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EPIL PDN ew ile)3 ORGANIZADOR Copyright crane © 2004, enjemin Ab Junior Copyright deat edie © 204, Botempe iol Dist Ta edo eeabamenio ‘CIP-BRASIL, CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DELIVROS, caper bide Kote ana, oraniador~ Sho Pa. SUMARIO Um ensaio de abertura: mestigagem e h ilo e comunitarismos 9 bala Junior Benjai Areas culturais na modernidade tardia 21 Ana Pizarro Bab José Li ea concepgio dialégica da linguagem 37 Frantz Fanon: colonialismo, violencia e identidade cultural 67 José Luts Cabaco e Rita Chi © conceito de transculturagao na obra de Angel Rama 87, Flavio Aguiar e Sandra Guardlini Vasconcelos elogio da crioulidade: 0 conceito de hibridagio, 1 partir dos autores francéfonos do Caribe 99 Zild Bernd Hibridismo e tradugao cultural em Bhabha 113, Lynn Mario T: Menezes de Souza terdrios 135 Cevasco Aguas turvas, identidades quebradas:hibridismo, heterogeneidade, mestigagem & outras misturas 159 Marli Fantini Sobre os autores 181 6 [BAKEITIN B.A CONCEPCAO DIALOGICA 1A LINGUAGEM BAKHTTIN, Mikhail Estériea da criagao verbal. So Paulo, Martins MAINGUENEAU, Dominique. Sémantique de la polémique, Diseo tura, Cifnciae Tecnologia, 1978, BANDEIRA, Manuel. Esrela da vidi Ttinerdrio de Pasirgad. 4. FRANTZ FANON colonialismo, violéncia e identidade cultural José Luts Cabaco Rita Chaves 6 um equivoco nao enxergar em Fanon algo que ultrapassa em muito amera celebragto do contflito Edward W. S Nia seqiténcia da dramitica manha de 11 de setembro de 2001, sob a atmosfera de extraordiniria perplexidade em que nos vimos envoltes, comeyou a pairar en- tre muitos de n6s uma sensagao de déjd-vu,incomoda porque em contraste com 0 inesperado acontecimento que diretamente assolou Nova York e Wast terrorismo suicida e a imediata disposigfo das autoridades norte-am “retaliar”reforgavam essa estranha ressonancia familiar [Nos dias que sticederam aos ataques,a eclosto de muitas vozes eo esforgo de tantos para compreendero fendmeno, antes de simplesmente condenar o gesto € repudiar a légica dos protagonistas, ajudaram a redimensionar algumas recorda- 6es de outros instantes povoados pela violencia. Aos poucos, foram ganhando recorte, no horizonte da meméria, as narrativas e © debate dos anos da des- colonizagio, daquelas das décadas de emogio e de esperanca que ligaram 0s fi- nais de 1950 aos anos 1970. Nessefatidico 11 de setembro, como fragor das“agdes exemplares”teorizadas hi trinta anos, as opinioes piblicas nos paises da peri sociedades dos centros imperiais, as politicas de dominagio econd 4que thes t8m sido impostas numa sistemitica atmosfera que premuncia ret. «bes. Essa generalizada reagao dos povos “terceiro-mundistas” — que a grande midia praticamente ignorow ~ instaurou tum debate ~ também com escassa diftsto 68 FRANTZ,TANON: COLONIALISMO, VIOLENCIA B IDENTIDADE CULTURAL poles, da violencia psicolégicae fisica exer dos, sobre suas culturas e suas sobrevivéncia, sobre seus direitos humanos mais elementares. Em meio a per plexidade reinante,o déja-v1 dos excluidos suscitou espago para a voz de Hannah Arendt, recordando, no seu estudo Sobre a violéncia (Arendt, 2001, p. 42- palavras de Henry Steele Commager no ntimero de 6 de abril de 196! Republic: “Se subvertermos a ordem mundial e dest remos (..) subverter e destruir nossas préprias in pagina, a prépria autora, referindo as preocupayGes di 1 significava que o dominio Por afetar 0 governo da In; iam os préprios ingleses. Antes de Hani Paul Sartre: h Arendt, tod: jd a preocupagio era assumida por Jean- basta (..) que os rec temera vida um pouco mais qu: barrei petodas.as ) Eomomento do boomerang, o terceiro tempo da violencia; vo 8, atinge-nos e, como de costume, nao compreendemos que & (Sartre . dp. 20; destaques nossos). do terrorismo a questéo do uso da violencia contra objetivos que nao sio milita- ixe também, sobretudo aos que vém acom- alerta a Europa que transcrevemos acima. Esse ma ido em 1961, foi tum dos mais enérgicos ¢ controversos tedricos do papel da violéncia nos proces sos forsa da desigualdade e da opressio na anélise das trocas culturais realizadas sob 0 colonial décadas depois, recordar quem era, que io dos povos colonizados, sem esquecer idéias, ganham especial significado nesta fase em. ‘que as notas glorificadoras da globalizagao entram em choque com os rituais de contestacao que se vao intensificando neste ressurgir da “violéncia de tesposta’, dos povos colonizado: testado e lo pelas diversas forgas pol 1980, p. 91); coerente com. que as (Fanon, s.d. p. indo. Poucos anos apés izados, jovens, com osestudantes nap 70 FRANTZ FANON: COLONIALISMO, VIOLENCIA EIDENTIDADE CULTURAL éticos, guardam is de cariz imperial, apoiando regimes de minorias racistas ¢ bombardeando e massacrando os povos da peninsula da Indochina ou das colonias portuguesas na Atri ar e par com a criagdo ¢o reforgo, nas préprias m pre mais sofisticados de alienagao e exchusio soci sensibilizados com 0 apelo-dentincia dos “damnés de violéncia ests presente nas realidades que habit e/ou cumplicidade das organizagoes tra ¢,Asua maneira, colhem e integram no pensamento do socialismo revolicionrio a mensagem fanoniana da inevitabilidade da violéncia como libertagao. Contemporaneamente, nos Estados Unidos da América, o pensamento desse teOrico africano inspira expoentes dos principais movimentos de revolta da co- runidade negra, como Stokely Carmichael, Rap Brown, Charles Ham Malcom X, Eldridge Cleaver, George Jackson. Em muitos casos, répoles, de mecanismos sem- Fora da periferia, os jovens, ustam a verdade da sua vida” (Sartre, s deixara de se esforsar por segui-lo nos P.8).0 fildsofo francés nao ragados € torns-los inte- A realidade do presente jf nos permite avaliar que, com a teoria da violéncia de Fanon, a tradi¢ao cumpre-se: a profecia ganha autonomia e, desprendendo-se da mensagem do profeta, voa nas asas dos seus novos arcanjos que, tantas vezes, 0 invocam para negé-la. Uma vida, uma obra A vida de Fanon é um todo coerente onde se fundem, no amor pelos deserdados da terra, o exercicio da profissio médica, a militancia pc tual e eyjo fio condutor € 0 caminho percorride nos excassos anos que a vida concedeu. Frantz Fanon nasce numa familia negra da burguesia assimilada da Mar ica em 1925 € aos 19 anos alista-se como voluntirio nas forgas de De Gaulle. Luta na Bm La force des de Beauvoir records ‘ent 0s dois nos quai, pars alémy dda telago afetiva que os caracterizava, se perecbin que info se esquecia que Sarte era franctse censurava-o por nio se regenerae completamente. (..) Tio depresa Ihe pea que desco- brisse uma agio eficas, como Ihe exigia que se wenasse um marti? (Beauvoir, 1968, p. 562-4), CCARAGO BRITA CHAVES, a Europa, onde é ferido, e recebe uma mengio honrosa por bravura’, Terminada a formagio%. A comunhio de interessese projetos leva-o a integrara campanha eleitoral do poeta como candidato da lista comunis ta para.a primeira Assembléia Nacional da Franga no apés-guerr 1946, com 21 anos, Fanon termina o “Licée” e obtém, como vet guerra galardoado, ima bolsa para estudar medicina em Lyon. Sua for lectual transcorre entre a paixio pela me: para o Senegal, mas, no recebendo respo: ‘uma proposta de trabal Argelia, Em novembro de 1953 dade como clinico-chefe do hospi 1 psig ‘onde trabalhara por 38 meses. Sua oriet ida paralos dificeis processos de reinsersto ) social através do estabelecimento de formas democriticas de vida coletiva busca de solugdes para os diferentes problem no, cada vez as causas da iza em sua landestino de apoio aos comba- que é descoberta pelas autoridades em 1955, Sua reputagi0 como médico ¢ humanista salvam-no da prisio, eos franceses limitam-se a mandi- para Franga. Em Patis, participa do I Congresso dos Escritores ¢ Ai alan, que mais tarde 5 chefiasin a OAS lestino de extrema ditcta constieuldo Ver o seu enssio de 1955 inttulado “Antilhanos ¢ aticanos” (Fanon, 1980, p, 21 ss). Fanon rompe com Césaireem 1958 quando este exorta os seus conterzincosa votarem “stn” no encontro promovide por De Gaulle, > Abin e trata em sua clinica miltantes nacionaisas, form quadios de sade patna guettitha, ‘scone armas ¢ equipamentos,oferececondiges para reunisesclandestinas ete, ond 72 FRANTZ FANON: COLONIALISMO, i ENCIA 8 LDENTIDADE CULTURAL, para ingtessar formalmente nas fileiras da Frente de Libertagao Nacional (FLN). Fixando-se na Tunisia, retomao trabalho como psiquiatra e ensina dade de Tsinis, mas sua principal ocupasao 6, ja entio, a de ret oficial da FLN, Ré lade, participa da imprensa da luta de libertagdo e passa a colaborar sa tedrica do movimento, Em dezembro de 1958 faz parte, pela primeira vez, de uma delegagao oficial «da FLN, participando do Congresso Pan-africano em Acra, na recém-indepen- dente Repaiblica de Gana. Trés meses mais tarde faz uma intervengio marcante® no II Congreso dos Escritores e Artistas Negros, em Roma. Nesse mesmo ano sofre um grave acidente automobilistico e é enviado para a capital italiana, onde € objeto de duas tentativas de assassinato por parte da Organizagto do Exército Secreto — 0 grupo terrorista dos colonos da Argélia ~, indicadoras de sua impor- tancia ne movimento de libertagio africano. Em 1959, publica-se em Paris seu segundo livro, L’An V de la Revolution Algérienme, que, recebido com grande su- cess0, € reeditado no ano seguinte com o titulo Sociologie d'une Révolution. Nos principios de 1960 a FLN nomeia-o representante do governo provisério argeli- no em Acra, ¢ desse local, privilegiado na época, acompanha os grandes aconte- cimentos do continente, incluindo o drama do Congo e o assassinato de Lu- mumba. ele o primeiro a denunciar os traidores existentes na Africa ea exor- tar ao combate contra eles. No fim desse mesmo ano, toma conhecimento de ‘que sofre de leucemia ¢ tem pouco tempo de vida, Seu drama pessoal, porém, no 0 impede de se deslocar & fronteira entre a Iniversi- tor do érgio estruturagao n El Moudjahid,a publica- to da fronteira”, Em abril de 1961 comega a escrever Os condenados da terrae pede a Sartre para Prefaciar a obra, No outono desse ano é enviado para Washington, onde, depois de Vencidas algumas dificuldades, é hospitalizado. Morre em 6 de dezembro, aos 36 anos. Depois de sua morte, é publicada em 1964, em Paris, uma compilagao de tex- tos dispersos, seu quarto livro, que surge com um titulo-homenagem: Pour la Revolution Africaine. Do outro lado do colonialismo Com esse itinerdrio, Fanon tem todo o dieito de ser reconhecido como a voz do “outro lado do col smo”, da sua margem mais cruel, a Africa. Esctever era, 0 texto constitu o capitulo. da tera, “Sobre a cultura mcional”, da sua obra principal, Or condenador B 6 LUIS CABAGO E RITA CHAVES para ele, uma forma de agio no esforgo pela libertagdo do homem alienado € desumanizado. Diante do mundo maniqueista com o qual se confronta, encara, sem mediagées, a tarefa de manifestar-se, recorrendo deliberadamente a excessos para fazer compreender ao “Outro” — principal destinatario da sua retérica —a dramaticidade do fendmeno colonial. Brandindo as palavras com veeméncia, traz A superficie a intrinseca dialética de violencia, apontando a indissociavel tureza ideol6gica, econdmica, politica, social, psicol6gica e patologica do sis- tema, Dessa énfase ele préprio tinha total nogio, Na nota que enviou ao seu editor, quatro meses antes de morrer, com o tltimo capftulo de Os condenados da terra, escrevis \do veemente \s minhas descrig6es. E que sentia estar em jogo 0 bom éxito da minha ta- * (apud Zahar, 1976, p. 20-1). Podemos deduzir que, sabendo que o mal de que padecia nio Ihe concederia muito tempo, Fanon procuraya chamar aateng2o do mundo para a tragédia a que dedicara a propria vida. A retérica que ele mesmo admitia ser excessiva funciona- va como uma estratégia para evitar que as suas dendincias do colonialismo ¢ da “descolonizagao” neocolonialista passassem despercebidas. Animava-o a esperan- «aa de que outros “condenados da terra” retomassem suas idéias e continuassem a Assumia, de algum modo, a metodologia da “agao exemplar’ fenho a impressio de ter sido muito, dema rel izagdo que se considerava “superior cia sistemstica e de violentagao da €0 brocado Ao dirigir-se a consciéncia de uma ci cle devolvia-the a imagem da obra de viol humanidade dos colonizados, que se ocultava sob o manto do déj J Seu pensamento, convergente com as anilises de Aimé Césaire, Albert Men percepsio da sociedade colonial como ma delas estar sempre sobrai colono criou o colonizado e é este que esti fadado a destrui-lo, libertando-se © ibertando-o. Essa contraposigao interativa, em que qualquer mudanga numa das \30es na outa, s6 se resolver com o desaparecimento dos zonas implica modi colonizadores e, em conseqiténcia, com a extingto da situagao de “colonizado” essa contradigio sem mediagoes derivam os dois elementos dominantes que se recompéem em stta teoria sobre a descolonizagio: 0 conceito de alienagio e 0 ugar da violéncia no processo. [Nas hist6rias do colonialismo, a exploragio € abordada como tum eixo pre- ponderante, uma vez que seu primado contamina todas as relacdes travadas no interior do sistema colonial. A exploragao colonial funda-se numa especifica ca- racteriaagio do “trabalho indigena’: 0 trabalho escravo ¢ substituido pelo regime 7 ‘ VIoLENCIA &IDENTIDADE CULTURAL laboral obrigatério ou pela prestagao penal o resultado do esforso produtivo do cotonizado ¢ objeto de um duplo sistema de apropriagao, oda mais-valia dos assa- lariados ¢ 0 da renda do setor de produgdo familiar. Mas Fanon defende que a dominagio ultrapassa os para agredir a prépria humanidade do autéctone. Ao ser de " 0 colonizado é reduzi- do a tum dos “elementos da natureza” idigena” ~ entre mundo ci ‘no qual prevalecem os instintos primarios e a barbarie, uma espécie de homem primitivo destituido de hist6ria, sem moral, despido de valores, cuja cultura é degradada a rotinas comportamentais e supersticiosas, frequientemente sintetizada na expressio “usos e costumes”. Essa condigio esti na base dos pre- conceitos ~ ot “série de racionalizasdes”, como Ihes chama nedy— que permitem ao colono conciliar a sua condigao de ago” com a de agente do processo de desumanizagio e fator que impregna toda a situagao colonial (Balandier, 1993, p. 109). Para Fanon, a alienagio 6, portanto, “conseqiiéncia de um duplo processo: hum primeiro tempo, econdmico, e, depois, de interiorizasio, ou melhor, de epidermizagao” do complexo de inferioridade (1965, p.37). A solusdo que o siste- ma propoe ao colonizado é, afinal, a da negacao da propria condigao de negro ou Arabe, a destituigao da sua intrinseca humanidade. processo de interiorizagao surge, na sua obra, com di ‘mas exprimindo sempre, para 0s colonizados, a separaglo entre o “ex” individual € 0 “eu” existencial, ou, mesmo, a rentincia & prépria identidade. Trata-se de um izado eo mundo ie, citando manifesta pela intermediagio da forsa militar e p dos castigos corporais, da discriminagao e das c¢ lidade fisica e social a que est condenado, A normas de comportamento e valores que | quando se sabe maioria est ‘Todos os males da sua existén sito exibidos como resultados da sua “inferioridade’ eos privilégios dos colonos como decorréncias da “superiori- dade” deles. Esmagado entre as expectativas de vida que descobre no colono que o domina ¢ os obstéculos intransponiveis que, a sua efetivasio, Ihe sio levantados Pela sociedade colonial, autéctone vai acumulando frustragdes e neuroses, uma ica” que domina seu corpo. As relagGes de forga existentes na co bem, num primeiro momento, de dar um contetido politico a esse 6 "A expressio é asada por Sartre no prefiio escrito em 1961 para Or condenadas ca tera av 5 OS® Ls CABAGO E RITA CHAVES 10 exorcis- reprimido ¢ ele liberta a energia que eletriza seus miisculos na danga, ‘mo e no transe, na violencia contra seus iguais’. As clites“indigenas’, para quem as expecta identificam a ruptura do circulo vicioso na negagao doe dade cultural, langam-se num esforgo frustrante de ass colono. As virias manifestagGes da alienagdo na sociedade colonis pensamento de Fanon, decorrem das condigdes econdmicas, as quais, por sua vvez, determinam as neuroses que se manifestam nesses dois momentos espon neos de “resisténcia’ A totalidade que caracteriza a situagao colonial faz com que, numa sociedade as sociais sio mais acentuadas, da propria identi- jade” do europeu da coldnia, 0 do colono, desse modo, nto deri- |, mas esta intimamente ligada a que identifica a “super mento intrinseco do sistema. A situagao espe: vva apenas da organizagao da economia colo imagem que ele criou do “indigena” e que o colonizado formou de si mesmo ela é indissociavel da correlacio de forgas que 0 colonizador impés. O racismo, as ideias preconcebidas sobre o “indigena” ea brutalidade social sio componentes da violéncia que o autéctone respira, Ainda que em niveis diferentes, essa at mosfera envalve.o outro lado. © colon, de forma latente, vive angustiado pela possibilidade de perder as mordomias ex- cepcionais de que se beneficia. A “superioridade” experimentada no contexto co- lonial soma-se como um dado essencial d identidade desses homens € mulheres que se afastaram da metrépole. Ja nto sio cidadios de seus pafses de origem, pode- se dizer que, de certo modo, izago de que, em tese, sto representantes. Em Psicandlisee Contardo Calligaris, ao analisar diferengas entre a colo} cas, de um lado, e na Africa e na Asia, de outro, observa: igo nas Améri- ‘A matéria-prima desse tipo de colonizagio pode ser a mesma que produriri o outro tipo: pequenos nobres que no conseguem mais ser nobres, burgueses que querem se fazer de nobres. A especificidade aqui é que eles constituiram, gragas A 9 alicerces na madre patria estava jos. Na maioria dos casos, a diferenga étni- colénia, um mundo hierarquico cu tremen- do, ou entié do qual se sentiam ex ccaajudou para naturalizar as hierarquias sociais reconstruidas. A liberagio destas colénias, alts, foi uma catistrofe particular para os oci centre colo (Museveni, 1971, p13) _A tigidez desse ap 0, expresso na cor da pel ferso do concreto ¢ também no espaco-do i cireulagao esta €o pio de cada magao dos precon ova de que este s6 conhece a 6,08 seus bens, do sistema col certeza de que o sistema da ordem social, eco} rerrogativas. locais estratégicos 0, essas posicdes ‘mutiveis jamais ameagardo seriamente a relagdes de poder dominantes, poise IS CARAGO BRITA CHAVES 7 cexistem para exercé-las de maneira produtiva e prazerosa, Sempre se colocaré 0 problema da diferenca em termos daquilo que se enco preestabele: ricas eideologicas (p. 196). entre 0s pélos 1 € branco, com todas as suas ramificagdes hist6- Com base desse fendmeno na vida das pessoas. Embora perceba as repercussées nos dois lados, sua preocupayio esté indiscutivelmente voltada para os colonizados. Eno direto com os corredores ¢ as salas do hospital de Bl a evidente que a cura estava condicionada a mudanga das bal ‘ordem social. © caminho s6 pode da despersonalizagio atinge a todos, moti lidade que a todos converte em mas: ao interditar o exercicio da diferenga, o colonizador enreda-se na ambivaléncia entre a megaloma- nagio de que o_ ‘europe da colénia é vitima ~o anvers homens e mulheres autéctones, Ao olharmos 0 cenario de muitos paises africanos, verificamos que a forga des- ses elementos, balangada, sem ditvida, pelos ventos que mobilizaram as hutas contra 78 FRANTZ FANON: COLON 3» VOLENCIA BIDENTIDADE CULTURAL JOS LUIS CABAGO B RITA CHAVES 7a ismo, nao se extinguiu com a vitéria das independéncias. Muitos anos E certo que, tomando como ponto fulcral do seu trabalho a questo da dest- as formas de representacio das identidades continuam permeadas por si- manizagio do “indigena’, sua abordagem coloca o homem ¢ a mulher coloniza- ais que, presentes na formagio do imaginario, acabam por interferir na condugdo dos, jualidade, como sujeitos da ago, combinando a interpret da vida mesmo apés 0 encerramento do colonialismo como sistema. Iso explica a atualidade das quest6es propostas por Fanon, pois, como afirma Homi Bhab) ¢ As descobertas feitas por Fanon, no que diz respeito emergem no psicodrama grotesco da vida cotidiana nas sociedades F obstéculo & tomada de consciéncia politica dos 4 , requerem um repensar das formas e forgas de “identificaga residia exatamente na concepgio de “alienagio” na no limite de uma autoridade cultural (p. 178-9). qual os aspectos psicossociais ¢ culturais se sobrepdem aos aspectos econdmicos. Em outras palavras, a alienagio derivada do racismo prevalece sobre a tornada de Criticas e criticos consciéncia da alienagio vivida no processo produtivo. Aos olhos do povo invadi- do, 6 grupo dirigente da colénia é representado por estrangeiros vindos de outro continente, com “usos e costumes” estranhos, com a pele descolorida; nao € perce- 9% «que suscitaram acesos debates no chamado mundo ocidental, entre académicos bbido como “classe”, mas sim como uma “espécie dirigente’, para usar suas pal dos paises socialistas ¢ no seio dos intelectuais e revolucionarios “terceiro-mun- vras, Como conseq{téncia, a“consciéncia de si” por parte dos colonizados proces- distas”. Quarenta anos depois, muitas das questoes continuam a ser importantes ‘sa-se pelos caminhos da alteridade, em termos culturais, eogrificos etc. lidade que nos cerca. 86 quando se rebela e inicia a tomada de consciéncia p colonizado A primeira diz respeito & compreensio da sociedade tradi se apercebe de que a exploragio de que € objeto nao é resultado de wma mi stas reflexdes e, em particul da problema a importincia aos aspectos econdmicos, transcur: Cultivando a radicalidade, sio virios os aspectos do pensamento de Fanon A andlise marxi necessaria uma referéncia ao direito divino para legitimar essa diferenga de clas bapa’ ses” (5. p.36). E fato que, em grande parte, essas das express0es da alienago se sobrepoem mente; no entanto, na medida em que as categorias racistas dominam a estruturagio da sua cons o colonizado tem enorme dificuldade de se per- ceber como classe, Dificuldade, aids, que acaba também por ter 0 colonizador. A essa reflexio liga-se diretamente uma outra questo controversa,a da carac- terizagao das classe sociais na sociedade africana, sobre a qual Fanon tece algumas consideragoes polemicas. econdmicasnio chegam nana aesconde at ealdades humana posto gue estrutura ¢ igualmente uma superestrutura, A causa é efeito: se € rico porque se branco, se € branco porque se é rico, Por isso as andlises marxistas devem modificar- gsiramente sempre queabordamoistema colonial Mesmo oconcito da soci dade pré-capitalista, bem estudado por Marx, teria de ser novamente formulado. sdupitine Ann cea SENSI RAT ORG ETE ‘de maior impact ter sido, sem did, ade qualia 0 operariado ubs- ifra-estrutura e superestrutura” nao era mais “uma distingao entre no dos paises coloniais como estrato pri ido, concedendo ao campesinato 0 es, mas (.) uma dstingfo entre fungoes ..)"(Godelierapud Borofsky, papel de classe revolucionria, Ele defende que, nas sociedades sob dominags0 p. 10) colonial, o operariado tem pouco a ver com o dos paises industrializados, norte- Embora nao icano ou europeu, apresentando-se objetivamente como um gruposocial que teorizado de forma organica o seu pensamento sobre a S economia colonial, Frantz Fanon pés em destaque alguns aspectos que a subal- ‘ocupa uma posigio de pri ‘entre os colonizados ¢ que, portanto, tem algo a perder. Ele va ie, assinalando que os opersrios"‘constituem a fragio'bur- sao nacional. A realidade econdmica das colénias ¢, segundo ele, “uma realidade iguesa’ do povo colonizado” (ibidem, p. 107). A complexidade do problema talvez burguesa estrangeira” (s. d., p. 174) capaz, socialmente, de produzir apenas uma explique a ambigitidade de sua argumentagao, quando, nao obstante a acusagao burguesia nacional intermediaria, dominada pelo “espirito do lucro e prazer” ¢ de “aburguesamento”, reconhece nos sindicatos operdrios a forma or

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