam criar
valores cada vez mais abstratos que consigam mitigar os conflitos locais que
surjam no seio de seus grupos. Para Joas, a categoria pessoa, sacralizada, ou
seja, separada do âmbito geral das relações de troca, pode assumir o estatuto
dessa universalidade genérica e, ao mesmo tempo, preservar as dinâmicas
vitais particulares.
A ideia-chave é, portanto, que a história dos DH constitui uma história da
sacralização da pessoa - genealogia afirmativa de direitos - próxima da
construção existencial de DH do Caio.
Hans Joas discorda de Nietsche no que tange à tese de que a descoberta
da gênese dos valores enfraqueceria a relação do homem com os valores (pois
se descortinaria a crença em meros ídolos). Para Hans Joas, a história não
enfraquece a ligação com a gênese/origem dos DH, ao contrário: “voltemos
nosso olhar da genealogia afirmativa para o aspecto programático, do passado
para o futuro. (...) No longo prazo, os DH, a sacralização da pessoa, só terão
alguma chance se todos os três atuarem em conjunto: se os DH tiverem o
suporte das instituições e da sociedade civil, forem defendidos
argumentativamente e se encarnarem nas práticas da vida cotidiana”.
Aproximando o processo de sacralização da visão existencial de Caio
Granduque: A pessoa não é sagrada em um aspecto religioso, ela é sagrada
porque, no curso da História, a dignidade humana, como um valor universal, se
torna o epicentro ideológico dos ordenamentos jurídicos. A pessoa, assim, não
pode ser profanada por leis ou atos.
É aí que essa noção de sacralidade se aproxima da visão existencial dos
direitos humanos. Os direitos são sendo, não são um todo acabado e dado,
são construídos diariamente, com bases fincadas nessa ideia de que a pessoa
é sagrada.
17
Também o processo de eliminação e marginalização da tortura na Europa
do século XVIII desponta como fator de influência na sacralização da ideia de
indivíduo humano.
O autor estabelece uma relação entre a importância das experiências de
violência para a difusão dos direitos humanos. O entusiasmo e a adesão das
pessoas em relação a valores se dão por uma característica de ‘sensibilização
afetiva’. O objeto de análise aqui é o movimento antiescravista como modelo de
mobilização moral. Não há como não perceber o caráter religioso do
movimento. Os movimentos abolicionistas da Grã-Bretanha e dos EUA foram
carregados principalmente por atores que finalmente queriam levar a sério
exigências morais que já estavam embutidas no cristianismo.
18
atual; luta pela autodeterminação humana; luta contra as desigualdades de
riqueza e poder.
19
Seria ilustrativo contrapor a isso a instrutiva definição, segundo a qual
o homo sacer é o portador de uma mácula que o coloca fora do direito
divino e do direito humano, ele é insacrificável e sua morte não constitui
homicídio.
Homem sacro é, portanto, aquele que o povo julgou por um delito; e não é
lícito sacrificá-lo, mas quem o mata não será condenado por homicídio; na
verdade, na primeira lei tribunícia se adverte que 'se alguém matar aquele que
por plebiscito é sacro, não será considerado homicida'. Disso advém que um
homem malvado ou impuro costuma ser chamado sacro.
A instituição da sacratio, como princípio, de um caráter sagrado da vida,
todavia, seria de datação recente, embora se nos tenha tornado tão familiar
que nos faz esquecer do vínculo essencial entre sacralidade e sacrifício, entre
o sacer e o impunemente matável - estranha figura jurídico-política do arcaico
direito romano, a insinuar que a vida sacra é também aquela capturada sob
o bando/proscrição soberana, portanto matável sem que sua eliminação
constitua um homicídio, no sentido jurídico do termo.
E, com base nessa evocação, procuram-se conectar os elementos que
foram examinados até agora com a discussão atual a respeito dos direitos
humanos - precisamente nos termos propostos por Giorgio Agamben. Pois é
corrente o entendimento dos mesmos como direitos 'sagrados e inalienáveis'
do homem, o que lhes confere o status de princípios asseguradores dos
valores cardinais positivados nas declarações de direitos das constituições dos
estados modernos.
Evidentemente, não se trata, de modo algum, de questionar a importância
fundamental das declarações de direitos como garantia das liberdades
públicas; sua função histórica de emancipação e resistência ao arbítrio e à
tirania, seu papel decisivo na história do constitucionalismo moderno não pode
deixar de ser reconhecido, salvo por uma deficiência de lucidez analítica. A
intenção consiste apenas em indicar o caráter bifronte que também quanto a
eles se pode reconhecer, como em todo e qualquer acontecimento de efetiva
relevância histórica e política.
Tudo se passa, portanto, como se, "a partir de um certo ponto, todo evento
político decisivo tivesse sempre uma dupla face: os espaços, as liberdades e
os direitos que os indivíduos adquirem no seu conflito com os poderes centrais
simultaneamente preparam, a cada vez, uma tácita porém crescente
inscrição de suas vidas na ordem estatal, oferecendo assim uma nova e
mais temível instância ao poder soberano, do qual desejariam liberar-se.
Conceitos básicos:
- Homo sacer – conceito que era usado no direito romano para
caracterizar a pessoa legalmente excluída da proteção conferida pelo direito
aos cidadãos; o próprio direito regula a exclusão; isto nos leva a
compreender melhor o próprio direito como instrumento para criar a
exclusão, a exceção é jurídica.
- Vida nua – grosso modo, denominação de Walter Benjamin para a vida
despida da proteção política e jurídica da comunidade.
- Soberano – está fora da ordem jurídica, acima dela, é quem pode dizer
onde, quando e para quem será excluída a ordem jurídica e política.
- Caráter dúbio do Estado: o corpo é capturado pelas instituições
ocidentais da política e do direito – o corpo está tutelado pelo direito, é sacro
20
diante do Estado e ao mesmo tempo está sempre sob a ameaça soberana de
ser excepcionado; esta é a essência do Estado moderno, da política e do
direito; o Estado protege e ameaça ao mesmo tempo.
- Dificuldade de reconstrução dos direitos humanos se explicita com o
desvelamento dos limites destes direitos e do papel da biopolítica para o
domínio dos corpos.
PONTO 3
Teoria crítica dos Direitos Humanos. A denúncia da mistificação
ideológica dos direitos humanos abstratos. A dificuldade de reconstrução
dos direitos humanos na era da biopolítica: os limites da cidadania como
direito a ter direitos, estado de exceção e campo de concentração como
paradigmas políticos modernos.
21
excluídos (os “homini sacri”) – são sistematicamente violados, na forma de
legalidade, por atos e decretos dos poderes constituídos, em plena
normalidade institucional.
Por sua vez, o campo de concentração “é a estrutura em que o estado de
exceção é realizado normalmente, caracterizando-se por uma zona de
indistinção entre regra e exceção, lícito e ilícito, confundindo-se fato e direito”.
[fonte: Caio Jesus Granduque José. Espelho com critérios de correção
para a terceira prova escrita do VII Concurso.]
PONTO 4
Encantos e desencantos dos Direitos Humanos: entre dominação e
emancipação. Perspectivas pós-violatórias, estatais e monistas X pré-
violatórias, existenciais e pluralistas para a proteção dos Direitos
Humanos.
1. Discorra sobre o duplo efeito, encantador e de desencanto, dos
Direitos Humanos:
Como toda produção humana, deve-se partir da ideia de que Direitos
Humanos podem ser uma instância de luta libertadora por uma dignidade que
emancipa, como também pode ser um instrumento de dominação que legitima
distintas formas de exclusão e inferiorização humanas, e aí está o seu duplo
efeito, encantador e de desencanto.
No processo relacional entre as pessoas, a forma de se definir e se
comportar entre elas por meio de tramas sociais pode resumir-se através de
duas dinâmicas:
a) Relações ou tramas de dominação ou império, que
consistem em formas de tratar os outros como objetos, classificando-os
e hierarquizando-os a partir de significados de discriminação,
marginalização, exploração, exclusão, desprezo e rechaço; e
b) Tramas sociais de emancipação e libertação, com as quais
uns e outros tratam-se como sujeitos, de maneira horizontal, solidária,
de forma a articular reconhecimentos e acompanhamentos mútuos.
A libertação e a emancipação se desenvolvem e se atingem quando se luta
pela transformação e contra qualquer situação social, cultural, política,
ideológica, étnica, racial, sexual e econômica que provoca exclusão,
discriminação ou injustiça. Desta forma, os grupos afetados por essas
exclusões conquistam espaços de reconhecimento, autoestima, autonomia e
responsabilidade enquanto sujeitos.
Direitos Humanos entendidos como processos de abertura e consolidação
de espaços de luta pela dignidade humana fazem alusão a diversas
expressões de reivindicações políticas, sociais, econômicas, sexuais, culturais
etc, com o intuito de que os seres humanos sejam reconhecidos como sujeitos
diferenciados. Expressam formas de humanidade múltiplas e plurais,
individuais e coletivas, sempre em relação ao contexto em que cada indivíduo
ou cada coletivo esteja situado. Por isso, são veículos de expressão e de
produções representativas de dinâmicas emancipadoras e libertadoras. Mas
também podem ser manifestações de tendências e lógicas que limitam e
aniquilam humanidades. Aí está o sentido dúbio de encanto e de desencanto
dos Direitos Humanos.
A dimensão que desencanta pode aparecer no instante em que os Direitos
Humanos se fixam sobre discursos e teorias, instituições e sistemas estruturais
22
que sociocultural e sociomaterialmente não permitem que estes sejam factíveis
e nem possíveis, devido às assimetrias e hierarquias desiguais sobre as quais
se mantêm. A dimensão que desencanta aparece quando se reduz os Direitos
Humanos à sua dimensão jurídico-positiva, formal e procedimental, adotando-
se uma postura anestesiada, indolente e conformista sobre seus efeitos e
resultados.
23
sofrimento humano. Todo ser humano deve viver sem ser sacrificado por um
valor, um ideal, uma instituição, enfim, uma produção ou criação humana.
***As normas tradicionais assentadas em pretensões de homogeneidade,
promulgadas com base nos princípios da impessoalidade, generalidade e
abstração, organizadas a partir de um sistema unitário, lógico, fechado e
hierarquizado, coerente, sem lacunas e antinomias, são excessivamente
simples para dar conta da pluralidade das situações sociais, econômicas e
culturais cada vez mais diferenciadas. A complexidade socioeconômica e a
crescente desigualdade dos conflitos mostram a perdida capacidade de regular
e disciplinar nossas sociedades, e, assim, o surgimento de outras expressões
de pluralidade jurídica rompem o monopólio estatal. A proposta de Antonio
Carlos Wolkmer parte de uma noção de pluralismo jurídico capaz de
reconhecer e legitimar normas extras e infraestatais, engendradas por
carências e necessidades provenientes de novos atores sociais, e capaz de
captar as representações legais de sociedades emergentes marcadas por
estruturas de igualdades precárias e pulverizadas por espaços de conflito
permanente.
Assim, devemos assimilar e incorporar o paradigma pluralista de direito por
duas razões fundamentais: a) porque permite uma melhor interpretação da
complexidade dos atuais acontecimentos que o contexto da globalização está
provocando sobre o mundo jurídico; e b) porque em sua versão emancipadora,
o direito tanto estatal quanto não estatal pode ser instrumento a serviço dos
coletivos mais desprotegidos e mais vulneráveis. Em outras palavras, existem
mecanismos multiescalares de garantias de direitos humanos de caráter
jurídico estatal, jurídico não-estatal e não jurídico (socioeconômico, cultural,
sexual, político...) – direitos humanos são para todo momento e em todo lugar.
24
mundo capitalista globalizado, legitimando relações de poder de opressão e
dominação de pessoas nos diversos espaço-tempo sociais, daí o duplo efeito
de encanto e desencanto.
Nessa esteira, compreende-se o diagnóstico de Carlos Drummond de
Andrade, eis que da Lua, ou seja, tomados em perspectiva a-histórica, os
direitos humanos não merecem reparos, vale dizer, são encantadores, mas
causam repentino desencanto quando examinados na realidade sócio-histórica,
aquela a que José Saramago se refere, cujos sistemas político e econômico de
organização social são incompatíveis com sua efetivação.
O grande precursor dessa denúncia da mistificação ideológica dos direitos
humanos abstratos foi Karl Marx, eis que, para o autor de A questão judaica,
“os direitos humanos formais seriam a expressão simbólica e jurídica do
domínio econômico da burguesia, de tal sorte que o reconhecimento da livre
personalidade e de direitos subjetivos, permitindo-se a celebração de contrato
sobre a sua própria força de trabalho, seriam as condições essenciais para a
criação da mais valia e para a valorização do capital.
PONTO 5
Efeito encantatório e usos políticos dos Direitos Humanos: intervenções
humanitárias e imperialismo dos Direitos Humanos (universalismo,
relativismo e hermenêutica diatópica).
25
introdução, aceitável, ou seja, quando não seria mais necessário o uso da força
ou a força seria utilizada realmente como ajuda a uma resistência interna.
A impossibilidade de sucesso da difusão dos valores ocidentais, como
democracia e direitos humanos, pelo uso da força reside no fato de tais valores
não são como produtos tecnológicos de importação, cujos benefícios são
óbvios desde o início e que são adotados de uma mesma maneira por todos os
que têm condições de usá-los, como uma pacífica bicicleta ou um mortífero AK
47, ou serviços técnicos, como os aeroportos. Se fossem, haveria maior
similaridade política entre os numerosos Estados da Europa, da Ásia e da
África, todos vivendo (teoricamente) sob a égide de constituições democráticas
similares (HOBSBAWM, 2007, p. 18-19). Nas palavras do autor, “a história tem
muito poucos atalhos”, ou seja, não se parte da ditadura para democracia ou
da barbárie para a civilização pela força de quem em realidade não tem como
maior interesse a realização de tais passagens.
2
Artigo denominado “Reflexiones e (im)precisiones em torno a la intervención humanitaria y
los derechos humanos” publicado no livro “Direitos Humanos e Globalização: fundamentos
e possibilidades desde teoria crítica. EDIPUCRS. 2010.
26
capacidade de intervir são as grandes potências, os quais, além de contribuir
para manutenção da exclusão cotidiana, também fecham as portas para o
reconhecimento dos direitos humanos humanos com ações muito diretas:
impedindo a imigração, não reconhecendo os direitos econômicos, sociais e
culturais, mantendo a dívida externa, fornecendo armas para países em guerra
civil, etc.
Contudo, importante sublinhar a ressalva do autor no sentido que existem
situações de fato nas quais a ação armada e violenta ocorre e tem que ser
utilizada transitoriamente, mas se deve retirar qualquer roupagem ideológica
que legitima o uso da força e que a batize ou a vista sob o manto de ação
humanitária (RUBIO, 2010, p. 225).
Para concluir, chama atenção para o fato de que há indícios muito claros
para suspeitar e questionar, em situações reais, sobre as verdadeiras intenções
de quem, em nome de direitos que no cotidiano não reconhecem a maioria da
população do planeta, usam a força militar. Quando o ser humano não conta,
estranha maneira de recuperá-lo a base de bombas e ou armas humanitárias
(RUBIO, 2010, p. 226).
27
(SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural de direitos
humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 48, jun 1997, pp. 18-19; grifo
nosso).
b) Hermenêutica diatópica: Na linha do item anterior, e como forma de
proporcionar um diálogo intercultural dos direitos humanos, Boaventura de
Souza Santos propõe o que denomina hermenêutica diatópica, que, em breve
síntese, consiste na compreensão mútua dos distintos universos de sentidos
das culturas envolvidas no diálogo, para que se consiga alcançar uma
universalidade dos direitos humanos construída por diversas concepções
culturais. Sobre a hermenêutica diatópica proposta por Boaventura de Souza
Santos como forma de proporcionar um diálogo intercultural dos direitos
humanos, é a lição de Paulo Henrique Gonçalves Portela:
“Por fim, Boaventura de Souza Santos vem defendendo uma proposta de
superação da polêmica entre o universalismo e o relativismo, que é a chamada
“hermenêutica diatópica”, que se fundamenta na noção de que os referenciais
de uma cultura ‘são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem’,
ou seja, no reconhecimento das limitações dos valores dos universos culturais.
O objetivo dessa hermenêutica é ampliar ao máximo a consciência de
incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer,
com um pé numa cultura e outro, noutra, num verdadeiro diálogo intercultural. A
hermenêutica diatópica tem dois imperativos: o primeiro é o de que das
‘diferentes visões de uma dada cultura, deve ser escolhida aquela que
representa o círculo mais amplo de reciprocidade dentro dessa cultura, a
versão que vai mais longe no reconhecimento do outro’; o segundo é o de que
‘as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença
os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os
descaracteriza’. Com isso, as possibilidades e exigências das normas de
direitos humanos poderão ser progressivamente absorvidas e apropriadas
pelas culturas locais, sem que isso signifique aquilo que Boaventura de Souza
Santos chama de ‘canibalização cultural’” (PORTELA, Paulo Henrique
Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 7. ed. Bahia: Juspodivm,
2015, pp. 826-827; grifo nosso).
c) Universalismo de confluência: O denominado “universalismo de
confluência”, também chamado de “universalismo de chegada”, é um conceito
elaborado pelo filósofo espanhol Joaquim Herrera Flores ao estudar o papel
dos direitos humanos como forma de unir os indivíduos em prol de embates
pela dignidade. Para Herrera Flores, a concepção tradicional do universalismo
seria chamada de “universalismo de partida”, já que os defensores desta
concepção de universalismo partem de um conjunto de direitos
preestabelecidos pela cultura ocidental e desconsideram questões importantes
como a diversidade cultural, a distribuição do poder, as questões de gênero e a
assimetria econômica entre os indivíduos, ignorando o contexto real dos fatos.
Segundo o autor, o universalismo tradicional (ou “de partida”) é regido pelos
ideais capitalistas, através de um fenômeno chamado de “racionalidade da mão
invisível”, que é nada mais, nada menos do que um paralelo realizado por
Herrera Flores com a famosa teoria da mão invisível do mercado de Adam
Smith, aplicada no período do Estado Liberal de Direito. Ainda para o autor
espanhol, a concepção culturalista pura seria insuficiente para uma
compreensão dos direitos humanos, já que, na maioria das vezes, os membros
de determinada cultura tendem a ignorar e não valorar práticas culturais não
28
coincidentes com sua cultura, caracterizando um verdadeiro “universalismo de
retas paralelas”. Nessa linha, Joaquim Herrera Flores propõe uma visão mais
rebuscada dos direitos humanos, pautada em uma “racionalidade de
resistência”. Para isso, o autor aduz que os indivíduos devem possuir uma
concepção prévia de que são dotados de determinados direitos e, além disso,
estão por vezes em uma situação de opressão (ante a imposição de práticas
hegemônicas). Nessa linha de raciocínio, o autor propõe que o indivíduo se
situe na periferia, afinal, segundo o filósofo espanhol, a periferia seria o lugar
ideal para a compreensão dos valores impostos de forma hegemônica pelo
“universalismo de partida”. Desse modo, e com forte semelhança com a
concepção multicultural dos direitos humanos proposta por Boaventura de
Souza Santos, Joaquim Herrera Flores propõe o denominado “universalismo de
chegada” ou de “confluência”, segundo o qual os indivíduos buscam chegar até
uma concepção universalista dos direitos humanos através da convivência e de
diálogos interculturais, proporcionando cruzamentos e misturas entre os
indivíduos sem a pretensão de excluir nenhum ser humano na luta por sua
dignidade.
Sobre o universalismo de confluência, é a lição de Joaquim Herrera Flores:
“Por isso, nossa visão complexa dos direitos aposta por uma racionalidade de
resistência. Uma racionalidade que não nega que é possível chegar a uma
síntese universal das diferentes opções relativas aos direitos. E tampouco
descarta a virtualidade das lutas pelo reconhecimento das diferenças étnicas
ou de gênero. O que negamos é considerar o universal como um ponto de
partida ou um campo de desencontros. Ao universal há de se chegar –
universalismo de chegada ou de confluência – depois (não antes) de um
processo conflitivo, discursivo de diálogo ou de confrontação no qual cheguem
a romper-se os prejuízos e as linhas paralelas. Falamos do entrecruzamento, e
não de uma mera superposição de propostas. O universalismo abstrato
mantém uma concepção unívoca da história que se apresenta como o padrão
ouro do ético e do político”. (FLORES, Joaquim Herrera. Direitos Humanos,
Interculturalidade e Racionalidade de Resistência. Revista da UFSC. V. 23, N.
44, 2002, p. 21; grifo nosso).
PONTO 6
As tensões da Modernidade ocidental e as tensões dos Direitos
Humanos: da colonialidade à descolonialidade. Os Direitos Humanos na
zona de contato entre globalizações rivais. Os Direitos Humanos como
bandeiras de lutas dos movimentos sociais.
1. Conceitue colonialidade e descolonialidade e relacione ambos os
conceitos com o conceito de modernidade ocidental:
29
A noção de colonialidade é extraída do pensamento de Aníbal Quijano y
Walter Mignolo. De acordo com Quijano, a colonialidade enquanto padrão de
poder se estabelece sob a ideia de raça e a articulação de todas as formas de
trabalho em torno do capital.
Já para Boaventura de Sousa Santos a colonialidade é compreendida como
o mecanismo mediante o qual um grupo humano e sua cultura domina a outro
e retira dele todas suas potencialidades. É um exercício de poder que opera
mediante uma diversidade de mecanismos que podem ser agrupados como 1)
mecanismo de diferenciação – estabelecimento de dualismos que classificam
as formas de conhecer o mundo e distingue entre o “eu” e o “outro”; 2)
mecanismos de hierarquização, que implicam na valorização positiva do “eu”
sobre a negativa do “outro”, que deve ser eliminado, invisibilizado e; 3)
mecanismo de dominação, que permitem o poder sobre os “outros” de maneira
efetiva, mediante o disciplinamento e o controle.
Em suma, a colonialidade nada mais é que uma constatação simples: a de
que as relações de colonialidade nas esferas econômica e política não
findaram com o fim do período colonial.
A modernidade está intrinsecamente associada à experiência colonial. Não
poderia haver uma economia-mundo capitalista sem as Américas, conforme
explica Enrique Dussel, autor da filosofia da libertação:
1. A civilização moderna autodescreve-se como mais desenvolvida e
superior (o que significa sustentar inconscientemente uma posição
eurocêntrica). 2. A superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos,
bárbaros, rudes, como exigência moral. 3. O caminho de tal processo educativo
de desenvolvimento deve ser aquele seguido pela Europa (é, de fato, um
desenvolvimento unilinear e à europeia o que determina, novamente de modo
inconsciente, a "falácia desenvolvimentista"). 4. Como o bárbaro se opõe ao
processo civilizador, a práxis moderna deve exercer em último caso a violência,
se necessário for, para destruir os obstáculos dessa modernização (a guerra
justa colonial). 5. Esta dominação produz vítimas (de muitas e variadas
maneiras), violência que é interpretada como um ato inevitável, e com o sentido
quase-ritual de sacrifício; o herói civilizador reveste a suas próprias vítimas da
condição de serem holocaustos de um sacrifício salvador (o índio colonizado, o
escravo africano, a mulher, a destruição ecológica, etecetera). 6. Para o
moderno, o bárbaro tem uma "culpa" (por opor-se ao processo civilizador) que
permite à "Modernidade" apresentar-se não apenas como inocente mas como
"emancipadora" dessa "culpa" de suas próprias vítimas. 7. Por último, e pelo
caráter "civilizatório" da "Modernidade", interpretam-se como inevitáveis os
sofrimentos ou sacrifícios (os custos) da "modernização" dos outros povos
"atrasados" (imaturos), das outras raças escravizáveis, do outro sexo por ser
frágil, etecetera (Dussel, 2000, p. 49).
O examinador denuncia o “Mito da Modernidade”, anunciado por Dussel,
que desconstrói a ideia de Modernidade como um fenômeno exclusivamente
europeu e com viés apenas emancipatório (de liberdade, igualdade,
fraternidade) ao demonstrar que a Modernidade nasce em 1492, quando a
Europa pôde se confrontar com seu “outro” (a América), vencê-lo e violentá-lo,
de maneira que se trata de um fato europeu em relação dialética e dominadora
com o não-europeu.
A partir dessa crítica contundente à relação entre modernidade e
colonialidade se dá o "Giro decolonial", que significa o movimento de
30
resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da
modernidade/colonialidade. A decolonialidade aparece, portanto, como o
terceiro elemento da modernidade/colonialidade. Para Mignolo, "a
conceitualização mesma da colonialidade como constitutiva da modernidade é
já o pensamento de-colonial em marcha" .
O projeto des-colonial difere também do projeto pós-colonial, pois a teoria
pós-colonial ou os estudos pós-coloniais estão entre a teoria crítica da Europa
(Foucault, Lacan y Derrida), sobre cujo pensamento se construiu a teoria pós-
colonial e/ou estudos pós-coloniais, e as experiências da elite intelectual nas
ex-colônias inglesas na Ásia e África do Norte (Mignolo, 2010, p. 19).
Por outro lado, o processo de decolonização não deve ser confundido com
a rejeição da criação humana realizada pelo Norte global e associado com
aquilo que seria genuinamente criado no Sul, no que pese práticas,
experiências, pensamentos, conceitos e teorias. Ele pode ser lido como
contraponto e resposta à tendência histórica da divisão de trabalho no âmbito
das ciências sociais (Alatas, 2003), na qual o Sul Global fornece experiências,
enquanto o Norte Global as teoriza e as aplica (Connell, 2012). Atualmente,
diversos autores e autoras, situados tanto nos centros quanto nas periferias da
produção da geopolítica do conhecimento, questionam o universalismo
etnocêntrico, o eurocentrismo teórico, o nacionalismo metodológico, o
positivismo epistemológico e o neoliberalismo científico contidos no mainstream
das ciências sociais. Essa busca tem informado um conjunto de elaborações
denominadas Teorias e Epistemologias do Sul.
O papel e a importância da teoria repousam não somente na sua
capacidade explicativa mas também no seu potencial normativo. Se toda teoria
serve para algo ou para alguém, é razoável partir do princípio de que ela
reproduz relações de colonialidade do próprio poder. Historicamente, a teoria e
a filosofia política foram predominantemente pensadas no Norte e para o Norte.
Por um lado, ela serviu como pilar fundamental para a arquitetura da
exploração, dominação e colonização dos povos não situados no Ocidente
exemplar. Por outro, o Ocidente foi capaz de reagir desde dentro, improvisando
teorias outras, críticas e contra-hegemônicas. Essa marginalidade teórica
dialoga com as versões periféricas e subalternas produzidas fora do Norte.
Dessa perspectiva, decolonizar a teoria, em especial a teoria política, é um dos
passos para decolonização do próprio poder.
31
política regulatória e uma política emancipatória, está armadilhada nessa dupla
crise, ao mesmo tempo em que é sinal do desejo de a ultrapassar.
A segunda tensão dialética que ocorre entre o Estado e a sociedade civil,
apesar de considerado o dualismo fundador da modernidade ocidental, aponta
como problemáticas e contraditórias a distinção e a relação entre ambos. Nas
últimas décadas, tornou-se mais claro que a distinção entre o Estado e a
sociedade civil, longe de ser um pressuposto da luta política moderna, é o
resultado dela. A tensão deixa, assim, de ser entre Estado e sociedade civil
para ser entre interesses e grupos sociais que se reproduzem sob a forma de
Estado e interesses e grupos sociais que se reproduzem melhor sob a forma
de sociedade civil, tornando o âmbito efetivo dos Direitos Humanos
inerentemente problemático. Historicamente, nos países do Atlântico Norte, a
primeira geração dos Direitos Humanos, dos direitos civis e políticos, foi
concebida como luta da sociedade civil contra o Estado, considerado principal
violador potencial dos Direitos Humanos. A segunda e terceira gerações, dos
direitos econômicos, sociais e culturais e da qualidade de vida foram
concebidas como atuações do Estado, considerado principal garantidor dos
Direitos Humanos.
Por fim, a terceira tensão ocorre entre o Estado Nação e o que designamos
por globalização. Hoje, a erosão seletiva do Estado Nação, imputável à
intensificação da globalização, coloca a questão de saber se, quer a regulação
social, quer a emancipação social, deverão ser deslocadas para o nível global.
É nesse sentido que se começa a falar em sociedade civil global, governança
global, equidade global e cidadania pós-nacional. A efetividade dos Direitos
Humanos tem sido conquistada em processos políticos de âmbito nacional, e
por isso a fragilização do Estado Nação pode trazer consigo a fragilização dos
Direitos Humanos. Por outro lado, os Direitos Humanos aspiram hoje a um
reconhecimento mundial e podem mesmo ser considerados como um dos
pilares fundamentais de uma emergente política pós-nacional. A reemergência
dos Direitos Humanos é hoje entendida como sinal do regresso do cultural e
até mesmo do religioso. Ora, falar de cultura e de religião é falar de diferença,
de fronteiras, de particularismos.
Mais tarde, Boaventura verifica, conforme demonstrado em artigo do
examinador, que a simbiose entre capitalismo e colonialismo, constituidora da
própria Modernidade, torna inapropriada, aliás, a aplicação da dicotomia
regulação/emancipação para os territórios coloniais, os quais foram regidos por
outra tensão, baseada na dicotomia apropriação/violência, que lançou mão do
direito, para além da cruz e da espada, para a missão “civilizadora”
responsável por genocídios, etnocídios e epistemicídios em nosso território. (o
examinador cita o filósofo Enrique Dussel, que sustenta que o primeiro
‘holocausto’ da Modernidade foi contra os índios e o segundo ‘holocausto’
contra os negros – o terceiro, foi o perpetrado pelos nazistas contra os judeus).
Enquanto a lógica da regulação/emancipação é impensável sem a distinção
matricial entre o direito das pessoas e o direito das coisas, a lógica da
apropriação/violência reconhece apenas o direito das coisas, sejam elas
humanas ou não.
A lógica da apropriação/violência passou por uma série de deslocamentos e
desvios, perdurando, ainda hoje, de maneira mais sofisticada e mistificada, nas
práticas dos juristas e agentes estatais em pleno regime político republicano e
democrático. Isso porque, o fim do colonialismo enquanto relação política
32
legitimadora de assimetrias entre o Norte e o Sul não significou o fim do
colonialismo enquanto relação social, mentalidade e forma de sociabilidade
autoritária e discriminatória, que se exerce pela “colonialidade do poder”, a
qual, aliás, é fundamental para a preservação do sistema-mundo capitalista, na
medida em que a acumulação de capital sempre esteve enredada com
ideologias racistas, homofóbicas e sexistas.
33
Com base nessa afirmativa, o autor distingue a globalização em quatro
modos de produção, que dão origem a quatro formas distintas de globalização:
1) localismo globalizado: no processo pelo qual determinado fenômeno
local é globalizado com sucesso. Ex: a atividade mundial das multinacionais, a
transformação da língua inglesa em língua franca, a globalização do fast food
americano ou da sua música popular, ou seja a adoção mundial das leis de
propriedade intelectual ou de telecomunicações dos EUA.
2) globalismo localizado: impacto específico de práticas e imperativos
transnacionais nas condições locais. Ex: desflorestamento e destruição maciça
dos recursos naturais para pagamento da dívida externa; tesouros históricos,
lugares ou cerimônias religiosos, artesanato e vida selvagem postos à
disposição da indústria global do turismo; “compra” pelos países do Terceiro
Mundo de lixos tóxicos produzidos nos países capitalistas centrais para gerar
divisas externas; conversão da agricultura de subsistência em agricultura para
exportação como parte do “ajustamento estrutural”; alterações legislativas e
políticas impostas pelos países centrais ou pelas agências multilaterais que
eles controlam; uso de mão de obra local por parte de empresas multinacionais
sem qualquer respeito por parâmetros mínimos de trabalho (labor standards).
3) cosmopolitismo: conjunto muito vasto e heterogêneo de iniciativas,
movimentos e organizações que partilham a luta contra a exclusão e a
discriminação sociais e a destruição ambiental produzidas pelos localismos
globalizados e pelos globalismos localizados, recorrendo a articulações
transnacionais tornadas possíveis pela revolução das tecnologias de
informação e de comunicação.Ex: diálogos e articulações Sul-Sul; novas
formas de intercâmbio operário; redes transnacionais de lutas ecológicas, pelos
direitos da mulher, pelos direitos dos povos indígenas, pelos Direitos Humanos
em geral; solidariedade anticapitalista entre o Norte e o Sul. O Fórum Social
Mundial que se reuniu em Porto Alegre a partir de 2001 é hoje a mais pujante
afirmação de cosmopolitismo no sentido aqui adotado. O autor ressalva que
não utiliza a noção de cosmopolitismo no sentido moderno convencional. Para
ele, cosmopolitismo é a solidariedade transnacional entre grupos explorados,
oprimidos ou excluídos pela globalização hegemônica, ou seja, é um
cosmopolitismo do subalterno em luta contra a sua subalternização.
4) Patrimônio Comum da Humanidade: emergência de temas que, por sua
natureza, são tão globais como o próprio planeta. Ex: sustentabilidade da vida
humana na Terra, temas ambientais como a proteção da camada de ozônio, a
preservação da Antártica, da biodiversidade ou dos fundos marinhos, a
exploração do espaço, da Lua e de outros planetas, dadas as interações
globais, físicas e simbólicas, entre eles e o planeta Terra.
Diante do exposto, verifica-se, segundo o autor, que a divisão internacional
da produção da globalização assume o seguinte padrão: os países centrais
especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos países periféricos
cabe tão só a escolha entre várias alternativas de globalismos localizados.
A trama formada entre os globalismos localizados e localismos globalizados
é denominada pelo autor de globalização hegemônica ou globalização de cima
para baixo ou, ainda, globalização neoliberal. Já o cosmopolitismo e o
patrimônio comum da humanidade são denominados pelo autor como
globalização contra-hegemônica, globalização solidária ou globalização de
baixo-para-cima.
34
Nesse contexto, segundo Boaventura, reside a complexidade dos Direitos
Humanos, pois eles podem ser concebidos e praticados quer como
globalização hegemônica, quer como globalização contra-hegemônica.
No contexto de globalização hegemônica, o conceito de Direitos Humanos
assenta num bem-conhecido conjunto de pressupostos, todos claramente
ocidentais e facilmente distinguíveis de outras concepções de dignidade
humana em outras culturas. A marca ocidental liberal do discurso dominante
dos Direitos Humanos pode ser facilmente identificada em muitos outros
exemplos: na Declaração Universal de 1948, elaborada sem a participação da
maioria dos povos do mundo; no reconhecimento exclusivo de direitos
individuais, com a única exceção do direito coletivo à autodeterminação; na
prioridade concedida aos direitos civis e políticos sobre os direitos econômicos,
sociais e culturais; e no reconhecimento do direito de propriedade como o
primeiro e, durante muitos anos, o único direito econômico. A história dos
Direitos Humanos no período imediatamente posterior à Segunda Guerra
Mundial nos leva a concluir que as políticas de Direitos Humanos estiveram em
geral a serviço dos interesses econômicos e geopolíticos dos Estados
capitalistas hegemônicos. Um discurso generoso e sedutor sobre os Direitos
Humanos coexistiu com atrocidades indescritíveis, as quais foram avaliadas de
acordo com revoltante duplicidade de critérios. A dualidade entre uma “política
de invisibilidade” e uma “política de supervisibilidade” correlacionadas aos
imperativos da política externa norte-americana foi enunciada por Richard Falk
(1981), ao citar a ocultação total pela mídia das notícias sobre o genocídio do
povo maubere em Timor Leste ou a situação dos cerca de duzentos milhões de
“intocáveis” na Índia, bem como a exuberância com que os atropelos pós-
revolucionários dos Direitos Humanos no Irã e no Vietnã foram relatados nos
Estados Unidos.
Mas essa não é toda a história das políticas dos Direitos Humanos. Muitas
pessoas e organizações não governamentais têm lutado pelos Direitos
Humanos, correndo riscos em defesa de grupos oprimidos vitimizados por
Estados autoritários, por práticas econômicas excludentes ou por políticas
culturais discriminatórias. Tais lutas emancipatórias são, por vezes, explícita ou
implicitamente anticapitalistas.
Assim, para o autor, a tarefa central da política emancipatória do nosso
tempo consiste em transformar a conceitualização e a prática dos Direitos
Humanos, de um localismo globalizado num projeto cosmopolita.
35
A segunda premissa da transformação cosmopolita dos Direitos Humanos é
que todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, mas nem
todas elas a concebem em termos de Direitos Humanos.
A terceira premissa é que todas as culturas são incompletas e
problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. Se cada cultura
fosse tão completa como se julga, existiria apenas uma só cultura. Aumentar a
consciência de incompletude cultural é uma das tarefas prévias à construção
de uma concepção multicultural de Direitos Humanos.
A quarta premissa é que todas as culturas têm versões diferentes de
dignidade humana, algumas mais amplas do que outras, algumas com um
círculo de reciprocidade mais largo do que outras, algumas mais abertas a
outras culturas do que outras.
Por último, a quinta premissa é que todas as culturas tendem a distribuir as
pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença
hierárquica. O princípio da igualdade e o princípio da diferença. Embora na
prática os dois princípios se sobreponham frequentemente, uma política
emancipatória dos Direitos Humanos deve saber distinguir entre a luta pela
igualdade e a luta pelo reconhecimento igualitário das diferenças, a fim de
poder travar ambas as lutas eficazmente.
Essas são as premissas de um diálogo intercultural sobre a dignidade
humana que pode levar, eventualmente, a uma concepção mestiça de Direitos
Humanos, uma concepção que, em vez de recorrer a falsos universalismos, se
organiza como uma constelação de sentidos locais, mutuamente inteligíveis, e
que se constitui em rede de referências normativas capacitantes.
36
portanto, os vitimizados, herdeiros daqueles com cujo sangue e suor o Brasil se
fez, triturando-os em “moinhos de gastar gente”, conforme Darcy Ribeiro, que
devem nortear a caminhada institucional (da DPE) na busca pela justiça e
construção de uma sociedade solidária.
Para concluir, transcrevo abaixo uma citação de Darcy Ribeiro que estava
na nota de rodapé do artigo do examinador, mas que considero pertinente com
o tema trabalhado até então:
37
Contra o discurso neoliberal deve-se defender que o Estado nacional não
está em vias de extinção e continua a ser um campo de luta decisivo. A erosão
da soberania e das capacidades de ação do Estado ocorre muito seletivamente
e apenas nos domínios da providência para os cidadãos. Nos domínios
repressivos e no domínio da providência para as empresas não se vislumbra o
mínimo sinal de erosão das capacidades do Estado. A luta contra-hegemônica
tem que proceder a uma profunda reinvenção do Estado, não temendo a
tonalidade utópica que algumas medidas podem assumir. Essa reinvenção tem
um forte sinal anticapitalista e dificilmente poderá ser levada a cabo pela
democracia representativa. Urge que se tenha novas práticas democráticas,
surgindo aí a importância da globalização contra-hegemônica geradora do novo
cosmopolitismo subalterno e insurgente. As novas práticas democráticas
devem ser multiculturais se quiserem ser o instrumento propiciador de uma
nova articulação entre políticas de igualdade e políticas de identidade segundo
o imperativo que enunciei: temos o direito a ser iguais sempre que a
diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes sempre que a
igualdade nos descaracteriza.
38
qual, aliás, é fundamental para a preservação do sistema-mundo capitalista, na
medida em que a acumulação de capital sempre esteve enredada com
ideologias racistas, homofóbicas e sexistas.
Nem mesmo as ondas renovatórias de que falam Cappelletti e Garth foram
efetivas no Brasil, dada a ausência no país de um efetivo Estado Providência
conjugada com a colonialidade ainda remanescente na constituição de
relações assimétricas de poder (em especial quanto a classe, raça e gênero).
A Defensoria Pública, considerando a atribuição constitucional constante do
artigo 134 da CR, deve aproveitar a oportunidade histórica de sua emergência
para promover, ao lado de movimentos sociais e assistidos, a descolonização
da justiça e a construção de novas sociabilidades pautadas pela solidariedade
e regidas pela cultura democrática.
Para isso, a instituição precisa transcender os paradigmas do positivismo
jurídico, ainda hegemônicos na praxe forense e no imaginário dos juristas. Isso
porque o positivismo jurídico, enquanto produto tipicamente moderno, tem a
pretensão de uma explicação universal, totalizante e absoluta do fenômeno
jurídico, valendo-se de cortes epistemológicos simplificadores da complexidade
do fenômeno, para não falar da metodologia lógico-formal que não permite a
análise de facetas como as relações de poder de dominação de classe e de
normalização disciplinar.
Por outro lado, a atuação da Defensoria Pública não pode se resumir ao
âmbito estatal, já que o poder circula por toda a sociedade e não se limita ao
aparelho estatal. A educação em direitos é um importante instrumento nesse
sentido. Na luta contra o poder disciplinar, não é em direção do velho direito da
soberania que se deve marchar, mas na direção de um novo direito
antidisciplinar e, ao mesmo tempo, liberado do princípio da soberania.
Considerando a perda de centralidade do Estado e a coexistência com um
direito não oficial de múltiplos legisladores fáticos, fala-se na emergência de um
“fascismo de raposa”, de microfascismos que se irradiam e se capilarizam pelo
corpo social. Tal fascismo pluralista demanda uma resistência plural, encenada
por múltiplos sujeitos, interligados em redes de contrapoderes. Os movimentos
sociais são os protagonistas dessas lutas libertárias, ao lado dos quais a
Defensoria Pública deve se colocar, partilhando dessas lutas.
Para “tornar-se aquilo que é”, a Defensoria Pública não pode abrir mão da
guerra libertária por novas formas de vida e por novas formas jurídicas. Deve
fazer um uso emancipatório do direito.
39
maneira muito condicional. Isso só será possível se for adotada uma política de
DHs radicalmente diferente da liberal hegemônica e se tal política for concebida
como parte de uma constelação mais ampla de lutas pela emancipação social.
Para que esse uso seja possível, é preciso identificar 3 tensões dialéticas
da modernidade ocidental:
- regulação social x emancipação social. Esta tensão se apresenta na
divisa positivista “ordem e progresso” e se baseia na discrepância entre
experiências sociais (presente) e expectativas sociais (futuro). Com a
emergência do neoliberalismo (80s) as expectativas sociais passaram a ser de
mudança para pior, o que descaracterizou esta tensão. O colapso das formas
modernas de emancipação social parece ter arrastado consigo o colapso das
formas de regulação social a que se opunham e procuravam superar. Enquanto
até meados dos anos 70 as crises de regulação social suscitavam o
fortalecimento das políticas emancipatórias, hoje a crise da regulação social
(do Estado intervencionista) e a crise da emancipação social (crise da
revolução, do reformismo social-democrático e do socialismo enquanto
paradigma da transformação social) são simultâneas e alimentam-se uma da
outra. A política dos DHs, que pode ser simultaneamente uma política
regulatória e uma política emancipatória, está armadilhada nesta dupla crise,
ao mesmo tempo que é sinal do desejo de a ultrapassar.
- Estado x sociedade civil. A partir dos 80s e do neoliberalismo, o Estado
passou de fonte de infinitas soluções a fontes de infinitos problemas. A
sociedade civil deixou de ser o espelho do Estado para se tornar o seu oposto
e, concomitantemente, uma sociedade civil forte passou a exigir um Estado
fraco.
- Estado-nação x globalização. A erosão seletiva do Estado-nação,
imputável à intensificação da globalização neoliberal, coloca a questão de
saber se, quer a regulação social, quer a emancipação social, deverão ser
deslocadas para o nível global. É nesse sentido que se começa a falar em
sociedade civil global, governação global, equidade global e cidadania pós-
nacional. Nesse contexto, a política dos DHs é posta diante de novos desafios
e tensões. A partir dos 90s, movimentos sociais passaram a reivindicar
novas e progressistas concepções de DHs. Na concepção norte-cêntrica, o
Sul global seria essencialmente problemático no que toca ao respeito pelos
DHs, enquanto que o Norte global seria exemplo desse respeito e procuraria
melhorar a situação dos DHs no Sul global. Com a emergência da globalização
contra-hegemônica, o Sul global passa a contestar essa visão, mostrando que
a fonte primária das mais massivas violações de DHs reside na dominação do
Norte global sobre o Sul global, agora intensificada pelo capitalismo neoliberal
global.
40
Globalização hegemônica (versão mais recente do capitalismo e
imperialismo globais):
- localismo globalizado (coisa local é globalizada: língua inglesa como
língua franca; fast food etc.)
- globalismo localizado (influxo do transnacional no local, que passa a ser
marginalizado ou excluído. Ex: eliminação de agricultura tradicional.)
Globalização contra-hegemônica:
- cosmopolitismo insurgente e subalterno (resistência transnacionalmente
organizada contra os localismos globalizados e os globalismos localizados. Ex:
diálogos e articulações Sul-Sul, movimentos transnacionais anti-discriminação.
Tem um caráter muito aberto e, por isso, problemático. Exige, por exemplo,
vigilância auto-reflexiva)
- patrimônio comum da humanidade (lutas transnacionais por valores ou
recursos que, pela sua natureza, são globais. Ex: temas ambientais.)
41
atrocidades (política da invisibilidade x política da supervisibilidade: desencana
do genocídio no Timor Leste x Vietnã malvado viola DHs – exemplo dos EUA).
Contudo, apesar da situação descrita, no período mais recente milhares de
pessoas e organizações não governamentais passaram a lutar pelos direitos
humanos em defesa de classes sociais e grupos oprimidos, vitimizados por
Estados autoritários e por práticas econômicas excludentes ou por práticas
políticas e culturais discriminatórias. Os objetivos políticos de tais lutas são
emancipatórios e por vezes explícita ou implicitamente anticapitalistas. Isto
quer dizer que, paralelamente aos discursos e práticas que fazem dos direitos
humanos um localismo globalizado, têm vindo a desenvolver-se discursos e
práticas contra-hegemônicos que, além de verem nos direitos humanos uma
arma de luta contra a opressão independente de condições geo-estratégicas,
avançam propostas de concepções não-ocidentais de direitos humanos e
organizam diálogos interculturais sobre os direitos humanos e outros princípios
de dignidade humana. À luz desses desenvolvimentos, Boaventura entende
que a tarefa central da política emancipatória do nosso tempo consiste
em transformar a concepção e a prática dos direitos humanos de um
localismo globalizado para um projeto cosmopolita insurgente.
42
(5) todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos
sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica. Um – o
princípio da igualdade – opera através de hierarquias entre unidades
homogêneas (a hierarquia entre estratos socioeconômicos). O outro – o
princípio da diferença – opera através da hierarquia entre identidades e
diferenças consideradas únicas (hierarquia entre etnias ou raças, entre sexos,
entre religiões, entre orientações sexuais). Os dois princípios não se
sobrepõem necessariamente e, por esse motivo, nem todas as igualdades são
idênticas e nem todas as diferenças são desiguais. Daí que uma política
emancipatória de DHs deva saber distinguir entre a luta pela igualdade e a luta
pelo reconhecimento igualitário das diferenças a fim de poder travar ambas as
lutas eficazmente.
43
sobre os direitos humanos oculta o lado negro de suas origens, desde os
genocídios da expansão europeia até ao Thermidor e o Holocausto.
Por outro lado, as origens conturbadas dos direitos humanos enquanto
“monumento da cultura ocidental” não podem ser vistas apenas da perspectiva
da dominação imperial que eles justificaram; devem sê-lo também a partir do
seu caráter compósito original enquanto artefatos culturais. Os pressupostos
iluministas e racionais dos direitos humanos contêm ressonâncias e vibrações
de outras culturas e as suas raízes históricas estendem-se para além da
Europa. Retoma-se a ideia, então, de que as culturais sempre foram
interculturais, mas as trocas entre elas sempre foram muito desiguais
(colonialismo, imperialismo).
44
diatópica progride. Dentro de uma mesma cultura, deve-se privilegiar para o
diálogo intercultural a faceta que representa o círculo de reciprocidade mais
amplo, a versão que vai mais longe no reconhecimento do outro. Ex: na cultura
ocidental, considerando as versões liberal e social-democrática (marxista ou
não) de direitos humanos, deve ser privilegiada a última porque amplia para os
domínios econômico e social a igualdade que a versão liberal apenas
considera legítima no domínio político.
- de tempos unilaterais a tempos partilhados: o tempo do diálogo
intercultural não pode ser estabelecido unilateralmente; pertence a cada
comunidade cultural decidir quando está pronta para o diálogo intercultural.
- de parceiros e temas unilateralmente impostos a parceiros e temas
escolhidos por mútuo acordo: sempre que uma dada comunidade cultural
decide envolver-se num diálogo intercultural não o faz indiscriminadamente,
com uma qualquer outra comunidade cultural ou para discutir qualquer tipo de
questões. O requisito de que tanto os parceiros como os temas do diálogo não
podem ser unilateralmente impostos e devem antes resultar de acordos mútuos
é talvez a condição mais exigente da hermenêutica diatópica. Esta
hermenêutica diatópica tem de se centrar não nos “mesmos” temas, mas antes
em preocupações isomórficas, em perplexidades e desconfortos que apontam
na mesma direção apesar de formulados em linguagens distintas e quadros
conceituais virtualmente incomensuráveis.
- da igualdade ou diferença à igualdade e diferença: provavelmente todas
as comunidades culturais ou pelo menos as mais complexas distribuem os
indivíduos e os grupos sociais segundo dois princípios de pertença
hierarquizada – trocas sistematicamente desiguais entre indivíduos ou grupos
formalmente iguais, de que é exemplo a exploração capitalista dos
trabalhadores; atribuição de hierarquia entre diferenças consideradas
primordiais, expressa, por exemplo, no racismo e no sexismo – e, portanto,
segundo concepções rivais de igualdade e de diferença. Nestas circunstâncias,
nem o reconhecimento da igualdade nem o reconhecimento da diferença serão
condição suficiente de uma política multicultural emancipatória. O
multiculturalismo progressista pressupõe que o princípio da igualdade
seja prosseguido de par com o princípio do reconhecimento da diferença.
A hermenêutica diatópica pressupõe a aceitação do seguinte imperativo
transcultural: temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza;
temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza (de
novo!).
45
brutalizou ambos, forçando-os a partilhar uma cultura comum de dominação
caracterizada pela produção sistêmica de versões rarefeitas e empobrecidas
de diferentes culturas presentes na zona de contato.
As ciências sociais modernas não escaparam a essa epistemologia de
rarefação e empobrecimento. Nessas condições, a construção de uma
concepção intercultural e pós-imperial de direitos humanos é, em primeiro
lugar, uma tarefa epistemológica. Boaventura então aponta que é necessário
escavar os fundamentos subterrâneos, clandestinos e invisíveis dos direitos
humanos, fundamentos estes que o autor chamará de ur-direitos. Esses ur-
direitos seriam os fundamentos ocultos dos direitos humanos, as
normatividades originárias que o colonialismo ocidental e a modernidade
capitalista suprimiram da maneira mais radical, de forma a erigirem sobre suas
ruínas a estrutura monumental dos direitos humanos fundamentais.
A concepção de ur-direitos ou normatividades originárias é um exercício de
imaginação retrospectiva radical porque consiste em formular negatividades
abissais. Implica denunciar um ato abissal de negativismo no âmago da
expansão colonial, uma negatividade abissal na qual a modernidade ocidental
se baseou para erigir as suas deslumbrantes construções epistemológicas,
políticas, econômicas e culturais. Por isso, os ur-direitos não são direitos
naturais, mas são direitos de naturezas cruelmente desfiguradas que existem
apenas no processo de serem negados e enquanto negações. Reivindicar
esses ur-direitos é abrir o espaço-tempo para uma concepção pós-
colonial e pós-imperial de direitos humanos.
São ur-direitos:
- direito ao conhecimento: a supressão desta normatividade originária foi
responsável pelo epistemicídio massivo a partir do qual a modernidade
ocidental erigiu o seu monumental conhecimento imperial. Num período de
transição paradigmática, a reivindicação desse ur-direito implica
necessariamente o direito a conhecimentos outros. Tais conhecimentos outros
devem ancorar-se numa nova epistemologia do Sul, de um Sul não imperial.
- direito de levar o capitalismo global a julgamento num tribunal mundial : o
capitalismo deve ser responsabilizado pela sua decisiva quota de
responsabilidade na destruição sistêmica do cuidado para com o outro e para
com a natureza. A atribuição de responsabilidades será determinada à luz de
cursos de ação intergeracionais, de longo alcance, tanto na sociedade como na
natureza.
- direito à transformação do direito de propriedade segundo a trajetória do
colonialismo para a solidariedade: uma política cosmopolita insurgente de DHs
deve confrontar abertamente o individualismo possessivo da concepção liberal
de propriedade. Para além do Estado e do mercado, um terceiro campo social
deve ser reinventado: coletivo, mas não centrado no Estado; privado, mas não
vocacionado para o lucro; um campo social que sustente social e politicamente
a transformação solidária do direito de propriedade.
- direito à concessão de direitos a entidades incapazes de terem deveres,
nomeadamente a natureza e as gerações futuras: a supressão desta
normatividade diz respeito à concepção ocidental de direitos humanos no
sentido de que apenas os potenciais sujeitos de deveres tem direito a ser
sujeitos de direito. Esta simetria estreitou o âmbito do princípio da
reciprocidade de tal forma que deixou de fora, em diferentes épocas históricas,
mulheres, crianças, escravos, povos indígenas, natureza e gerações futuras.
46
Uma vez removidos do círculo da reciprocidade, foram transformados em
objetos de propriedade e de cálculos econômicos.
- direito à autodeterminação democrática: Boaventura ilustra o ponto com a
Declaração dos Direitos dos Povos de Argel, um documento não
governamental que parte de uma concepção não-imperial de
autodeterminação. Segundo o autor, tal declaração fornece uma base
adequada para uma concepção mais ampla e profunda do direito à
autodeterminação na medida em que atua como um princípio condutor nas
lutas por uma globalização contra-hegemônica.
- direito à organização e participação na criação de direitos: a supressão
desse ur-direito tem sido o fundamento da norma e da dominação capitalistas.
Sem essa supressão, não seria possível às minorias imporem-se às maiorias
num campo político composto por cidadãos livres e iguais. O direito à
organização é um direito primordial sem o qual nenhum dos outros direitos
poderia ser minimamente viável. Trata-se de um ur-direito primordial no sentido
mais estrito por a sua supressão estar no centro da concepção moderna de
que os direitos fundamentais não tem de ser criados: eles são direitos naturais,
dados, inerentes. Sem a denúncia desta supressão abissal será impossível
organizar todas as solidariedades necessárias contra todos os colonialismos
existentes. O direito originário à organização e o direito originário a criar direitos
constituem duas dimensões inseparáveis do mesmo direito. Variando com as
vulnerabilidades identificáveis dos grupos sociais específicos, a repressão dos
direitos humanos é dirigida à criação de direitos, ou à organização para defesa
ou criação destes mesmos direitos. A repugnância moral divide o Norte global e
o Sul global e, relacionada a ela, a crescimento acelerado do Terceiro Mundo
interior no Norte global (os pobres, os desempregados de longa duração, os
sem-abrigo, os emigrantes sem documentos, os que buscam asilo, os
prisioneiros, bem como as mulheres, as minorias étnicas, as crianças, os gays
e as lésbicas) mostram claramente em que medida a política emancipadora de
direitos humanos se encontra vinculada às políticas de democracia
participativa, apelando, por isso, a uma reconstrução teórica radical da teoria
democrática.
47
diatópica, através da qual a rede de linguagens nativas mutuamente traduzíveis
e inteligíveis da emancipação encontra o seu caminho para uma política
cosmopolita insurgente. Por outro lado, uma reconstrução pós-imperial dos
direitos humanos centrada na desconstrução dos atos massivos de supressão
constitutiva – os ur-direitos, as normatividades originárias – com base nos
quais a modernidade ocidental foi capaz de transformar os direitos dos
vencedores em direitos universais.
Esse projeto pode parecer bastante utópico. É certamente tão utópico
quanto o respeito universal pela dignidade humana. E nem por isso este último
deixa de ser uma exigência ética séria. Como disse Sartre, antes de ser
concretizada, uma ideia apresenta uma estranha semelhança com a utopia.
Nos tempos que correm o importante é não reduzir a realidade apenas ao que
existe.
PONTO 8
Direito internacional dos Direitos Humanos: fontes, classificação,
princípios, características e gerações de direitos humanos. Normas de
interpretação dos tratados de Direitos Humanos.
1. Cite e explique as principais características dos Direitos Humanos
(DH).
A primeira característica apresentada é a universalidade/universalismo,
que significa que os DH tutelam todos os seres humanos, porque todos são
sujeitos ativos desses direitos. Reconhece-se que, a partir do
constitucionalismo, os Estados, isoladamente, passaram a incorporar em suas
legislações, direitos atrelados aos vetores da liberdade, da igualdade e da
solidariedade. Os DH assumiram, assim, o contorno universal porque seu
conjunto essencial foi absorvido pelos Estados Democráticos. Mais adiante
com a institucionalização/internacionalização dos DH, os Estados passaram a
reconhecer, em conjunto, a existência de direitos que extrapolam a existência
interna deles próprios e que são reconhecidos como universais (bem comum
internacional). A internacionalização dos DH obedece a um movimento
pendular, caminha adiante com avanços e retrocessos causado pela
historicidade - consonante à ideia de Dinamogeneses de Perez Luño (segundo
a qual, o conceito de DH sofre variações de acordo com as relações de poder
vigentes no mundo ou em determinado país. O dinamismo causado pela
historicidade do conceito leva a sua variação, passando a depender dos fatores
ou interesses econômicos, políticos e sociais defendidos na sociedade. Esse
movimento é chamado de procedimento elíptico, o que leva à ampliação e à
redução das exigências da dignidade humana, vetor principal de interpretação
dos DH) e ao conceito de historicidade dos DH de Hannah Arendt (os DH não
são um dado, mas um construído, uma invenção humana em constante
processo de construção e reconstrução).
Nesse contexto, aponta-se também a característica da historicidade, que
indica que os DH possuem natureza histórica a partir da mutação sofrida ao
longo do tempo (ideia presente no próprio conceito de DH).
Como consequência do universalismo, encontra-se a inerência, que
expressa a ideia segundo a qual os DH são inatos, são ínsitos ao ser humano
(fundamento jusnaturalista – a existência humana antecede a criação do
Estado e permite a limitação deste ou o seu direcionamento a criação de
condições favoráveis à vida em sociedade). A partir da inerência o direito
48
positivo é transformado, alteram-se os direitos inerentes à dignidade humana,
assim como os textos anteriormente positivados.
Uma quarta e importante característica é a da indivisibilidade,
Interdependência ou complementaridade dos DH, que denota que estes
compõem um único conjunto de direitos não podendo sofrer divisão. Os DH se
complementam e um depende do outro para a concretização da dignidade
humana. Não se permitem interpretações restritivas que levem a
implementação parcial dos direitos. A conclusão inevitável a que se chega é a
de que a realização dos direitos civis e políticos não ocorre sem os direitos
econômicos, sociais e culturais.
OBS “direitos humanos híbridos”: demandam tanto a ação quanto a
omissão estatal (ex: liberdade de locomoção e pessoa com deficiência; direito a
voto; direito à jurisdição etc).
Também aponta-se a inter-relacionalidade, ou seja, os DH e os sistemas
de proteção se inter-relacionam, possibilitando a escolha entre o sistema
regional ou o sistema global.
Outrossim, destaca-se a característica da transnacionalidade, que indica
que os DH são reconhecidos e protegidos em todos os Estados,
independentemente da nacionalidade ou cidadania, sendo assegurados a
qualquer pessoa (mesmo que apátridas).
Elenca-se, ainda, as características da: individualidade (os DH podem ser
exercidos conjuntamente ou por um único sujeito de direitos);
imprescritibilidade (não se perdem pelo não uso, ou decurso do tempo);
inalienabilidade (não podem ser objeto de comercialização, sendo
intransferíveis a qualquer título); indisponibilidade (o ser humano não pode
dispor desses direitos); irrenunciabilidade (não podem ser objeto de
renúncia); inviolabilidade (os atos do Estado, leis infraconstitucionais, as
autoridades e pessoas são limitadas por esses direitos – dever de respeito e
garantia); efetividade (os Estados devem criar mecanismos coercitivos para a
efetivação desses direitos); concorrência (podem ser exercidos de forma
cumulada); limitabilidade (podem sofrer limitação em momentos
constitucionais de crise – ex: sigilo da correspondência no estado de defesa;
liberdade de locomoção e direitos de reunião em estado de sítio).
Por fim, arrola-se a vedação do retrocesso (que também é princípio de
DH e princípio constitucional implícito), uma vez que os DH não se admitem
retrocessos que conduzam a eliminação ou limitação/enfraquecimento (ex:
CADH, art 4°, item 3 – é proibido o reestabelecimento da pena de morte nos
países que a tiverem abolido; PEC 184/2012 – concorrência da assistência
jurídica).
49
ressaltar a historicidade desses direitos, sujeitos às interações políticas,
econômicas, culturais e sociais do tempo, mas ressaltando que não há mera
sucessão cronológica de gerações, causando o encerramento de uma e o
surgimento de outra completamente diferente.
Também nessa esteira, Paulo Bonavides vislumbra que há um processo
cumulativo e qualitativo desses direitos, até porque é proibido o retrocesso,
sendo mais adequado falar-se em dimensões de DH.
50
O Perfil do Estado que se desenvolve é o de intervenção e regulamentação
moderadas, a fim de garantir a igualdade com a eliminação da exclusão social.
Surge o constitucionalismo social ou Estado-social (Welfare State), segundo o
qual os DH devem cumprir uma função social.
Os textos mais relevantes dentre os representativos desta dimensão são:
Constituição francesa – 1848; Constituição mexicana 1917, Constituição de
Weimar – 1919; e o Tratado de Versailles (criou a OIT).
51
forma de preservação do ser humano - ex: lei de biossegurança que assegura
estudos científicos e regula o descarte de material genético.
O brasileiro Paulo Bonavides, por seu turno, elenca os direitos à
democracia, à informação (lei de acesso à informação) e ao pluralismo
(diversidade e participação das minorias), como fazendo parte da quarta
dimensão dos DH. Para o autor, haveria, ainda, uma quinta dimensão dos DH,
que seria responsável pelo direito à paz, o qual, devido a sua importância,
necessitaria de uma dimensão própria para sua proteção e efetivação.
52
As características da “soft law” são: a) disposições genéricas dispostas em
princípios; b) linguagem ambígua ou incerta (ex; colaborar, cooperar...); c)
conteúdo não exigível, ou seja, meras exortações, recomendações...; d)
ausência de coercibilidade ou de mecanismos de responsabilização.
53
16. O que são princípios gerais de direito para o Direito Internacional dos
Direitos Humanos?
Reconhecidos pelo Art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, os
princípios gerais de direito, no contexto do Direito Internacional dos Direitos
Humanos, são aqueles princípios que fazem parte de quase todas as ordens
jurídicas - ex: princípio da proporcionalidade.
Sua função é a de sanar lacunas jurídicas a partir da análise do direito
comparado.
O problema prático que enseja é a baixa densidade do conteúdo e a falta
de consequência jurídica suficientemente determinável que levasse a
obrigações concretas.
54
Destaca-se que o princípio da dignidade humana serve não só para a
interpretação dos DH, mas também para valoração do seu núcleo essencial – a
teoria do núcleo essencial surge após a 2ª Guerra Mundial e é referendada nas
constituições europeias como resposta às ditaduras, impedindo a limitação ou
eliminação de alguns direitos pelo Estado, pelas leis, ou pelo Judiciário.
Importante ressaltar que duas correntes se divergem acerca do preenchimento
do núcleo essencial (ou núcleo intangível): a) corrente absoluta: o vetor
dignidade humana permite a identificação de direitos inatacáveis (critica-se
argumentando que ignora a existência de sacrifício de alguns direitos, ex:
direito de correspondência dos sentenciados); b) corrente relativa: o núcleo
essencial protege os DH de violações desproporcionais em seu conteúdo (R.
Alexy).
Por derradeiro, é mister apontar que a dignidade humana é um predicado,
uma qualidade e não um direito, é intrínseca ao ser humano e o define como
tal, e que, destarte, não pode ser conferida ou não ao indivíduo pelo Estado.
55
mesma norma, deve ser priorizada aquela que melhor garanta a realização da
finalidade do tratado, ou seja, a que garanta a sua maior aplicação.
56
2. Quais são as obrigações estatais assumidas em relação aos tratados
internacionais de direitos humanos? Como estas obrigações são
abordadas em relação à cláusula federal?
Pode-se falar basicamente, em duas ordens/espécies de obrigações
estatais: a) adequação do direito interno e b) respeito e garantia por parte
dos Estados.
Além delas, a sistemática dos direitos econômicos, sociais e culturais prevê
o modelo de realização progressiva.
a) Quanto à adequação normativa, a Corte IDH firmou, em sua OC nº 2
que, ao aprovar os tratados sobre direitos humanos, os Estados se submetem
a uma ordem legal dentro da qual eles, em prol do bem comum, assumem
várias obrigações, não em relação a outros Estados, mas em relação aos
indivíduos sob sua jurisdição. As obrigações incluem a adequação do direito
interno às normas de direito internacional de direitos humanos (art. 2, 2 PIDCP,
art. 2, 1, PIDESC e art. 2º, CADH).
Para Valerio Mazzuoli, quando os Estados assumem TIDHs eles se
autolimitam em sua soberania, o que inclui o dever de adequação normativa –
2 vertentes:
a.1) supressão de normas e práticas de qualquer natureza que contenham
violações das garantias previstas na Convenção (obrigação negativa) e
a.2) expedição de normas e desenvolvimento de práticas que conduzam
à efetiva observância das disposições do TIDH.
Obs: a Corte IDH apontou, na OC nº 7, o caráter autoaplicável da CADH,
que deve ser imediatamente aplicada, inclusive pelos Tribunais, sem qualquer
necessidade de integração legislativa.
Obs.: No caso Gomes Lund e outros VS. Brasil, a Corte IDH reafirmou a
posição já firmada no caso “A última tentação de Cristo” (Olmedo Bulos vs
Chile), no sentido de que a obrigação de adequação de direito interno pode
incluir até mesmo a reforma constitucional.
57
b.2.2) implementação – traz nova subdivisão:
(i) dever de facilitar: exige do Estado uma obrigação de
estruturação, de criação de pressupostos legais, institucionais e
processuais necessários, para possibilitar aos titulares a efetiva
realização de seus direitos. Aqui, inclui-se a exigência de políticas
públicas e planos de ações destinados no plano coletivo à fruição de
direitos.
(ii) dever de prestar: verdadeiro dever prestacional, correspondente
a direito subjetivo (hoje, inclusive DESC), especialmente aqueles
referentes ao mínimo existencial.
3. Ainda no que diz respeito a este dever estatal de dar cumprimento aos
TIDHs a que se vincula, fale sobre o IDC.
O incidente de deslocamento de competência é o mecanismo previsto no
art. 109, § 5º, CF que permite ao PGR requerer ao STJ o deslocamento de
competência para a justiça federal, em qualquer fase do inquérito ou processo,
nos casos de grave violação a direitos humanos, com a finalidade de assegurar
o cumprimento dos TIDHs ratificados pelo BR. Para Carvalho Ramos, pode ser
criminal ou cível. Flávia Piovesan faz a crítica quanto à necessidade de
democratização do acesso ao pedido de deslocamento.
As balizas começaram a ser delineadas pelo STJ nos dois IDCs a ele
submetidos:
- no IDC 2, definiu três pressupostos: existência de grave violação de dh; risco
de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de
obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais e a incapacidade
das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas.
- IDC 1 (Dorothy Stang - negado): confirmou a constitucionalidade do IDC,
proporcionalidade e razoabilidade; todo homicídio é violação grave de dh; IDC
exige demonstração concreta de risco de descumprimento das obrigações
decorrentes de TIDHs, resultante da inércia, negligência, falta de vontade
política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em
proceder à devida persecução penal. O STJ indeferiu esse IDC por entender
que não haveria violação de direitos humanos que implicasse em risco de
responsabilização internacional.
- IDC 2 (Manoel Mattos - deferido): grave violação demonstrada, pois não é
simples homicídio, mas praticado por grupo de extermínio, ferindo as próprias
bases do Estado; risco de responsabilização por já ter havido pronunciamento
da CIDH com expressa recomendação ao BR para adoção de medidas de
proteção a pessoas ameaçadas por tais grupos, nas divisas dos Estados PA e
PE; notória incapacidade das instancias e autoridades locais em oferecer
respostas efetivas, reconhecida a limitação e precariedade dos meios por elas
58
próprias, havendo quase um pronunciamento uníssono em favor do
deslocamento.
Há duas ADIS (3493 e 3486) atacando a EC 45, quanto ao IDC, apontado o
amesquinhamento do pacto federativo e a violação ao juiz natural e due
process. Para Carvalho Ramos, o próprio texto constitucional convive com
instituto semelhante no art. 102, I, CF – deslocamento para STF, no vício de
parcialidade da magistratura. O IDC tem por meta criar cultura de prevenção no
tocante às violações de dhs.
Obs.: IDC 3/GO, crimes graves contra direitos humanos cometidos em
Goiás – procedente; IDC 4/PE – sumariamente extinto porque ajuizado pela
suposta vítima e não PGR e IDC 5/PE, morte de promotor em PE – procedente
(j. 13/08/14).
59
Brasil reconheceu sua responsabilidade por não ter fiscalizado
corretamente (solução amistosa).
b) Atos do poder legislativo: todas as leis, inclusive a Constituição podem
ensejar violação aos direitos humanos e a consequente responsabilização do
Estado. Em geral, não são aceitos casos sem elementos concretos de violação
de direitos humanos, mas já houve situações em que este critério foi
abrandado. Na Corte IDH, destaca-se o Caso Suárez Rosero: questinou-se o
art. 114 do Código Penal do Equador, segundo este dispositivo não seria
necessário o respeito à duração razoável do processo nos casos de tráfico de
drogas.
c) Atos do poder judiciário: a sentença é ato como outro qualquer, apenas
será analisado se aquela sentença, independente de seu conteúdo, viola
tratado internacional.
Dois tipos de sentenças que geram a responsabilidade do Estado:
i. Decisão tardia ou inexistente (monocrática, acórdão,...): processo
demora ou processo sequer existe. A demora impede uma prestação
jurisdicional útil e eficaz.
ii. Decisão por si só violadora: a decisão em seu mérito é injusta e
viola direito internacionalmente protegido. Neste ponto, alegam os
Estados a ‘Teoria da 4ª Instância’, pela qual não pode o órgão
internacional funcionar como espécie de 4ª instância do Poder
Judiciário. Contudo, não é este o papel dos Tribunais Internacionais
O órgão Internacional não analisará o erro judiciário.
É muito comum os Estados alegarem também a coisa julgada como
obstáculo à responsabilização internacional. Contudo, a análise da
responsabilidade do Estado não se sujeita às limitações de um
tribunal nacional, mas somente àquelas impostas pelo Direito
Internacional. Ademais, em análise mais acurada do instituto da
coisa julgada, que fundamenta a imutabilidade das decisões
internas, impossível a utilização em sede internacional, visto que
seria necessária identidade de partes, pedido e causa de pedir entre
a causa local e a internacional, o que não ocorre.
As instâncias internacionais não reformam decisões internas,
apenas condenam o Estado infrator a reparar o dano causado.
Há ainda um tema muito sensível no caso dos atos do poder judiciário, é o
caso da impunidade, que consiste na falta de investigação, persecução
criminal, condenação e detenção dos responsáveis pelas violações de
direitos humanos: há dever estatal de reprimir a impunidade por todos os
meios legais disponíveis, evitando repetições crônicas de violações. O Estado
pode ser também responsabilizado, portanto, pela omissão em punir.
Lembrando que a obrigação de investigar e punir é de meio e não de resultado.
60
a) Reparação integral (restitutio in integrum ou retorno ao status quo
ante): é a melhor fórmula na defesa das normas internacionais. Permite a
completa eliminação da conduta violadora e de seus efeitos, por isso há
preferência sobre a prestação pecuniária. A equivalência pecuniária só deve
ser usada em ultima hipótese, quando impossível o retorno à situação anterior.
Para que todos os efeitos nefastos da violação sejam eliminados, deve haver
reparação do dano emergente e dos lucros cessantes. Destaca-se a atual
compreensão de tais reparações não se resume aos danos ora mencionados,
observa-se ainda a noção de dano ao “projeto de vida”. O projeto de vida é o
conjunto de opções que pode ter o indivíduo para conduzir sua vida e alcançar
o destino a que se propõe. Tal conceito não corresponde à noção patrimonial
derivada imediata e diretamente dos fatos, como na aferição do dano
emergente. Nem nos lucros cessantes, que consistem na perda de ingressos
econômicos futuros. As violações de direitos humanos interrompem o previsível
desenvolvimento do indivíduo, mudando drasticamente o curso de sua vida.
b) Cessação do ilícito: o Estado violador de obrigação internacional deve
interromper imediatamente sua conduta ilícita, sem prejuízo de outras formas
de reparação. A cessação é considerada exigência básica para a completa
eliminação das consequências do fato ilícito internacional.
c) Satisfação: conjunto de medidas, aferidas historicamente, capazes de
fornecer fórmulas extremamente flexíveis de reparação a serem escolhidas, em
face dos casos concretos, pelo juiz internacional. Em geral, três modalidades
de satisfação são escolhidas: (i.) Estado violador reconhece a ilegalidade do
fato e declara seu pesar quanto ao ocorrido, (ii.) fixação de somas nominais e
indenização punitiva (“punitive damages”), sendo toda a quantia apurada
revertida à vítima, (iii.) obrigações de fazer, cuja escolha fica a cargo do juiz
internacional, de forma a reparar adequadamente as vítimas, dentre estas
destacamos a reabilitação (apoio médico e psicológico necessário às vítimas),
estabelecimento de datas comemorativas em homenagem às vítimas e
inclusão em manuais escolares textos relatando as violações de direitos
humanos.
d) Indenização: pagamento em dinheiro, em geral. Utilizada quando não
for possível a eliminação por completo da violação pelo retorno ao status quo
ante. A indenização deve ser utilizada como forma complementar à reparação
integral, se esta for insuficiente para reparar os danos constatados.
e) Garantias de não repetição: Estado garante que a conduta violadora
de obrigação internacional não vai mais se repetir. Apenas nos casos em que
existe risco de repetição da conduta. Pode ser fixado o dever do Estado de
investigar e punir os responsáveis pelas violações.
f) Sanções internacionais: são mecanismos políticos. A comunidade
internacional se junta e sanciona o Estado. Em regra, são políticas, mas podem
ser econômicas. O problema é que normalmente quem sofre com essas
sanções é a população vulnerável do Estado violador.
61
A sanção unilateral ou contramedida consiste em conduta de um Estado,
que, se não fosse justificada como reação à prévia violação de obrigação
internacional por outro Estado, seria, por seu turno, ilícita em face do Direito
Internacional. O uso de contramedidas na defesa de direitos humanos é
polêmico e questionável, pois há evidente perigo de abuso por parte do Estado
mais forte, redundando em seletividade e ‘double standard’.
A sanção coletiva decorre de organizações internacionais e visa coagir os
Estados infratores a cumprir obrigações internacionais violadas. Ou seja, toda
medida adotada por organismos internacionais em reação à violação prévia de
obrigação internacional, quer tenha a medida caráter de mera retorsão (dano
aos interesses do Estado infrator, mas lícita aos olhos do direito internacional)
ou de represálias (medida que seria ilícita, se não tivesse sido tomada em
reação ao comportamento ilícito anterior do Estado infrator). Ex: No caso
interamericano, que interessa ao Brasil, cabe lembrar que o golpe haitiano foi o
impulso final para a redação do Protocolo de Washington de 14 de dezembro
de 1992, que reformou a Carta da OEA. Graças a esse Protocolo, deu-se nova
redação ao art. 9º da Carta, permitindo suspender qualquer Estado membro
cujo governo tenha sido destituído pela força, por maioria de dois terços.
A pressão moral ou social (mobilisation de la honte), por sua vez, decorre
de Estados ou da chamada ‘opinião pública mundial’. É a pressão moral ou
política de grupos de Estados, em face de outros Estados, apesar de não ser
vinculante, pode ser útil para convencer o Estado infrator a adotar medidas
reparadoras de violação dos direitos humanos.
62
Para a Corte IDH, o art. 68, da CADH traz duas regras de execução: a
primeira, de que a execução depende da normatividade interna – cabe a cada
Estado escolher a melhor forma de acordo com seu direito e a segunda prevê a
utilização de regras internas de execução de sentenças nacionais contra o
Estado para a execução da parte indenizatória.
63
atividades do aparelho de repressão da ditadura militar na Guerrilha do
Araguaia e mesmo disponibilizar tratamento médico adequado aos familiares
das vítimas – idem para publicação da sentença e outras espécies de
satisfação.
64
Como todo ato estatal, decisão judicial transitada em julgado é passível de
ser analisada pelos órgãos internacionais quanto a sua compatibilidade com os
dispositivos do direito internacional de direitos humanos.
O órgão internacional que constata a responsabilidade internacional do
Estado não possui caráter de tribunal de apelação ou cassação, contra o qual
pode ser oposta a exceção da coisa julgada. A natureza jurídica de direito
internacional redunda na ausência de hierarquia entre o tribunal local e o órgão
internacional. Esta separação é justamente para evitar que eventuais exceções
processuais de direito interno sejam utilizadas para tolher o exercício da
jurisdição internacional. Além disso, na jurisdição internacional, as partes, e o
conteúdo da controvérsia são, por definição, distintos dos da jurisdição interna.
Obs.: na Europa, a preocupação em implementar decisões internacionais em
choque com decisões judiciais internas tem suscitado o estudo do uso de
instrumentos similares à ação rescisória.
Com a inclusão de decisão internacional como nova hipótese de cabimento
da rescisória, seria superada a eventual impossibilidade de fazer cumprir
decisão internacional, em face do princípio interno do respeito à coisa julgada.
Entretanto, André Carvalho considera não ser necessária a modificação
legislativa. Isto porque a decisão internacional é a constatação da
responsabilidade internacional do Estado por violação de direitos humanos,
devendo o Estado, por mandamento constitucional, implementar a sentença –
art. 5º, §§ 2º e 3º, CF e 7º, ADCT.
Seria possível a implementação do comando pelo próprio Executivo, pois a
decisão interna não conflita com a internacional (teoria do duplo controle) e, na
sua inércia, cabível provocação pela vítima ou pelo MP.
Devemos pensar que, no limite, o Judiciário nacional também depende de
legitimidade social e a erosão desta legitimidade pelo desrespeito aos dh é um
cenário extremamente grave para qualquer julgador.
Obs.: André C. Ramos dá destaque ao papel do MP na implementação das
decisões internacionais, utilizando-se de seus poderes judiciais e extrajudiciais
de instrumentos como ACP, ação penal pública, ação de improbidade, IDC,
controle abstrato de constitucionalidade etc.
Importante ressaltar, que a Defensoria Pública também tem legitimidade para
atuação em matéria de direitos coletivos em sentido lato, podendo assumir o
papel na implementação de decisões condizentes com sua missão institucional.
PONTO 10
O controle de convencionalidade.
1. Conceitue o que é Controle de Convencionalidade.
O controle de convencionalidade pode ser conceituado como a análise da
compatibilidade das normas internas às normas de tratados internacionais de
Direitos Humanos ratificados pelo Brasil e do cumprimento das obrigações
estatais em virtude desses tratados. O controle não pode se limitar a
meramente citar o texto das convenções, mas deve observar a interpretação
realizada pelos órgãos internacionais de Direitos Humanos instituídos pelos
tratados.
66
seguir sua própria interpretação. Esse fenômeno foi chamado por André de
Carvalho Ramos de “truque de ilusionista” e cria “tratados internacionais
internos”, na medida em que prestigia a interpretação doméstica, por vezes,
apartada e conflitante com a interpretação realizada pelo interprete autentico.
Por meio do “truque de ilusionismo” os tratados de direitos humanos são
transformados em verdadeiras peças de retórica, em direitos de papel.
67
jurisdições (STF – artigo 102 CF e Tribunal Internacional de Direitos Humanos
– artigo 7º ADCT). Caracterizado o fracasso ou insuficiência da teoria “diálogo
das cortes”, o interprete pode lançar mão da teoria do duplo controle (ou duplo
crivo) de direitos humanos para tentar solucionar a divergência entre a
jurisprudência nacional e a internacional. Segundo essa teoria, os direitos
humanos possuem no Brasil uma dupla garantia: controle abstrato de
constitucionalidade, exercido pelo Supremo Tribunal Federal, e o controle de
convencionalidade autêntico, exercido pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Assim, com base na teoria do duplo controle de direitos humanos,
seria possível dirimir uma eventual controvérsia aparente entre uma decisão do
Supremo Tribunal Federal e uma decisão da Corte Interamericana de Direitos
Humanos; seria necessário para tanto que o entendimento esposado por
ambas as Cortes respeite ao mesmo tempo o crivo da constitucionalidade e o
crivo da convencionalidade. Vejamos a lição do criador da teoria do duplo
controle, André de Carvalho Ramos: “De um lado, o STF, que é o guardião da
Constituição e exerce o controle de constitucionalidade. Por exemplo, na ADPF
153 (controle abstrato de constitucionalidade), a maioria dos votos decidiu que
o formato amplo de anistia foi recepcionado pela nova ordem constitucional.
Por outro lado, a Corte de San José é guardiã da Convenção Americana de
Direitos Humanos e dos tratados de direitos humanos que possam ser
conexos. Exerce, então, o controle de convencionalidade. Para a Corte IDH, a
Lei da Anistia não é passível de ser invocada pelos agentes da ditadura. Com
base nessa separação, é possível dirimir o conflito aparente entre uma decisão
do STF e da Corte de San José. Assim, ao mesmo tempo em que se respeita o
crivo de constitucionalidade do STF, deve ser incorporado o crivo de
convencionalidade da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Todo ato
interno (não importa a natureza ou origem) deve obediência aos dois crivos.
Caso não supere um deles (por violar direitos humanos), deve o Estado envidar
todos esforços para cessar a conduta ilícita e reparar os danos causados. No
caso da ADPF 153 houve o controle de constitucionalidade. No caso Gomes
Lund, houve o controle de convencionalidade. A anistia aos agentes da
ditadura, para subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas
só passou (com votos contrários, diga-se) por um, o controle de
constitucionalidade. Foi destroçada no controle de convencionalidade. Cabe,
agora, aos órgãos internos (Ministério Público, Poderes Executivos, Legislativo
e Judiciário) cumprirem a sentença internacional. A partir da teoria do duplo
controle, agora deveremos exigir que todo ato interno se conforme não só ao
teor da jurisprudência do STF, mas também ao teor da jurisprudência
interamericana, cujo conteúdo deve ser estudado já nas Faculdades de Direito
”. Ainda sobre a teoria do duplo controle, é importante ressaltar que o Ministério
Público Federal adota essa teoria, conforme o parecer do PGR na ADPF 320,
que será julgada pelo Supremo Tribunal Federal em um futuro próximo.
68
pelas cortes internas e de acordo com a legislação doméstica, os costumes,
princípios morais, diretrizes econômicas, sociais e culturais do Estado parte, o
qual teria, deste modo, uma margem para apreciar o caso posto. Essa teoria
revela o velho conflito entre universalismo e relativismo cultural. A Corte
Interamericana não adota a teoria da margem de apreciação e até mesmo no
sistema europeu a teoria vem tendo seu alcance reduzido.
11. Candidato, me detalhe melhor esse caso Gomes Lund vs. Brasil.
Excelência, o caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, popularmente
conhecido como “caso Guerrilha do Araguaia”, versa sobre a responsabilidade
do Estado brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento
69
forçado de aproximadamente setenta pessoas, entre elas integrantes do PCB
(Partido Comunista Brasileiro) e camponeses da região do Araguaia, situada no
Estado do Tocantins, entre 1972 e 1975. A maioria das vítimas desaparecidas
integrava (ou pelo menos havia uma suspeita de que o fizessem) o movimento
de resistência intitulado “Guerrilha do Araguaia”, conhecido por realizar atos de
resistência e oposição aos militares. Naquela época, o governo do Estado
brasileiro implementou ações com o objetivo de exterminar todos os integrantes
do movimento “Guerrilha do Araguaia”, no que obteve êxito. Ocorre que, no dia
28 de agosto de 1979, o Brasil aprovou a Lei Federal nº 6.683, popularmente
conhecida como “Lei da Anistia”. Esse diploma normativo perdoou todos
aqueles que haviam cometidos crimes políticos ou conexos com eles no
período da ditadura militar, o que acabou gerando a irresponsabilidade de
todos os agentes do Estado brasileiro que participaram dos massacres
ocorridos no período da ditadura, inclusive em relação aos fatos ocorridos na
região do Araguaia. A controvérsia chegou até a Comissão Americana de
Direitos Humanos no dia 07 de agosto de 1995, através de petição
apresentada pelo Centro de Justiça e de Direito Internacional (CEIJL) e
também pela organização não-governamental Human Rights Watch, em nome
dos familiares dos desaparecidos na região do Araguaia. No dia 21 de
novembro de 2008, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou
um relatório de mérito sobre o feito, com o propósito de que o Brasil adotasse
suas recomendações. O prazo foi prorrogado duas vezes sem que o Estado se
manifestasse sobre o caso, o que levou a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos a submeter o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A
Comissão pugnou pela responsabilização do Estado brasileiro pela violação
dos seguintes dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos:
artigo 3º (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), artigo 4º (direito
à vida), artigo 5º (direito à integridade pessoal), artigo 7º (direito à liberdade
pessoal), artigo 8º (garantias judiciais), artigo 13 (liberdade de pensamento e
de expressão) e artigo 25 (proteção judicial). A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos ainda fez referência à promulgação da Lei da Anistia no
Estado brasileiro, que ocasionou a não-realização da investigação penal e do
cumprimento do dever de perseguir e julgar os responsáveis pelos massacres
no caso Gomes Lund vs. Brasil. O Estado Brasileiro alegou quatro exceções
preliminares, postulando que a Corte: a) não poderia atuar como uma “quarta
instância” diante do Judiciário Brasileiro; b) declarasse a sua incompetência,
em razão dos fatos ocorridos no caso “Guerrilha do Araguaia” terem ocorrido
antes da aceitação da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos
pelo Brasil (cláusula ratione temporis); c) a falta de interesse processual dos
representantes das vítimas no caso; d) a falta do esgotamento dos recursos
administrativos. Entretanto, nenhuma destas exceções foi acolhida pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, que passou a julgar o mérito da causa.
No mérito, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu por
unanimidade que: “3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem
a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são
incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não
podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do
caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco
podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves
violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana
70
ocorridos no Brasil. 4. O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado
e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade
jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos
artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em
relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas
indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o
exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma. 5. O Estado descumpriu a
obrigação de adequar seu direito interno à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, contida em seu artigo 2, em relação aos artigos 8.1, 25 e
1.1 do mesmo instrumento, como consequência da interpretação e aplicação
que foi dada à Lei de Anistia a respeito de graves violações de direitos
humanos. Da mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos
direitos às garantias judiciais e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e
25.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos
artigos 1.1 e 2 desse instrumento, pela falta de investigação dos fatos do
presente caso, bem como pela falta de julgamento e sanção dos responsáveis,
em prejuízo dos familiares das pessoas desaparecidas e da pessoa executada,
indicados nos parágrafos 180 e 181 da presente Sentença, nos termos dos
parágrafos 137 a 182 da mesma. 6. O Estado é responsável pela violação do
direito à liberdade de pensamento e de expressão consagrado no artigo 13 da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com os artigos 1.1,
8.1 e 25 desse instrumento, pela afetação do direito a buscar e a receber
informação, bem como do direito de conhecer a verdade sobre o ocorrido. Da
mesma maneira, o Estado é responsável pela violação dos direitos às
garantias judiciais estabelecidos no artigo 8.1 da Convenção Americana, em
relação com os artigos 1.1 e 13.1 do mesmo instrumento, por exceder o prazo
razoável da Ação Ordinária, todo o anterior em prejuízo dos familiares
indicados nos parágrafos 212, 213 e 225 da presente Sentença, em
conformidade com o exposto nos parágrafos 196 a 225 desta mesma decisão.
7. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal,
consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,
em relação com o artigo 1.1 desse mesmo instrumento, em prejuízo dos
familiares indicados nos parágrafos 243 e 244 da presente Sentença, em
conformidade com o exposto nos parágrafos 235 a 244 desta mesma decisão
10 ”. Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que a
sua sentença constitui per se uma forma de separação, além de outras
medidas que devem ser tomadas pelo Brasil como forma de reparação no caso
Gomes Lund e Outros vs. Brasil. São elas: 1. O Estado deverá conduzir
eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso, esclarecer,
responsabilizar penalmente e aplicar sanções e consequências dispostas em
lei; 2. Determinar os autores materiais e intelectuais do desaparecimento
forçado das vítimas e da execução extrajudicial; 3. O Estado não poderá aplicar
a lei de anistia em benefício dos autores, ou qualquer excludente similar de
responsabilidade para eximir-se da obrigação; 4. As autoridades que realizarão
as investigações disponham de todos os recursos necessários para realizá-las
da melhor forma possível, as pessoas que participem da investigação recebam
a devida segurança, não sejam realizados atos que prejudiquem o processo
investigativo; 5. Que os supostos responsáveis militares sejam julgados em
jurisdição ordinária e não em jurisdição militar; 6. O resultado dos processos
deverá ser publicamente divulgado, para que a sociedade brasileira conheça os
71
fatos, objeto do presente caso; 7. O Estado deve esforçar-se para que, com
brevidade, sejam encontrados os restos mortais das vítimas da Guerrilha do
Araguaia. O Estado também deve ser encarregado de custear possíveis
despesas funerárias; 8. Conceder o prazo de seis meses, contados a partir da
notificação da sentença para requerer atendimento psicológico e psiquiátrico,
que deverá ser prestado por entidades públicas, na localidade mais próxima à
vítima, e os medicamentos necessários; 9. A sentença deverá ser publicada no
Diário Oficial e também em um jornal de grande circulação nacional. A
sentença ainda deve ser publicada em formato de livro eletrônico na internet;
10. Deve ser realizado um ato público para o reconhecimento de
responsabilidade internacional, no prazo de um ano após a publicação da
sentença, na presença de altas autoridades nacionais, com cobertura do
evento pela imprensa; 11. O Estado brasileiro deverá implementar, em prazo
razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos
humanos em todos os níveis das forças armadas; 12. Realizar a tipificação do
delito de desaparecimento forçado; 13. O Estado brasileiro deverá adotar
medidas legislativas que reforcem o acesso à informação da população; 14.
Realizar a criação de uma Comissão da Verdade para que se investigue e se
faça conhecer toda a verdade sobre os fatos ocorridos no período da ditadura
militar; 15. O pagamento da quantia de US$ 3.000,00 (três mil dólares) para
cada familiar da vítima pelo dano material; 16. O pagamento da quantia de US$
45.000,00 (quarenta e cinco mil dólares) para cada familiar direto e de US$
15.000,00 (quinze mil dólares) para cada familiar indireto; 17. O pagamento de
US$ 5.000,00 (cinco mil dólares) aos familiares e US$ 35.000,00 (trinta e cinco
mil dólares) a favor do grupo “Tortura Nunca Mais” da Comissão de Familiares
de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo e do Centro pela Justiça e o
Direito Internacional, respectivamente a título de custas e gastos. No dia 21 de
outubro de 2008, o Conselho Federal da OAB ajuizou uma ADPF almejando
conferir interpretação conforme a Constituição para que a Lei da Anistia
brasileira fosse interpretada no sentido de excluir os agentes da ditadura militar
dos seus efeitos. Em síntese, o Conselho Federal da OAB invocou preceitos
fundamentais constitucionais como o princípio da igualdade, o direito à
verdade, o princípio republicano e a dignidade da pessoa humana. Ocorre que,
no dia 28 de abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a
demanda proposta pelo CFOAB. Segundo o Pretório Excelso, a Lei da Anistia
deve ser aplicada aos atos criminosos cometidos pelos agentes da ditadura. Já
no dia 24 de novembro de 2010, quase sete meses após a decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 153, a Corte Interamericana de
Direitos Humanos julgou o caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, reconhecendo
a invalidade da Lei de Anistia brasileira e condenando o Estado brasileiro a
investigar e punir os agentes da ditadura militar pelas graves violações de
direitos humanos ocasionadas na região do Araguaia durante o período
ditatorial. Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, são
incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos todas as
anistias de graves violações de direitos humanos e não somente as
“autoanistias”. Desse modo, restou instalada uma divergência entre a
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Supremo
Tribunal Federal.
72
A teoria da quarta instância é comumente sustentada pelos estados como
exceção preliminar. O Brasil invocou tal defesa no caso Gomes Lund. Vs
Brasil. A mencionada defesa consiste em sustentar que a Corte Interamericana
não pode funcionar como uma instância revisora das decisões internas,
convertendo-se, deste modo, em uma quarta instância. No caso Gomes Lund.
Vs. Brasil, a exceção alegada pelo Estado brasileiro não foi acolhida pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, sob o argumento de que não há qualquer
hierarquia entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de
Direitos Humanos. O que deve haver é uma relação de diálogo,
complementaridade e reciprocidade, mas jamais de hierarquia. A Corte IDH
não possui o intuito de revisar as decisões das cortes internas, mas apenas de
realizar o controle de convencionalidade das leis em face da Convenção
Americana de Direitos Humanos. Desse modo, a Corte Interamericana de
Direitos Humanos não pode ser rotulada como uma “quarta instância” perante
a hierarquia do Judiciário, seja ele brasileiro ou de outro Estado-membro da
Convenção Americana de Direitos Humanos.
13. A doutrina afirma que o caso Gomes Lund vs. Brasil se refere à
Justiça de Transição. Me explique o que é justiça de transição.
Entende-se por justiça de transição (ou “transitional justice”) um conjunto
de mecanismos judiciais ou extrajudiciais utilizados por uma sociedade como
um ritual de passagem à ordem democrática após graves violações de direitos
humanos por regimes autoritários e ditatoriais, de forma que se assegure a
responsabilidade dos violadores de direitos humanos, o resguardo da justiça e
a busca da reconciliação. Assim, a justiça de transição compreende diversas
práticas administrativas e judiciais que visam deslegitimar o regime
antidemocrático anterior, como por exemplo, prover indenizações aos familiares
das vítimas, responsabilizar o Estado pelos abusos cometidos, etc.
Historicamente, o conceito de “justiça de transição” e suas quatro dimensões é
de autoria do Conselho de Segurança da ONU. Vejamos o conceito Onusiano
proferido por Jorge Chediek, representante residente do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e coordenador residente do Sistema
ONU Brasil: “Para a família da ONU, justiça de transição é o conjunto de
mecanismos usados para tratar o legado histórico da violência dos regimes
autoritários. Em seus elementos centrais estão a verdade e a memória, através
do conhecimento dos fatos e do resgate da história. Se o Desenvolvimento
Humano só existe de fato quando abrange também o reconhecimento dos
direitos das pessoas, podemos dizer que temos a obrigação moral de apoiar a
criação de mecanismos e processos que promovam a justiça e a reconciliação.
No Brasil, tanto a Comissão de Anistia quanto a Comissão da Verdade
configuram-se como ferramentas vitais para o processo histórico de resgate e
reparação, capazes de garantir procedimentos mais transparentes e eficazes.
É papel da ONU, como agente de mudança e de transformação, sensibilizar e
predicar àqueles que não compartilham destes ideais a importância da
construção e do respeito aos Direitos Humanos, pedra fundamental sobre a
qual está edificada a Carta das Nações Unidas. É através desse prisma que os
ideais de um mundo mais justo e pacífico devem ser concretizados. Justiça,
paz e democracia não são objetivos que se excluem. Ao contrário, são
imperativos que se reforçam.
73
14. Quais são as dimensões da justiça de transição?
O Conselho de Segurança da ONU definiu quatro práticas para lidar com o
regime de exceção. A doutrina costuma chamar essas facetas de “dimensões”.
São elas: a) direito à memória e à verdade; b) direito à reparação das vítimas
(e seus familiares); c) o adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no
passado; d) a reforma das instituições para a democracia. O Direito à verdade
e à memória: O direito à verdade e à memória nada mais é do que uma busca
de toda informação ou esclarecimento de interesse público para que a
população que saiba o que realmente aconteceu ou não durante o período do
regime antidemocrático. Essa faceta da justiça de transição pode ser
concretizada através de medidas administrativas, resguardando a história do
país afetado pelo regime antidemocrático, e também através de ações judiciais
que visem obter a devida reparação pelos danos sofridos no regime
antidemocrático, bem como responsabilizar os responsáveis pelas violações de
direitos humanos. Nessa linha, André de Carvalho Ramos esclarece que o
direito à verdade e à memória é dotado de uma dupla finalidade. Vejamos o
esclarecimento do autor: “O direito à verdade consiste na exigência de toda
informação de interesse público, bem como exigir o esclarecimento de
situações inverídicas relacionadas a violações de direitos humanos. Tem dupla
finalidade: o conhecimento e também o reconhecimento das situações,
combatendo a mentira e a negação de eventos, o que concretiza o direito à
memória. […] O direito à verdade é concretizado tanto na sua faceta histórica,
mediante Comissões da Verdade, quanto na sua faceta judicial (fruto das
ações judiciais – cíveis e criminais – de punição dos agentes responsáveis)”.
Direito à reparação das vítimas: Essa dimensão da justiça de transição pode
ser realizada tanto pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto pelo
próprio Judiciário brasileiro. O direito à reparação das vítimas pode ocorrer de
inúmeras maneiras, tais como: a publicação da sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no Diário Oficial da União como pedido de
desculpas; a descoberta do que efetivamente ocorreu no período do regime
antidemocrático; a localização dos corpos das vítimas do delito de
desaparecimento forçado no período ditatorial; a concessão de indenizações
para os familiares das vítimas, etc. No caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, a
Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro a
indenizar diversos familiares das vítimas desaparecidas na região do Araguaia.
Além disso, e como concretização do direito à reparação das vítimas (e seus
familiares), o Judiciário brasileiro vem entendendo que a Lei de Anistia não
pode ser estendida à esfera civil, o que possibilita que as pessoas suspeitas de
cometer atos ilícitos no período entre 1961 e 1979 possam ser demandadas na
justiça para que reparem seus danos. Assim, a Lei de Anistia não obsta à
propositura de ações indenizatórias e o entendimento do STJ de que as
pretensões reparatórias por violações a direitos humanos consubstanciadas em
tortura são imprescritíveis. O STJ entende que a anistia, na forma como
outorgada, afastou a possibilidade de persecução penal dos autores de graves
violações a direitos humanos, mas os efeitos cíveis dessas violações
remanescem, sendo reiteradamente reconhecidos pela via administrativa e
judicial. Tanto é assim que o direito às indenizações continua a ser
reiteradamente reconhecido, seja na via administrativa, seja na via judicial,
revelando-se plenamente hígido, com fundamento em uma interpretação
sistemática e teleológica, humanista e democrática, a pretensão declaratória de
74
responsabilidade pelos danos morais advindos de atos de tortura ser formulada
individualmente em face daquele que foi beneficiado penalmente pela anistia.
O adequado tratamento jurídico aos crimes cometidos no passado, que impõe
a investigação, processo e punição dos agentes da ditadura que cometeram
graves violações de direitos humanos durante a ditadura. Reforma das
instituições para a democracia: Desde o advento da Constituição Federal de
1988, o Brasil vem em uma crescente para o cumprimento dessa dimensão da
justiça de transição. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no Brasil o
que muitos entendem como o regime mais democrático de toda a história
brasileira. Nesta linha, as próprias Forças Armadas passaram por um processo
de reformulação e democratização desde o fim do período ditatorial.
Atualmente, a liberdade de expressão, a liberdade de ir e vir, o direito de
reunião e o direito de associação, estão consagrados como direitos
fundamentais e não podem sofrer limitação arbitrária por parte do Estado.
Entretanto, se reconhece que o Brasil ainda pode melhorar seu regime
democrático, principalmente no que tange a concretização de direitos sociais.
15. Foi ajuizada uma outra ADPF sobre versando sobre a Lei da Anistia e
o caso Gomes Lund vs. Brasil. Me fale sobre essa ação.
Irresignado com a postura do Estado brasileiro diante da inércia e do não-
cumprimento da decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, o Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL) ingressou no dia 15 de maio de 2014 com uma ADPF no
Supremo Tribunal Federal para que a corte máxima do Judiciário brasileiro
reconheça a validade e o efeito vinculante da decisão proferida pela Corte IDH
no caso da Guerrilha do Araguaia. Embora possa parecer um tanto confuso,
não há que se falar em qualquer conflito entre a ADPF 153 (já julgada pelo
Supremo Tribunal Federal) e a ADPF 320 proposta pelo PSOL em 2014, visto
que são ações com pretensões diversas. O objetivo da ADPF 153, proposta
pelo Conselho Federal da OAB, era que o STF adotasse uma interpretação da
Lei de Anistia, nos conformes da Constituição, de forma a excluir do alcance de
sua proteção os agentes da ditadura. O STF decidiu pela improcedência da
primeira ADPF. Já na ADPF 320, o objetivo da demanda é obter do Supremo
Tribunal Federal o reconhecimento da validade e do caráter vinculante da
decisão proferida no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. Assim, não há que
se falar em qualquer conflito ou violação ao princípio do ne bis in idem neste
caso.
PONTO 11
O direito da autodiscriminação: discriminação direta e indireta e ações
afirmativas.
1. Qual o conceito de discriminação indireta? No que se difere da
discriminação direta?
Roger Raupp Rios, em sua obra “Direito da Antidiscriminação”, ao tratar da
discriminação indireta, explica que ocorre uma discriminação indireta,
(“disparate impact”), quando um ato aparentemente neutro e igualitário tem o
efeito de colocar indivíduos ou grupos de desvantagem ou em perda de
direitos. Enquanto na discriminação direta há um ato volitivo de discriminar, de
retirar direitos ou colocar um grupo em desvantagem, na discriminação indireta
essa vontade não existe ou não é detectável, porém do ato resultam essas
75
consequências negativas. A “Convenção Internacional sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação racial” prevê especialmente a hipótese de
discriminação indireta4.
4
“Na presente Convenção, a expressão "discriminação racial" significa qualquer distinção,
exclusão, restrição ou preferência fundadas na raça, cor, descendência ou origem nacional ou
étnica que tenha por fim ou efeito anular ou comprometer o reconhecimento, o gozo ou o
exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais
nos domínios político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida
pública.”
5
Legalização do aborto e constituição.
6
Nas palavras de Barry Fizpatrick, “desde o desenvolvimento do princípio do impacto
desproporcional pela Suprema Corte norte-americana, os regimes de igualdade também vieram
a incorporar o que hoje é conhecido na Europa como princípio da discriminação indireta,
através do qual políticas e práticas aparentemente neutras abrem-se a questionamentos, com
base no seu impacto desproporcional sobre um gênero. A batalha entorno da amplitude do
princípio da discriminação indireta é vital para o desenvolvimento dos objetivos da igualdade, já
que é um princípio mais intrusivo do que o da discriminação direta”
76
Roger Raupp Rios apresenta a evolução do conceito de ações afirmativas,
entendida inicialmente como “conjunto de medidas, conscientes do ponto de
vista racial, visando a beneficiar minorias raciais em situação de desvantagem
social, decorrente de discriminação disseminada nas esferas social e estatal”.
Contemporaneamente, “passou a ser conceituada como o uso deliberado de
critérios raciais, étnicos ou sexuais com o propósito específico de beneficiar um
grupo em situação de desvantagem prévia ou de exclusão, em virtude de sua
respectiva condição racial, étnica ou sexual”.
Ações afirmativas são, portanto, medidas adotadas com o fim de beneficiar
grupos em situação de desvantagem ou exclusão em virtude de uma condição
que, de algum modo, cause, sob o ponto de vista social, aquela situação de
desvantagem ou exclusão.
As ações afirmativas buscam a realização de igualdade fática ou real entre
grupos a partir de medidas formalmente desiguais, visando evitar ou pelo
menos atenuar os efeitos da discriminação passada e/ou presente, atual.
Define-se discriminação positiva o instituto jurídico que busca, através de
adequada tipificação, trazer equilíbrio social ao estabelecer garantias a
determinados segmentos sociais que, por razões históricas e/ou sociológicas,
foram mantidos à periferia da contemplação de direitos constitucionais básicos,
onde, por vezes, ocorreu mitigação do pleno exercício da cidadania oriunda de
tal negligência. Grande parte da doutrina jurídica costuma igualar este instituto
ao da ação afirmativa. Entretanto, os que as diferenciam apontam que na
discriminação positiva se verifica uma imposição legal mais explícita.
Ação afirmativa não é sinônimo de Cota, as políticas públicas afirmativas
comportam diversos programas, dentre eles os sistemas de cotas, ou seja,
ação afirmativa é gênero, do qual o sistema de cotas é apenas espécie. Além
do sistema de cotas, também existem outras opções que podem ser
consideradas importantes para efetivação das ações afirmativas, como o
método do estabelecimento de preferências, o sistema de bônus e os
incentivos fiscais.
Sob quais prismas os objetivos das ações afirmativas podem ser
compreendidos?
Segundo Flavia Piovesan as ações afirmativas devem ser compreendidas
não somente pelo prisma retrospectivo — no sentido de aliviar a carga de um
passado discriminatório —, mas também prospectivo — no sentido de fomentar
a transformação social, criando uma nova realidade. As ações afirmativas
objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da igualdade
substantiva por parte de grupos socialmente vulneráveis, como as minorias
étnicas e raciais, dentre outros grupos.
Joaquim Barbosa explica que ações afirmativas são um conjunto de
políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário,
concebidas com vista ao combate à discriminação racial, de gênero e de
origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação
praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva
igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.
77
reverter esse quadro, politicamente constrangedor e responsável pela eclosão
de tensões sociais desagregadoras, proeminentes lideranças políticas indianas
do século passado, entre as quais o patrono da independência do país,
Mahatma Gandhi, lograram aprovar, em 1935, o conhecido Government of
India Act.
Aponta-se também, em meados do século XX a promulgação pelo
Congresso dos EUA de leis dos direitos civis, editando-se a lei sobre igualdade
de salário.
78
9. Explique os conceitos de redistribuição e reconhecimento de
identidades.
Para Nancy Fraser, a justiça exige, simultaneamente, redistribuição e
reconhecimento de identidades. No mesmo sentido, Boaventura de Souza
Santos afirma que apenas a exigência do reconhecimento e da redistribuição
permite a realização da igualdade.
O direito à redistribuição requer medidas de enfrentamento da injustiça
econômica, da marginalização e da desigualdade econômica, por meio da
transformação nas estruturas socioeconômicas e da adoção de uma política de
redistribuição. O direito ao reconhecimento requer medidas de enfrentamento
da injustiça cultural, dos preconceitos e dos padrões discriminatórios, por meio
da transformação cultural e da adoção de uma política de reconhecimento. É à
luz desta política de reconhecimento que se pretende avançar na reavaliação
positiva de identidades discriminadas, negadas e desrespeitadas; na
desconstrução de estereótipos e preconceitos; e na valorização da diversidade
cultural. Como leciona Boaventura de Souza Santos: “temos o direito a ser
iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser
diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de
uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não
produza, alimente ou reproduza as desigualdades”.
79
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher 8; Convenção sobre os
Direitos da Pessoa com Deficiência9.
indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais
grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais,
contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos
separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus
objetivos.
8
1.4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único
objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de
indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais
grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais,
contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos
separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus
objetivos.
9
Art. 27.1.h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante
políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e
outras medidas;
80
13. Qual a importância das cotas para ingresso na Universidade?
A universidade é um espaço de poder, já que o diploma pode ser um
passaporte para ascensão social. É fundamental democratizar o poder e, para
isto, há que se democratizar o acesso ao poder, vale dizer, o acesso ao
passaporte universitário. Segundo Min. Lewandowski é certo afirmar, ademais,
que o grande beneficiado pelas políticas de ação afirmativa não é aquele
estudante que ingressou na universidade por meio das políticas de reserva de
vagas, mas todo o meio acadêmico que terá a oportunidade de conviver com o
diferente ou, nas palavras de Jürgen Habermas, conviver com o outro.
81
em seu parecer os critérios de fenotipia do candidato ou do (s) seu (s)
ascendente (s) indígena (s) ou preto (s) de primeiro grau, o que poderá ser
comprovado também por meio de documentos complementares.
A fim de subsidiar a decisão do Presidente da Banca Examinadora, deverá
ser realizada entrevista com todos os candidatos indicados. Durante a aferição,
o Presidente da Banca Examinadora ainda contará com o apoio de Comissão
Especial, com caráter consultivo. Sobrevindo decisão do Presidente da Banca
Examinadora que não reconheça a condição de negro ou indígena, ou que não
compareça à convocação o candidato será excluído da lista
específica, permanecendo somente na lista geral. Dessa decisão não cabe
recurso.
Observa-se que o candidato negro ou indígena que também seja pessoa
com deficiência poderá concorrer concomitantemente às vagas e, caso seja
aprovado em mais de um grupo, será chamado para ocupar a vaga a que
corresponde a maior nota exigida.
82
na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver
condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes
deu origem.
PONTO 12
O sistema internacional de proteção e promoção dos Direitos Humanos:
Organização das Nações Unidas (ONU). Declarações, tratados,
resoluções, comentários gerais, relatórios e normas de organização e
funcionamento dos órgãos de supervisão e controle.
83
vi. Secretariado, chefiado pelo Secretário-Geral, que é o principal
funcionário administrativo da ONU, indicado para mandato de 5 anos pela
Assembleia Geral, a partir de recomendação do Conselho de Segurança.
Embora a Carta das Nações Unidas seja enfática em determinar a
importância de defender, promover e respeitar os direitos humanos e as
liberdades fundamentais, ela não define o conteúdo dessas expressões,
deixando-as em aberto. A sua importância reside na internacionalização dos
direitos humanos.
Os propósitos centrais da ONU são:
i. manter a paz e a segurança internacional;
ii. fomentar a cooperação internacional nos campos social e econômico;
iii. promover os direitos humanos no âmbito internacional.
E, atualmente, a ONU conta com três Conselhos, conforme acima
exposto: (i) Conselho de Segurança; (ii) Conselho Econômico e Social; (iii)
Conselho de Direitos Humanos.
84
4. Como ocorre a apuração das violações de direitos humanos no âmbito
da ONU?
A apuração das violações de direitos humanos no âmbito da ONU é
complexa e dividida em duas áreas: a área convencional, originada por acordos
internacionais, elaborados sob a égide da ONU, dos quais são signatários os
Estados, e a área extraconvencional, originada de resoluções da ONU e de
seus órgãos, editadas a partir de interpretação da Carta da Organização das
Nações Unidas e seus dispositivos relativos à proteção dos direitos humanos.
Ambas (a convencional e extraconvencional) formam o sistema onusiano,
universal ou global de proteção de direitos humanos. (André Ramos de
Carvalho).
85
interpretação dos direitos protegidos. Essas observações gerais são hoje
repertório precioso sobre o alcance e sentido das normas de direitos humanos.
86
Estados Unidos) e dez não permanentes, eleitos pela Assembleia Geral para
um mandato de 2 anos, cada qual contando com um representante (art. 23,
Carta da ONU) que terá direito a um voto.
O Conselho age em nome dos demais membros da ONU em prol da
manutenção da paz e da segurança mundiais, submetendo relatório anuais à
Assembleia Geral (art. 24, Carta ONU). Por isso mesmo tem uma competência
bastante ampla, notadamente quando o assunto perpassa por questões como
guerras, conflitos armados e desarmamento: pode convidar partes para
resolver controvérsias de forma pacífica (art. 33, Carta da ONU), investigar
sobre qualquer controvérsia ou situação suscetível de provocar atritos entre as
Nações ou dar origem a uma controvérsia (art. 34), fazer recomendações às
partes buscando uma solução pacífica (art. 38), determinar a existência de
qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão e recomendar
medidas definitivas ou provisórias (art. 43 e 44). Assim, são suas atribuições
exclusivas: a) ação nos casos de ameaça à paz; b) aprova e controla a tutela
estratégica; c) execução forçada das decisões da CIJ.
13. Por que são tão raros os casos brasileiros que tramitam perante a
Corte Internacional de Justiça em matéria de direitos humanos?
Quando o Brasil reconheceu a competência da CIJ, o fez por prazo
determinado, o qual expirou em 12 de março de 1953. Não significa que a CIJ
não tenha competência para julgar nenhum caso brasileiro, mas que apenas
pode julgar: a) aqueles propostos entre o Brasil e Estados-parte com os quais
ele tenha tratado específico reconhecendo a competência da Corte; b) aqueles
que versem sobre matéria de Convenção específica da ONU na qual o Brasil
reconheça a competência da Corte apenas quanto a litígios naquela matéria.
Em verdade, como o Brasil efetua amplo reconhecimento dos órgãos
interamericanos de proteção dos direitos humanos e possui reservas quanto à
Corte Internacional de Justiça, os casos mais relevantes de participação
brasileira em litígios internacionais de direitos humanos se dão perante a OEA,
e não diante da ONU.
87
14. Como é composto o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas?
É composto por 28 membros que sejam eleitos pelos Estados-partes do
Pacto, dotados de reputação moral e reconhecida competência em matéria de
direitos humanos (art. 28, PIDCP). Tais pessoas constarão em uma lista de
indicados pelos Estados-partes, cada qual indicando duas, sendo possível que
uma pessoa seja indicada mais de uma vez por Estados diferentes (art. 29,
PIDCP).
Não é possível que figure no Comitê mais de um nacional do mesmo
Estado (art. 31). O mandato é de quatro anos, sendo possível uma recondução
(art. 32).
88
d) O Comitê realizará reuniões confidencias quando estiver examinando as
comunicações previstas no presente artigo;
e) Sem prejuízo das disposições da alínea c) Comitê colocará seus bons
Ofícios dos Estados Partes interessados no intuito de alcançar uma solução
amistosa para a questão, baseada no respeito aos direitos humanos e
liberdades fundamentais reconhecidos no presente Pacto;
f) Em todas as questões que se submetam em virtude do presente artigo, o
Comitê poderá solicitar aos Estados Partes interessados, a que se faz
referencia na alínea b) , que lhe forneçam quaisquer informações pertinentes;
g) Os Estados Partes interessados, a que se faz referência na alínea b),
terão direito de fazer-se representar quando as questões forem examinadas no
Comitê e de apresentar suas observações verbalmente e/ou por escrito;
h) O Comitê, dentro dos doze meses seguintes à data de recebimento da
notificação mencionada na alínea b), apresentará relatório em que:
(i se houver sido alcançada uma solução nos termos da alínea e), o
Comitê restringir-se-á, em relatório, a uma breve exposição dos fatos e da
solução alcançada.
(ii se não houver sido alcançada solução alguma nos termos da alínea e),
o Comitê, restringir-se-á, em seu relatório, a uma breve exposição dos fatos;
serão anexados ao relatório o texto das observações escritas e as atas das
observações orais apresentadas pelos Estados Parte interessados.
Para cada questão, o relatório será encaminhado aos Estados Partes
interessados.
2. As disposições do presente artigo entrarão em vigor a partir do momento
em que dez Estados Partes do presente Pacto houverem feito as declarações
mencionadas no parágrafo 1 desde artigo. As referidas declarações serão
depositados pelos Estados Partes junto ao Secretário-Geral das Organizações
das Nações Unidas, que enviará cópias das mesmas aos demais Estados
Partes. Toda declaração poderá ser retirada, a qualquer momento, mediante
notificação endereçada ao Secretário-Geral. Far-se-á essa retirada sem
prejuízo do exame de quaisquer questões que constituam objeto de uma
comunicação já transmitida nos termos deste artigo; em virtude do presente
artigo, não se receberá qualquer nova comunicação de um Estado Parte uma
vez que o Secretário-Geral tenha recebido a notificação sobre a retirada da
declaração, a menos que o Estado Parte interessado haja feito uma nova
declaração.
ARTIGO 42
1. a) Se uma questão submetida ao Comitê, nos termos do artigo 41, não
estiver dirimida satisfatoriamente para os Estados Partes interessados, o
Comitê poderá, com o consentimento prévio dos Estados Partes interessados,
constituir uma Comissão ad hoc (doravante denominada “a Comissão”). A
Comissão colocará seus bons ofícios à disposição dos Estados Partes
interessados no intuito de se alcançar uma solução amistosa para a questão
baseada no respeito ao presente Pacto.
b) A Comissão será composta de cinco membros designados com o
consentimento dos Estados interessados. Se os Estados Partes interessados
não chegarem a um acordo a respeito da totalidade ou de parte da composição
da Comissão dentro do prazo de três meses, os membro da Comissão em
relação aos quais não se chegou a acordo serão eleitos pelo Comitê, entre os
89
seus próprios membros, em votação secreta e por maioria de dois terços dos
membros do Comitê.
2. Os membros da Comissão exercerão suas funções a título pessoal. Não
poderão ser nacionais dos Estados interessados, nem de Estado que não seja
Parte do presente Pacto, nem de um Estado Parte que não tenha feito a
declaração prevista no artigo 41.
3. A própria Comissão alegará seu Presidente e estabelecerá suas regras
de procedimento.
4. As reuniões da Comissão serão realizadas normalmente na sede da
Organização das Nações Unidas ou no escritório das Nações Unidas em
Genebra. Entretanto, poderão realizar-se em qualquer outro lugar apropriado
que a Comissão determinar, após consulta ao Secretário-Geral da Organização
das Nações Unidas e aos Estados Partes interessados.
5. O secretariado referido no artigo 36 também prestará serviços às
condições designadas em virtude do presente artigo.
6. As informações obtidas e coligidas pelo Comitê serão colocadas à
disposição da Comissão, a qual poderá solicitar aos Estados Partes
interessados que lhe forneçam qualquer outra informação pertinente.
7. Após haver estudado a questão sob todos os seus aspectos, mas, em
qualquer caso, no prazo de doze meses após dela tomado conhecimento, a
Comissão apresentará um relatório ao Presidente do Comitê, que o
encaminhará aos Estados Partes interessados:
a) Se a Comissão não puder terminar o exame da questão, restringir-se-á,
em seu relatório, a uma breve exposição sobre o estágio em que se encontra o
exame da questão;
b) Se houver sido alcançado uma solução amistosa para a questão,
baseada no respeito dos direitos humanos reconhecidos no presente Pacto, a
Comissão restringir-se-á, em relatório, a uma breve exposição dos fatos e da
solução alcançada;
c) Se não houver sido alcançada solução nos termos da alínea b) a
Comissão incluirá no relatório suas conclusões sobre os fatos relativos à
questão debatida entre os Estados Partes interessados, assim como sua
opinião sobre a possibilidade de solução amistosa para a questão, o relatório
incluirá as observações escritas e as atas das observações orais feitas pelos
Estados Partes interessados;
d) Se o relatório da Comissão for apresentado nos termos da alínea c), os
Estados Partes interessados comunicarão, no prazo de três meses a contar da
data do recebimento do relatório, ao Presidente do Comitê se aceitam ou não
os termos do relatório da Comissão.
8. As disposições do presente artigo não prejudicarão as atribuições do
Comitê previstas no artigo 41.
9. Todas as despesas dos membros da Comissão serão repartidas
90quitativamente entre os Estados Partes interessados, com base em
estimativas a serem estabelecidas pelo Secretário-Geral da Organização das
Nações Unidas.
10. O Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas poderá caso
seja necessário, pagar as despesas dos membros da Comissão antes que
sejam reembolsadas pelos Estados Partes interessados, em conformidade com
o parágrafo 9 do presente artigo.
90
15. Cabem denúncias por particulares ao Comitê de Direitos Humanos
das Nações Unidas?
Embora o PIDCP não tenha previsto diretamente um mecanismo para a
apresentação de denúncias pelos indivíduos ao Comitê, o protocolo facultativo
ao Pacto, de 16 de dezembro de 1966, o fez. A denúncia somente pode ser
recebia se o Estado houver ratificado o Protocolo Facultativo (art. 1º, PPIDCP).
Aceita a competência, o indivíduo que se considerar vítima de violação de
qualquer dos direitos enunciados no Pacto e que tenha esgotado todos os
recursos internos disponíveis, poderá apresentar uma comunicação escrita ao
Comitê para que este a examine (art. 2º).
Além do esgotamento dos recursos na via interna, salvo excesso dos
prazos razoáveis (art. 5º), são requisitos de admissibilidade, nos termos do art.
3º, não serem denúncia anônimas e não constituírem abuso de direito ou
serem incompatíveis com as disposições do Pacto, e, nos termos do art. 5º,
que a mesma questão não esteja sendo examinada por uma outra instância
internacional de investigação ou decisão.
Procedimento:
ARTIGO 4º
ARTIGO 5º
91
É dever primário dos órgãos internos atuarem em matéria de direitos
humanos. Antes de provocar um órgão internacional para apurar eventuais
violações de direitos humanos, é preciso provocar os órgãos internos, e isso
para que o Estado tenha a possibilidade de ele próprio apurar e resolver a
situação. Assim, de uma maneira geral, um caso somente será recebido por um
órgão executivo ou por um Tribunal Internacional se houver sido esgotados os
recursos internos ou se ficar demonstrado a desídia do Estado para com o
tratamento do caso (cláusula de esgotamento dos recursos internos) - recursos
insuficientes ou inexistentes, demora na apuração, corrupção do Judiciário.
PONTO 13
Órgãos convencionais e extraconvencionais.
92
internacionais, elaborados sob a égide da ONU e a área extraconvencional,
originada de resoluções da ONU e de seus órgãos, editadas a partir da Carta
da ONU e da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) – esses dois
diplomas fundamentam a existência dos órgãos extraconvencionais.
Ambos os mecanismos – convencional e extraconvencional – formam o
sistema universal ou global de proteção dos direitos humanos.
93
informes alternativos – denominados shadow reports – que são fornecidos por
entidades da sociedade civil (ONGs, por exemplo), a fim que a o informe oficial
não seja a única fonte de informação. Superados os debates, são adotadas
observações finais – também denominadas conclusivas (concluding
observations) – contendo a análise crítica do informe estatal, seus pontos
positivos e negativos, trazendo recomendações para os problemas
encontrados. As observações finais são encaminhadas para a Assembleia
Geral da ONU para, se for o caso, subsidiar embargos comerciais, políticos,
etc.
É importante mencionar que paralelamente às observações finais, os
Comitês também podem editar Comentários Gerais sobre a interpretação dos
direitos protegidos. Esses documentos são repertório precioso sobre
interpretação das normas de direitos humanos (alcance e sentido), por ex.,
Comentário Geral nº 4 PIDESC sobre moradia adequada; Comentário Geral nº
07 PIDESC sobre vedação de despejos forçados; Comentário Geral nº 15
PIDESC sobre água.
94
que este edite atos vinculantes para a preservação dos direitos humanos, em
nome da paz e segurança mundial.
Ademais, vários países ratificam Tratados e apenas aceitam se submeter
aos mecanismos não contenciosos, de forma que este se torna a única saída
para captação de informações e eventual responsabilização internacional do
Estado, no âmbito dos órgãos convencionais.
95
a) Fase de admissibilidade: devem ser preenchidos os requisitos de forma:
escrita, não anônima, da própria vítima ou representante.
b) Fase da instrução probatória: Estado requerido dispõe de 6 meses para
responder as questões de mérito alegadas na petição individual.
c) Fase da deliberação sobre o mérito: consiste na indicação de violação
ou não de direitos humanos protegidos e na reparação a ser efetuada pelo
Estado.
d) Fase da publicação: o Comitê pode publicar o texto com suas decisões e
opiniões no informe anual remetido à Assembleia Geral da ONU.
e) Fase de execução: realizada através da indicação de um relator especial
pelo Comitê para acompanhar a execução da decisão. As conclusões do relator
são incluídas no Informe Anual do Comitê, que são repassados à Assembleia
Geral da ONU, de forma a exercer pressão política nos países que não
cumprem as decisões.
96
Inicialmente, o principal órgão extraconvencional da ONU para tutela dos
direitos humanos era a Comissão de Direitos Humanos (1947), que foi extinta
em 2006, dando início ao Conselho de Direitos Humanos. No âmbito do
Conselho de Direitos Humanos são utilizados três instrumentos de supervisão
dos direitos humanos: os procedimentos especiais (herdados da antiga
Comissão) da resolução 1235 (“procedimento 1235”) e da resolução 1503
(“procedimento 1503”). Além disso, com a instalação do Conselho em 2006,
criou-se a Revisão Periódica Universal (peer review).
De outro lado, temos o Conselho de Segurança – que também é um órgão
extraconvencional – responsável pela paz e segurança mundial, editando
resoluções de forças vinculantes e agindo de forma vinculante em caso de
violações sistemáticas de Direitos Humanos perpetrados por um Estado. O
Conselho de Segurança pode, ainda, criar Tribunais internacionais ad hoc -
atribuição bastante criticada por legitimar Tribunais de Exceção, o que motivou
a realização do Estatuto de Roma com a instalação do Tribunal Penal
Internacional, de cunho permanente.
97
Em uma nova etapa, o procedimento 1235 amplia sua gama de temas para
aceitar, também, situações de violação de direitos humanos de indivíduos
específicos, inclusive, a partir de petições individuais. A partir disso, instala-se
o sistema de ações urgentes, que assinala medidas a serem cumpridas pelos
Estados para prevenir ou interromper imediatamente as violações de direitos
humanos em prol de determinados indivíduos.
98
Dinamarca para unificar a polícia e desmilitarizá-la, sugestão que foi
expressamente rechaçada.
PONTO 14
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
99
políticos baseados na hipertrofia estatal e no repúdio do fundamento
jusnaturalista dos direitos humanos.
100
8. A Declaração de 1948 trata do direito à propriedade? De que forma?
O direito de propriedade é reconhecido pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos, seja a de titularidade individual como a de
titularidade coletiva, redação que proporcionou consenso em um momento
que se materializada a bipolaridade capitalista e socialista do Estado e da
sociedade.
101
Resposta (fonte: <http://virtual.cesusc.edu.br/portal/externo/direito/wp-
content/uploads/2010/05/Os-direitos-humanos-como-processos-de-lutas-
_ruben-rockenbach_.pdf>)
Inicialmente, é bom situar a declaração universal dos direitos humanos
como forjada no seio de uma TEORIA HEGEMÔNICA DOS DIREITOS
HUMANOS.
Os direitos humanos são conceituados, apresentados e pensados – de
maneira tradicional e hegemônica – como sendo “direitos inerentes a todos os
seres humanos, sem distinção alguma de nacionalidade, lugar de residência,
sexo, origem nacional ou étnica, cor, religião, língua ou qualquer outra
condição”.
Com efeito, consoante a mencionada teoria tradicional, os direitos
humanos são caracterizados como universais, uma vez que decorreriam da
própria dignidade humana representada pela essência da nossa natureza.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ao estabelecer a
ideia da universalidade, destaca “como ideal comum a ser atingido por todos os
povos e todas as nações (...) por assegurar o seu reconhecimento e a sua
observância universal e efetiva”, dispondo em seu artigo I que “todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e acrescenta, no
artigo II, que “todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”.
Dessa maneira, o ideário comum dos direitos humanos como universais se
origina – e justifica suas raízes – na própria natureza da condição humana
(todos têm esses direitos ao nascer!), sendo considerados prévios aos
contextos socioculturais em que se encontram.
A concepção tradicional (e hegemônica) do conceito dos diretos humanos
resulta da enorme positivação no âmbito internacional em relação à matéria,
surgida, em especial, na época do pós-guerra e com a elaboração – pela
Organização das Nações Unidas (ONU) – da Declaração dos Direitos
Humanos de 1948, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais e do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ambos de
1966.
O processo de internacionalização dos direitos humanos foi celebrado em
um contexto histórico de repúdio às violações da vida humana geradas pelo
período de guerras (em específico, os atos que ultrajaram a consciência da
humanidade durante a Segunda Guerra Mundial). De fato, a barbárie do
totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos por meio
da negação do valor da pessoa humana como valor-fonte do Direito.
Igualmente, a Declaração Universal de 1948 e os Pactos Internacionais de
1966 atuaram como elementos formadores do atual conjunto da legislação
internacional de direitos humanos, uma vez que gradativamente foram sendo
ratificados pelas nações e impulsionaram o advento de uma série de acordos
regionais e seus respectivos mecanismos e instrumentos de proteção,
desenvolvendo o chamado direito internacional dos direitos humanos.
Sim, pois, a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) para
manter a paz, proporcionar a segurança no mundo e aumentar padrões de
vida, ao lado da posterior Declaração dos Direitos Humanos de 1948,
102
marcaram o nascimento do novo direito internacional com a instauração de um
pacto social e ordenamento jurídico mundial.
Por meio da ratificação dos pactos, acordos e tratados internacionais de
direitos humanos, os governos se comprometem a adotar medidas internas
(políticas, jurídicas, econômicas e culturais) compatíveis com as obrigações e
deveres assumidos nos documentos perante a comunidade global.
Nas últimas décadas, destarte, houve um amplo processo de alargamento
no âmbito jurídico em relação aos direitos humanos (e sua normatização), em
nível interno e/ou externo aos Estados, formando uma base mínima de
proteção aos direitos.
Reforçando a elaboração de uma base mínima de direitos e garantias
humanas, dispõe o preâmbulo da Declaração dos Direitos Humanos de 1948:
“o advento de um mundo em que todos gozem de liberdade de palavra, de
crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi
proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum”.
De forma idêntica, além do repúdio às mencionadas atrocidades das
grandes guerras, o surgimento do conceito hegemônico (tradicional ou
contemporâneo) dos direitos humanos deve ser analisado sob o enfoque de
outras duas perspectivas: 1) sociopolítica, no marco da Guerra Fria com a luta
ideológica, política e econômica travada entre os países defensores do
capitalismo e do socialismo que provocou um enfrentamento entre a defesa e
garantia dos direitos individuais e os direitos sociais, econômicos e culturais; e
2) geoestratégica, no marco do processo de descolonização das colônias que
reduziu o papel liberador dos direitos de autodeterminação e consolidou um
sistema jurídico internacional baseado na supremacia dos Estados centrais
sobre os periféricos. Imperioso destacar, ademais, que a concepção
contemporânea dos direitos humanos e os respectivos sistemas normativos
elaborados ocasionaram a redução da liberdade absoluta e selvagem da
soberania externa e interna dos Estados-Nações a duas normas fundamentais:
o imperativo da paz e a tutela dos direitos humanos.
13. Esse contexto de criação pode trazer a alguma reflexão para o nosso
contexto?
(Trechos abaixo extraídos do seguinte artigo: “os direitos humanos como
processos de lutas”: <http://virtual.cesusc.edu.br/portal/externo/direito/wp-
content/uploads/2010/05/Os-direitos-humanos-como-processos-de-lutas-
_ruben-rockenbach_.pdf>. Preferi não delimitar bem uma a resposta por ser um
tema bastante amplo e com espaço enorme para problematização. Esse artigo
referencia alguns autores da teoria crítica dos direitos humanos)
Atualmente vivemos em outro (e muito distinto!) contexto social,
econômico, político e cultural (impulsionado a partir da queda do muro de
Berlim e suas respectivas consequências), em que é flagrante a degradação do
meio ambiente, das injustiças propiciadas por um comércio e um consumo
indiscriminado e desigual, de uma cultura de violência e de guerra e das
deficiências na seara da saúde pública e da convivência individual e social.
Estamos (e vivemos) em uma realidade absurdamente diferente daquela
que impulsionou a comunidade internacional a partir de 1948 e em que se
construiu a teoria tradicional (e hegemônica) dos direitos humanos:
“as forças da globalização econômica trouxeram novas promessas, mas
também novos desafios. Apesar de os líderes mundiais alegarem ter-se
103
comprometido com a erradicação da pobreza, em sua grande maioria,
ignoraram os abusos de direitos humanos que provocam e que
aprofundam a pobreza. A promessa da Declaração Universal dos
Direitos Humanos continuou a existir só no papel. Hoje, olhando para
trás, o que mais surpreende é a unidade de propósitos demonstrada
pelos Estados-membros da ONU àquela época, quando adotaram a
DUDH por absoluto consenso. Agora, frente a inúmeras e urgentes
crises de direitos humanos, não há, entre os líderes mundiais, uma visão
compartilhada sobre como lidar com os desafios contemporâneos de
direitos humanos em um mundo que está cada vez mais ameaçado,
inseguro e desigual. O cenário político, hoje, é muito diferente do que
era 60 anos atrás. Existem muito mais países hoje do que em 1948.
Algumas ex-colônias estão entrando no jogo global lado a lado com seus
antigos senhores coloniais. Pode-se esperar que as potências novas e
as antigas se unam, como fizeram seus predecessores em 1948, para
reafirmar seu compromisso com os direitos humanos? A julgar por 2007,
o quadro não é nada promissor”.
Presenciamos uma época de exclusão generalizada, em um mundo onde
30% da população mundial vive (ou tenta viver) com menos de um dólar por
dia, 20% das pessoas mais pobres recebem menos de 2% da riqueza, ao
passo que os 20% mais ricos reservam 80% da riqueza mundial e 1 bilhão de
pessoas não têm acesso à água potável e são analfabetos.
A complexidade do contexto atual (existência de uma legião de excluídos e
alijados do processo econômico) revela a incapacidade – pelo menos em
termos de efetivação e implantação – da referida concepção contemporânea
dos direitos humanos e de sua respectiva característica da universalidade e,
ademais:
“no que respeita à promessa da liberdade, as violações dos direitos
humanos em países vivendo formalmente em paz e democracia
assumem proporções avassaladoras. Quinze milhões de crianças
trabalham em regime de cativeiro na Índia; a violência policial e prisional
atinge o paroxismo no Brasil e na Venezuela, enquanto os incidentes
raciais na Inglaterra aumentaram 276% entre 1989 e 1996, a violência
sexual contra as mulheres, a prostituição infantil, os meninos de rua, os
milhões de vítimas de minas antipessoais, a discriminação contra os
tóxico-dependentes, os portadores de HIV ou os homossexuais, o
julgamento de cidadãos por juízes sem rosto na Colômbia e no Peru, as
limpezas étnicas e o chauvinismo religioso são apenas algumas
manifestações da diáspora da liberdade”.
Em relação ao Brasil, as conclusões do informe “o estado dos direitos
humanos no mundo” levado a efeito pela Anistia Internacional no ano de 2008
são cruciais:
“os moradores das comunidades marginalizadas continuaram a viver em
meio a níveis extremamente elevados de violência, praticada tanto por
grupos criminosos organizados quanto pela polícia. As operações
policiais realizadas nessas comunidades resultaram em milhares de
mortos e de feridos, geralmente intensificando a exclusão social. Grupos
de extermínio ligados à polícia também foram responsáveis por centenas
de assassinatos. O sistema de justiça criminal falhou em seu dever de
fazer com que os responsáveis por abusos prestem contas de seus atos.
104
Infligiu ainda uma série de violações de direitos humanos às pessoas
detidas em suas prisões e centros de detenção juvenis superlotados e
exauridos de recursos. As mulheres detidas em penitenciárias ou em
celas policiais continuaram sendo vítimas de tortura e de maus-tratos.
Ativistas rurais e povos indígenas que realizam campanhas por acesso à
terra foram ameaçados e atacados por policiais e por seguranças
privados. Houve denúncias de trabalho forçado e de exploração do
trabalho em diversos estados, inclusive no setor canavieiro em
expansão”.
O Brasil se revela um local que “não ouve o clamor dos esquecidos, onde
nunca os humildes são ouvidos e uma elite sem Deus é que domina”. Um país
que possui território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados em que vivem
mais de 190 milhões de pessoas (2007), que registra um Produto Interno Bruto
(PIB) de 880 milhões de dólares (2005) e possui 9% da população subnutrida
(2002), taxa de mortalidade infantil de 27,4% (2005), 11% dos domicílios sem
acesso à água potável (2002) e 25% sem rede sanitária (2002).
Registre-se, a título de análise da realidade nacional, que o Brasil obteve
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) igual a 0,800, nos termos do
relatório do ano 2007/2008 elaborado pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD).
O Brasil que se transforma em um lugar de espaços divididos,
demonstrando, como aponta o geógrafo Milton Santos, que “o problema que
temos de enfrentar é o da pobreza, cuja dimensão, portanto, não é somente
econômica, mas também espacial, cuja definição não se esgota em termos
contábeis, mas exige uma dimensão social”. Um país de angústias, cujo
sofrimento é “ver crianças barrigudas de vermes sem direito a uma infância
feliz, a menina condenada à prostituição precoce, a mãe vendo o filho largar a
escola para ingressar no narcotráfico, o pai desempregado sem poder
sustentar a família”.
O Brasil dos cidadãos servos que entregaram seu poder e confiaram ao
Estado a tutela de seus direitos e que – nos termos de Juan Rámon Capella–
se tornaram sujeitos de direitos sem poder e “han quedado dotados de
ciudadanía ante el Estado cuando no es ya el Estado un soberano: cuando
cristaliza otro poder, superior y distinto, supraestatal e internacional,
esencialmente antidemocrático, que persigue violentamente sus fines
particulares”. Um país gerador de uma multidão oprimida! A legião de
brasileiros e brasileiras que pertencem à classe social desfavorecida e
dominada. A subjetividade coletiva que busca se tornar sujeito absoluto dos
processos de potência. Pessoas que trabalham (às vezes até a morte!) para
sair da condição de miserabilidade a que estão submetidas e sonham que um
dia a boa sorte apareça de algum lugar, mas, como adverte Eduardo Galeano,
“a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma
chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e
mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou
comecem o ano mudando de vassoura”.
Nesse avassalador contexto, que, repita-se, a esmagadora maioria da
população vive em exclusão social e está apartada do poder econômico, é
necessária uma nova concepção dos direitos humanos que possa potencializar
a multidão oprimida e reduzir a desigualdade de poder material no momento de
ascender aos bens (materiais e imateriais) indispensáveis para uma vida digna.
105
Por certo não podemos rechaçar e abandonar como um todo as conquistas
jurídicas obtidas nos tratados, convenções internacionais e na Constituição
Federal do Brasil, mas sim, ao contrário, devemos ampliar o objeto de estudo
do âmbito normativo. Não estamos negando a importância dos ordenamentos
jurídicos, do Estado Democrático de Direito e do sistema de garantias
estabelecidas, afinal, não se pode negar o esforço da comunidade internacional
realizado para lograr êxito em estabelecer uma base de proteção mínima de
direitos que alcance a todas as pessoas e às demais formas de vida.
Entretanto, qualquer reflexão geral que despreze a realidade socioeconômica
do país em que é aplicada estará fadada a ser um mero exercício intelectual
sobre a irrealidade, gratuita ficção, uma ilusão, uma quimera sem a mínima
importância para a sociedade. A desigualdade social é um quadro visível no
cotidiano de sociedade, passível de ser comprovado empiricamente, contudo, é
tratada como natural ou inexistente. Não há culpados, ninguém é responsável.
O Estado impessoal, regulado por lei, não assume a sua parte.
As classes ricas, tampouco. Por palavras se transfere a responsabilidade
para o livre mercado, para a falta de competência dos perdedores. No entanto,
temos que deixar de considerar o referido sistema de proteção mínima de
direitos como única e exclusiva forma de entender e conceituar os direitos
humanos, visto que “está muy claro que hay que mejorar y fortalecer el papel
del derecho y de los sistemas de protección de los derechos humanos tanto a
nivel nacional como internacional, así como se hace imprescindible
reconocerlos institucionalmente, pero no hay que darle el exclusivo y el único
protagonismo” (está muito claro que há que melhorar e fortalecer o papel do
direito e dos sistemas de proteção dos direitos humanos tanto a nível nacional
como internacional, assim como se faz imprescindível reconhecer-los
institucionalmente, mas não há que dar-lhes o exclusivo e o único
protagonismo”. (tradução livre). SÁNCHEZ RUBIO, David. Repensar derechos
humanos: de la anestesia a la sinestesia. Sevilha: MAD, 2007, p. 16).
Fazendo uma análise crítica sobre as características e os efeitos do
discurso conservador (aquele que tudo naturaliza), Samir Amin destaca a
imposição de uma amálgama de valores que regem o mundo moderno e
conclui:
“nessa amálgama lança-se uma mistura de princípios de organização
política (o Estado de direito, os direitos humanos, a democracia), valores
sociais (a liberdade, a igualdade, o individualismo), princípios de
organização da vida econômica (a propriedade privada, os mercados
livres). A amálgama deixa entender que esses valores constituem um
todo indissociável, que provém de uma só e mesma lógica, ela associa,
portanto, capitalismo e democracia, como se isso fosse algo evidente
por si. A história mostra antes o contrário, que os avanços democráticos
foram conquistados e não são o produto espontâneo, natural, da
expansão capitalista. A análise crítica permite, então, precisar os
conteúdos históricos reais dos valores em questão – a democracia, por
exemplo – e, portanto, seus limites e suas contradições, assim como os
meios de fazê-los avançar.”
Igualmente, a concepção tradicional dos direitos humanos que determina
sua universalidade utiliza por um lado “lo global para imponer determinada
perspectiva de las cosas y obligar a todos a que acepten determinados
modelos de desarrollo, por otro se articulan instrumentos de separación y
106
división entre quienes salen más perjudicados en ese reparto desigual de los
bienes” (“o global para impor determinada perspectiva das coisas e obrigar a
todos a que aceitem determinados modelos de desenvolvimento, por outro se
articulam instrumentos de separação e divisão entre quem sai mais prejudicado
neste reparto desigual dos bens”. (tradução livre). SÁNCHEZ RUBIO, David.
Repensar derechos humanos: de la anestesia a la sinestesia. Sevilha: Editorial
MAD, 2007, p. 89). (...).
O grande equívoco levado a efeito quando se universalizam os direitos
humanos decorre do fato de perceber os direitos e as garantias individuais
como de natureza privada, de caráter egoístico e de tutela e propriedade
exclusiva do sujeito que postula seu reconhecimento e respeito (quando, ao
contrário, a marca comum caracterizadora dos direitos humanos é a dimensão
pública). A ideia de direitos humanos desprega-se das instituições,
constituindo-se patrimônio da humanidade conquistado no processo histórico
de afirmação da dignidade de toda pessoa humana. Os direitos humanos
existem independentemente do seu reconhecimento formal, visto que, em
grande medida, legitimam ações (políticas, sociais, econômicas, culturais e,
inclusive, jurídicas) contra as instituições mesmas.
107
universalidade dos direitos somente pode ser definida em função da seguinte
variável: o fortalecimento de indivíduos, grupos e organizações na hora de
construir um marco de ação que permita a todos e a todas criar as condições
que garantam de um modo igualitário o acesso aos bens (...) que fazem que a
vida seja digna de ser vivida”.
A proposta é um conceito de direitos humanos que se traduzam mais do
que o conjunto de normas formais (internacionais e nacionais) que os
declarem. É dizer: os direitos humanos não se limitam aos Tratados e às
Constituições, mas, sim, são resultado de lutas sociais e coletivas que buscam
a construção de espaços sociais, econômicos, políticos e jurídicos que
permitam à subjetividade coletiva se tornar sujeito absoluto dos processos de
potência.
Os direitos não são prévios à construção de condições sociais,
econômicas, políticas e culturais que propiciam o desenvolvimento e sua
apropriação nos contextos em que se situam. O que não podemos aceitar
como natural é um universalismo como ponto de partida (humanismo
abstrato) que justifica as raízes dos direitos humanos na própria natureza da
condição humana e os considera prévios aos contextos socioculturais em que
se encontram e são superiores à sociedade e ao Estado, mas, ao revés,
devemos fazer da característica da universalidade um ponto de chegada por
meio da criação de condições (não de imposições ou exclusões!) para o
desenvolvimento das potencialidades humanas”.
(Trechos abaixo extraídos de resenha da obra de David Sanchez Rubio
que podem auxiliar na condução da resposta. fonte:
<http://pt.slideshare.net/kapoars/resenha-direitos-humanos-rubio>).
“o autor argumenta que na América Latina não há problemas com a
insuficiência de normatização, no sentido de restringir a extensão da
universalidade dos direitos humanos. O que ocorre, de fato, é que,
apesar de os critérios de reconhecimento estarem definidos de forma
universal nas constituições e nas leis, os contextos e os tramas sociais
sobre as quais as normas estão assentes reproduzem lógicas de
exclusão, marginalização e discriminação, reduzindo os espaços formais de
participação popular (p. 25-6).
Rubio chama a atenção, citando Oraa (p. 49), do paradoxo enfrentados
pela humanidade. Ao passo que se avança na formulação teórica jurídica-
institucional dos direitos fundamentais, se observa cada vez mais violações de
direitos, tendo esse século XX assistido, possivelmente, aos maiores
massacres da história da humanidade, resultando em crescente exclusão e
pobreza da população mundial.
A questão crucial colocada por Rubio é se realmente existe uma clara
intenção de reconhecer as capacidades e potencialidades de todo ser
humano concreto e corpóreo, como sujeito de necessidades? Ou então
os discursos relacionados à universalização dos direitos falam de um
sujeito abstrato? O caráter excessivamente formal das modernas
concepções sobre direitos humanos sofrem de um caráter excessivamente
abstrato, tendência oriunda na ordem burguesa, em que se concebe o ser
humano como “indivíduo” e cada indivíduo pertence a uma ideia de
“humanidade” independente das relações sociais efetivas e das lógicas que a
permeiam. Ambas as circunstâncias são a-históricas e ignoram o contexto. O
resultado é que se respaldam os direitos humanos com normas jurídicas
108
que garantem sua vigência jurídico-formal mas não sua eficácia social
(RUBIO, p. 50-1).
PONTO 15
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e Primeiro
Protocolo (Criação do Comitê e International accountability). Segundo
Protocolo (Abolição da pena de morte).Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e Protocolo Facultativo.
PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS (PIDCP)
1. A maior parte dos direitos elencados no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos já contava do rol da Declaração Universal de Direitos
Humanos. Por que foi necessário repeti-lo em outro documento
internacional?
O Pacto teve por finalidade tornar juridicamente vinculantes aos Estados
vários direitos já contidos na Declaração Universal de 1948, detalhando-os e
criando mecanismos de monitoramento internacional de sua implementação
pelos Estados Partes. Assim, assumindo a roupagem de tratado internacional,
o intuito desse Pacto foi permitir a adoção de uma linguagem de direitos que
implicasse obrigações no plano internacional, mediante a sistemática da
international accountability.
110
discurso das relações internacionais contemporâneas. Ao mesmo tempo, vários
fatores esvaziam o significado da participação no regime de direitos humanos.
Termos com textura muito aberta permitem a Estados, com diferentes
ideologias políticas, formular e justificar suas próprias interpretações. Não há
dúvida de que o valor das normas de direitos humanos torna-se esvaziado em
virtude da insuficiência de instituições que os implementem. (...) Estes
instrumentos não propõem uma agenda específica de reformas. Eles não
acusam regimes em particular ou sistemas socioeconômicos ou políticos. O
custo da aceitação desses instrumentos por regimes repressivos parece não
apenas suportável, mas baixo. Aceitações nominais implicam em uma era de
direitos nominais” (Steiner, The youth of rights, Harvard Law Review, v. 104, p.
927)” (Direitos Humanos e Direito Constitucional Internacional, 2013,p. 287).
111
humanas não podem ser castigados com a pena de morte. Ainda no sistema
global, no mesmo sentido é a orientação da Comissão de Direitos Humanos da
ONU, que já instou os Estados a velarem para que “o conceito de ‘crimes mais
graves’ se limite aos delitos intencionais com consequências fatais ou
extremamente graves e que não imponham a pena de morte por atos não
violentos (...)”.
Apenas para ilustrar, porquanto a Indonésia não se vê, obviamente, sujeita
ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, também na nossa região a
interpretação que se dá à expressão “crimes mais graves” é notadamente
restritiva, já tendo a Corte Interamericana decidido, p. ex., que “ao considerar
todo responsável do crime de homicídio doloso como merecedor de pena
capital, se está tratando os acusados deste crime não como seres humanos
individuais e únicos, senão como membros indiferentes e sem rostos de uma
massa que será submetida à aplicação cega da pena de morte”. Tendo a Corte
censurado a aplicação da pena capital em hipótese de homicídio doloso sem
consideração das circunstâncias do caso concreto, já se pode deduzir que igual
ou mais severa seria se instada a se manifestar sobre a pena de morte para o
crime de tráfico de drogas.
A partir deste raciocínio, não sendo o crime de tráfico de drogas
considerado de natureza “grave” segundo o Direito Internacional dos Direitos
Humanos, chego, então, à minha segunda conclusão, respondendo, pois, a
segunda pergunta: sim, a Indonésia violou o PIDCP, mais precisamente o seu
art. 6.2. Logo, estamos habilitados a passar para a terceira pergunta, relativa à
possibilidade de a Indonésia ser demandada perante órgãos da ONU de
proteção internacional dos direitos humanos.
Para o que interessa à esta ocasião, importa dizer que o PIDCP tem como
órgão para fiscalizar o seu cumprimento pelos Estados-Partes o Comitê de
Direitos Humanos, que, por sua vez, conta com dois procedimentos de
apuração: (a) as demandas interestatais – artigos 41 a 43; e (b) as petições
individuais – Protocolo Facultativo. O Brasil poderia ter denunciado a Indonésia
no Comitê de Direitos Humanos da ONU? Não, pois nem o Estado brasileiro
nem tampouco a Indonésia reconheceram a competência do Comitê para
receber e examinar denúncias interestatais. Um familiar ou uma entidade
poderiam ter denunciado a Indonésia no referido Comitê? A resposta também é
negativa, pois a Indonésia não aderiu ao Protocolo Facultativo do PIDCP que
viabiliza as petições individuais, diversamente do Brasil, cuja adesão se deu –
tardiamente – em 2009.
No entanto, se o acesso ao Comitê não seria permitido, o mesmo não se
pode dizer do acesso ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, órgão de
proteção e fiscalização extraconvencional dos direitos humanos, cujas
Resoluções, embora não vinculem juridicamente os Estados, eis que baseadas
no dever de cooperação dos Estados com a própria ONU, não deixam de ter,
porém, certa efetividade em alguns casos. A atuação do Conselho, aqui,
poderia se dar mediante a adoção do seu Procedimento 1503, que, embora
não se preocupe tanto com a situação individual das vítimas, eis que as
petições individuais são utilizadas somente para caracterizar uma situação de
violação flagrante e maciça de direitos humanos em um país ou região, pode
concluir, conforme recorda André de Carvalho Ramos, “com recomendações de
ações aos Estados, o que beneficiava as vítimas”. Logo, concluo com a
resposta à terceira questão: a Indonésia poderia ter sido demandada perante o
112
Conselho de Direitos Humanos, seja por meio de petição individual, seja por
denúncia interestatal.
Para o que interessa à esta ocasião, importa dizer que o PIDCP tem como
órgão para fiscalizar o seu cumprimento pelos Estados-Partes o Comitê de
Direitos Humanos, que, por sua vez, conta com dois procedimentos de
apuração: (a) as demandas interestatais – artigos 41 a 43; e (b) as petições
individuais – Protocolo Facultativo. O Brasil poderia ter denunciado a Indonésia
no Comitê de Direitos Humanos da ONU? Não, pois nem o Estado brasileiro
nem tampouco a Indonésia reconheceram a competência do Comitê para
receber e examinar denúncias interestatais. Um familiar ou uma entidade
poderiam ter denunciado a Indonésia no referido Comitê? A resposta também é
negativa, pois a Indonésia não aderiu ao Protocolo Facultativo do PIDCP que
viabiliza as petições individuais, diversamente do Brasil, cuja adesão se deu –
tardiamente – em 2009.
113
f) De ser assistida gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda
ou não fale a língua empregada durante o julgamento;
g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se
culpada.
4. O processo aplicável a jovens que não sejam maiores nos termos da
legislação penal em conta a idade dos menos e a importância de promover sua
reintegração social.
5. Toda pessoa declarada culpada por um delito terá direito de recorrer da
sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade
com a lei.
6. Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente
anulada ou se um indulto for concedido, pela ocorrência ou descoberta de fatos
novos que provem cabalmente a existência de erro judicial, a pessoa que
sofreu a pena decorrente desse condenação deverá ser indenizada, de acordo
com a lei, a menos que fique provado que se lhe pode imputar, total ou
parcialmente, a não revelação dos fatos desconhecidos em tempo útil.
7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi
absorvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade
com a lei e os procedimentos penais de cada país.
A proibição do bis in idem consiste no direito do cidadão de não ser julgado
novamente pelos mesmos fatos que ensejaram o julgamento anterior. Trata-se
de garantia que encontra correspondência nos Tratados Internacionais de
Direitos Humanos, variando apenas o seu grau de abrangência. A CADH, por
exemplo, contém uma normativa mais benéfica ao cidadão do que a redação
encampada pelo PIDCP, já que estabelece a proibição de o cidadão absolvido
por sentença transitada em julgado vir a ser submetido a novo julgamento
pelos “mesmos fatos”, ao passo que o PIDCP veda o segundo julgamento
apenas pelo “mesmo crime”. Tal diferenciação foi ressaltada pela Corte
Interamericana no Caso Loayza Tamayo vs. Peru (2007): reconheceu-se a
violação do bis in idem pelo fato de a acusada ter sido julgada na Justiça
Comum pelos mesmos fatos a que já teria sido absolvida na Justiça Militar.
Quanto à extensão da vedação do bis in idem, a Corte IDH já decidiu que não
se trata de uma garantia absoluta (Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile),
o que converge com a redação do Estatuto de Roma (art. 20.3), vedando-se,
pois, que se legitime a denominada “coisa julgada fraudulenta ou aparente”.
114
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e devem ser encaminhados
em um ano a contar da ratificação do Pacto e sempre que solicitado pelo
Comitê. Ao Comitê cabe examinar e estudar os relatórios, tecendo comentários
e observações gerais a respeito; posteriormente, cabe a esse órgão
encaminhar o relatório, com os comentários aduzidos, ao Conselho Econômico
e Social das Nações Unidas.
Comunicações interestatais: o acesso a esse mecanismo é opcional e
está condicionado à elaboração pelo Estado-parte de uma declaração em
separado e conhecendo a competência do Comitê para receber as
comunicações interestatais. Vale dizer, em se tratando de cláusula facultativa,
as comunicações interestatais só podem ser admitidas se ambos os Estados
envolvidos (“denunciador” e “denunciado”) reconhecerem e aceitarem a
competência do Comitê para recebê-las e examiná-las. O procedimento das
comunicações interestatais pressupõe o fracasso das negociações bilaterais e
o esgotamento dos recursos internos. A função do Comitê é auxiliar na
superação da disputa, mediante proposta de solução amistosa
115
condenação do Estado no âmbito internacional enseja consequências no plano
político, mediante o chamado power of embarrassment, que pode causar
constrangimento político e moral ao Estado violador.
116
significativamente daquela contida no artigo 2º do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos que inclui uma obrigação imediata de respeitar e
assegurar todos os direitos relevantes. Contudo, o fato de a realização ao
longo do tempo ou, em outras palavras, progressivamente, ser prevista no
Pacto, não deve ser mal interpretada como excluindo a obrigação de todo um
conteúdo que lhe dê significado. De um lado, a frase demonstra a necessidade
de flexibilidade, refletindo as situações concretas do mundo real e as
dificuldades que envolve para cada país, no sentido de assegurar plena
realização dos direitos econômicos, sociais e culturais. Por outro lado, a
expressão deve ser lida à luz do objetivo global, a verdadeira razão de ser[3],
do Pacto que é estabelecer obrigações claras para os Estados- partes no que
diz respeito à plena realização dos direitos em questão. Assim, impõe uma
obrigação de agir tão rápida e efetivamente quanto possível em direção àquela
meta. Além disso, qualquer medida que signifique deliberado retrocesso
haveria de exigir a mais cuidadosa apreciação e necessitaria ser inteiramente
justificada com referência à totalidade dos direitos previstos no Pacto e no
contexto do uso integral do máximo de recursos disponíveis.”
117
qualquer direito de ação em nome de indivíduos ou grupos que sintam que
seus direitos não estão sendo completamente realizados. Em casos onde o
reconhecimento constitucional tem sido concedido a específicos direitos
econômicos, sociais e culturais ou onde as provisões do Pacto têm sido
incorporadas diretamente ao Direito Nacional, o Comitê desejaria receber
informações quanto ao alcance do caráter “justiciável” desses direitos (i.e.
capazes de serem invocados perante as Cortes). O Comitê também desejaria
receber informação específica quanto a exemplos em que provisões
constitucionais existentes relativas a direitos econômicos, sociais e culturais
tenham sido enfraquecidas ou significativamente mudadas.
7. Outras medidas que podem também ser consideradas apropriadas para
os propósitos do artigo 2(1) incluem medidas administrativas, financeiras,
educacionais e sociais, embora a elas não se limitem.”
118
direitos relevantes de acordo com as circunstâncias predominantes. Além
disso, as obrigações para monitorar a extensão da realização, ou mais
especialmente da não realização, de direitos econômicos, sociais e culturais e
para planejar estratégias e programas para promoção desses direitos, não são
de modo algum eliminadas como resultado das restrições de recursos .O
Comitê já tratou dessas matérias no Comentário Geral n.º 1 (1989).
12. De igual modo, o Comitê destaca o fato de que até em tempos de
severas restrições de recursos disponíveis, se causadas por um processo de
ajustamento, de recessão econômica ou por outros fatores, os membros
vulneráveis da sociedade podem e de fato devem ser protegidos pela adoção
de programas relativamente de baixo custo para o alcance das metas
almejadas. Em sustentação dessa abordagem, o Comitê nota a análise
preparada pela UNICEF entitulada “Ajuste com uma face humana: protegendo
os vulneráveis e promovendo o crescimento”, a análise pelo PNUD em seu
Relatório sobre o Desenvolvimento Humano de 1990 e a análise pelo Banco
Mundial no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 1990 .
13. Um elemento final do artigo 2º (1), para o qual atenção deve ser dirigida
é que o compromisso assumido por todos os Estados- partes é “adotar
medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação
internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico...”.O Comitê
nota que a expressão “até o máximo de recursos disponíveis” foi entendida
pelos redatores do Pacto como referindo-se tanto aos recursos existentes
dentro de um Estado quanto àqueles disponíveis na comunidade internacional
através da cooperação e assistência internacionais. Além disso, o papel
essencial de tal cooperação em facilitar a completa realização dos direitos
relevantes é ainda mais realçado pelas disposições específicas contidas nos
artigos 11, 15, 22 e 23. Com respeito ao artigo 22, o Comitê já chamou a
atenção, no Comentário Geral n.º 2(1990), para algumas das oportunidades e
responsabilidades que existem em relação à cooperação internacional. O
artigo 23 também especificamente identifica “o fornecimento de assistência
técnica”, assim como outras atividades, como sendo “medidas de ordem
internacional, para a conquista efetiva dos direitos reconhecidos...”.”
Segundo os itens 10 a 13 do Comentário Geral nº3 do Comitê dos Direitos
Econômicos, Culturais e Sociais, pode-se afirmar que na implementação pelos
dos direitos econômicos, sociais e culturais, os Estados-parte devem sempre
garantir o “mínimo existêncial” ou “núcleo essencial”, ou seja, aqueles direitos
básicos sem os quais não é possível a vida digna. A partir dessas
considerações do os Estados-parte não podem invocar o texto “até o máximo
de seus recursos disponíveis” para eximirem-se de implementar o mínimo vital
por meio dos direitos econômicos, sociais e culturais. O Comitê vai além e
inclusive afirma que mesmo em hipótese de crise e “em tempos de severas
restrições de recursos disponíveis, se causadas por um processo de
ajustamento, de recessão econômica ou por outros fatores, os membros
vulneráveis da sociedade podem e de fato devem ser protegidos pela adoção
de programas relativamente de baixo custo para o alcance das metas
almejadas”. Ou seja, nem mesmo um período extraordinário de recessão
econômica ensejaria o recurso ao argumento da “reserva do possível”.
119
18. Qual é a relação entre a progressividade da implementação dos
direitos econômicos, sociais e culturais e a proibição do retrocesso
social?
Da aplicação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais
resulta a cláusula de proibição do retrocesso social, como também de proibição
da inação ou omissão estatal, na medida em que é vedado aos Estados o
retrocesso ou a inércia continuada no campo da implementação de direitos
sociais. Vale dizer, a progressividade dos direitos econômicos, sociais e
culturais proíbe o retrocesso ou a redução de políticas públicas voltadas à
garantia de tais direitos, cabendo ao Estado o ônus da prova. Isto é, em face
do princípio da inversão do ônus da prova, deve o Estado comprovar que todas
as medidas necessárias – utilizando o máximo de recursos disponíveis – têm
sido adotadas no sentido de progressivamente implementar os direitos
econômicos, sociais e culturais enunciados no Pacto.
120
b) requisitar ao Estado-parte a adoção de medidas de urgência para evitar
danos irreparáveis às vítimas de violações;
c) apreciar comunicações interestatais, mediante as quais um Estado-parte
denuncia a violação de direitos do Pacto por outro Estado-parte; e
d) realizar investigações in loco, na hipótese de grave ou sistemática
violação por um Estado-parte de direito enunciado no Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
O Brasil ainda não ratificou o protocolo facultativo.
PONTO 16
Convenção para a Prevenção e Punição ao crime de genocídio (junto com
o TPI). Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Protocolo sobre
o Estatuto dos Refugiados. Convenção contra a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Protocolo
facultativo.
121
membros do grupo; causar dano corporal ou mental sério a membros do grupo;
deliberadamente impor condições de vida a um grupo que levem à sua
destruição física em todo ou em parte; imposição de medidas para impedir
nascimentos dentro do grupo; e transferência forçada de crianças de um grupo
para outro (Artigo 2 da Convenção). Note-se que os grupos que podem ser
vítimas de genocídio não incluem “gênero”. Mas a ideia de destruição de um
grupo pela simples razão de existir é o que importa para a definição de
feminicídio”.
122
O Princípio da Complementaridade estabelece a subsidiariedade da
jurisdição internacional. O TPI não exerce sua jurisdição caso o Estado com
jurisdição já houver iniciado ou terminado investigação ou processo penal,
salvo se este não tiver capacidade ou vontade de fazer justiça. A falta de
capacidade ou vontade é auferida pelo próprio TPI (art. 20, §3º) e ocorre
quando: (i) há intenção evidente do Estado de usar o processo nacional para
subtrair a pessoa em causa à sua responsabilidade criminal por crimes da
Competência do Tribunal, gerando impunidade; existe delonga injustificada no
processo; há condução tendenciosa e parcial do caso; ou há eventual colapso
total ou substancial da respectiva administração da justiça.
123
Outrossim, inexiste identidade dos elementos de ação entre causa nacional
e internacional. O pedido e causa de pedir são amparados em normas
internacionais.
Por fim, defende-se que as imunidades da CF só se aplicam em âmbito
nacional e não podem ser usadas contra o TPI.
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Protocolo sobre o Estatuto
dos Refugiados,
124
O asilo exige a condição de um estrangeiro (requisito subjetivo) perseguido
por motivações políticas (requisito objetivo) – não caracterizando crime comum
nem atos contrário aos propósitos e princípios da ONU -, bem como a
existência de uma estado de urgência (requisito temporal), com a constatação
da atualidade da perseguição política.
Já o refúgio se destina a várias espécies de perseguição (religiosas,
étnicas...) e pode ser concedido em qualquer situação de perseguição,
bastando que exista um quadro de violação grave e sistemática de direitos
humanos na região para a qual o indivíduo não pode retornar (o asilo não
contempla tal hipótese de concessão).
Outrossim no refúgio, o solicitante de refúgio possui direito público
subjetivo de ingresso no território nacional (é o único estrangeiro que possui tal
direito), o que não ocorre com o solicitante de asilo.
Por fim, a decisão de concessão do refúgio tem natureza declaratória e a
do asilo é constitutiva – ou seja, não há direito a obter asilo, mas, no caso do
refúgio, o solicitante que preencher as condições, tem direito ao refúgio - logo,
não pode ter seu pleito indeferido pelo CONARE por razões de política
internacional
11
“Complementando esses tratados internacionais, há a previsão do art. 7º do Código Penal
que dispõe “Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (…) II – os
crimes a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir”. Na mesma linha, o
Supremo Tribunal Federal possui precedentes que pugnam pela aplicação da lei brasileira
a condutas ilícitas ocorridas no exterior – cujos autores não estão sujeitos à extradição –
para cumprir o ideal grociano de “aut dedere aut judicare”, revelando, aos olhos do STF, “o
compromisso ético-jurídico que o Brasil deve assumir na repressão a atos de criminalidade
Comum” (Curso de Direitos Humanos. André de Carvalho Ramos/ CEI Jurisprudência DH.
8ª Rodada)
125
essenciais da comunidade internacional como um todo. Ela se subdivide em
duas: comum e qualificada.
A jurisdição universal comum estabelece que o Estado é autorizado a
regulamentar e sancionar uma conduta realizada fora de seu território, pois, do
contrário, haveria impunidade, prejudicando os esforços de outro Estado.
Assim, evita-se a existência de safe heavens (portos seguros de impunidade),
bem como se permite a aplicação do aut dedere aut punire.
A jurisdição universal qualificada visa impedir que indivíduos possam
violar normas internacionais essenciais. Esta se subdivide em duas também:
condicional e absoluta (perfeita ou in absentia). A condicional exige que o
acusado esteja em custódia do Estado para o início da persecução, sob pena
de se criar “xerifes mundiais” (é aceito pelo Brasil). A absoluta determina
possibilita o início da persecução mesmo que jamais o agressor tivesse tido
algum contato com o Estado do processo (não é aceito pelo Brasil).
A convenção estabelece a Jurisdição Universal Comum, de modo que o
pais signatário se torna competente para o exercício da jurisdição nos casos do
art. 5º (crime cometido em seu território ou a bordo de navio ou aeronave
registrada no Estado em questão; quando o suposto autor for seu nacional;
quando a vítima for nacional em questão e este o considerar apropriado).
Nesta mesma linha, cabe salientar que a Lei 9455/97 estabelece também
os casos de extraterritorialidade (vide nota de rodapé com base no Curso
CEI12).
12
Extraterritorialidade incondicionada do crime de tortura: A Lei n. 9455/97 prevê em
seu artigo 2º uma das raras hipóteses de extraterritorialidade incondicionada da jurisdição
brasileira. Segundo o artigo 2º da Lei de Tortura, aplica-se a lei brasileira mesmo que o
crime não tenha sido cometido no território nacional, desde que a vítima seja brasileira ou,
ainda, se o agente estiver em local sob jurisdição brasileira. Sobre essa hipótese de
extraterritorialidade incondicionada, é a lição de André de Carvalho Ramos: “Assim, há dois
casos de extraterritorialidade: 1) pelo princípio da personalidade passiva, quando a vítima
da tortura for brasileira; e 2) pelo princípio da universalidade da jurisdição, quando o agente
se encontra em território brasileiro“.
126
Na lição de André de Carvalho Ramos, conclui-se que “comparando o
disposto nos diplomas internacionais ratificados pelo Brasil e a Lei 9.455/97,
nota-se que a lei brasileira é mais próxima do diploma interamericano, pois é
mais geral que a Convenção da ONU, que considera essencial ser a tortura
cometida por agente público ou com sua aquiescência“.
13
“O refugiado não poderá ser expulso ou rechaçado para fronteiras de territórios em que
sua vida ou liberdade estejam ameaçadas em decorrência de sua raça, religião,
nacionalidade, grupo social a que pertença, opiniões políticas, o que consagra o princípio
do non-refoulement (proibição do rechaço)” (André de Carvalho Ramos).
127
Cada Estado-Parte deve enviar ao Comitê contra a Tortura relatórios a
cada 4 anos. De sua análise, o Comitê manifestará suas preocupações e
recomendações, que são encaminhadas em retorno, sob a forma de
Observações Conclusivas.
Além do sistema de relatórios, a Convenção estabelece três outros
mecanismos através dos quais o Comitê realiza o monitoramento da ocorrência
de tortura, a saber: a) exame das reclamações interestatais (mediante adesão);
petições individuais (mediante adesão); e a realização de investigações “in
loco” a partir de notícias reiteradas de graves violações dos direitos humanos,
nessa área.
O Protocolo Facultativo, ainda, criou o Subcomitê para a Prevenção da
Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes
do Comitê contra a Tortura, que tem por objetivo visitar locais onde pessoas
sejam privadas de sua liberdade de locomoção e fazer as recomendações
pertinentes.
Além disso, os Estados Partes devem estabelecer mecanismos nacionais
independentes para a prevenção da tortura no âmbito local - chamados
mecanismos preventivos nacionais - os quais devem, igualmente, ter mandato
para inspecionar locais de detenção.
Em 2 de agosto de 2013, foi editada a Lei nº 12.847, que institui o Sistema
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e cria o Comitê Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura (SNPCT). Nota-se que o SNPCT foi criado em consonância
com o Protocolo Facultativo (Art. 17), com o objetivo de fortalecer a prevenção
e o combate à tortura e cumprir a obrigação internacional assumida pelo Brasil
com a ratificação do Protocolo Adicional à Convenção contra a Tortura”, tal
como disposto no art. 8º da Lei 12.84714.
Por fim, importante ressaltar que a Defensoria Pública compõe o Sistema
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (SNPCT) e o Comitê Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), conforme, respectivamente, artigo
2º, parágrafo 2º, inciso V e artigo 7º, parágrafo 4º, da referida Lei, na condição
de membro permanente, com direito à voz.
PONTO 17
Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
racial. Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (CEDAW). Protocolo Facultativo.
Convenção sobre os direitos da Criança. Protocolos Opcionais.
Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência. Protocolo
Facultativo.
128
tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou
exercício em um mesmo plano de direitos humanos e liberdades fundamentais,
nos campos político, econômico, social e cultural ou qualquer outro campo da
vida pública”.
129
Estado-parte para prevenir ou limitar a ocorrência de violações à Convenção,
em situações de conflito.
O Comitê publica seus Comentários Gerais sobre a interpretação das
normas de Direitos Humanos relacionadas à discriminação racial.
130
Os principais direitos previstos pela Convenção são:
i. Direitos civis e políticos: direito de votar e ser elegível, participação na
formulação de políticas públicas governamentais, no exercício de cargos
públicos, na participação em organizações e associações não governamentais
que se ocupam da vida pública e política do país e na oportunidade de
representar seu governo no plano internacional e de participar no trabalho das
organizações internacionais;
ii. Educação: mesmas condições de orientação em matéria de carreiras e
capacitação profissional, acesso aos estudos e obtenção de diplomas nas
instituições de ensino, em todos os níveis de educação e em todos os tipos de
capacitação profissional, eliminação da estereotipação dos papeis masculinos
e femininos, dentre outros;
iii. Emprego: direito às mesmas oportunidades de emprego, aos mesmos
critérios de seleção, direito à promoção e estabilidade no emprego, o direito a
igual remuneração, o direito à igualdade de tratamento com respeito à
avaliação da qualidade do trabalho, direito à seguridade social, férias pagas,
proteção à saúde e à segurança nas condições de trabalho, proibição de
demissão por motivo de gravidez ou de licença-maternidade ou de estado civil,
direito à licença-maternidade com salário pago ou benefícios sociais
comparáveis, sem perda do emprego anterior, antiguidade ou benefícios
sociais;
iv. Acesso a serviços médicos, com assistência apropriada em relação à
gravidez, ao parto e ao período pós-parto;
v. Outras esferas da vida econômica e social: direito a obter empréstimos
bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, direito de participar
em atividades de recreação, esportes e em todos os aspectos da vida cultural;
vi. Reconhecimento de igual capacidade jurídica em matérias civis e das
mesmas oportunidades para o seu exercício;
vii. Direitos iguais aos dos homens para adquirir, mudar ou conservar sua
nacionalidade e ainda em todos os assuntos relativos ao casamento e às
ralações familiares.
131
9. Fale a respeito das ações afirmativas previstas na Convenção.
São, nos termos da Convenção, medidas especiais de caráter temporário,
destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher até que os
objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento sejam alcançados.
132
Destaca-se como o tratado internacional de proteção de direitos humanos
com o mais elevado número de ratificações. Trata não só de direitos
econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, mas também de direitos
humanitários e conceitos novos. É, ainda, um documento importante na defesa
dos interesses metaindividuais de crianças, considerando-as como sujeitos
individuais e coletivos de direito, permitindo a intervenção da comunidade
internacional e obrigando os Estados-parte a tomarem todas as providências
no sentido da implementação desses direitos.
133
19. Fale sobre os Protocolos Facultativos à Convenção das Crianças.
O Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança sobre a
Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil foi aprovado pelo
Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 230/2003, e promulgado
pelo Dec. 5007/2004.
Tal como fez a Convenção, o Protocolo não se utiliza da técnica brasileira
de diferenciar os menores de 18 anos em crianças e adolescentes, adotando a
expressão genérica “criança”. Sua finalidade primordial foi fortalecer o rol de
medidas protetivas no que tange às violações sobre as quais discorre, a serem
adotadas pelo Legislativo, Judiciário e Executivo. Cada país deve adotar
medidas tendentes à responsabilização civil, penal e administrativa das
pessoas envolvidas nas práticas objeto do Protocolo, assim como garantir que
a adoção de crianças se dê em conformidade com os instrumentos
internacionais aplicáveis. Os Estados devem elaborar legislação sobre o tema
(mandado de criminalização) e implementar políticas públicas para prevenir a
ocorrência dos atos previstos no Protocolo. O Protocolo apenas prevê como
mecanismo de monitoramento o sistema de relatórios.
O Protocolo Facultativo à Convenção sobre Envolvimento de Crianças em
Conflitos Armados, também ratificado e promulgado pelo Brasil, tem como
intuito fortalecer o rol de medidas protetivas no que tange às violações sobre as
quais discorre. Exige que os membros das forças armadas que ainda não
atingiram 18 anos, não participem diretamente dos conflitos. Além disso, essas
pessoas também não podem ser alvo de recrutamento obrigatório em suas
forças armadas. Ademais, se acaso o Estado-Parte permitir tal recrutamento,
deverá estabelecer garantias que assegurem, além da sua voluntariedade, a
necessidade de consentimento dos representantes legais, bem como de que a
pessoa se encontra em plenas condições de prestar o serviço militar. O
Protocolo apenas prevê como mecanismo de monitoramento o sistema de
relatórios.
Mais recente, o Terceiro Protocolo à Convenção sobre os Direitos da
Criança garante às crianças e seus representantes a possibilidade de
recorrerem ao Comitê de Direitos das Crianças da ONU, por meio de petições
individuais, sempre que não tiverem seus direitos garantidos pelas justiças de
seus países, ou seja, sempre que após a provocação das jurisdições
domésticas restarem esgotadas as instâncias internas sem qualquer resultado
prático positivo. Na apreciação das petições, o Comitê deverá seguir o princípio
do superior interesse da criança. Ainda, salvo autorização expressa dos
interessados, as identidades das pessoas envolvidas serão sigilosas. Foi
adotado pela ONU em 19 de dezembro de 2011 e assinado pelo Brasil em
fev/2012. Ainda não foi ratificado!
134
Significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em
deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o
reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com
as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais
nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro.
Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação
razoável.
135
- Ações afirmativas, a fim de promover a igualdade e eliminar a
discriminação, e garantir que a adaptação razoável seja oferecida.
PONTO 18
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os
Trabalhadores Migrantes e dos membros de suas Famílias. Convenção
Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o
Desaparecimento Forçado.
136
Adendo: Em 2012 este em São Paulo A relatora da ONU para Formas de
Escravidão Contemporânea, a advogada armênia Gulnara Shahinian, defendeu
em sua passagem pelo país que o governo brasileiro ratifique a Convenção
sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua
Família. Trata-se do acordo da ONU (Organização das Nações Unidas) que
garante direitos de trabalhadores migrantes e suas famílias. Durante audiência
pública nesta sexta-feira (9) na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo
(Alesp), ela elogiou a experiência brasileira no combate ao trabalho escravo,
mas defendeu que o país precisa assinar o tratado para assegurar dignidade
aos trabalhadores estrangeiros.
O Brasil é o único país membro do Mercosul (Mercado Comum do Sul) que
não é signatário do acordo, em vigor desde 2003. Gulnara e representantes da
sociedade civil apontaram a necessidade de ampliar a proteção às vítimas do
trabalho escravo, principalmente àquelas que vêm de outros países. “É preciso
de mais ajuda ao imigrante, porque eles ainda estão muito isolados”, pontuou.
Pelo menos 300 mil latinos-americanos vivem hoje na cidade de São
Paulo, segundo levantamento do CAMI. Recentemente, no Paraná, 71
paraguaios foram encontrados sujeitos à escravidão contemporânea.
137
A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o
Desaparecimento forçado foi assinada em 6 de fevereiro de 2007, aprovada
pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n
º 661, publicado em 1º de setembro de 2010 e ratificada em 29 de
novembro de 2010. No que tange à Convenção Interamericana sobre o
Desaparecimento Forçado, embora esta tenha sido aprovada pelo Congresso
Nacional, ainda não foi ratificada pelo Brasil.
Tais Convenções mostram-se de extrema importância especialmente para
os países do cone sul que vivenciaram sangrento período ditatorial e ainda
passam por um momento de transição democrática (justiça de transição), já
que ressaltam a necessidade de prevenir o desaparecimento forçado e
combater a impunidade nesses casos, afirmando o direito à verdade das
vítimas sobre as circunstâncias do desaparecimento forçado e o destino da
pessoa desaparecida, bem como o direito à liberdade de buscar, receber e
difundir informação com esse fim. Assim, A doutrina denomina de Justiça de
Transição um conjunto de Mecanismos judiciais ou extrajudiciais utilizados por
uma sociedade como um ritual de passagem à ordem democrática após graves
violações de direitos humanos por regimes autoritários e ditatoriais, de forma
que se assegura a responsabilidade dos violadores de direitos humanos, o
resguardo da justiça e a busca da reconciliação.
O caso Gomes Lund (ou “Guerrilha do Araguaia”), destaca-se dentre os
julgados pela Corte Interamericana em razão de ter o Estado Brasileiro figurado
no banco dos réus do sistema interamericano. É mais um caso sobre a
apreciação das Leis de Anistia editadas pelos países alvo de ditaduras
recentes. Trata-se de Ação movida pela Comissão pelo desaparecimento
forçado de mais de 60 pessoas que lutaram contra a ditadura militar brasileira,
em geral membros do Partido Comunista do Brasil, na região do Araguaia
(Tocantins), durante o início da década de 70 do século XX. O destino e os
eventuais restos mortais dos guerrilheiros jamais foram encontrados pelo
exército.
Além de outros pontos, a Corte declarou o Estado responsável pela
violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à
integridade física e à liberdade pessoal (pelo desaparecimento forçado), às
garantias judiciais e de proteção judicial. A Corte enfatizou o direito à justiça e à
verdade, exigindo punições penais aos violadores de direitos humanos.
Outrossim, apesar de o STF ter reconhecido meses antes do julgamento pela
Corte a compatibilidade das leis de anistia com a Constituição, a Corte
Interamericana, em diálogo definitivo de Convencionalidade reiterou sua
jurisprudência no sentido da invalidade da lei de anistia brasileira, sendo tal
incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, ainda que se
trate de lei de anistia bilateral.
Insta esclarecer que a Convenção Internacional sobre o Desaparecimento
Forçado de Pessoas traz em seu bojo um mandado de criminalização ao
determinar que os Estados tomem as medidas necessárias para assegurar que
o desaparecimento forçado constitua crime em conformidade com o direito
penal, providência que ainda não foi adotada pelo Brasil. Contudo, tal não
impede o enquadramento de práticas violatórias de direitos humanos em outros
tipos penais presentes no ordenamento jurídico interno, como ocorreu no caso
Gomes Lund, em que a conduta dos perpetradores das violações puderam ser
138
enquadradas, por ex, como crime de sequestro, previsto no art. 146 do Código
Penal.
Adendo: tramita na Câmara dos Deputados um PL para tipificar a conduta
de desaparecimento forçado e acrescentá-lo ao rol de crimes hediondos. É o
PL 6.240/13, que visa acrescentar o art. 149-A ao Código Penal e inciso ao art.
1º da Lei 8.072/90.
139
americano Nicholas Blake não havia sido investigado de maneira adequada, o
que inviabilizou a responsabilização dos violadores de direitos humanos. Essas
obrigações de investigar e responsabilizar os autores de tais violações
possuiriam o caráter permanente.
Retornando à Convenção, o art. 13 prevê que, para fins de extradição entre
os Estados partes, o crime de desaparecimento forçado não pode ser
considerado crime político, um delito conexo a crime político, nem um crime de
motivação política.
No que tange aos mecanismos de monitoramento, a Convenção prevê
como Treaty Body (órgão de tratado) o Comitê Contra Desaparecimentos
Forçados, que admitirá relatórios, o recebimento de comunicações individuais e
interestatais. Além disso, é possível a submissão ao Comitê, em regime de
urgência, de pedido de busca e localização de uma pessoa desaparecida por
seus familiares ou por seus representantes legais, advogado ou qualquer
pessoa por eles autorizada, bem como por qualquer outra pessoa detentora de
interesse legítimo.
PONTO 19
Convenção Relativa à proteção do patrimônio mundial, cultural e natural –
“Declaração de Estocolmo”. Convenção sobre a diversidade biológica
(1992).
140
O conceito unificador de Patrimônio Mundial, com suas qualificações
natural e cultural, foi criação da Convenção relativa à Proteção do Patrimônio
Mundial, Cultural e Natural de 1972, sob a égide da UNESCO. Esse
instrumento normativo tem por objetivo definir e proteger os bens pertencentes
ao patrimônio mundial, composto de bens naturais e culturais, conhecido como
Patrimônio Cultural da Humanidade.
O interesse comum da humanidade sobre os bens desse patrimônio é o
“traço comum” entre eles, ou seja, é o elemento que unifica ambas as
categorias sob o mesmo signo.
Ao subscrever a Convenção, o Brasil assumiu um compromisso
internacional de proteção e salvaguarda dos bens integrantes do patrimônio
cultural nacional. Os bens protegidos são aqueles de excepcional valor
universal, que devem ser preservados para as atuais e futuras gerações.
141
elementos criados pelo ser humano, de maneira que toda a riqueza que
compõe o patrimônio ambiental transcende a matéria natural e incorpora
também um ambiente cultural, revelado pelo patrimônio cultural.
Importante destacar que as discussões e os acordos firmados durante a
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
realizada no Rio de Janeiro em 1992 (ECO92), foram o ponto de partida para
dar uma nova dinâmica ao conceito de patrimônio cultural, fazendo a interface
com o meio ambiente.
Desde então, o tema passou a ser objeto de estudo do direito ambiental e,
além das fronteiras do direito interno, do Direito Internacional do Meio
Ambiente. Isto se deve principalmente às políticas destinadas a garantir os
direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais sobre recursos
genéticos, que foram adotadas na Convenção sobre Diversidade Biológica
durante a ECO92, idealizadas a partir do reconhecimento da estreita relação
entre a preservação dos recursos naturais e os conhecimentos, costumes e
tradições dessas populações.
142
imposição de limitações administrativas à propriedade privada ou pública, por
meio da inscrição do bem no livro do tombo.
15
http://whc.unesco.org/en/list/ - Consultado em 14/1/2015.
143
patrimônio, e aquelas imputadas à comunidade internacional, com destaque
para o dever de assistência financeira.
Para este fim, foi instituído um Fundo do Patrimônio Mundial (World
Heritage Fund – WHF), constituído por fundos pagos regularmente pelos
Estados-partes, com vistas a dar efetividade à atuação da UNESCO, no intento
conservacionista do patrimônio cultural. Como leciona Mazzuoli, a UNESCO
faz parte do rol de organizações internacionais que exerce um papel mais
diferenciado do que o habitual, ligado aos deveres de prevenção e proteção do
meio ambiente.
O regime diferenciado de gestão do Patrimônio Mundial é baseado em uma
relação de trust, segundo a qual a gestão dos bens é atribuída aos Estados e
organizações internacionais, que, no papel de tutores, assumem a missão de
depositários dos interesses comuns da humanidade, zelando pela conservação
dos bens a serem transferidos às futuras gerações.
144
i. Ruínas de São Miguel das Missões/RS
ii. e o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas do
Campo/MG.
Os conjuntos ou sítios culturais brasileiros são compostos dos centros
históricos das cidades de:
i. Ouro Preto/MG,
ii. Olinda/PE,
iii. Salvador/BA,
iv. São Luiz do Maranhão/MA,
v. Diamantina/MG,
vi. Goiás/GO e
vii. São Cristóvão/SE,
viii. sítio arqueológico do Parque Nacional Serra da Capivara/PI;
ix. sítio arqueológico do Plano Piloto de Brasília/DF, primeiro núcleo urbano
construído no século XX incluído na Lista do Patrimônio Mundial;
x. por último, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se a primeira do mundo a
receber o título de Patrimônio Mundial como paisagem cultural urbana.
Em setembro de 2009, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – IPHAN entregou a UNESCO o dossiê completo da candidatura da
cidade, justificando seu valor universal excepcional pela interação da sua
beleza natural com a intervenção humana. Por ocasião da 36ª Sessão do
Comitê do Patrimônio Mundial, em São Petersburgo, na Rússia, iniciada em 24
de junho de 2012, o comitê técnico da candidatura defendeu as paisagens
cariocas entre a montanha e o mar. Na apresentação, o Rio de Janeiro foi
mostrado como uma cidade onde a paisagem urbana se funde com uma
natureza exuberante que dá origem a uma cultura de rua, com grandes
espaços abertos, parques públicos, jardins e orla que são parte da vida
cotidiana dos cariocas. A candidatura foi aprovada pelo Comitê em 1º de julho
de 2012.
2) Declaração de Estocolmo
145
assunção de responsabilidades para com a conservação, recuperação e
melhoria da qualidade ambiental.
146
convocação da Conferência do Rio de Janeiro em 1992, que em seu próprio
título reconhece meio ambiente e desenvolvimento como dois lados da mesma
moeda.
147
genéticos – e se refere à biodiversidade em três níveis: ecossistemas, espécies
e recursos genéticos.
A Convenção abarca tudo o que se refere direta ou indiretamente à
biodiversidade – e ela funciona, assim, como uma espécie de arcabouço legal
e político para diversas outras convenções e acordos ambientais mais
específicos, como o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança; o Tratado
Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura;
as Diretrizes de Bonn; as Diretrizes para o Turismo Sustentável e a
Biodiversidade; os Princípios de Addis Abeba para a Utilização Sustentável da
Biodiversidade; as Diretrizes para a Prevenção, Controle e Erradicação das
Espécies Exóticas Invasoras; e os Princípios e Diretrizes da Abordagem
Ecossistêmica para a Gestão da Biodiversidade.
A Convenção também deu início à negociação de um Regime Internacional
sobre Acesso aos Recursos Genéticos e Repartição dos Benefícios resultantes
desse acesso; estabeleceu programas de trabalho temáticos; e levou a
diversas iniciativas transversais.
148
22. Como a Convenção regula as relações entre os países?
A Convenção promove uma nova forma de parceria entre os países, onde a
cooperação científica e técnica, o acesso aos recursos financeiros e genéticos,
e a transferência de tecnologias limpas constituem as bases principais (arts. 15
e 16).
Pela primeira vez, no contexto da conservação da diversidade biológica,
um instrumento legal internacional declara os direitos e as obrigações das suas
Partes Contratantes relativamente à cooperação científica, técnica e
tecnológica.
Com base na CDB foi elaborada a Política Nacional da Biodiversidade -
PNB (Decreto 4.339/02), que estabelece um programa de ação relativo à
biodiversidade.
149
Patrimônio genético é a informação de origem genética, contida em
amostras do todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou
animal, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo
destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos,
encontrados em condições in situ, inclusive domesticados, ou mantidos em
coleções ex situ, desde que coletados em condições in situ no território
nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; ACESSO
AO PATRIMÔNIO GENÉTICO é a obtenção de amostra de componente do
patrimônio genético para fins de pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico ou bioprospecção, visando a sua aplicação industrial ou de outra
natureza; ACESSO À TECNOLOGIA E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA é
a ação que tenha por objetivo o acesso, o desenvolvimento e a transferência
de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica ou
tecnologia desenvolvida a partir de amostra de componente do patrimônio
genético ou do conhecimento tradicional associado; BIOPROSPECÇÃO é a
atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e
informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso
comercial.
PONTO 20
Carta Africana de Direitos Humanos e dos povos. Declaração das Nações
Unidas sobre os direitos dos povos indígenas.
150
Uma outra inovação que merece relevo, consubstancia-se na ausência de
distinção entre direitos civis e políticos, por um lado, e direitos sociais e
econômicos por outro. A Carta não distingue a natureza dos direitos, atribui-
lhes igual força jurídica e submete-os todos à “jurisdição”, ou melhor, ao
controlo da Comissão Africana dos Direitos do Homem. Assim, em teoria, a
Comissão poderá ser chamada a apreciar a atividade dos Estados em matéria
de ações destinadas a assegurar o exercício dos direitos económicos e sociais.
Neste contexto, na Carta de Banjul, a indistinção entre os direitos civis e
políticos de natureza perceptiva e os direitos económicos e sociais de natureza
programática, tanto no que se refere à sistemática, como no respeitante à
sujeição à competência da Comissão, revela-se assim muito inovadora. Esta
identidade de regimes parece implicar que os Estados partes pretendem
assegurar de imediato o exercício de todos os direitos previstos na Carta e, em
última análise, sujeitam os Estados à respectiva apreciação pela Comissão. Os
seus autores quiseram claramente ultrapassar a dialética marxista, que rejeita
os direitos da “primeira geração”, para impor uma relação de interdependência
e igualdade entre todos os direitos.
A enunciação dos deveres revela-se também uma das originalidades da
Carta de Banjul. A referência aos deveres tinha já surgido num instrumento
jurídico não vinculativo – a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem de 1948 – mas a Carta Africana revela-se o único tratado relativo a
direitos do homem que consagra, de forma desenvolvida, a noção de deveres
individuais não só em relação ao próximo, mas também em função da
comunidade, na linha da tradição africana.
Este entendimento constitui uma “ruptura” com a concepção ocidental dos
direitos do homem, que considera à luz da doutrina positivista, a dialética
direito-dever essencialmente baseada no direito como um conjunto de
prerrogativas, que originam por reciprocidade um feixe de deveres ou
obrigações. A “autonomização” dos deveres altera a natureza deste conceito,
embora não seja possível afirmar que a Carta estabelece uma relação
hierárquica entre direitos e deveres, nem tão pouco uma precedência dos
direitos sobre os deveres. Determina apenas – com alguma imprecisão – o
conteúdo dos deveres, bem como os seus beneficiários. Com efeito, a Carta
impõe várias obrigações ao indivíduo em relação à comunidade, as quais não
decorrem de um “direito subjetivo”, no sentido kelseniano, pois constituem
verdadeiras obrigações autônomas, sem paralelo em outros instrumentos de
direito internacional de direitos do homem.
Porém, a Carta não passa imune a críticas.
A definição imprecisa dos direitos e a sua enunciação de forma ambígua e
insuficiente, bem como a ausência de limitações específicas, ou melhor, a
formulação de limitações que protegem o Estado, em detrimento do indivíduo,
reduzem o conteúdo dos direitos, por vezes abaixo do nível mínimo exigido
pelo direito internacional dos direitos do homem.
É certo, que no artigo 27.º, n.º 2, surge, incluída no capítulo dos deveres, o
que se poderá designar de “cláusula geral de limitação”, aplicável
genericamente a todos os direitos. Assim, os direitos e liberdades exercem-se
no “respeito dos direitos de outrem, da segurança coletiva, da moral e do
interesse comum”. Para além de uma objecção de natureza sistemática – a sua
inclusão no capítulo dos deveres – a imprecisão dos conceitos, deixa ao
Estado uma larguíssima margem de apreciação, dado que será sempre
151
possível encontrar um fim legítimo para justificar uma ingerência nos direitos e
liberdades dos indivíduos.
A generalidade dos direitos refere-se às cláusulas de limitações, as quais
se revelam imprecisas, remetendo em alguns casos os limites dos direitos para
a “lei”, sem que se defina o que se entende por lei. Ora, em regimes de partido
único, afigura-se que a lei não tende a proteger os direitos e liberdades dos
cidadãos, mas sim o poder do Estado e das autoridades públicas. A ausência
de cláusulas limitativas do tipo europeu, como sejam as limitações necessárias
a uma “sociedade democrática” não se encontram nas disposições da Carta de
Banjul.
Ao contrário das Convenções europeia e americana, a Carta de Banjul
omite uma cláusula derrogatória de certos direitos em situações de exceção,
facto que pode levantar problemas de ordem prática, mas pode também ser
interpretado no sentido de um reforço de proteção dos direitos, que serão todos
inderrogáveis, mesmo em casos excepcionais.
A ausência de uma cláusula de reservas constituiu também uma deficiência
técnica da Carta Africana. Assim, ao aceitar implicitamente o regime das
reservas previsto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, ou seja
ao deixar ao critério dos Estados, através de objecções às reservas, a
apreciação da sua compatibilidade com o objecto e o fim da Carta, os seus
autores optaram implicitamente por uma solução que nos parece pouco
compatível com a efectiva protecção dos direitos nela enunciados.
Na realidade, apenas a Zâmbia e o Egito formularam reservas, sendo a
primeira relativa à liberdade de circulação, restringindo-a a locais públicos. As
reservas egípcias referem-se à liberdade religiosa e aos direitos das mulheres,
as quais estarão sujeitas à lei islâmica, ponto que reascende a discussão do
multiculturalismo.
152
assim, é um elemento de cosmovisão, de sua religiosidade e de sua identidade
cultural, pois a terra é estritamente relacionada com suas tradições e
expressões orais, costumes, línguas, artes e rituais, sobretudo sua relação com
a natureza, arte culinária e direito consuetudinário.
Em virtude da relação com a natureza, os membros indígenas transmitem
de geração para geração este patrimônio cultural imaterial que é por eles
recriado constantemente.
Destarte, concluiu a Corte que a identidade cultural é componente
agregado ao próprio direito à vida lato senso. Violada a identidade cultural,
viola-se a própria vida.
Em outro caso relativo ao tema (Xakmok Kasek vs Paraguai), a Corte
ressaltou que a não garantia do direito a propriedade violaria o direito à
identidade cultural. Os conceitos tradicionais de propriedade privada e posse
não se aplicam às comunidades indígenas, pelo significado coletivo de terra,
em que a relação de pertença não se centra no indivíduo, mas no grupo e na
coletividade.
153
• Direito a reparação pelo furto de suas propriedades: a declaração exige
dos Estados nacionais que reparem os povos indígenas com relação a
qualquer propriedade cultural, intelectual, religiosa ou espiritual subtraída sem
consentimento prévio informado ou em violação a suas normas tradicionais.
Isso pode incluir a restituição ou repatriação de objetos cerimoniais sagrados.
• Direito a manter suas culturas: esse direito inclui entre outros o direito de
manter seus nomes tradicionais para lugares e pessoas e de entender e fazer-
se entender em procedimentos políticos, administrativos ou judiciais inclusive
através de tradução.
• Direito a comunicação: os povos indígenas têm direito de manter seus
próprios meios de comunicação em suas línguas, bem como ter acesso a todos
os meios de comunicação não-indígenas, garantindo que a programação da
mídia pública incorpore e reflita a diversidade cultural dos povos indígenas.
Verifica-se, assim, que o respeito à cultura e às tradições é nota marcante
da precitada declaração, preocupada com a identidade cultural dos povos
indígenas.
PONTO 21
Sistema Regional Interamericano de Proteção de Direitos Humanos.
Organização dos Estados Americanos (OEA): declarações, tratados,
resoluções, relatórios, informes, pareceres, jurisprudência (contenciosa e
consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos), normas de
organização e funcionamento dos órgãos de supervisão, fiscalização e
controle.
154
iv. Comissão Jurídica Interamericana,
v. Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
vi. Secretaria Geral,
vii. Conferências Especializadas,
viii. Organismos Especializados,
ix. outras entidades que vierem a ser estabelecidas pela AG.
Atualmente, a OEA possui dois órgãos voltados para a promoção de
direitos humanos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o
Conselho Interamericano para o Desenvolvimento Integral.
A OEA utiliza uma estratégia quádrupla para implementar eficazmente seus
objetivos essenciais. Os quatro pilares da Organização (democracia, direitos
humanos, segurança e desenvolvimento) se apoiam mutuamente e estão
transversalmente interligados por meio de uma estrutura que inclui diálogo
político, inclusividade, cooperação, instrumentos jurídicos e mecanismos de
acompanhamento, que fornecem à OEA as ferramentas para realizar
eficazmente seu trabalho no hemisfério e maximizar os resultados.
Importante passo no desenvolvimento do sistema interamericano de
proteção dos direitos humanos foi a aprovação do texto da Convenção
Americana de Direitos Humanos – Pacto San José da Costa Rica, 1969, que só
entrou em vigor em 1978. Com a entrada em vigor da CADH, a Comissão
passou a ter papel dúplice: em primeiro lugar, continuou a ser um órgão
principal da OEA, encarregado de zelar pelos direitos humanos, processando
petições individuais; em segundo lugar, passou também a ser órgão da CADH,
analisando petições individuais e interpondo ações de responsabilidade
internacional contra um Estado perante a Corte.
Além da CADH, o sistema interamericano conta com diversos instrumentos
internacionais que protegem direitos específicos: Protocolo Adicional à
Convenção Americana de Direitos Humanos em matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), Convenção
Interamericana para Punir o Crime de Tortura, Protocolo Adicional à Convenção
Americana de Direitos Humanos, relativo à Abolição da Pena de Morte,
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher (Convenção Belém do Pará), Convenção Interamericana sobre
Desaparecimento Forçado (o Brasil apresentou ratificação/depósito em
03/2014, não há dados sobre decreto executivo), Convenção Interamericana
para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência. Em 2013, foram adotadas, ainda, a Convenção
Interamericana contra o Racismo, Discriminação Racial e Formas Correlatas de
Intolerância e a Convenção Interamericana contra Toda Forma de
Discriminação e Intolerância, somente assinadas pelo Brasil, pendente
ratificação.
Obs.: No que diz respeito à atuação específica da OEA, destaca-se a
valorização do trabalho dos defensores públicos na promoção de direitos
humanos (Res. 2656/11, Res. 2714/12, Res. 2801/13 e Res. 2821/14).
Também sobre sua atuação específica, a OEA criou, ao longo dos anos,
Relatorias Especiais sobre o tema de direitos humanos, vinculadas à Comissão
IDH. A mais importante destas Relatorias é a da Liberdade de Expressão, com
independência funcional e estrutura própria.
155
3. Uma das funções da Comissão Interamericana de Proteção dos
Direitos Humanos é examinar comunicações encaminhadas por
indivíduos, grupos de indivíduos ou ONGs que contenham denúncia de
violação a direito consagrado pela Convenção, por Estado que dela seja
parte, ou, se dela não fizer, que ao menos o seja da DADH. Dito isso,
aponte quais os requisitos de admissibilidade das referidas
comunicações.
São requisitos de admissão das petições individuais:
>> esgotamento dos recursos na jurisdição interna; (caráter subsidiário da
jurisdição internacional)
>> apresentação dentro de 6 meses, a partir da data em que o prejudicado
seja notificado de decisão definitiva;
>> que não haja litispendência/coisa julgada internacional;
>> no caso de entidade reconhecida, deve haver dados de identificação de
seu representante legal ou da(s) pessoa(s) envolvidas.
Ressalta-se, que há relativização quanto ao esgotamento e o prazo de 6
meses (art. 46, CADH):
>> se ausente, na legislação interna, o devido processo legal para tratar do
direito violado;
>> não tiver sido permitido ao prejudicado o acesso aos recursos da
jurisdição interna para tutela de seus direitos;
>> demora injustificada.
Ademais, a Corte decidiu na OC 11/90 pela dispensa do requisito de
esgotamento dos recursos internos no caso de o Estado não ter possibilitado
assistência jurídica suficiente, ou os advogados não tenham prestado em razão
de algum temor generalizado em entrar com a medida, uma vez que não foi
permitido o acesso aos recursos da jurisdição interna, ou a possibilidade de
esgotá-los (art. 46. 2. “b” da CADH).
156
solução dentro do prazo previsto, será redigido o relatório do art. 50. Este
relatório não é publicado e é encaminhado aos Estados interessados (Primeiro
Informe ou Primeiro Relatório). Se decorridos três meses da remessa não
houver solução pode ser submetido à Corte, se o Estado reconheceu sua
jurisdição e Comissão entender como conveniente para a proteção de DH. Na
prática, este prazo é prorrogado com anuência da Comissão e do Estado. Se
for prorrogado, não poderá alegar depois decadência do direito da Comissão
em propor a ação. Caso o Estado não reconheça a jurisdição da Corte e não
cumpra o Primeiro Informe, será emitida pela Comissão sua opinião e
conclusões, com recomendações pertinentes fixando prazo ao Estado
(Segundo Informe). Este Informe é público, uma vez descumprido, consta no
relatório anual para a Assembleia Geral, constando as deliberações
descumpridas, para que a OEA tome medidas de convencer o Estado.
157
Comissão violação a direitos humanos por outro Estado-parte. Suas hipóteses
são raríssimas de acontecer, haja vista o receio dos Estados em sofrerem
retaliação por parte do denunciado. Ademais, é requisito para comunicação que
ambos os Estados envolvidos tenham ratificado a cláusula 45 da CADH.
158
capacidade de cada uma das partes. Assim, o ônus é de quem possuir
melhores condições de obter a prova, ou seja, o Estado normalmente é
intimado a apresentar as provas.
159
Comissão IDH em relação a qualquer dispositivo da Convenção ou
tratado de DH incidente nos Estados Americanos – pertinência
temática universal,
Outros órgãos da OEA com pertinência restrita a temas de DH de sua
atuação.
Além disso, cumpre consignar que, na OC 1/82, a Corte decidiu que é
competente para emitir pareceres consultivos sobre todo tratado de DH
aplicável aos Estados americanos, ou seja, qualquer tratado que possa
proteger as pessoas da região americana (assim, inclusive os da ONU, por
exemplo). A Corte também afirmou que as OC não tem a força vinculante das
sentenças.
16. A Corte IDH pode decidir com fundamento em tratados que não sejam
regionais americanos? Exemplifique.
Sim. A Corte pode se valer de outros tratados para fundamentar suas
decisões, desde que elas sejam passíveis de aplicação no continente
americano. Nesse sentido, a Corte já aplicou, por exemplo, a Convenção da
ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência no caso Furlán x Argentina.
Este caso foi o primeiro em que houve a atuação de defensor público
interamericano.
160
que as solicitações de nulidade só poderiam ser apresentadas se o acusado
comparecesse à audiência preliminar. Em razão disso, o caso foi levado à
Comissão IDH, onde a Estado Venezuelano arguiu a preliminar da falta de
esgotamento de recursos.
A preliminar apresentada foi acolhida pela Corte IDH, a qual adotou a teoria
da etapa temprana. Decidiu-se que não é possível analisar o impacto negativo
que uma decisão pode ter se ocorre em etapas tempranas, quando as decisões
podem ser analisadas e corrigidas por meio de recursos ou ações previstas no
ordenamento jurídico interno.
PONTO 22
Comissão Interamericana de Direitos Humanos: relatórios de casos,
medidas cautelares, relatórios anuais e relatoria para a liberdade de
expressão.
161
Para responder a pergunto é imprescindível traçar o histórico do órgão.
A Comissão foi criada no bojo dos Estados que compõe a OEA em
Santiago 1959, tendo efetivamente iniciado seus trabalhos em 1960 (com a
aprovação de seu Estatuto pelo Conselho da OEA). Após alguns anos, em
1967, com o Protocolo de Buenos Aires, que emendou a Carta da OEA, a
Comissão se tornou órgão principal da OEA de defesa dos DH.
Em 1969, com a CADH, a Comissão passou a ser também órgão
fiscalizador.
Veja, portanto, que a Comissão é órgão da OEA e da Convenção
Americana de DH.
Em que pese não terem assinado a CADH, EUA e Canadá são signatários
da Carta da OEA (Bogotá 1948), razão pela qual estão submetidos ao poder
fiscalizatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de acordo com
o estabelecido na Carta da OEA.
Atenção: O sistema de petições individuais também é previsto no
Sistema da OEA (portanto EUA e Canadá também se submetem a ele).
Pode-se dizer que o processamento das petições é o mesmo daquele existente
no Sistema da Convenção Americana, com uma única diferença: a Comissão
não pode enviar suas conclusões à Corte Interamericana, pois este órgão
é exclusivo da CADH.
162
2- Apresentação dentro do prazo de seis meses, a partir da notificação da
decisão definitiva interna;
3- ausência de litispendência internacional; e
4- vedação ao anonimato.
Os requisitos 1 e 2 são dispensados quando no âmbito interno inexistir
devido processo legal para proteção dos DH violados, houver demora
injustificada ou obstrução de acesso à justiça.
Obs.: Tem legitimidade para apresentação da petição individual não só a
vítima, mas também qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou, ainda, entidade
não governamental legalmente reconhecida.
163
caso, que será remetido ao peticionário, aos Estados e ao Secretário-Geral da
OEA, para publicação (relatório de solução amistosa).
(iii) informe preliminar ou fase do 1º Informe: frustrada a conciliação, a
Comissão delibera e elabora um relatório com suas conclusões e encaminha
ao Estado, que tem o prazo de 3 (três) meses para cumprir às recomendações.
Esse relatório é confidencial-restrito as partes.
(iv) acionamento da Corte ou informe definitivo (ou Segundo Informe).
No caso de descumprimento do 1º informe, podem ocorrer duas situações
alternativamente:
a) Acionamento da Corte se o Estado anuiu com a cláusula facultativa que
reconhece sua competência;
b) Na hipótese de Estado infrator não reconhecer a jurisdição da Corte, a
Comissão elabora um segundo informe (vinculante e público), cujo teor
contemplará providências que o Estado violador deverá cumprir no prazo
estipulado. Após o decurso desse prazo, a Comissão agrega a informação
sobre o cumprimento das medidas e publica suas conclusões.
Atenção: André de Carvalho Ramos explica que a Corte Interamericana de
Direitos Humanos manifestou inicialmente entendimento favorável à tese de
que os informes da Comissão Interamericana não vinculariam. Contudo,
posteriormente o Egrégio Tribunal modificou seu posicionamento e atualmente
entende que o Segundo Informe da Comissão, enviado após a primeira
manifestação do Estado sobre o cumprimento das recomendações, tem
natureza vinculante. (Ramos, 2001, p. 83-85). Isso porque, se os Estados
aceitaram a competência da Comissão, devem cumprir suas determinações por
obediência ao princípio da boa-fé.
164
ou a pedido da parte, requerer que o Estado adote medidas cautelares para
prevenir danos irreparáveis às pessoas ou ao objeto do processo com base em
uma petição ou caso pendente, assim como, à pessoas que se encontrem sob
sua jurisdição, independentemente de qualquer petição ou caso pendente.
Estas medidas poderão ser de natureza coletiva com o fim de prevenir um
dano irreparável às pessoas em razão de vínculo com uma organização, grupo
ou comunidade de pessoas determinadas ou determináveis.
165
17. Qual a relação entre a CIDH e a Lei 11.340/06?
A lei 11.340/06 foi uma das medidas adotadas pelo Brasil após relatório
definitivo de mérito publicado pela CIDH em 2001, em caso que apurava a
violação de Direitos Humanos sofridas por Maria da Penha. Além da edição da
lei, que visa a coibir a violência doméstica contra a mulher, o Brasil também
cumpriu com a obrigação de responsabilizar internamente o autor do crime (ex-
marido da vítima), que foi preso em 2002.
166
21. É possível afirmar que o crime de desacato previsto no art. 331 do CP
brasileiro viola a convenção americana de direitos humanos no que diz
respeito ao direito à liberdade de expressão?
A Relatoria da Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos já concluiu em parecer que leis nacionais que estabelecem
crimes de desacato são contrárias ao art. 13 da Convenção Americana de
Direitos Humanos. Segundo o parecer, as leis que punem a manifestação
ofensiva dirigida a funcionários públicos atentam contra a liberdade de
expressão e informação. Logo, a leis nacionais que estabelecem crimes de
desacato são anticonvencionais e, por isso, deve ser dada prevalência a CADH
por possuir status supralegal.
Atenção: em março de 2015, o Núcleo de Situação Carcerária e o Núcleo
de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de SP encaminharam
à CIDH um pedido de concessão de medida cautelar coletiva para que o
Brasil deixe de aplicar a norma que tipifica criminalmente o desacato, por violar
a CADH.
A DPESP já havia acionado a CIDH em agosto de 2012 para contestar uma
condenação criminal pelo mesmo delito.
PONTO 23
Corte Interamericana de Direitos Humanos.
167
Seu nascimento se deu em 1978, quando da entrada em vigor da CADH,
mas o seu funcionamento somente ocorreu, de forma efetiva, em 1980, quando
emitiu sua primeira opinião consultiva e, sete anos mais tarde, quando deu sua
primeira sentença.
168
8. O que é jus standi? Quem o possui no contexto da CADH?
Somente os Estados-partes na CADH e a COMISSAO INTERAMERICANA
(CIDH) têm direito de submeter um caso (jus standi) à decisão da Corte.
169
futuramente à competência contenciosa da Corte Interamericana. Eventuais
reservas a esse dispositivo são flagrantemente contrárias ao objeto e ao
escopo da CADH.”
Segundo Cançado Trindade, a jurisdição obrigatória da Corte é uma das
cláusulas pétreas da proteção internacional dos direitos humanos e não
comporta limitações outras que as expressamente previstas no artigo 62 da
Convenção.
Exemplo: Caso Hilaire Vs. Trinidad e Tobago (2001) – Trinindad e Tobago
foi o único Estado que, no momento de sua aceitação à CADH, estabeleceu
condições desta natureza para a aceitação da competência da Corte.
Como reiteradamente tem declarado a própria Corte, a sua competência
“não pode estar condicionada a fatos distintos de suas próprias atuações”, uma
vez que “os instrumentos de aceitação da cláusula facultativa da jurisdição
obrigatória (Art.62.1 da CADH) pressupõem a admissão, pelos Estados que a
representam, do direito da Corte resolver qualquer controvérsia relativa à sua
jurisdição.”17
170
omissões que tenham ocorrido a partir do referido reconhecimento, bem
como seus respectivos efeitos. ( Caso da Comunidade Moiwana Vs.
Suriname – 2005).
171
b) condenação por danos materiais (inclusive com lucros cessantes) e
morais;
c) a obrigação de construir posto médico e escolar (Caso
ALOBOETOE);
d) obrigação de editar determinada norma interna ou de modificar
dispositivo existente ( Caso Suárez Rosero);
e) obrigação de investigar e punir os responsáveis pelas violações ( Caso
Velásquez Rodriguez);
f) obrigação de tornar nulo um processo judicial (Caso Cesti Hurtado)
Deve-se distinguir, portanto, o dever de reparação do dever de indenização
previstos no art. 63.1 da CADH, pois enquanto reparação geralmente induz
uma obrigação de fazer ou não fazer, a indenização se volta ao pagamento de
uma quantia certa relativa à obrigação de ressarcimento dos danos, sejam eles
de conteúdo moral ou material.
172
b) proposta a ação, poderá o Presidente da Corte examinar
preliminarmente a demanda, verificando se foram ou não cumpridos todos os
requisitos necessários à sua propositura.
c) a esta fase de exame preliminar da demanda segue-se a citação do
Estado réu, bem como a intimação da Comissão Interamericana, quando esta
não for autora da ação (caso em que atuará como custos legis);
d) abre-se, então, o contraditório, em que o Estado réu poderá apresentar
exceções preliminares no prazo de dois meses seguintes à sua citação.
e) depois de citado o demandado, a Corte poderá aceitar ou não a
desistência do Estado demandante;
f) nada obsta que as partes cheguem a uma solução amigável da disputa,
levando ao conhecimento da Corte a solução, caso em que a Corte poderá
homologar;
g) o demandado, no prazo improrrogável de 4 meses, seguintes à
notificação , terá o direito de apresentar contestação, juntando documentos;
h) as exceções preliminares só poderão ser opostas na contestação da
demanda, que não terão efeito suspensivo;
i) depois deste iter o Presidente da Corte fixara a data de abertura do
procedimento oral e fixará as audiências necessárias (art. 45);
j) Encerrada a fase probatória (com os debates, perguntas etc.) a Corte
passa à deliberação , proferindo sentença de mérito;
k) A notificação da sentença é feita pela Secretaria da Corte.
173
de atendimento psiquiátrico, e o pagamento de indenização por danos
materiais e imateriais à família da vítima.
O grande problema que existe relativamente ao cumprimento integral das
obrigações impostas aos Estados pela Corte Interamericana não está na parte
indenizatória da sentença, mas na dificuldade de executar internamente os
deveres de investigar e punir os responsáveis pelas violações de direitos
humanos.
Frise-se que se o Estado deixa de observar o comando do art. 68,§1º, da
CADH (que ordena aos Estados acatarem, sponte sua, as decisões da Corte),
está incorrendo em nova violação do Pacto de San José, fazendo operar no
sistema interamericano a possibilidade de novo procedimento contencioso
contra esse mesmo Estado.
Caso o Estado não cumpra sponte sua a sentença da Corte, cabe à vítima
deflagrar ação judicial a fim de garantir o efetivo cumprimento da sentença,
uma vez que elas também valem como título executivo no Brasil, tendo
aplicação imediata, devendo tão somente obedecer aos procedimentos
internos relativos à execução de sentença desfavorável ao Estado.
André de Carvalho Ramos sustenta que em caso de descumprimento
pelo Estado da decisão internacional, deve-se excluir do procedimento de
execução das sentenças da Corte a conhecida ordem dos precatórios,
prevista no art.100 da CF. Defende, outrossim, que a condenação possui
caráter alimentar.
174
Em suma, deve-se analisar, à luz do princípio pro homine, qual das
decisões (interna ou da CIDH) será mais benéfica ao ser humano em um
dado caso concreto.
PONTO 24
Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Convenção
Americana de Direitos Humanos. Protocolo adicional à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos,
sociais e culturais – “Protocolo de San Salvador”.
175
2. Quais as possíveis críticas que se fazem ao preâmbulo da DADDH?
Em seu preâmbulo19 a DADDH traz mais deveres do que direitos. É claro
que sempre existe o dever coletivo de respeito aos direitos. A todo direito
fundamental corresponde um dever coletivo. No entanto, caso se entenda esse
conceito sob a ótica do direito privado, pode-se partir para a equivocada noção
de que somente são titulares dos direitos aqueles que cumprem seus deveres
(“direitos humanos para humanos direitos”).
“A leitura do texto revela que os ditos deveres dizem respeito a uma
condição ao exercício dos direitos humanos, no sentido evidente de que a toto
direito de uma pessoa corresponde um dever coletivo de seu respeito, cuja
menção é, ademais, reduntante – se o obrigado da norma for o mesmo que o
titular do direito correpondente – ou incorreta – se não o for. Na realidade, a
concepção liberal clássica é a de que os direitos humanos se põem contra a
ingerência do Estado e de terceiros na órbita individual, surgindo igualmente a
obrigação estatal de garantir a ordem pública. Quanto aos direitos econômicos,
sociais e culturais, embora dependentes da solidariedade social para sua
efetivação, na grande maioria geram evidentes obrigações estatais, decorrendo
que é o Estado quem se situa no pólo passivo da relação jurídica. Como
consequência, a ideia de deveres correlatos mostra-se intrinsecamente
equivocada, traduzindo impropriamente para o âmbito público uma situação
típica do direito privado, de reciprociade entre as partes na relação jurídica”.
Por sua vez, a DADH traz um dispositivo acerca da correlação entre
deveres e direitos, sendo os primeiros genericamente entendidos no sentido de
que toda pessoa tem deveres para coma família, a comunidade e a
humanidade.
176
reprimidas pela lei. Carlos Weis chama atenção para o fato de que “a proibição
à exploração capitalista no mesmo artigo que consagra seu fundamento último
é um contrassenso” a priori, mas que na verdade o dispositivo não quis dizer
respeito à exploração tal como consagrada pelo marxismo, mas sim como uma
ressalva moral, “indicando que o acúmulo de bens, embora legítimo, não pode
se dar por meio do tratamento de outras pessoas como se fossem objetos, a
serviço do objetivo pessoal de outro indivíduo”.
177
declaração interpretativa de que os art. 43 e 48, alínea d não incluem o direito
automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana,
que dependerão de anuência expressa do Estado.
Cabe ressaltar que a CADH somente entrou em vigor já no final dos anos
de chumbo em que países como Brasil, Argentina, Uruguai e Chile foram
submetidos a ditaduras militares. Em razão disso, embora preveja que “os
direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela
segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, numa
sociedade democrática”, tal previsão não ensejou costrangimento jurídico
àqueles regimes autoritários. Segundo Carlos Weis, ainda não se tornou
possível verificar se o funcionamento dos recentes mecanismos de
implementação do Sistema Regional terão força de se sobrepor aos
antidemocratas de plantão.
178
A pena de morte não poderá ter sua aplicação estendida aos delitos aos
quais não se aplique atualmente (no momento de assinatura da Convenção) e,
nos Estados Partes que a tenham abolido, não poderá ser restabelecida.
Em nenhum caso poderá ser aplicada a delitos políticos ou comuns a
eles conexos. Também não deve ser imposta a pena de morte a pessoa, que,
no cometimento do delito, for menor de 18 anos, maior de 70, nem poderá ser
aplicada a mulher grávida. Além disso, toda pessoa condenada à morte tem
direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser
concedidos em todos os casos. Enquanto tal pedido estiver pendente de
decisão perante a autoridade competente, a pena de morte não poderá ser
executada.
Existe um Protocolo Adicional à Convenção Americana referente à abolição
da pena de morte, o qual proscreve a pena de morte em qualquer hipótese,
mas abre possibilidade de o Estado-parte, no momento de ratificação ou
adesão, declarar que se reserva o direito de aplicá-la em tempo de guerra, de
acordo com o direito internaciona, por delitos sumamente graves de caráter
militar. Esse Protocolo foi ratificado pelo Brasil, com essa reserva, em 1996.
179
a prisão do depositário infiel exigiria regulamentação infraconstitucional e as
normas estritamente legais sobre o tema foram derrogadas quando da
subscrição do Pacto San José (norma de caráter supralegal) – súmula
vinculante nº 25.
O art. 13, CADH, que contempla a liberdade de pensamento e expressão,
foi um fundamento utilizado pelo STF para declarar não recepcionada pela
CF/88 a exigência de diploma de jornalismo para o exercício da profissão
(Opinião Consultiva 5/85).
Na recente concessão da medida cautelar na ADPF 347, acerca do Estado
de Coisas Inconstitucional no que diz respeito à situação carcerária no país, o
Min. Edson Fachin reconheceu a aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto
dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, determinando a todos os juízes e tribunais que passem a realizar
audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o
comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas
contadas do momento da prisão
Obs.: o duplo grau de jurisdição previsto no art. 8º do Pacto não foi
reconhecido pelo STF, nos casos de competência criminal originária dos
Tribunais cujas decisões não podem ser questionadas por recursos de
cognição ampla. Ademais, na AP 470 afastou a garantia do duplo grau
impedindo o desmembramento de processos de acusados não detentores de
foro por prerrogativa de função, em contrariedade com o precedente da Corte
Interamericana do Caso Barreto Leiva
180
vago compromisso com o desenvolvimento progressivo dos DESC,
posteriormente, regulados do Protocolo de San Salvador.
181
O Protocolo entrou em vigor em 1999. Foi ratificado pelo Brasil em 2006,
sem qualquer reserva ou declaração.
182
23. Quais são as diretrizes fixadas para a implementação do ensino, a
garantir o direito de educação?
Além de prever medidas de implementação, o Protocolo vincula ao direito
de educação o desenvolvimento da personalidade humana, o fortalecimento
do respeito pelos direitos humanos, pelo pluralismo ideológico, pelas
liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz.
O art. 13 do Protocolo assegura o direito à educação. Para alcançar este
direito, os Estados reconhecem que: (i) o ensino de primeiro grau deve ser
obrigatório e acessível a todos gratuitamente; (ii) o ensino de segundo grau,
em suas diferentes formas, inclusive o ensino técnico e profissional de segundo
grau, deve ser generalizado e tornar-se acessível a todos, pelos meios que
forem apropriados e, especialmente, pela implantação progressiva do ensino
gratuito; (iii) o ensino superior deve tornar-se igualmente acessível a todos, de
acordo com a capacidade de cada um, pelos meios que forem apropriados e,
especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito.
Atente-se também para promoção ou intensificação, na medida do possível,
do ensino básico para as pessoas que não tiverem recebido ou terminado o
ciclo completo de instrução do 1º grau e para o estabelecimento de programas
de ensino diferenciado, para pessoas com deficiência, com a finalidade de
proporcionar instrução e a formação destas pessoas.
Bibliografia:
Pontos DPE-SP
WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. 2.ed. São Paulo: Malheiros,
2012. – trechos entre aspas
183
PONTO 25
Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura. Protocolo à
Convenção Americana sobre direitos humanos relativo à abolição da pena
de morte. Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a
violência contra mulher. Convenção Interamericana sobre o
desaparecimento forçado de pessoas. Convenção Interamericana sobre a
eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas
portadoras de deficiência.
184
salvo em processo instaurado contra a pessoa ou pessoas acusadas de haver
obtido prova mediante atos de tortura – mas unicamente como prova de que,
por esse meio, o acusado obteve tal declaração.
185
mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica], o que atraiu a
crítica de Carlos Weis, no sentido de ser o conceito da convenção amplo
demais.
186
que pode ser considerado um crime de natureza “grave”? No âmbito da
proteção global dos direitos humanos, o Comitê de Direitos Humanos da ONU
já estabeleceu que crimes graves são aqueles que “impliquem em perdas de
vidas humanas”. A jurisprudência do sistema global é seguida pelo sistema
regional americano, o que pode ser visto no próprio precedente formado no
Caso Hilarie vs. Trinidad e Tobago, em que, mesmo diante de um crime contra
a vida (homicídio doloso), a Corte Interamericana censurou a aplicação da
pena de morte (muito embora, advirta-se, a principal faceta da decisão
relaciona-se à “obrigatoriedade” da pena capital).
No Caso Hilaire e outros vs. Trinidad e Tobago, a importância da decisão
da Corte Interamericana está no “repúdio à aplicação obrigatória da pena de
morte sem individualização penal e possibilidade de indulto, graça ou anistia.
187
disposições do direito interno contempladas no artigo 2 (ambos da CADH), bem
como às obrigações contempladas no art. 7.b e 7.c da Convenção de Belém do
Pará, em detrimento das vítimas; (b) obrigação de investigar e,
consequentemente, de garantir o direito à vida, à integridade pessoal e à
liberdade pessoal das vítimas, acarretando com isso, também, violação aos
direitos de acesso à justiça e à proteção judicial previstos nos artigos 8.1 e 25.1
da Convenção Americana e artigos 1.1 e 2 da mesma, e também artigos 7.b e
7.c da Convenção de Belém do Pará; (c) o dever de não discriminação; (d) os
direitos da criança – Esmeralda e Laura eram adolescentes; dentre outros.
Decidiu a Corte, também, que em memória das vítimas de homicídio por razões
de gênero, o Estado deveria erigir um monumento em Ciudad Juárez, na
plantação de algodão onde foram encontradas as vítimas, a ser revelado na
mesma cerimônia na qual reconheça publicamente sua responsabilidade
internacional, como forma de dignificá-las e como recordação do contexto de
violência que padeceram e que o Estado se compromete a evitar no futuro.
188
garantir esses direitos. E conclui a Comissão, ao final, advertindo que a
tolerância do Brasil diante da violência contra a mulher não é exclusiva deste
caso, e sim uma pauta sistemática, tratando-se “de uma tolerância de todo o
sistema, que não faz senão perpetuar as raízes e fatores psicológicos, sociais
e históricos que mantêm e alimentam a violência contra a mulher”, ensejando,
pois, a consideração de que o Estado violou não apenas a obrigação de
processar e condenar, como também a de prevenir essas práticas degradantes
(art. 7 da Convenção de Belém do Pará c/c artigos 8 e 25 da CADH e sua
relação com o art. 1.1, também da CADH).
A decisão da Comissão resultou na criação da Lei 11343/2006,
denominada de Lei Maria da Penha
189
Não. Até o presente momento inexiste a tipificação, embora existam
projetos de lei em tramitação (p. ex. PL 6240/2013) para criar o tipo. Destaque-
se que a combinação de tipos penais diversos para punir a conduta de
desaparecimento forçado não atende à convenção ora sob foco, conforme já
decidiu a Corte IDH no caso Palomino vs. Peru. Ademais, importa notar que a
Corte IDH qualifica o desaparecimento forçado como crime contra a
humanidade, com a característica do “jus cogens”, sendo conduta pluriofensiva
(por violar ao mesmo tempo diversos bens jurídicos) e de execução
permanente.
PONTO 26
Reflexos do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito
brasileiro. Programa Nacional de Direitos Humanos I, II e III. Programa
Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo. Comissão
Nacional da Verdade: histórico, atribuições, legislação, audiências
públicas e relatórios.
190
1. Discorra sobre a origem, natureza e evolução do conselho de defesa
dos direitos da pessoa humana.
O Conselho de Defesa dos Direitos Humanos é o nome dado no Brasil para
as instituições nacionais de direitos humanos, conceito extraído de diversos
documentos da ONU. Essas instituições nacionais são órgãos públicos
independentes dirigidos à proteção dos direitos humanos, mediante notícias de
violações, investigação e recomendação de ações concretas para proteção dos
direitos. As instituições nacionais foram discutidas, pela primeira vez, pelo
Conselho Econômico e Social da ONU, em 1946. Posteriormente, durante a
conferência mundial de direitos humanos em Viena (1993), houve a expressa
recomendação para que os Estados criassem uma instituição nacional de
direitos humanos (à época, o Brasil já havia instituído o seu conselho de
defesa). O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana é órgão
colegiado, criado pela lei 4.319/64, sancionada poucos dias antes do golpe
militar (31/03/1964). É composto por doze membros, cujo presidente é o
Secretário de Direitos Humanos. Suas duas principais atribuições são a de
receber notícias sobre violações de direitos humanos e investiga-las, bem
como promover estudos e recomendar ações temáticas para capacitação e
efetivação dos direitos humanos.
Ocorre que recentemente (junho/2014), a lei 4.319/64 foi revogada pela lei
nº 12.986/14 que transformou o Conselho de Defesa em Conselho Nacional
de Direitos Humanos, a fim de adimplir aos Princípios de Paris, mediante
instituição de um órgão estatal independente e autônomo para a proteção e
promoção dos direitos humanos, com possibilidade de credenciamento junto ao
Alto Comissariado das Nações Unidas.
191
Se o órgão cumprir todos os requisitos acima, simultaneamente, poderá se
credenciar junto ao Alto Comissariado da ONU, no Comitê Internacional de
Coordenação das Instituições Nacionais de Direitos Humanos, mediante
aprovação do Subcomitê de credenciamento, com o intuito de promover o
intercâmbio de experiências, capacitação e aprofundamento da proteção de
direitos humanos nos Estados.
A relação dos Princípios de Paris com o conselho de defesa brasileiro, até
há pouco existente é a de que a instituição brasileira não cumpria
simultaneamente os requisitos previstos na resolução da ONU para ser
equiparada a uma instituição nacional, especialmente porque não havia
independência, uma vez que o presidente do conselho era o próprio Secretário
de Direitos Humanos, ligado à administração direta federal.
192
hoje (são 3) contaram com ampla participação da sociedade civil (consultas e
debates)
Os programas de direitos humanos não possuem força vinculante, pois
advêm de mero decreto regulamentar (dar fiel execução às leis e às normas
constitucionais), editado à luz do art. 84, IV, da CF. Contudo, serve como
orientação para as ações governamentais, podendo o legislador ou
administrador ser questionado por condutas incompatíveis com os termos do
PNDH.
193
a. Reconhecimento da memória e da verdade como direito humano da
cidadania e dever do estado;
b. Preservação da memória histórica e a construção pública da verdade;
c. Modernização da legislação relacionada com a promoção do direito à
memória e à verdade.
Quanto à implementação do PNDH-3, verifica-se que cada ação
estratégica incumbe a um ou mais de um órgão governamental, o que evita que
o programa seja visto como mera carta de intenções. Inclusive, foi criado um
Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3, presidido pelo
Secretário de Direitos Humanos e estabelecida a possibilidade de criação de
subcomitês temáticos.
21
Ives Gandra tem vários vídeos no youtube criticando severamente o PNDH-3.
194
8. Quais são os principais aspectos inovadores trazidos pela lei nº
12.986/2014? É possível afirmar que ela cumpre os princípios de Paris?
A lei nº 12.986/14 seguiu a orientação do PNDH-3 e criou, em substituição
ao até então vigente Conselho de Defesa de Direitos Humanos, o Conselho
Nacional de Direitos Humanos.
Com a nova estruturação dada pela recente lei, o Conselho se tornou mais
democrático, pois ampliou a participação civil (dos 22 membros, 11 são
representantes da sociedade civil), além de se tornar mais forte
institucionalmente, ante a sua desvinculação da administração direta (o
secretário de direitos humanos, nomeia um secretário especial de direitos
humanos para compor o conselho nacional). Também há expressa disposição
legal acerca de dotação orçamentária própria, o que reforça a independência
do órgão. Assim, vislumbra-se que o Conselho Nacional cumpre
simultaneamente os Princípios de Paris e poderá se credenciar junto ao Alto
Comissariado da ONU (Comitê Internacional de Cooperação de Instituições
Nacionais de Direitos Humanos), na qualidade de instituição nacional de
direitos humanos.
195
Na oportunidade, a corte decidiu que o povo brasileiro tinha direito à
verdade e à memória histórica referente ao período ditatorial, declarando a
incompatibilidade da lei de anistia com as disposições da CADH,
especialmente por não permitir a investigação e responsabilização civil e
criminal dos agentes públicos responsáveis pelas graves violações de direitos
humanos.
É de ressaltar que a incompatibilidade das leis de anistia com a CADH é
jurisprudência firme na Corte IDH, podendo ser citados os seguintes
precedentes: Barrios Altos x Peru (2001), Almonacid Arellano x Chile (2006), La
Cantuta x Peru (2006) e Gomes Lund e outros x Brasil (2010).
É verdade que a comissão nacional da verdade não é a primeira criada em
âmbito nacional que objetiva reparar os abusos cometidos durante o período
ditatorial. Antes, já existiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos
Políticos, bem como a Comissão de Anistia. Contudo, pode-se afirmar sem
dúvidas que a CNV é o mecanismo mais abrangente e efetivo até hoje criado
em solo brasileiro, a fim de reconstruir a verdade histórica de período que
abrange toda a ditadura militar.
196
As audiências públicas da CNV podem ser temáticas, como a realizada na
Universidade de Brasília sobre o caso Anísio Teixeira, que está sendo
investigado pela Comissão da própria universidade ou ainda com relatos de
episódios específicos investigados pelo colegiado, como aconteceu no Paraná,
onde houve audiência específica sobre a chacina no Parque Nacional de Foz
do Iguaçú. Foram percorridas tanto cidades de interior, como Três Passos (RS)
e Porto Franco (MA), como as maiores metrópoles brasileiras (Rio de Janeiro e
São Paulo).
As audiências públicas da CNV são realizadas em parceria com entidades
da sociedade civil e outras comissões da verdade.
197
O volume I se divide em cinco partes e 18 capítulos. A primeira parte
contém dois capítulos que tratam da criação da comissão e das atividades da
CNV.
Em seguida, na parte II, em mais quatro capítulos, o relatório final aborda
as estruturas do Estado empregadas e as graves violações de direitos
humanos. É nesta parte do relatório que são contextualizadas as graves
violações, apresentadas as estruturas repressivas e seus procedimentos, a
atuação da repressão no exterior e as alianças repressivas no cone sul e a
Operação Condor.
Na parte III, o volume I do relatório traz os métodos e práticas de graves
violações de direitos humanos. Em seis capítulos elas são conceituadas e
explica-se como cada uma delas foi aplicada no Brasil no período ditatorial. Na
apresentação do volume, os membros da CNV alertam: “Evitamos
aproximações de caráter analítico, convencidos de que a apresentação da
realidade fática, por si, na sua absoluta crueza, se impõe como instrumento
hábil para a efetivação do direito à memória e à verdade histórica”.
O relatório, na sua quarta parte, em cinco capítulos, trata de casos
emblemáticos, da Guerrilha do Araguaia, das instituições e locais associados
com as graves violações. É nesta parte que a CNV dedica um capítulo
exclusivamente sobre a autoria das graves violações de direitos humanos,
indicando nomes de mais de 300 agentes públicos e pessoas a serviço do
Estado envolvidas em graves violações de direitos humanos. Neste capítulo
também é analisado o papel do poder judiciário na ditadura.
A quinta parte do volume I traz as conclusões dos seis membros da CNV
sobre o que foi apurado e as recomendações do colegiado para que não se
repitam as graves violações de direitos humanos em nosso país.
198
“Os relatos que se apresentam nesse volume, de autoria do conjunto dos
conselheiros, ao mesmo tempo que expõem cenários de horror pouco
conhecidos por milhões de brasileiros, reverenciam as vítimas de crimes
cometidos pelo Estado brasileiro e por suas Forças Armadas, que, no curso da
ditadura, levaram a violação sistemática dos direitos humanos à condição de
política estatal”, afirmam os membros da CNV no relatório.
199
- investigação penal dos fatos, com respectiva responsabilização de seus
autores.
- localização dos restos mortais das vítimas, a serem entregues aos
familiares.
- oferecimento de tratamento médico e psicológico para as vítimas
- realização de ato público de reconhecimento de responsabilidade
internacional.
- tipificação do crime de desaparecimento forçado
- reconstrução da memória história do fato denominado Guerrilha do
Araguaia.
Assim, verifica-se que a CNV foi um importante passo dado pelo governo
brasileiro para adimplir às determinações da Corte IDH, contudo, não esgotou
todos os requisitos da condenação. Em verdade, todas as recomendações
feitas pela CNV reafirmam o que já havia sido estabelecido internacionalmente,
mas o Estado brasileiro ainda não providenciou a investigação penal dos
responsáveis, as diligências para localização e entrega de restos mortais 22,
realização de ato público de reconhecimento internacional e tipificação do
crime de desaparecimento forçado (lembrar do caso Amarildo, e da não
ratificação da Convenção Americana sobre desaparecimento forçado).
22
A CNV realizou exumação no caso Epaminondas, mas não conseguiu localizar os restos
mortais de todas as vítimas, recomendando, inclusive, que essa atividade não fosse
interrompida.
200
suficiente. O reconhecimento deve ser claro e direto, constituindo elemento
essencial à reconciliação nacional.
[2] Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade
jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que
deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no
período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes,
a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos
da Lei no 6.683. A extensão da anistia a agentes públicos que participaram de
crimes contra a humanidade é incompatível com o direito brasileiro e com a
ordem jurídica internacional. Crimes contra a humanidade são imprescritíveis e
não passíveis de anistia.
[3] Proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e
judiciais de regresso contra agentes públicos autores de atos que geraram
a condenação do Estado em decorrência da prática de graves violações de
direitos humanos.
[4] Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao
golpe militar de 1964.
[5] Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de
avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de
modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia
e aos direitos humanos.
[6]Modificação do conteúdo curricular das academias militares e
policiais, para promoção da democracia e dos direitos humanos.
[7]Retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de
pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos
[8] Retificação de informações na Rede de Integração Nacional de
Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg)
e, de forma geral, nos registros públicos.
[9]Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura
[10]Desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos
órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das
polícias civis.
[11] Fortalecimento das Defensorias Públicas: durante os trabalhos, a
comissão percebeu que as dificuldades de acesso dos presos à Justiça facilitou
que fossem vítimas de abusos. Esse quadro subsiste até os dias de hoje, razão
pela qual recomenda-se o fortalecimento das defensoras públicas. O contato
pessoal do defensor público com o preso nos distritos policiais e no sistema
prisional é a melhor garantia para o exercício pleno do direito de defesa e para
a prevenção de abusos, torturas e maus-tratos.
[12] Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso:
Abolir procedimentos vexatórios pelos quais passam crianças, idosos,
mulheres e homens ao visitarem seus familiares encarcerados. É inconcebível
obrigar essas pessoas a ficarem totalmente nuas e terem seus órgãos genitais
inspecionados. A abolição dessa prática deve ser proibida em todo território
nacional.
[13] Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e
nos órgãos a ele relacionados.
[14] Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para
acompanhamento
dos estabelecimentos penais.
201
[15] Garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às
vítimas de graves violações de direitos humanos.
[16] Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na
educação.
[17] Apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e
promoção dos direitos humanos.
[18] Revogação da Lei de Segurança Nacional.
[19] Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das
figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao
crime de desaparecimento forçado.
[20] Desmilitarização das polícias militares estaduais: a vinculação das
polícias militares às forças armadas, emanou da legislação proveniente da
ditadura militar. Deve haver a unificação das forças de segurança estaduais,
extirpando o seu funcionamento a partir de atributos militares, o que é
incompatível com o exercício da segurança pública em um Estado
Constitucional Democrático, cujo foco deve ser o cidadão. (lembrar que essa
recomendação já havia sido feita em 2012 ao Brasil, por ocasião do 2º ciclo da
RPU, a qual o Brasil respondeu dizendo que não iria cumprir).
[21] Extinção da Justiça Militar estadual: ao desvincular as polícias
estaduais das forças armadas, deve ser abolida a justiça militar em âmbito
estadual, fazendo persistir apenas no âmbito federal, para julgamento dos
crimes praticados por integrantes das forças armadas.
[22] Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal.
[23] Supressão, na legislação, de referências discriminatórias das
homossexualidades.
[24] Alteração da legislação processual penal para eliminação da
figura
do auto de resistência à prisão: essa medida visa abolir que as lesões e
mortes decorrentes de operações policiais sejam registradas como autos de
resistência ou resistência seguida de morte, que servem para ocultar as
torturas e execuções sumárias realizadas pelas polícias e especialmente pelos
batalhões de operação especial (Bope, Rota).
[25] Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática
da tortura e de prisão ilegal.
[26] Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar
seguimento às ações e recomendações da CNV.
[27] Prosseguimento das atividades voltadas à localização,
identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para
sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos.
[28] Preservação da memória das graves violações de direitos
humanos.
[29] Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e
abertura dos arquivos da ditadura militar.
PONTO 27
Direitos Humanos em espécie e grupos vulneráveis. Direitos Humanos
das minorias e de vítimas de injustiças históricas: Mulher, Negro, Criança
e Adolescente, Idoso, Pessoa com Deficiência, Pessoas em situação de
rua, Povos Indígenas, LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis,
202
transexuais e transgêneros), Quilombolas, Sem-teto, Sem-terra,
Imigrantes e Refugiados.
203
formas de discriminação racial, a convenção internacional sobre a eliminação
de todas as formas de discriminação contra a mulher, a convenção sobre os
direitos da criança, dentre outros. Esse segundo momento, de proteção
especial, teve como objetivo assegurar que o individuo tivesse suas
particularidades nas relações sociais devidamente garantidas.
204
a Defensoria intervirá, por meio de proteção individual ou coletiva. Quanto à
defesa coletiva dos necessitados, a Defensoria se pauta em instrumentos
normativos como a lei da ação civil pública (lei 7.437/85), na lei complementar
80/94, que organiza a defensoria publica federal e estabelece normas gerais às
dos estados.
205
outros critérios). A lógica do reconhecimento da identidade é a constatação de
que, mesmo em condições materiais dignas, há grupos cujo fator de identidade
os leva a situações de vulnerabilidade, como, no caso do gênero, a situação de
violência doméstica que atinge também as mulheres de classes abastadas.
c) Igualdade perante a lei: de aplicação da lei, dirigida ao Poder Executivo
e Judiciário;
d) Igualdade na lei: dirigida ao legislador;
e) Igualdade geral: mesmo que igualdade formal;
f) Igualdade específica: mesmo que igualdade material;
g) Igualdade de direito ou de jure: mesmo que igualdade formal;
h) Igualdade de fato: material;
i) “discrimination against” é aquela que almeja diferenciar com finalidade
preconceituosa ou estigmatizante;
j) discrimination between” é aquela que visa diferenciar para igualar.
k) Justiça distributiva (John Rawls): atividade de superação das
desigualdades fáticas entre os indivíduos, por meio de uma intervenção estatal
de realocação dos bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício
da coletividade.
206
capazes de estimular a inserção e inclusão desses grupos socialmente
vulneráveis nos espaços sociais. Neste ínterim, situam-se as ações afirmativas.
Essas ações constituem medidas especiais e temporárias que, buscando
remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de
igualdade, com o alcance da igualdade substantiva por parte de grupos
vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais, as mulheres, dentre outros.
São políticas compensatórias adotadas para aliviar e remediar as condições
discriminatórias que cumprem uma finalidade pública decisiva ao projeto
democrático, que é a de assegurar a diversidade e a pluralidade social. Por
meio delas, transita-se da igualdade formal para a igualdade material e
substantiva.
207
medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos
separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido
alcançados os seus objetivos.
• a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher permite que os Estados imponham medidas especiais de
caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e
a mulher (art. 4.1). São medidas de compensação à situação histórica de
desigualdade entre os gêneros, em prejuízo da mulher.
• A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência dispõe, no seu art. 5º, item 4, que as medidas específicas que
forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas
com deficiência não serão consideradas discriminatórias. No art. 27, alínea h,
prevê o dever do Estado de promover o emprego de pessoas com deficiência
no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir
programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas.
Mulher
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher (1979)- ONU
208
v. medidas para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e exploração
da prostituição da mulher.
209
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Conta a Mulher (“Convenção de Belém do Pará) – Interamericana
210
Pessoa em situação de vulnerabilidade – conceito na regra 3 (100 regras
de Brasília).
(3) Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que,
por razão da sua idade, género, estado físico ou mental, ou por circunstâncias
sociais, económicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades
em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos
reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Pessoa em situação de vulnerabilidade é aquele que, por alguma causa
(situações exemplificativas), encontra-se com especias dificuldades em
exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os seus direitos.
No item 17 a 20, há as regras específicas quando a causa de
vulnerabilidade é ditada em razão do gênero.
(17) A discriminação que a mulher sofre em determinados âmbitos
pressupõe um obstáculo no acesso à justiça, que se vê agravado naqueles
casos nos quais concorra alguma outra causa de vulnerabilidade.
A questão de gênero tem um tema interessante que é a multiplicidade de
fatores de opressão. Ex.: Mulher que é negra, em situação de hipossuficiência
financeira, dependente química, privada de liberdade.
Múltiplos fatores de opressão vão gerando dificuldade de compreensão da
própria causa de vulnerabilidade. Mas as causas não podem ser analisadas
como causas superpostas, mas questões que se influenciam de várias formas
diferentes.
A superposição de causas, cada qual com sua política, não olha a
vulnerabilidade de maneira global. Deve haver integração com o todo. Eventual
causa não pode gerar a exclusão de demais.
A tese da interseccionalidade propõe um olhar especial, mas não
excludente sobre as causas de vulnerabilidade.
Negro
211
O órgão responsável pelo monitoramento é o Comitê para a Eliminação
da Discriminação Racial.
Os mecanismos previstos na Convenção são:
i. relatórios periódicos;
ii. comunicação interestatal;
iii. petições individuais.
212
marcados pela proporcionalidade, razoabilidade e as políticas são transitórias,
com a revisão periódica de seus resultados. “No caso da Universidade de
Brasília, a reserva de 20% de suas vagas para estudante negros e ‘de um
pequeno número delas’ para índios de todos os Estados brasileiros pelo prazo
de 10 anos constitui, a meu ver, providência adequada e proporcional ao
atingimento dos mencionados desideratos.
A política de ação afirmativa adotada pela Universidade de Brasília
não se mostra desproporcional ou irrazoável, afigurando-se também sob
esse ângulo compatível com os valores e princípios da Constituição”,
afirmou o ministro.
Criança e adolescente
Ver ponto 2 de ECA.
Idoso
213
Dentre várias previsões, como marco legislativo nacional, destacam-se a
Constituição de 1988, a Lei Orgânica da Assistência Social (lei 8742) e o
Estatuto do Idoso (lei 10741).
214
ii. INVESTIGAÇÕES IN LOCO, com prévia anuência do Estado, em caso
de graves e sistemáticas violações.
215
38. Quais previsões acerca de pessoas em situação de rua são
encontradas no Plano Nacional de Direitos Humanos?
É previsto do dever de o Estado integrar políticas sociais e de geração de
emprego e renda para o combate à pobreza urbana, em especial de catadores
de materiais recicláveis e população em situação de rua, atribuindo como
responsáveis: Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério do Meio Ambiente;
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Ministério das
Cidades; Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República.
Objetivando promover a mobilização nacional com intuito de reduzir o
número de pessoas sem registro civil de nascimento e documentação básica, o
documento prevê realização de mutirões para emissão de registro civil de
nascimento e documentação básica, com foco nas regiões de difícil acesso e
no atendimento às populações específicas como os povos indígenas,
quilombolas, ciganos, pessoas em situação de rua, institucionalizadas e às
trabalhadoras rurais.
Dispõe sobre a necessidade de garantir que nos programas habitacionais
do governo sejam priorizadas as populações de baixa renda, a população em
situação de rua e grupos sociais em situação de vulnerabilidade no espaço
urbano e rural, considerando os princípios da moradia digna, do desenho
universal e os critérios de acessibilidade nos projetos.
Além disso, a necessidade de estabelecer que a garantia da qualidade de
abrigos e albergues, bem como seu caráter inclusivo e de resgate da cidadania
à população em situação de rua, estejam entre os critérios de concessão de
recursos para novas construções e manutenção dos existentes.
Não se olvida em estabelecer expansão dos serviços básicos de saúde e
atendimento domiciliar, com apoio diferenciado a tal população.
Menciona a necessidade de apoiar a implementação de espaços
essenciais para higiene pessoal e centros de referência para a população em
situação de rua e a criação programas de formação, qualificação e inserção
profissional e de geração de emprego e renda. Aduz, também, que deve ser
estabelecida políticas contra violência a essa população.
216
A Defensoria recomenda também atendimento habitacional imediato e
prioritário às pessoas em situação de rua que atendam a algum dos critérios já
previstos na portaria, bem como atendimento às 2.000 pessoas que estariam
em condições de receber o atendimento habitacional e constam de uma lista
mencionada por um representante da Secretaria de Habitação em audiência
pública promovida no dia 5/8 pela Defensoria Pública.
16 mil pessoas nas ruas de São Paulo
Na audiência pública, a Secretaria Municipal de Assistência e
Desenvolvimento Social informou que há quase 16 mil pessoas em situação de
rua na Capital – das quais ao menos 2.326 são mulheres –, mas apenas 10 mil
vagas na rede de proteção e assistência (centros de acolhida e estadia) e
1.782 vagas em núcleos de convivência (assistência durante o dia).
Cerca de 1.500 pessoas em condições de abrigamento, que possuem
alguma renda e estão há longo tempo sendo acompanhadas pela rede, já
estariam aptas a receber atendimento habitacional por meio da Portaria nº
131/SEHAB/2015. Assim, ao mesmo tempo seriam liberadas mais vagas nos
equipamentos de assistência social para pessoas em situações mais delicadas.
Atendimento à população em situação de rua
A Defensoria Pública deu início na última sexta (23/10) a uma nova série de
atendimentos itinerantes à população de rua em diversos locais de São Paulo.
A primeira parada foi no Pateo do Colégio, no centro da cidade. De acordo com
o Defensor Rafael Lessa, a maior parte das demandas atendidas diziam
respeito a problemas com assistência social e pendências criminais, além de
um bom número de casos relacionados a consumo.
Os próximos atendimentos in loco serão realizados nos dias 27/11/2015
(Tenda Bresser), 29/1/2016 (Canindé) e 26/2/2016 (Arsenal da Esperança).
Além desse trabalho, a Defensoria mantém atendimento especializado em
pessoas em situação de rua no prédio onde realiza o atendimento inicial, na
Rua Boa Vista, nº 200.
Guarulhos
Em Guarulhos, a Unidade da Defensoria, a Ouvidoria-Geral e o Núcleo de
Cidadania e Direitos Humanos se reuniram com as equipes de assistência
social do município para estabelecer um fluxo de atendimento às pessoas em
situação de rua, em diálogo que também envolveu a Defensoria Pública da
União. O objetivo é aproximar essa população à Defensoria Pública e
possibilitar o encaminhamento direto dessas pessoas à instituição por meio da
rede de atendimento municipal.
217
carcaça de veículos. Também são considerados moradores de rua aqueles que
pernoitam em albergues públicos”.
Cerca de 30% desta população trabalha com catação de material reciclável
(pela política nacional de resíduos sólidos há imposição ao poder público de
promoção das cooperativas de apoio aos catadores de materiais recicláveis).
Lei n. 8.742/93, dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá
outras providências (LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social). Pela reforma
da lei feita em 2011 entende-se a população em situação de rua como alvo da
assistência social (art. 23, LOAS, com redação dada pela Lei nº 12.435, de
201132)
Art. 23. Entendem-se por serviços socioassistenciais as atividades
continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações,
voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e
diretrizes estabelecidos nesta Lei.
§ 1o O regulamento instituirá os serviços socioassistenciais.
§ 2o Na organização dos serviços da assistência social serão criados
programas de amparo, entre outros:
I - às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, em
cumprimento ao disposto no art. 227 da Constituição Federal e na Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
II - às pessoas que vivem em situação de rua.
218
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo tem atendimento jurídico
específico à população em situação de rua, que acontece no centro de São
Paulo, e também têm sido realizados atendimentos itinerantes.
Povos indígenas
42. Uma pessoa indígena praticou um crime doloso contra a vida e será
submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri do local do fato. Analise, ao
menos, uma das decorrências da aplicação da tese do devido processo
intercultural a este caso hipotético, à luz das 100 Regras de Brasília e do
movimento constitucional da América Latina.
Numa população indígena ou quilombola, para garantir a regra de que o
julgamento é por iguais, deve-se garantir o acesso de pessoas da comunidade
de onde veio aquele que foi julgada no conselho de sentença. Pode-se
sustentar que jamais podem estar cadastrados no Tribunal pessoas não
indígenas ou não quilombolas.
Por outro lado, não pode escolher a dedo, para não violar o princípio do juiz
natural.
Assim, possível sustentar violação do devido processo intercultural, sendo
julgado por pessoas que não compõe o grupo. com a noção de povos
originários. Há respaldo na interculturalidade e proteção de direitos humanos.
Movimento constitucional da América Latina tem relação direta com a
proteção dos direitos indígenas. Possui três fases:
219
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
220
permanente em usufruto exclusivo pra os índios (terras dos índios são
bens da União)
Princípio da proteção da identidade (direito à alteridade), que consiste
no direito à diferença, não podendo ser aceito ato comissivo ou omissivo
de assimilação;
princípio da máxima proteção aos índios (in dubio pro indio e
progressividade nos direitos aos índios).
221
houver a efetiva relação dos índios com a terra (marco da tradicionalidade da
ocupação).
Assim, se, em 05/10/1988, a área em questão não era ocupada por índios,
isso significa que ela não terá a natureza indígena de que trata o art. 231 da
CF/88.
222
49. O que acontece se já havia pessoas morando nas terras demarcadas?
E se essas pessoas possuíam títulos de propriedade registrados em
cartório?
Os não índios devem ser retirados do local, salvo se integrarem as
comunidades indígenas locais e os próprios índios permitirem a sua presença
(ex.: um não índio que é casado com uma índia e já more no local, fazendo
parte da comunidade).
O que se está querendo dizer aqui é que os não índios não possuem o
direito subjetivo de permanecer no local mesmo que provem que lá moravam
de boa-fé ou mesmo que apresentem documentos de propriedade dos imóveis
localizados na área.
A CF/88 determinou que são nulos os atos que reconheçam direitos de
ocupação, domínio (propriedade) ou a posse relacionados com imóveis
localizados dentro de terras indígenas. Logo, se um não índio possuir uma
escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis afirmando que ele é
proprietário de um lote existente dentro de uma terra indígena, esse registro é nulo
e extinto, não produzindo efeitos jurídicos.
50. Os não índios que forem retirados das terras demarcadas deverão ser
indenizados?
NÃO. Em regra, os não índios que forem retirados das terras demarcadas
não têm direito à indenização. Isso porque eles estavam ocupando terras que
pertenciam à União. Logo, mesmo que tivessem supostos títulos de
propriedade, estes seriam nulos porque foram expedidos em contrariedade
com o art. 20, XI e art. 231 da CF/88.
Exceção: tais pessoas poderão ser indenizadas pelas benfeitorias que
realizaram no local, desde que fique provado que a ocupação era de boa-fé.
Se estiverem de má-fé, não terão direito nem mesmo à indenização pelas
benfeitorias.
51. Se uma terra indígena foi demarcada antes da CF/88, é possível que
agora ela seja “remarcada”, ampliando-se a área anteriormente já
reconhecida?
NÃO. Tanto o STF como o STJ condenam essa prática.
STF:
Segundo já decidiu o STF, é vedada a remarcação de terras indígenas
demarcadas em período anterior à CF/1988, tendo em conta o princípio da
segurança jurídica.
A União poderá até ampliar a terra indígena, mas isso não deverá ser feito
por meio de demarcação (art. 231 da CF/88), salvo se ficar demonstrado que,
no processo originário de demarcação, houve algum vício de ilegalidade e,
ainda assim, desde que respeitado o prazo decadencial de 5 anos (art. 54 da
Lei nº 9.754/99).
No caso concreto, essa remarcação não seria possível porque, ainda que
tivesse havido alguma ilegalidade, como afirma o Ministério da Justiça, já teria
se passado o prazo decadencial para rever esse ato.
STF. 2ª Turma. RMS 29542/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em
30/9/2014 (Info 761).
223
STJ:
O STJ decidiu que a alegação de que a demarcação da terra indígena
não observou os parâmetros estabelecidos pela CF/1988 não justifica a
remarcação ampliativa de áreas originariamente demarcadas em período
anterior à sua promulgação.
Desde o julgamento da Pet 3.388-RR (Caso Raposa Serra do Sol), a
jurisprudência passou a entender que é vedada a ampliação de terra indígena
já demarcada, salvo em caso de vício de ilegalidade do ato de demarcação e,
ainda assim, desde que respeitado o prazo decadencial.
É inegável que a CF/88 mudou o enfoque atribuído à questão indígena e
trouxe novas regras mais favoráveis a tais povos, permitindo a demarcação das
terras com critérios mais elásticos, a partir da evolução de uma perspectiva
integracionista para a de preservação cultural do grupamento étnico. Isso,
contudo, não é motivo suficiente para se promover a revisão administrativa das
demarcações de terras indígenas já realizadas, especialmente nos casos em
que se passou o prazo decadencial.
STJ. 1ª Seção. MS 21.572-AL, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em
10/6/2015 (Info 564).
224
conservação dos recursos da terra, mediante consulta prévia, participação de
benefícios e indenizações.
A convenção menciona, ainda, sobre direito ao trabalho, seguridade social,
saúde, educação (desenvolvido em cooperação com povos e ressalvados
direitos de modos de criação e mantença do idioma).
Menciona medidas para o fim de discriminação da sociedade não indígena.
A Convenção veda a utilização da expressão “povos” no sentido atribuído
do termo no Direito Internacional, para evitar que os povos indígenas
reclamassem o direito à autodeterminação dos povos, não sendo possível o
direito de secessão pela Convenção.
225
não podendo o Estado abrigar preconceitos e punir com base nessa opção
íntima, negando direitos que somente outra orientação sexual pode exercer.
Para o Ministro Celso de Mello, há um direito constitucional implícito à
“busca da felicidade”, que decorre da dignidade da pessoa humana, devendo
ser eliminados os entraves odiosos à sua consecução. Por isso, no campo da
orientação sexual, a união homoafetiva é tida como equiparada à entidade
familiar, devendo ser adotadas, a favor de parceiros homossexuais, as mesmas
regras incidentes sobre as uniões heterossexuais, em especial no Direito
Previdenciário e no campo das relações sociais e familiares (RE 477.554-AgR,
Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-8-2011, Segunda Turma, DJE de
26-8-2011.) Esse direito à homoafetividade não pode gerar prejuízos ao seu
titular.
226
feminina da instituição, após o Tribunal de Justiça paulista (TJSP) atender no
dia 2/10 a um pedido feito pela Defensoria Pública de SP.
Proferida pela Câmara Especial do TJSP em recurso de agravo de
instrumento formulado pela Defensora Pública Lígia Cintra de Lima Trindade, a
decisão também determina que a jovem seja tratada por seu nome social e
prenomes femininos, garante que ela mantenha os cabelos longos, possa vestir
roupas femininas e seja revistada por mulheres.
A Defensoria Pública argumentou que ela não se identifica com o sexo
biológico (masculino), possui todas as características femininas e se comporta
como mulher, fazendo com que sua presença em uma unidade masculina da
Fundação Casa lhe cause constrangimento, sofrimento e humilhação.
No recurso, a Defensoria também afirma que, conforme o princípio
constitucional da dignidade humana e com os Princípios de Yogyakarta – que
orientam a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em
relação a orientação sexual e identidade de gênero – a jovem tem direito a ser
reconhecida como mulher e, assim, receber o mesmo tratamento a elas
destinado.
Os direitos fundamentais à vida privada e à intimidade, previstos na
Constituição, também são apontados como base para o pedido, por
englobarem a identidade de gênero.
Além disso, a manutenção da garota em unidade masculina viola a Lei
Estadual nº 10.498, que dispõe sobre a obrigatoriedade de notificação
compulsória de maus-tratos em crianças e adolescentes; e a Resolução
Conjunta nº 01 dos Conselhos Nacionais de Combate à Discriminação e de
Política Criminal e Penitenciária, que garante às pessoas transexuais ou
travestis presas o direito a serem chamadas por nome social e tratamento às
mulheres transexuais compatível com o concedido às demais mulheres. A
Defensoria Pública argumentou que essa disposição se aplica ao caso pois,
conforme o Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo),
adolescentes não podem receber tratamentos mais severos que os adultos.
Decisão
A Desembargadora relatora do caso, Lidia Conceição, escreveu em sua
decisão que “os direitos fundamentais à individualidade e à intimidade, sob a
ótica da dignidade da pessoa humana”, garantem proteção à orientação sexual
e à identidade de gênero da jovem, lembrando o artigo 124, inciso V, do
Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante tratamento com respeito
aos adolescentes privados de liberdade.
De acordo com a decisão, a manutenção da garota em unidade masculina
“implica clara violação à intimidade e à liberdade de expressar-se com sua
identidade e dignidade, garantia que não se reduz à autorização de
higienização e repouso isoladamente, pois permanece em cumprimento de
medida socioeducativa em regime de internação em que submetida a todas as
demais atividades cotidianas em ambiente exclusivamente masculino, com o
qual não se identifica por possuir autoimagem feminina. Neste caso, portanto,
de rigor a sua transferência a uma unidade feminina da Fundação Casa”.
227
A Defensoria Pública de SP enviou, nesta terça-feira (11/8) um ofício ao
Prefeito de Sorocaba solicitando o veto ao Projeto de Lei nº 126/2015,
aprovado pela Câmara Municipal da cidade, que veda a utilização de banheiros
e uniformes nas escolas conforme a identidade de gênero dos estudantes.
No documento, a Defensora Pública Vanessa Alves Vieira, Coordenadora
do Núcleo de Combate a Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria,
aponta que o projeto de lei traz uma definição equivocada do que seja
identidade de gênero, ao considerar “o conceito pessoal, individual, psíquico e
subjetivo, divergente do sexo biológico”. No entanto, segundo Vanessa, o
conceito deve identificar a percepção que a pessoa tem sobre si mesmo. “Ou
seja, todas as pessoas possuem identidade de gênero, que pode ou não
corresponder ao sexo atribuído ao nascimento e inclui o senso pessoal do
corpo e outras expressões, como vestimenta, modo de falar e maneirismos”.
De acordo com o ofício enviado, a lei manifesta desconhecimento acerca
das novas compreensões sobre identidade de gênero e viola os principais
documentos internacionais de promoção e igualdade que utilizam esta
temática, como a Convenção para eliminar todas as formas de discriminação
contra a mulher, o Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e
culturais, e a Campanha pela igualdade de direitos da população LGBT da
ONU.
O projeto de lei também é contrário ao que dispõe a Lei Estadual nº
10.948/2001, o Decreto Estadual nº 55.588/2010, e a Resolução nº 12 de 2015.
As normativas preveem punição a qualquer manifestação discriminatória
praticada contra cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, falam da
necessidade de ações efetivas do Estado no sentido de assegurar o pleno
exercício da cidadania, e falam sobre a possibilidade de utilização de banheiros
conforme a identidade de gênero. “Impedir que pessoas transexuais ou
travestis utilizem o banheiro de acordo com sua identidade de gênero não
condiz com o dever de potencializar o pleno exercício da cidadania dessas
pessoas que, historicamente, são excluídas, precoce e preconceituosamente,
do convício familiar e comunitário, e colocadas às margens das principais
políticas públicas”, afirma Vanessa.
A Defensora Pública também aponta, no ofício, que vetar o Projeto de Lei
nº 126/2015 proporcionará um sistema escolar inclusivo, evitando que sejam
reforçados preconceitos, desigualdades e discriminações, promovendo um
ambiente democrático, acolhedor e seguro para todos os estudantes. “A
diversidade e a proteção integral da dignidade humana devem ser respeitadas,
impedindo que esta parcela da população fique ainda mais suscetível às
discriminações e às vulnerabilidades psicológica e social. (...) [Vetar o projeto
de lei] incentiva que escolas, ao notarem a presença de estudantes travestis e
transexuais, trabalhem o assunto com os estudantes, professores e
funcionários, ensinando que todos são cidadãos e que a sociedade é plural e
diversa, conscientizando-as sobre a necessidade de respeito à diferença.”
228
A transexual Maria Helena não precisará mais passar por constrangimentos
quando for procurar por atendimento médico. Após atuação extrajudicial da
Defensoria Pública de SP, a administradora de seu plano de saúde incluiu na
carteirinha de identificação o seu nome social.
Como ainda não realizou a cirurgia para mudança de sexo, Maria Helena
estava sofrendo constrangimentos ao agendar e realizar consultas médicas,
uma vez que seu documento ainda constava seu nome de registro, que não
condiz com sua identidade de gênero.
No ofício enviado à administradora do plano de saúde, a Defensora Pública
Vanessa Alves Vieira, coordenadora do Núcleo de Combate a Discriminação,
Racismo e Preconceito da Defensoria Pública de SP, explicou que a identidade
de gênero é a percepção que a pessoa tem de si mesma como sendo do
gênero feminino ou masculino, independentemente do sexo biológico, e isso
deve ser considerado no tratamento dispensado às pessoas transexuais.
"As pessoas travestis e transexuais adotam um nome pelo qual querem ser
chamadas e reconhecidas em suas relações sociais, o nome social, visto que
seu nome de registro não reflete sua identidade de gênero. Devem, assim, ser
tratadas por esse nome e de acordo com o gênero com o qual se apresentam,
tanto na forma verbal, como na escrita", apontou Vanessa.
Na resposta enviada pela administradora do plano de saúde de Maria
Helena, foi informado que as medidas para inserção do nome social foram
tomadas, e que a nova identificação foi enviada à beneficiária.
O plano de saúde ainda informou que todos os colaboradores são
treinados para a realização adequada do atendimento, “de maneira que não
exponha o paciente a situações constrangedoras”.
Veículo: DPE/SP
Data: 26/11/2015
Aos 24 anos, a jovem Marcela* poderá finalmente se ver livre de uma
companhia incômoda que sempre a seguiu aonde quer que fosse. Nascida com
o sexo masculino mas reconhecida desde criança como pertencente ao gênero
feminino, ela não terá mais que explicar quem é o tal de “Marcos”* que aparece
em seus documentos, toda vez em que precisar apresentá-los para fazer
coisas cotidianas como uma compra ou solicitar um serviço bancário.
“É uma carta de alforria. É um direito de todo cidadão poder ir e vir sem
passar por constrangimentos e humilhação. A sensação que tenho é de
dignidade”, diz Marcela. Uma sentença de 19/10, em ação judicial movida pela
Defensoria Pública de SP, garantiu o direito à alteração no registro civil de
Marcela. Em vez de “Marcos”, documentos como certidão de nascimento e
carteira de identidade passarão a mostrar o nome “Marcela”. No lugar do sexo
“masculino”, o “feminino”.
Documentos condizentes com a aparência de Marcela são o passo que
faltava para garantir uma existência digna a quem sempre viveu e foi
reconhecida socialmente como mulher. Uma vida com dignidade – um dos
princípios da Constituição Federal – pressupõe a garantia dos direitos da
personalidade, entre os quais a preservação da imagem e a ter um nome com
o qual a pessoa se identifique e que não lhe provoque constrangimento,
argumentaram os Defensores Públicos Julio Grostein, Raphael Bruno Aragão
Pereira de Oliveira e Natalia Nissia Nogueira Seco.
Constrangimentos
229
Graduada em Marketing, a assistente administrativa de escola de
computação gráfica esbarrou em Marcos ao tentar realizar o sonho de construir
uma carreira em instituição bancária. Há cerca de quatro anos, foi aprovada
entre 50 candidatos que concorriam a uma vaga em banco. Chamada para
entrevista, teve que explicar por que o nome de batismo não batia com a
pessoa. O entrevistador disse que seria “muito complicado” contratá-la,
alegando que haveria dificuldades na confecção de registros e contratos.
Terminou por pedir que ela assinasse um documento desistindo da vaga.
Na formatura do curso de Marketing, passou por um grande
constrangimento entre várias pessoas, quando ouviu de uma fotógrafa que
devia haver algum problema em seu diploma, pois ali constava o nome
“Marcos”. O nome masculino também levou Marcela a ser chamada de
“fraudadora”, em uma das diversas vezes em que apresentou o documento e
foi detida ao tentar pagar pelas compras em alguma loja.
Infância e família
As companhias femininas e brincadeiras com boneca e casinha,
tradicionalmente identificadas como de meninas, eram desde a infância a
preferência da jovem, que sempre contou com o apoio da família. “Sempre
foram bem compreensivos. Isso ajudou que minha mente não ficasse tão
confusa, como acontece com a maioria das pessoas nessa situação”, diz
Marcela, que foi “rebatizada” com esse nome pelo próprio pai. Ele e a mãe
faziam questão de explicar a situação aos professores da filha na escola,
buscando evitar constrangimentos à filha.
Na adolescência, uma alteração nos níveis hormonais provocou o
desenvolvimento das mamas e fez o corpo de Marcela tomar formas ainda
mais femininas, enquanto o rosto nunca desenvolveu barba. Ela tem cabelos
longos, voz e comportamento comumente identificados como femininos – seus
irmãos mais novos nem sequer sabem que nasceu com o sexo biológico
masculino.
Cirurgia
Marcela não pensa em se submeter à cirurgia de transgenitalização, pois a
considera uma mutilação e está satisfeita com seu corpo. O fato de não ter sido
operada não impediu que a Juíza Ediliz Claro de Vicente Reginato, da 4ª Vara
da Família e Sucessões do Foro de Santo Amaro, reconhecesse que ela,
apesar do sexo biológico, identifica-se com o gênero feminino. A Magistrada
ressaltou também que a transexualidade não depende da cirurgia de mudança
de sexo.
Um relatório elaborado pela Psicóloga Marília Marra de Almeida e pela
Assistente Social Melina Machado Miranda, que atuam na Defensoria Pública,
ajudou a embasar a ação judicial. O documento atesta que Marcela vive desde
a infância uma patente inadequação entre o sexo biológico e sua identidade de
gênero. As impressões são reforçadas por laudos judiciais psicológico e
psiquiátrico.
Direito
“Não há como ser cidadão completo para o exercício pleno de suas
capacidades se lhe é negado o reconhecimento social enquanto pessoa do
sexo feminino, de acordo com a identidade de gênero”, argumentou a
Defensoria Pública na ação, ressaltando que a identidade de uma pessoa é
uma construção social e cultural derivada da autonomia do ser humano livre,
pensante e capaz de determinar suas próprias escolhas.
230
A Defensoria aponta que a Lei de Registros Públicos (lei nº 6.015/73) prevê
que não devem ser registrados prenomes capazes de expor seus portadores
ao ridículo e possibilita o pedido de mudança do registro. O nome, segundo a
ação, existe para permitir uma plena e exata identificação de uma pessoa na
sociedade, não para causar-lhe constrangimento. Também faz parte dos
direitos da personalidade, que devem ser garantidos para preservar a
dignidade da pessoa.
A ação da Defensoria Pública de SP afirma, ainda, que a instituição possui
uma tese (nº 5) segundo a qual a cirurgia de transgenitalização não é condição
para que seja proposta ação para mudança de registro civil. Essa ideia também
se relaciona à garantia do princípio da dignidade da pessoa humana.
Planos
Os novos documentos de Marcela ainda não saíram. Para isso, ela precisa
esperar a Justiça expedir a certidão de trânsito em julgado da decisão (ou seja,
de que a sentença não pode ser alterada mais). Até lá, ela terá que ter
paciência. “Eu fico ansiosa só de pensar, em ter mais um ou dois meses pela
frente.”
Assim que passar por essa fase, Marcela pretende continuar a estudar,
oficializar o casamento com o homem com quem vive há cinco anos, constituir
uma família e tocar a vida. “Fazer tudo sem constrangimento. Continuar a vida
no mesmo ritmo em que estou, só que mais tranquila, com menos peso na
consciência”, diz.
* nomes fictícios
231
mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça pleiteando que a decisão
de primeira instância fosse revista e as medidas protetivas aplicadas.
A Defensora Pública argumentou que não aplicar a Lei Maria da Penha
reflete preconceito e discriminação e que sexo refere-se às características
biológicas de homens e mulheres; já o gênero não tem vinculação com a
fisiologia do corpo de cada ser humano. “A própria Lei Maria da Penha se
mostra plenamente aplicável às mulheres transexuais, uma vez que configura
violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão
baseada no gênero, independentemente de sua orientação sexual que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial”, afirmou. Além disso, Mariana Melo Bianco esclarece que “fica
evidente a configuração de todos os requisitos necessários para a aplicação da
Lei Maria da Penha: relação íntima de afeto entre as partes e desempenho pela
vítima de papel de inferioridade e submissão no relacionamento, sendo este o
motivo da violência”, apontou.
A 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça, por maioria de
votos e com parecer favorável do Ministério Público, concedeu a segurança e
determinou a aplicação das medidas protetivas a Luisa. No seu voto, a
Desembargadora Ely Amioka, relatora dos autos, acolheu os argumentos da
Defensoria Pública e apontou que “ a Lei nº 11.340/06 [Lei Maria da Penha]
não visa apenas a proteção da mulher, mas sim à mulher que sofre violência de
gênero, e é como gênero feminino que a impetrante [Luisa] se apresenta social
e psicologicamente. [...] É, portanto, na condição de mulher, ex-namorada de
[Otávio], que a impetrante vem sendo ameaçada por este, inconformado com o
término da relação”.
Quilombolas
232
Lerkovicz, fizeram uma inspeção judicial no local e percorreram a trilha a pé,
por 4 horas, até chegar à comunidade. No relatório, o Magistrado constatou os
problemas da trilha. “A trilha é de dificílima transposição, a comunidade não
tem atendimento médico, a educação é absolutamente precária e insuficiente
(sendo certo que há violação ao postulado da obrigatoriedade do ensino
fundamental de índole constitucional). Não há serviço de energia, água, esgoto,
etc. Por qualquer prisma que se analise a situação, é patente que a omissão do
estado constitui uma afronta aos direitos fundamentais da pessoa humana. (...)
Na presente situação, não há como a comunidade (já devidamente
reconhecida como remanescente de quilombo) se desenvolver, estando fadada
a uma inaceitável e vergonhosa miséria.”
Na decisão, o Juíz também determinou a abertura de uma mesa de
negociação, com a participação da comunidade quilombola para
monitoramento do cumprimento da decisão e definição do melhor traçado da
estrada.
Novos andamentos
Após a propositura da ação civil pública, foi realizada uma audiência
pública entre todos os envolvidos, ocasião em que houve o reconhecimento da
comunidade quilombola pelo Fundação Instituto de Terras do Estado de São
Paulo (Itesp). A comunidade também aceitou que seja considerado, para fins
de demarcação, o território proposto pela Fundação Terra.
Dessa forma, em 18/11/14 foi publicado o Relatório Técnico Científico
reconhecendo a comunidade e o território.
Além disso, a Fundação Florestal também reconheceu e autorizou,
espontaneamente, a realização da prática de roça coivara (própria de
comunidades quilombolas), que também era um dos pedidos feitos na ação
civil pública proposta de Defensoria.
Sem-teto
233
62. Como se caracteriza a condição de pessoa sem-teto?
Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas,
definiu como famílias sem-teto aquelas famílias sem abrigo que carecem de
habitação. Eles carregam suas poucas posses com eles, dormindo nas ruas,
ou em outros espaços, numa base mais ou menos aleatória.
Comissão Econômica e de Conferência Estatística Europeia definiu como
falta de moradia e pessoas desabrigadas em dois grandes grupos:
1.sem abrigo primário. Esta categoria inclui as pessoas que vivem nas ruas
sem abrigo que se classifica no âmbito da zona de habitação;
2.sem abrigo secundário. Esta categoria pode incluir pessoas sem local de
residência habitual que se deslocam freqüentemente entre os vários tipos de
acomodações (incluindo moradias, abrigos e instituições para os alojamentos
de sem teto ou outros). Esta categoria inclui pessoas que vivem em residências
particulares, mas relatam "endereços não usuais" nos censos.
Sem-terra
234
65. Como vem atuando a Defensoria Pública do Estado de São Paulo
acerca dos Sem-terra?
Defensores de Franca, em São Paulo, obtêm decisão em favor do
Movimento Sem-Terra (MST)
Vide notícia: http://www.apadep.org.br/noticias/defensores-de-franca-em-
sao-paulo-obtem-decisao-favoravel-em-favor-movimento-sem-terra-mst/
3 DE FEVEREIRO DE 2014
Os defensores públicos Caio Jesus Granduque, Antônio Machado Neto,
André Cadurin Castro, Mário Eduardo Bernardes Spexoto e Leandro Silvestre
Rodrigues e Silva, da unidade de Franca da Defensoria Pública do Estado de
São Paulo, conseguiram, por meio de agravo de instrumento, a suspensão de
uma liminar de reintegração de posse deferida pelo Juízo da Fazenda Pública
de Franca em ação reintegratória movida pelo Município de Restinga em face
de 22 famílias pertencentes ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
Terra (MST).
O caso teve início em 2012, quando uma fazendeira de Restinga acionou a
Justiça pedindo a reintegração de posse de área anteriormente ocupada por
integrantes do MST, que saíram do local cumprindo decisão liminar da Justiça.
O processo, que ainda está em andamento, conta com apelação por parte da
Defensoria Pública e da Advocacia Geral da União, que reclama a propriedade
da terra em questão para a União.
Cumprindo a decisão liminar nesta ação mais antiga, os Sem-Terra
migraram para outra área, desta vez pertencente ao município de Restinga, lá
se encontrando desde outubro de 2013. Alguns meses depois, a prefeitura local
moveu ação de reintegração de posse e conseguiu liminar para que a saída
das famílias ocorresse de maneira imediata. Contudo, os defensores públicos
de Franca interpuseram recurso contra esta decisão e o Tribunal de Justiça
suspendeu a reintegração de posse pelo menos até o julgamento final do
agravo de instrumento interposto.
Além desse processo, a Defensoria Pública com atuação em Franca entrou
também com uma Ação Civil Pública em face do município de Restinga com o
objetivo de obrigar a prefeitura local a restabelecer o fornecimento de água aos
Sem-Terra, suspenso após a volta do prefeito local, cassado e reconduzido ao
cargo em dezembro de 2013. Nesta ação, os defensores destacam que o
fornecimento de água à população civil deve ser mantido até mesmo em
situações de guerra, conforme Protocolo II Adicional às Convenções de
Genebra de 1949.
“É infrequente a Justiça proferir decisões nas ações de reintegração de
posse em favor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra”, avalia o
defensor público Antônio Machado Neto. “Estamos esperançosos em relação
ao julgamento do agravo de instrumento, porque confiamos na fundamentação
do recurso e porque esperamos que a Justiça não se esqueça que ´gado a
gente marca, tange, ferra, engorda e mata. Mas com gente é diferente´”.
finaliza.
235
remotas, com objetivo de exportação de excedentes populacionais e integração
estratégica. Contrariamente a este modelo, o MST busca fundamentalmente a
redistribuição das terras improdutivas.
REFUGIADOS
236
decididos pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão
vinculado ao Ministério da Justiça e composto por representantes do Ministério
da Justiça, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério do Trabalho, do
Ministério da Saúde, do Ministério da Educação, do Departamento de Polícia
Federal e de organizações da sociedade civil dedicadas a atividades de
assistência, integração local e proteção aos refugiados no Brasil. O ACNUR e a
Defensoria Pública da União têm assento no CONARE com direito a voz,
porém sem direito a voto.
237
Direito de não ser submetido a emolumentos alfandegários, taxas e
impostos além do que cobrados dos seus nacionais em situações
análogas;
Direito de não ser submetido a sanções, caso o refugiado se apresente
sem demora às autoridades e exponha razões aceitáveis para sua
entrada ou presença irregulares; direito de que apenas restrições
necessárias podem ser impostas ao seu deslocamento;
Direito de não ser expulso, salvo por motivos de segurança nacional ou
ordem pública, mediante decisão judicial proferida em atendimento ao
devido processo legal.
Não devolução - Os solicitantes de refúgio não podem ser devolvidos ou
expulsos para um país onde a sua vida ou integridade física estejam em
risco. A proteção contra a devolução impõe, inclusive, o dever das
autoridades brasileiras de garantirem que qualquer estrangeiro terá
acesso ao mecanismo de refúgio, sobretudo nos controles migratórios
nas fronteiras, portos e aeroportos.
Não penalização pela entrada irregular - Enquanto o pedido de refúgio
estiver sendo analisado, os solicitantes de refúgio têm o direito de não
serem investigados ou multados pelo ingresso irregular no território
brasileiro.
238
refugiados no Brasil, cujo número vem aumentando consideravelmente. Se
em 2010 o país acolhia 4.357 refugiados, em 2014 encerrou o ano com 7.289
estrangeiros nesta condição, de 81 nacionalidades.
A maior parte dos refugiados que hoje vivem no país são provenientes de
países que vivem conflitos armados, como a Síria, que hoje aparece no topo
da lista de nações com mais refugiados no país, respondendo por 20% (1.524)
do total de estrangeiros que se refugiam no Brasil. Em segundo lugar aparece
a Colômbia, com 1.218 refugiados. A grande maioria dos pedidos de refúgio,
em torno de 90%, ainda se refere a homens.
Estes 7.289 refugiados estão distribuídos por todo o país, mas dois dados
em especial chamam a atenção. O primeiro é que, entre as regiões, o Sul é
que concentra o maior porcentual de refugiados do Brasil, 35% do total.
Contudo, é ao Estado de São Paulo que se dirige a maior parcela de
solicitações de refúgio, 26% do total. “Esse quadro indica que, muito em breve,
a a questão dos refugiados se refletirá não apenas na Defensoria Pública da
União como também nas Defensorias estaduais”, afirmou Peixoto.
Peixoto também lembrou as diferenças entre os conceitos de asilo, mais
característico da América Latina, e de refugiado, que nasceu no Hemisfério
Norte. O primeiro é muito usado nos casos de cidadãos afetados por golpes de
Estado, ditaduras e outros acontecimentos políticos, com diversos tratados
internacionais regionais tratando do tema. Já o conceito de refúgio nasceu de
tratados e protocolos firmados entre as décadas de 50 e 60 para amparar as
vítimas da 2ª Guerra Mundial e ganhou abrangência global. No asilo, a
perseguição é contínua e individualizada. No refúgio, generalizada. Além disso,
o refúgio se baseia no direito internacional e os Estados envolvidos são
obrigados a concedê-lo.
No Brasil, explicou o Defensor, o conceito de refugiado é fundamentado em
temores de perseguição por diversas naturezas (étnica, religião, nacionalidade,
participação de grupo social ou grupos políticos). Posteriormente, passou a ser
considerado refugiado qualquer pessoa que tenha tido algum direito humano
violado. Quando encaminhado ao país, o pedido de refúgio é solicitado a um
comitê formado por diversos ministérios, uma organização não governamental
(Caritas) e pela ACNUR (Agência da ONU para refugiados). A DPU integra esta
comissão desde 2012, com voz, porém sem direito a voto. A Defensoria
também participa do procedimento de solicitação de refúgio e das entrevistas
com os refugiados. São Paulo foi o primeiro Estado a instituir, em 2007, o
comitê estadual de refugiados. “A Defensoria Pública ainda não integra este
comitê, mas é muito importante passar a compor o grupo”, disse.
O Defensor abordou ainda a situação dos apátridas, que não têm
nacionalidade, lembrando que durante a Segunda Guerra Mundial o Estado
Nazista suprimiu diversas nacionalidades e mencionando o caso de pessoas
que não nascem em nenhum país, mas em zonas internacionais. Peixoto
explicou que o Brasil adotou a convenção dos apátridas e que, nos casos
em que o comitê de refugiados não reconhece o apátrida como um refugiado,
ele conta com a convenção dos apátridas. Ele falou ainda da parceria firmada
recentemente pela Defensoria Pública de São Paulo com a ACNUR, visando à
análise de possíveis medidas administrativas que contribuam com os
refugiados.
Ver: http://www.apadep.org.br/noticias/seminario-enadep-defensor-
trata-da-defesa-dos-direitos-de-refugiados-e-apatridas/
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72. Como se dá a solicitação de refúgio no Brasil?
Para solicitar refúgio no Brasil, é preciso estar presente no território
nacional. A qualquer momento após a sua chegada no Brasil, o estrangeiro que
se considera vítima de perseguição em seu país de origem deve procurar uma
Delegacia da Polícia Federal ou autoridade migratória na fronteira e solicitar
expressamente o refúgio para adquirir a proteção do governo brasileiro. O
estrangeiro que solicita refúgio no Brasil não pode ser deportado para fronteira
de território onde sua vida ou liberdade estejam ameaçadas.
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