Você está na página 1de 2

JN - Imprimir Artigo 1 of 2

http://jn.sapo.pt/2008/05/18/opiniao/maos_cheias_coracao_vazio.html
Mãos cheias, coração vazio

Fernando Marques , Jornalista

Os homens são todos iguais. A pulsão de levar um


cigarro à boca é tão forte num fumador que seja
primeiro-ministro como num fumador que seja um
cidadão anónimo. O que se passou no voo que levou
José Sócrates e comitiva à Venezuela traduz apenas
o que George Orwell postulou há muitos anos os
homens são na verdade todos iguais, mas uns são
mais iguais do que outros. Sócrates, por representar o
Poder, é para a TAP mais igual do que um passageiro
comum. O desejo do chefe do Governo, em si mesmo,
prevalece sobre a lei. É um comportamento que
reflecte a fragilidade mental do país. Aderimos há
mais de 20 anos a uma comunidade de nações que
nos ajudou a modernizar a economia, mas a curva da
mentalidade, que não se acelera com fundos
estruturais, continuou a fazer o seu curso lento, lento,
lento. O resultado é uma embalagem de alta
tecnologia e belo design com um conteúdo de medos,
vénias e preconceitos.

Ao contrário do que acontece nas sociedades mais


desenvolvidas do Planeta - especialmente as dos
países nórdicos -, ainda nos medimos uns aos outros
pelo que temos e não pelo que somos. O tipo do
Mercedes é mais importante do que o tipo do Fiat que,
por sua vez, é mais importante do que o tipo da
motorizada. Diz-me o que tens, dir-te-ei quem és - eis
a divisa nacional que José Sócrates soube casar tão
bem com a frieza do seu projecto tecnocrático. Em
nome do progresso, as sociedades do ter alimentam a
inveja, a ambição desmedida, o egoísmo, o medo, a
vergonha, o orgulho e a corrupção, enquanto as
sociedades do ser prosperam através do respeito, da
comunhão, do humanismo, da compaixão e da
coragem. As sociedades do ter aprofundam o fosso
entre ricos e pobres, entre poderosos e
"pés-descalços", enquanto as sociedades do ser
tendem a repartir a riqueza com a máxima equidade.

Um primeiro-ministro do "ter" é aquele que se nega a


receber o Dalai Lama - que visitou Portugal de mãos
vazias e coração cheio - com medo de perder as
graças traiçoeiras de Pequim. Foi um pecado
indesculpável e um erro político grosseiro de José
Sócrates. Uma oportunidade perdida para mostrar
alguma grandeza. Para "ser". Entristeceu-me vê-lo,
porém, num tu-cá-tu-lá com Hugo Chávez,
visivelmente a contragosto, a troco de uns barris de
petróleo. Horas depois de ter fumado umas cigarradas
ilegais a bordo de um avião da TAP. Sem consciência,
como disse, de que estava a violar a lei que ele
próprio patrocinou. Sem consciência, digo eu, do juízo
que possam fazer dele depois desta desculpa
esfarrapada...

http://jn.sapo.pt/tools/imprimir.html?file=/2008/05/18/opiniao/maos_cheias_coracao_vazio.html
JN - Imprimir Artigo 2 of 2

Fernando Marques escreve no JN, quinzenalmente,


aos domingos

http://jn.sapo.pt/tools/imprimir.html?file=/2008/05/18/opiniao/maos_cheias_coracao_vazio.html

Você também pode gostar