Você está na página 1de 19
MARIA BEATRIZ DE ALBUQUERQUE e MAURICIO DIAS DAVID * A AGRICULTURA CHILENA: MODERNIZAGAO CAPITALISTA OU REGRESSAO A FORMAS TRADICIONAIS? (Comentarios sobre a Contra-Reforma Agraria, Do Instituto de Estudos Ibero-Americanos, Estocolmo. ‘Agradecemos 20 Prof. Erich Jacoby, da Universidade de Estocolmo, e aos agrénomos ‘Lorenzo Caballero e Rolando Silva, da Escola Superior de Agricultura de Uppsala, que contribuiram para que pudesse existir um clima de discussio em que amadu- receram as idéias e concepgées aqui apresentadas. E a Luis Gonzalez Q., do Instituto de Estudos Ibero-Americanos, por sua extrema paciéncia na revisao do original em espanhol. E claro que as éventuais deficiéncias sio de exclusiva responsabilidade dos autores. | | 1, INTRODUCAO O processo de reforma agraria desenvolvido no Chile até 1973 despertou a ateng&éo e o interesse nao somente dos especialistas em problemas agrarios, como também de todos aqueles que se preocupavam com as transformacg6es sociais em geral. Seu grande atrativo residia na realizagao de profundas mudangas na propriedade da terra e na estrutura de producaéo com um custo social minimo, em comparacéo a outros processos ocorridos em outros paises. Até setembro de 1973 — data da violenta irrupcao dos mili- tares na cena politica chilena — alcancgaram-se grandes conquis- tas na transformacéo do sistema da posse da terra e avangou-se, embora mais lentamente, na concretizaciéo de novas formas de organizacgéo do setor reformado da agricultura. A reforma agra- via havia conquistado amplos setores da opinido publica e sua aceitagao como uma realidade irrevogavel estava presente na consciéncia da grande maioria dos chilenos. Mesmo com o advento do golpe militar, foi impossivel negar esta evidéncia e a Junta Militar foi obrigada a declarar imediata- mente: “A Reforma Agrdéria nao retrocederd, mas, ao contrdrio, comegar-se-4 por consolidar esse processo”.* Muito diversos, po- rém, seriam os fatos. A politica aplicada pela Junta — mesmo que esta estivesse impossibilitada de jogar-se abertamente con- tra a reforma agraria — trouxe conseqiiéncias negativas diretas nao somente para o setor reformado como também para os pe- quenos proprietdérios e minifundidrios. Este artigo pretende analisar as medidas que paralisaram e que fizeram retroceder 0 processo de reforma agraria no Chile. Estas medidas — que fazem parte de um esquema deliberada- mente conduzido pelo novo regime chileno — desembocaram num processo que chamamos de “contra-reforma agrdria”. En- tendemos a contra-reforma agrdaria nio como a volta a domi- nagdo tradicional do latiftindio no Chile — como insinuam mui- tas andlises sobre o campo chileno pds-1973 — mas como uma reorientacéo da agricultura chilena em diregio a uma “moder- nizacao capitalista”, a qual representa um passo atrds no pro- cesso de formacéo de uma agricultura coletiva ou cooperativa. Mas essa reorientagio é beneficidria das transformag6es ocorri- das anteriormente e herdeira das imensas perspectivas de cres- cimento acelerado, derivadas da destruigéo da estrutura arcaica que prevaleceu no campo até o inicio das reformas. A andlise mais aprofundada desta “contra-reforma” faz parte de um ensaio mais amplo sobre a reforma agrdria no Chile, que se encontra em fase de elaboracao final; este artigo é uma adap- 167 tacéo daquele trabalho. Aqui, limitamo-nos a levantar os aspec- tos mais relevantes que contribuam para o entendimento da situacéo do campo chileno no periodo posterior a setembro de 1973, ao mesmo tempo que discutimos os objetivos da politica agraria da Junta Militar e seus efeitos sobre a reforma agrdria e sobre o setor agricola em geral. 2. 0 MODELO TEORICO DA CONTRA-REFORMA AGRARIA A Junta Militar herdou, em setembro de 1973, uma estrutura agrdria radicalmente modificada em relagio ao periodo anterior ao inicio do processo de transformacgéo da posse da terra, no governo democrata-cristao de Eduardo Frei, em 1965. Deste processo havia resultado uma série de vantagens sob o ponto de vista das possibilidades de racionalizagio da propriedade e das formas de exploragao da terra, derivadas fun- damentalmente da eliminacg&o do latifindio improdutivo. Muitos dos problemas econémicos das novas unidades produtivas nao estavam resolvidos, mas importantes passos foram dados para a sua superacéo. Paralelamente ao setor reformado, criou-se 0 importante setor dos médios proprietdrios de terras de boa qua- lidade, que contavam com um grau de capitalizacfo relativa- mente alto. Assim, havia condigdes para que o novo regime se aproveitasse das enormes oportunidades abertas pelas transformacdes ocor- ridas no campo chileno; ao mesmo tempo, poderia congelar as expropriagdes — que estavam em sua fase final — e fazer devo- lugdes em massa das reservas e im6veis com menos de 80 H.R.B.* cujas expropriagdes foram classificadas como “irregulares”.* Além disso, havia possibilidade de o governo militar apoiar sua politica para o campo basicamente nessa burguesia agrdria “efi- ciente”, fortalecendo-a sem precisar carregar o peso da manu- tengéo do latifundio improdutivo. Era de se esperar, contudo, que a ativa participagéo dos antigos latifundidrios no golpe de estado tornaria inevitaveis as presses para impor um retorno aos seus privilégios. Mas a Junta Militar teria condigdes de resis- tir a elas, quando se opusessem a seus objetivos mais gerais, justamente por se tratar de um governo claramente autoritario. No modelo tedrico do comportamento do novo regime, no que se refere as politicas agrdrias, ficava pendente o que fazer com as unidades reformadas. Neste sentido, os primeiros meses de ag&o do novo governo se caracterizaram primeiro pela inde- ciséo e, em seguida, pelo imobilismo. 168 Uma vez eliminadas as possibilidades de manifestagéo das massas camponesas — através da repressaéo violenta as direcdes sindicais e aos vastos setores de base, somada a proscrigio dos partidos politicos de esquerda e ao recesso imposto & Demo- eracia Cristi — a Junta Militar abriu caminho para a aplicag&o de uma politica agrdria que, mesmo sem atentar para os pro- blemas da grande maioria da populagio rural, langaria as bases para a transformagdo da agricultura chilena num setor capita- lista eficiente. Foi assim que — partindo da suposicéo de que a industriali- zacéio do pais fora mal construida em fung&o do protecionismo exagerado — a nova tecnocracia, elevada & direcio da atividade econémica, erigiu claramente o setor agricola como um dos pilares da politica econdmica. Os objetivos da politica agricola resumiam-se em trés metas: 1. aumento da producfo e da produtividade; 2. melhoria das condigdes de vida dos campo- neses; 3. equilibrio da balanca de pagamentos até que esta se tornasse favordvel. Na realidade, estes objetivos comprovaram-se, antes de mais nada, propagandisticos e para consumo interno. As metas prin- cipais a serem lancadas no setor agricola estavam, na verdade, compreendidas em (e subordinadas a) uma concepgao geral de funcionamento do pais, que procurava estabelecer a racionali- dade capitalista mais pura em todos os setores econémicos. Nesse sentido, a politica da Junta Militar para o campo — pro- fundamente condicionada pelos principios batizados propagan- disticamente nos circulos mais amplos de “economia social de mercado” — obedeceu aos seguintes objetivos estratégicos: a) redugio da acéo do Estado na atividade econémica, reser- vando para este a fungao de orientacgéo e controle; b) econo- mia organizada segundo as leis do mercado, onde o sistema de pregos cumpre a fungao de alocar recursos as diversas ati- vidades econémicas; c) conquista de um certo equilibrio na balancga comercial agricola (através da redugfio drdstica das importag6es de alimentos, somada a busca do maximo possivel de divisas advindas da politica de exportar a qualquer preco); d) pleno desenvolvimento da chamada “qualificagio empresa- rial” desviando para ela todos os recursos e a infra-estrutura do sistema nacional de qualificagéo anteriormente implantado. A aplicagaéo desta politica agréria pressupunha a existéncia de um certo grau de estruturacao competitiva na economia chilena, © que Se provou ser uma irrealidade. Com efeito, a existéncia de imperfeigGes — para utilizar a expressio da economia neoclas- sica — na estrutura econédmica determinou que sua execucéo nao desse, reiteradamente, os resultados esperados. 169 Concomitantemente, a implementagao do novo esquema de re- lagGes econémicas requeria, como imprescindiveis, varias medi- das que buscassem um clima de seguranca entre os proprietd- rios e estimulassem, ao mesmo tempo, os investimentos no setor capitalista do campo. Com este propésito — no que concerne ao Ultimo aspecto — procurou-se estruturar uma politica de pre- cos que tornasse a agricultura uma atividade comparativamente rentavel, através da viabilizacéo das transferéncias de recursos provenientes de outros setores e da atracgio de investimentos estrangeiros. Para atrair capitais ao setor, determinou-se uma série de medidas, tais como a inexpropriabilidade dos iméveis com menos de 40 H.R.B. e a revisdéo das antigas expropriagées; ao mesmo tempo, estabeleceram-se novas disposigdes sobre o arrendamento e a subdivisio dos iméveis rurais e a implantagio de um mercado livre de terras. Desta forma colocou-se em pratica uma politica agrdria tecno- crata, fria (e, ao mesmo tempo, racional), absolutamente desin- teressada em relacio aos interesses da massa camponesa — ao contrério dos propdsitos de todo o periodo de propulsio da reforma agrdéria — mas absolutamente coerente com o projeto global de reorganizacdo capitalista da sociedade chilena, levado a cabo com mao de ferro pela alianca entre tecnocratas e militares. 3. AS POLITICAS DA CONTRA-REFORMA AGRARIA E ALGUNS DOS SEUS RESULTADOS E CONSEQUENCIAS Partindo de concepgées totalmente distintas das que caracterizavam os governos precedentes, que impulsiona- Yam a Reforma Agraria, era dificil esperar da Junta Militar uma politica que aprofundasse este processo e que considerasse os problemas sociais no campo como prioritdrios. Como vimos, seus propésitos estavam muito mais dirigidos para a formaciao de um sistema de relag6es capitalistas que estivesse em condicdes de operar de modo “eficiente” e que fosse capaz de explorar as cha- madas “vantagens comparativas” do Chile na agricultura. Neste sentido, a politica agrdria do novo regime apressou-se em estabelecer as bases para um sistema de posse da terra que pudesse garantir o maximo de seguranga para o setor dos pro- prietdrios agricolas, especialmente os médios e os altamente especializados. Na verdade, foi em sua diregao que se voltaram preferencialmente as atencdes das politicas executadas pelo apa- rato estatal, j4 que estas monopolizavam as expectativas para © estabelecimento de uma agricultura capitalista moderna, de 170 acordo com o modelo econémico que ora se estabelece no Chile. No cumprimento desses propdsitos, acompanhando o decreto de dezembro de 1973 — que estabelecia a inexpropriabilidade dos iméveis com menos de 40 HRB. (e, em alguns casos, de 80 HRB.) — revogaram-se os artigos da Lei de Reforma Agraria que proibiam a subdivisio dos iméveis, e iniciou-se, também, um processo de revisio sumdria das expropriagdées realizadas durante os governos da Democracia Crista e da Unidade Popular, isto é, a partir de 1965. Este processo de revisio das expropriagdes foi um dos ele- mentos centrais da politica agrdria da Junta, ao menos no seu periodo inicial. Nos primeiros oito meses a CORA’ revisou 5.213 das 5.809 expropriagdes de iméveis nos governos de Frei e Allende. Uma misséo do Fundo Monetério Internacional (que trabalhou no Chile no inicio de 1976) verificou que, até fins de 1975, quase 60% de todos os iméveis agricolas afetados pela reforma agraria — equivalentes aproximadamente a 23-24% do total da terra expropriada — estavam com sua situacao legal “regularizada”. Daquele total, 40% das empresas agricolas haviam sido intei- ramente devolvidas a seus antigos proprietdrios, que alegaram “irregularidades” no processo de expropriag&éo; o restante dos imodveis foi ou estava sendo redistribuido entre os antigos pro- prietarios e os asentados* de acordo com as regularizagdes con- cernentes & entrega de “reservas” aos proprietdrios originais, estabelecidas pela Lei de Reforma Agraria de 1967 (de 40 a 80 hectares de terra irrigada equivalente, dependendo da regiado e da natureza da exploragio). As ultimas cifras disponiveis indicam que, em 31 de abril de 1976, 3.524 iméveis estavam jd “regularizados”. As devolugées representavam, no total, mais de 26,5% das expropriagdes e resultavam, fundamentalmente, de revogagées de expropriacdes consideradas irregulares (20%), e devolugées de reservas (6,5%), como se vé no quadro 1. QUADRO 1 Situagio da terra expropriada em 31-7-1976 Restitut- Expro- Revoga- sao Total Em poder priagdes goes parcial da CORA Numero de imdveis 5.809 1415 2.109 3.504 4.394 Hectares R. B. 895.752 «117.775 «104.959 «292.735 673.016 Hectares fisicos 9.965.868 1.992.217 649.159 2.641.377 7.324.490 FONTE: CORA, Censo de 31-17-1976. 171 As restituigdes parciais anularam normas anteriormente uti- lizadas durante o periodo de Frei e aplicadas principalmente no perfodo de Allende. Segundo aquelas normas, a entrega das reservas estava determinada por critérios de boa exploracéo anterior do imével e condicionada pelas relagdes dos proprie- térios com os trabalhadores. Por outro lado, nao era permitida a livre escolha por parte do proprietéario das melhores terras para a “reserva”, que ficava limitada a um mdximo de 40 HRB. Estas medidas gerais — estabelecidas no contexto da politica agrdria praticada pela Junta Militar — procuravam criar, como ressaltamos, um clima de plena confianca entre os proprietdrios agricolas (em especial entre a burguesia agrdéria), que estimu- Jasse os investimentos e a producao. Concomitantemente a essas decisdes, e com o mesmo prop6- sito, outras medidas foram tomadas para propiciar a expansao do papel do setor privado, suprimindo ou reduzindo a acio do Estado, inclusive em atividades para as quais nao havia substi- tutos. Toda a politica governamental, portanto, estava orientada para subtrair recursos ao desenvolvimento da reforma agraria, limi- tando este processo a atribuicgéo de terras em parcelas indivi- duais e, inclusive, restringindo a superficie do setor reformado em beneficio do setor capitalista da agricultura, através das de- volucGes e restituig6es. Além disso, buscando também estimular um mercado livre de terras, permitiu-se a subdivisdo de iméveis agricolas (proibida a partir do inicio do governo de Frei para evitar que a Lei da Reforma Agraria fosse burlada). Estabeleceram-se também mo- dificagGes nas condig6es de arrendamento das terras cujos pro- prietarios nao tinham condigdes de trabalhdé-las, implantando o que, segundo os Ministros da Fazenda e da Economia, se veri- ficou como “a possibilidade de adequar 0 tamanho dos iméveis agricolas &@ capacidade dos seus donos e a de buscar financia- mentos através da venda de parte da propriedade, como um passo importante na solucéo do problema do crédito agricola”.* Estas ultimas colocag6es s&o de significativa importancia para a andlise dos elementos regressivos que estaéo ocorrendo no campo chileno. Pouco tempo depois das declaragées dos Minis- tros da Fazenda e da Economia, jaé era possivel observar que varias das reservas devolvidas aos antigos proprietdrios haviam sido vendidas‘; uma investigacféo do organismo oficial ICIRA* chega a reconhecer que alguns dos novos titulares transferiram suas parcelas." Por sua vez, o plano da Junta de atribuir terras (num prazo de 3 anos) a mais de 50.000 familias”, com o obje- tivo de garantir a posse da terra no setor reformado e, a partir 172 dai, aumentar a curto prazo a iniciativa de cultivo, apresentou resultados inesperados para os seus patrocinadores: além das desvantagens técnicas da subdivisio dos iméveis agricolas (con- cebidos para a exploragio como um todo), o fato de a atribui- cao individual de terra reformada realizar-se num periodo de contencéo financeira — derivada da politica antiinflaciondria executada pelo governo — parece tornar inevitavel a existéncia de uma forte presséo sobre os novos proprietdrios, pairando a ameaga de que seja implantado um sistema de agricultura de subsisténcia, repetindo assim os tradicionais problemas dos mi- niftindios. Com efeito, o sistema de atribuicéo individual das ter- ras expropriadas, além de descartar as vantagens da organizagao comunitdria e significar uma limitada capacidade de absorgaio da mao-de-obra — que faz que muitos sdcios dos estabeleci- mentos fiquem sem acesso a terra — ao se realizar em condigdes de fortes restricdes de crédito, como as que existem atualmente no pais, coloca muitos dos novos proprietdrios em situagio financeira téo dificil que os constrange a vender ou arrendar suas parcelas. Mais do que uma simples situagao de dificuldades iniciais de facil superac&o, esta possibilidade € tao real que faz com que os Ministros a considerem como uma alternativa para resolver a insuficiéncia dos créditos agricolas. Reconhecendo as dificuldades, o vice-presidente da CORA declarou que essa insti- tuicao... “continuard avalizando os titulares individuais ou associados da SOCA (Sociedade de Cooperativas), até dois anos apdés a entrega da parcela”.” Entretanto, esta é uma solugéo paliativa, que somente adia o conflito com a politica monetdria central por um periodo limitado. Os efeitos da nova concepgéo dos problemas agricolas — vi- gente a partir da constituicaéo da Junta Militar — fizeram-se sen- tir intensamente entre os setores menos favorecidos do campo. Com o novo regime, deu-se uma mudanga radical nas relagdes entre 0 Estado e os camponeses: anteriormente, aquelas se reves: tiam de um cardter paternalista; agora, subitamente, pretende-se impor uma logica capitalista implacdvel, colocando o asentado ou o novo proprietario sem experiéncia e com assisténcia cre- diticia limitada no terrivel dilema de sobreviver em condigdes tao duras ou ceder 0 passo aqueles capazes de levar adiante uma agricultura “moderna e eficiente”, a saber, nas condicgées vigen- tes, o setor da burguesia agrdria em condicdes de adquirir e reu- nificar parte das terras expropriadas. A relagiéo Estado-camponeses sofreu também uma _transfor- macio radical a medida que se restringiram, paralelamente, todas as formas de ajuda ao setor reformado, aos pequenos proprietd- rios e aos minifundidrios. 173 Desta forma, estes ultimos encontram-se objetivamente em situagéo de inferioridade em relag&éo aos médios e grandes pro- prietarios, ndo sé do ponto de vista das terras que possuem, como também pelo grau relativo de capitalizagio. Esta situagao 6 agravada pelas dificuldades — derivadas das deficiéncias admi- nistrativas e de solvéncia financeira — em competir com a bur- guesia agraria pelos escassos créditos existentes. A isto se soma 0 fato de ser muito mais complicado para um camponés ter que tratar de suas necessidades de crédito diretamente com o setor bancdrio, numa situagéo na qual o BECH” (que funciona como um Banco Agricola) jd néo financia 100% do plano de explora- go, mas apenas 40%. Assim est&o sendo criadas, como afirmé- vamos, condicdes para um retorno a situagéo de dependéncia com relagio aos grandes proprietarios e aos intermedidrios tra- Gicionais na comercializagaéo dos produtos. Neste ultimo aspecto, a politica da Junta caracterizou-se por sua oscilagéo. Assim, & eliminagaéo de quase todos os poderes compradores da Empresa de Comércio Agricola (ECA), ocorrida em 1974-75, sucedeu-se a reabertura dos poderes compradores para a maioria dos 14 itens agricolas principais, a partir de 1976.” Nas condicdes gerais descritas, mesmo quando a taxa de juro nao seja positiva (superior & taxa de inflagdéo) — como é€ o pro- posito do governo, expresso em varios documentos oficiais — o custo de crédito torna muitas vezes impossivel sua absorgao pelos proprietaérios agricolas possuidores de um grau menor de capitalizagdo e nivel mais baixo de eficiéncia. E interessante observar, por exemplo, que 0 montante real dos créditos conce- didos aos proprietarios agricolas em 1975 foi inferior ao de 1974. Premidos por esta situacéo, muitos dos pequenos agricul- tores, minifundidrios e novos proprietarios séo obrigados a depa- rar-se com a perspectiva da reconcentragdo da terra, através da venda aos grandes proprietdérios individuais ou as agro- industrias. Também dentro deste objetivo de restrigéo da agao do Estado, quebrou-se 0 monopélio de importagdes de insumos por parte do BECH. Aparentemente, isso possibilitaria a concorréncia entre os importadores, com uma conseqiiente queda dos precos em beneficio dos produtores agricolas; mas, a curto prazo, isso cria novos intermedidrios, dada a necessidade que tém esses impor- tadores de montar uma estrutura de distribuigéo prdpria, o que pode determinar um aumento nos custos de operagio e um encarecimento dos insumos para o produtor agricola. Também decidiu-se pela transferéncia de todas as agroindus- trias para o setor privado™, fortalecendo-se em conseqiiéncia disso a burguesia agraéria e os grupos monopolistas urbanos, 0S 114 unicos em condig6es de compréa-las. Criou-se, assim, uma ferra- menta a mais para pressionar os demais proprietdrios agricolas no momento da comercializagéo de seus produtos. Ainda mais, com o propésito de limitar a gestao direta do Estado na economia, de conter os gastos oficiais e regular o orgamento da CORA, vendeu-se toda a maquinaria usada no setor reformado, o que contribuiu para que os médios e grandes proprietdrios capitalizassem ainda mais — dadas as condigdes especiais e vantajosas estabelecidas para a sua compra — dei- xando os asentados, minifundidrios e pequenos proprietdrios sem acesso a ela ou sujeitos a uma relagéo de subordinagio a burguesia agraria. Adicionalmente, sobrecarregaram-se os asen- tamientos* com o pagamento de um administrador”, imposto pela CORA, segundo o nivel de exploragéo do imédvel. Assim o Estado praticamente jd nio proporciona assisténcia técnica e o setor privado, que deveria substituilo, néo o pode fazer integral- mente, pois ainda nao dispde de uma infra-estrutura que possa atender a todos os imdveis. O peso financeiro do setor refor- mado torna-se ainda maior a partir da exigéncia da CORA de que todas as dividas pendentes desde 1968 sejam pagas com seus respectivos reajustes, destinando-se para isso 20% da utilizagio dos terrenos. Estas mudangas profundas no papel do Estado refletiram-se numa drdstica diminuicgéo do aparato burocratico do setor agri- cola. Em conseqiiéncia, os funciondrios do setor diminuiram de 43% desde setembro de 1973, passando de 23.287 a 13.199 pessoas. As maiores restrigdes de pessoal afetaram a CORA (— 26%) eo INDAP (—57%), precisamente as instituigdes que trabalham junto aos camponeses de menores recursos. Por fim a qualificagéo, um dos pontos basicos do processo de reforma agraéria, e que teve importancia especial nos governos anteriores, passou a ser vista muito mais como um processo de “qualificagio empresarial”, com cursos raépidos de 15 dias de duragéo e programas versando sobre temas como a atribui- cao de terras, administracao rural, politica agrdria do governo e a chamada “qualificagio empresarial massiva”." Paralelamente, existem cursos para assalariados agricolas sobre técnicas agro- pecudrias e de administragao rural, e outros de qualificac&o téc- nica para os setores dos minifundidrios e dos pequenos proprie- tdrios, nos dois casos como uma etapa de qualificagaio social. Basicamente, a qualificacéo esta relacionada com uma concep- géo mais geral, que procura transformar os asentados, os peque- nos proprietaérios e minifundidrios em “proprietdrios individuais eficientes” e formar neles uma mentalidade de “gestéo empre- sarial”. 175 Estas mudangas radicais na perspectiva da reforma agrdria nao satisfazem alguns setores, exatamente os que exigem medi- das mais eficientes, como a propria aboliciéo da Lei de Reforma Agraria.” 4, BREVE ANALISE DOS RESULTADOS DE CURTO E MéDIO PRAZO Os reflexos da nova politica introduzida a partir de setembro de 1973 fizeram-se sentir no proprio ano agricola de 73/74; em parte resultaram do grande esforco de mobilizagio que o governo de Allende havia iniciado, como uma ultima ten- tativa de recuperacio da producdo agraria gravemente afetada pelo profundo conflito social que se vivia. O notdvel esforgo realizado nos primeiros meses do ano agricola, ainda sob o governo da Unidade Popular, que assegurou uma boa distri- buicaéo dos insumos agricolas, além da garantia a propriedade oferecida pelo governo militar, possibilitou uma visivel recupe- racgio dos indices anteriores de produc&o agropecudria. Nao obstante, a taxa de crescimento de 9% obtida para 73/74, embora significativa, ndo era completamente consistente, principalmente porque ocultava um retrocesso tecnoldgico refletido na queda geral da produtividade que ora se iniciava, e na diminuigao do rebanho pecudrio e da produgdo de aves e suinos. O incremento da producgaéo baseou-se fundamentalmente no aumento da super- ficie cultivada com produtos de chacaras e certos cereais, que compensou a diminuicéo verificada nas culturas industriais (be- terraba, colza e girassol) e arroz. No ano agricola 74/75 houve uma inversao nesta Ultima ten- déncia, resultante da queda dos pregos — derivada da grande producao chacareira do ano anterior e da supresséo de compras oficiais determinada pela nova politica agraria. Essa situacao, associada & queda de 4% na producado pecudria e a tendéncia continuada & queda da produtividade, fez com que o incremento de 10% nos cultivos fosse compensado de tal forma que a expan- sao do produto agricola total se reduzisse a taxa de 4%, leve- mente superior ao indice historico. O ano agricola de 75-76 caracterizou-se por uma crise acen- tuada, refletida na grande queda da producao de trigo (30%), cevada (35%) e aveia (41,4%). Este declinio foi ligeiramente compensado pelo aumento da produgao de beterrabas, ervilhas e lentilhas, embora grosso modo as cifras sejam bastante nega- tivas. A queda da produciéo de trigo (de 1 milhéo de toneladas para 701.620t) foi qualificada, em certos setores, como um “ter- 176 remoto verde”.” Em conseqiiéncia desse quadro geral, a produ- cao agropecudria praticamente estancou, apresentando um cres- cimento de apenas 0,4%, segundo as estimativas preliminares da CEPAL e do FMI. AO analisar globalmente os trés primeiros anos agricolas da Junta, foi interessante observar que o aumento da produ¢io agricola apoiou-se fundamentalmente nos incrementos da area dos cultivos tempordrios (ver Quadro 2). QUADRO 2 Superficie dedicada aos 14 cultives temporarios Ano 1964/65 1969/70 1970/7 1971/72 «1972/73. 1973/74. 1974/75 1975/76. hha 1.254.695 1.251.580 1.262.350 1.294.740 1.027.790 1.175.300 1.247.770 1.305.000 FONTE: Instituto Nacional de Estadisticas. Este incremento da superficie cultivada ocorreu paralelamente a um processo inverso de deterioracgio da produtividade geral, que alcancgou seu ponto critico justamente no ano agricola 75-76. Com efeito, em virtude da reducio do uso de fertilizantes, asso- ciada as condicdes climaticas adversas e a irrupgaéo de pestes, a producao agropecudria deparou-se com uma crise que nao estava prevista nos planos iniciais da Junta. Esta crise néo foi patenteada diretamente nos indices de medida da produgiio agro- pecuaria, pois a significativa queda nos rendimentos afetou prin- cipalmente os produtos de consumo interno. A diminuicgéo da producaéo destes foi compensada, em nivel global, pela notdvel expansio dos produtos agricolas de exportacdo, cuja produgio sextuplicou nos ultimos dois anos. O impacto da crise nao foi sentido de maneira mais evidente unicamente por ter havido uma violenta baixa do consumo de alimentos per capita, resul- tante da politica de reducéo da massa real de saldrios efetivada pela Junta. Em outras palavras, houve de fato uma mudanga radical no setor agricola chileno, resultante das politicas econémicas glo- bais que privilegiaram a producaio agricola para exportagio. Assim, 0 valor da produc&o agropecudria aparece como razoavel- mente estdvel no ano agricola de 75-76, apesar do “terremoto verde” que afetou a producéo de trigo, principal produto agricola. 177 Apesar da crise, pensamos que seria err6éneo projetar essa situagéo para o futuro como irrecuperdvel. A queda dos rendi- mentos aparece como uma situacéo conjuntural, um resultado da aplicagéo da politica econémica global que acabou por fugir ao “controle” que os responsdveis pelo setor econémico supu- nham ter sobre ela. Uma falha do sistema de comunicagéo — assim encara a tecnocracia que manipula o modelo econémico global — determinou néo terem sido detectados a tempo os efeitos catastrdéficos da reducéo na aplicacio de fertilizantes e pesticidas, j4 que estes alcangaram um custo desproporcionado em relacéo as possibilidades financeiras dos produtos agricolas. Os fatores centrais que determinaram a crise da demanda de insumos, em especial de fertilizantes, estavam relacionados & alta de pregos e & restrigio dos créditos. Na verdade, os pregos no mercado internacional dos fertilizantes multiplicaram-se por qua- tro no periodo 1974-75. Além disso, também como resultado da politica econémica que exigia a transferéncia dos custos reais ao setor agricola, este se viu afetado por uma alta dos precos dos fertilizantes no mercado interno; premido ao mesmo tempo pela escassez do crédito, originada também da rigida politica anti- inflaciondria, acabou por se ver na impossibilidade de absorver a alta dos precos. Como conseqiiéncia, a escassez da demanda em 1975 foi de tal gravidade que o consumo real alcangou os mais baixos niveis dos Ultimos dez anos, apesar do aumento da super- ficie cultivada. Algumas medidas de correcio, tomadas a partir da verificagio dos efeitos catastrdficos resultantes da diminui- cao da utilizacio de fertilizantes, comecaram, entretanto, a sur- tir efeito, acabando por elevar o consumo médio no ano de 1976 por volta de 30% em relacéo a 75 (ver Quadro 3). QUADRO 3 Indice de utilizagio de fertilizentes Ano Nitrogénio Fésforo Potassio 1970 134,1 134,5 119,8 1971 1418 41,3 132,5 1972 165,3 115,4 150,0 1973 183,4 165,3 123,0 1974 160,1 137,0 103,1 1975 16,9 78,0 66,7 1976 * 147,7 100,4 107,1 FONTE: ODEPA®, ano-base 1965=100. * Estimativa da ODEPA. 178 5. COMENTARIOS FINAIS A grande interrogacéo que se pode fazer ao ana- lisar o marco tedrico da politica agrdria da Junta Militar — no que diz respeito aos resultados obtidos nos seus primeiros anos de aplicagio — é se a crise que ora atravessa a agricultura chi- lena é conjuntural. Isto é, se ela se deve as dificuldades momen- taneas e passiveis de superag&o, através de seu proprio desen- volvimento no tempo, ou reveste-se de um cardter permanente e significa um indicio decisivo do fracasso final da politica defi- nida centralmente para o setor agricola. Até o momento, as respostas dadas a esta questio limitaram-se, invariavelmente, a refletir os critérios — sejam apologéticos ou catastréficos — dos analistas que as formulam. Tratemos de analisar o problema de um Angulo menos sim- plista. Um dos pilares basicos da politica econémica central é a proposicéo da transferéncia real de recursos do setor indus- trial-urbano para o setor rural, sob o argumento de que houve, historicamente, uma distorcéo derivada do desvio real de recur- sos do setor agricola em beneficio de uma industrializagio (substituicgéo de importagées) artificial e superprotegida, que distorcia a distribuicéo de recursos produtivos, Esta transferén- cia real de recursos do setor industrial-urbano para o setor agricola — que a equipe econémica da Junta se propunha reali- zar — verificou-se ji com as primeiras medidas do novo governo (liberagéo dos precos agricolas, desvalorizagéo da moeda bene- ficiando assim os exportadores agricolas e elevando o prego no mercado interno dos produtos agricolas importados, etc.). A res- posta da burguesia agrdéria foi imediata e entusiasta. A garantia da posse da terra que lhe assegurava a Junta, combinada as novas relagGes econémicas que favoreciam claramente o setor agricola, fez com que os progndésticos de recuperacéo agricola, numa primeira etapa, e de acentuada expansdéo em seguida, inun- dassem os boletins do setor oficial e as publicagdes especiali- zadas. A crise do modelo econémico central provocada pelo im- pacto da recessio do mundo industrializado ocidental determi- nou a violenta queda dos pregos do cobre (a partir do boom de 1974); a este fator associou-se a crise do petrdleo; juntos, forgaram a readaptacéo do esquema econdmico, entéo em im- plantacao, em fungio de um programa antiinflaciondrio extre- mamente rigido. As evidéncias demonstram que a crise atual, mais do que pro- duto do fracasso direto do modelo em execugio, é o reflexo das contradigdes internas existentes entre as politicas de esta bilizagéo, através do chamado “Plano de Recuperacio Econé- 179 mica”, e 0 proposito de expansdo acelerada do produto agricola. A restrigao monetdria impossibilita a expansao do crédito, acar- retando, em contrapartida, a diminuicgféo do uso de insumos, que por sua vez determina a queda nos rendimentos e a limi- tacgio da capitalizagio no campo. Alguns desses reveses eram facilmente previsiveis, mesmo que seu grau de intensidade fosse subestimado pelos prdéprios elaboradores e responsdveis pela aplicacéo das politicas para 0 campo. Desta andlise depreende-se a existéncia de condigdes para a superacaéo da crise e para uma forte expanséo do produto agropecudrio. Isto, nos termos colocados pelos objetivos estratégicos do governo militar, uma vez que 0 modelo econémico permita, a partir de um certo desafogo financeiro, a liberalizagéo do crédito e a maior transferéncia real de recursos para o campo. Esta expansio estaria fundamentada no triangulo: 1. exportagéio de derivados florestais, 2. exportagéo de produtos agropecudrios nos quais o Chile tem vantagens comparativas e 3. substituigio das importacdes de alimentos que ainda pesam na balanca de pagamentos. A contradicao existente até agora, entre o propésito de expan- so acelerada da producio e a politica de “estabilizagio”, de- monstra claramente que, demarcadas firmemente nos principios gerais que presidem a politica econdémico-financeira, as politicas agrarias tem hoje uma clara relacfo de subordinagaio quanto aos objetivos estratégicos estabelecidos pelo nticleo de direc&o eco- némica. Assim sendo, hoje 6 possivel perceber que as linhas gerais de modelag&o das relagédes econédmicas em beneficio do setor agricola (e 0 papel que se pretende venha este a desem- penhar na economia do futuro) nio dependem diretamente das forgas que tradicionalmente o controlaram no passado — lati- fundidrios e burguesia agrdria — mas seguem os planos deli- neados pela equipe econémico-financeira: a implantag&io, no Chile, de uma economia “moderna”, “eficiente” e dirigida para o mercado internacional. Tal situagio s6 pode ocorrer em etapas histdéricas nas quais um regime autoritdrio, como o chileno, pode impor as diversas fragdes das classes dominantes uma politica geral que, ainda que entre em choque em particular com interesses parciais de algumas dessas fragdes, do ponto de vista estratégico defende os interesses das classes dominantes como um todo. Com efeito, sem precisar submeter-se a pressGes dos grupos sociais organizados — os quais, 4 excecio das organizacdes patronais e/ou empresariais, foram postos na ilegalidade ou tive- ram suas atividades congeladas — nem necessitando ater-se 2 politicas de clientela eleitoral, a alianca entre militares e tecno- 180 cratas conseguiu aplicar no Chile uma politica econédmica ba seada exclusivamente nos conceitos tedricos de gabinete. Com relagéo ao setor agricola, isto significa que a propria diregio do aparato agricola estatal perdeu em muito seu signi- ficado anterior. Nos periodos anteriores, especialmente no curso do governo do Presidente Allende, 0 nome ou a perso- nalidade das pessoas colocadas & cabeca das instituicdes agri- colas chaves (Ministério da Agricultura, ODEPA“, CORA, SAG*, etc.) adquiria um significado decisivo, dadas as grandes transformacées estruturais que eram impulsionadas por estes organismos. De certa forma, era possivel afirmar que o setor agricola possuia quase que uma autonomia relativa dentro do conjunto de politicas dirigidas pelo aparato gover- namental, submetido a uma dindmica prdpria e somente limi- tado por restrig6es econémicas de tipo mais geral. Hoje, ao contrario — apesar do cardter autoritdrio do regime da Junta Militar e do maior poder de deciséo relativo de que dispdem as mais altas autoridades do aparato estatal para o setor agri- cola — a significagio de que se revestem estes individuos viu-se consideravelmente reduzida. De fato, o que importa do ponto de vista da direcfio das atividades agropecudrias, hoje, é o estabele- cimento de certas relagdes econémicas especiais e bem determi- nadas que, introduzidas no sistema econédmico implantado, fa- zem com que as expectativas se dirijam para a resposta dos “agentes econdédmicos” (produtores, intermedidrios, etc.) aos estimulos. Em outras palavras, a chave para o sistema econémico que ora se implanta 6 o conjunto de relagées econémicas gerais (poli- ticas de precos livres, transferéncia real de recursos ao setor agricola, prioridade ao setor exportador, etc.) estabelecidas de forma centralizada pela equipe de tecnocratas da direcéo econé- mica, deixando que estas relacdes econédmicas se transmitam, através dos mecanismos livres de mercado, aos agentes econd- micos, e que estes reajam a estes estimulos. Neste esquema, o papel da subequipe da direc&o agricola (Mi- nistério ODEPA e instituigdes) reduz-se a supervisionar a im- plantacéo das novas relagdes econédmicas e manter um estreito contato com os “agentes econémicos”, em especial a burguesia agraria, cuidando para que possam ser corrigidos a tempo os problemas detectados no curso do ano agricola. Quando ha pro- blemas neste trabalho de “relacionamento” ou mediac&o, o resul- tado 6 a exoneracdio da subequipe agrdria, sem prejuizo para a continuidade das mesmas politicas, como ocorreu recentemente com a mudanga da ctipula do Ministério da Agricultura. Da andlise realizada, fica evidente que todo 0 sistema econé- mico em implantagdo se processa num estado de equilibrio pre- 181 cdrio, dependendo, por um lado, da capacidade do regime de impor as distintas fragdes da burguesia urbana e rural a aceita- cao da hegemonia da alianca militar-tecnocrdtica em funcio de seus interesses estratégicos gerais, e, inversamente, da capaci- dade da classe operdria e dos camponeses em desenvolver uma efetiva resisténcia, justamente agora, quando o sistema econd- mico que esta sendo implantado ainda nfo se consolidou e apre- senta suas maiores debilidades, apesar do tremendo poder de dissuaséo do aparato repressivo manipulado pela Junta. Uma varidvel decisiva neste equilibrio precério é constituida pela expectativa de comportamento do setor camponés, em espe- cial dos asentados que est&o sendo beneficiados pela atribuigio individual das terras expropriadas. E bem possivel que a politica agréria atual consiga conquistar certa base social nesse setor. Ainda que esta base nao constitua um apoio direto @ Junta atual, 6 provavel a continuidade da defesa da propriedade individual da terra e do espirito anti-reforma do futuro. Finalmente, @ guisa de conclusio, queremos reiterar que no curso deste ensaio estivemos polemizando com trés teses cor- rentes, equivocadas, do nosso ponto de vista, a respeito dos processos que se desenvolvem hoje no campo chileno. Pro- curamos demonstrar que longe de significar um retrocesso as relagdes existentes anteriormente no setor agricola, isto 6, ao periodo pré-reforma agraria, a politica atual procura implantar uma modernizacdo capitalista que implica estabelecer uma agri- cultura “moderna” e “eficiente”, baseada fundamentalmente na capacidade de resposta da burguesia agréria aos estimulos a ela dirigidos e centrada nas possibilidades de exportagio de certos produtos e de substituicio de grande parte das importacées tra- dicionais, ao mesmo tempo que se aceita a realidade da morte do latiftindio como sistema dominante no campo chileno. Da andlise depreende-se também que, longe de representar uma politica incoerente, aventureira e ildgica, a politica agréria em execugao é perfeitamente coerente e esta demarcada no pro- jeto global do sistema econédmico em implantagéo. E que, longe de estar destinada a priori ao fracasso, ela pode obter éxito, dentro dos objetivos a médio e longo prazo que se propdem seus patrocinadores. Se, do debate que possa provocar este artigo, resultar maior clareza para a compreensdéo dos fenémenos que ocorrem na agri- cultura chilena, nossos objetivos estariéo plenamente alcancados. (Tradugaéo de Barbara Abramo) 182 OTAS Instituto de Capacitacién y Investigacién sobre Reforma Agraria. Bases de la Politica de la Junta de Gobierno. Santiago, 1973, Para uma visio melhor da politica agraria vejase também Ministério de Agricultura. Perspectiva de Desarrollo Agropecuario. Santiago, 1975 e Ministerio de Agricultura. Politicas de Desarrollo Agrario y Rural. Santiago, 1975. H.R. B.—Hectarea de Riego Basico—moddulo correspondente a lha de terra irrigada da melhor qualidade no Vale de Maipu, perto de Santiago. (N. do T.). “El sector reformado tiene un importante papel que jugar en la econo- mia chilena” — entrevista do Coronel (R) Alberto Aranda, vice-presidente da CORA. La Segunda, 28-6-74. CORA — Corporacién de la Reforma Agraria (N. do T.). Asentado — membro de um asentamiento, estabelecimento de tipo coope- rativo criado pela Lei de Reforma Agraria. Os asentados sio, ao mesmo tempo, trabalhadores e sécios do estabelecimento. Os asentamientos sio 4reas continuas que podem constituir-se de um ou mais iméveis ou, ainda, de uma parte de imével expropriado, de acordo com o que for determinado pela CORA, a partir de critérios que levam em conta as caracteristicas do lugar e 0 tipo de exploracdo agropecudria para a determinagéo do miimero de familias participantes (N. do T.). . “Gestion Econémica Agricola del Gobierno”. El Mercurio, 18-6-74. . Depois do golpe militar comecaram a surgir agéncias especializadas na compra e venda de propriedades rurais, tanto em Santiago como no interior do pais. Este fato pode ser verificado através da leitura da segio do El Mercurio: “Propiedades venden; Fundos, chécaras y par- celas”. ICIRA — Instituto de Capacitacién y Investigacién sobre Reforma Agra- tia (N. do T.). “Revela Encuesta de ICIRA: Pequefios Propietarios Aumentan Produ- cién — 6,000 asignados reciben créditos — Infimo porcentaje de transfe- rencia de parcelas — Proceso de asignacién ha tenido resultados satis- factorios en lo econémico y social”. El Mercurio, 16276. e 11, “18.000 parcelas anuales y 91.000 en 5 afios: Entrevista el sector reformado...”. La Segunda, 286-74; “Se Cumple Metas en Proceso de Asignacién de Parcelas. El Mercurio, 16-2-76. BECH — Banco del Estado de Chile (N. do T.). }. A Empresa de Comércio Agricola (ECA) assegura a compra de trigo e a IANSA (Industria Azucarera Nacional S. A.) garante a compra de beter- raba acucareira. Em 20-1-76, a ECA tinha poderes compradores para trigo, milho (0 que j4 funcionava hé algum tempo), arroz, colza e girassol, e planejava abrir poderes para a maioria dos 14 itens principais. . “Transpase de las ultimas 22 infraestructuras Agro-Industriales”. El Mer- curio, 20-3-75, . Asentamiento — ver nota 5. . Este pode ser ou nao um técnico, mas nos casos de imdveis pecudrios deve ser um veterinério e nos de iméveis vitivinicolas, um endlogo. . Ministério de Agricultura. Politicas de Desarrollo Agrario y Rural. San- tiago, 1975, p. 65; Programa de Capacitacién Masiva. “Capacitacién a 183 18. 20 22. 23. Campesinos”. El Mercurio, 20-2-76, ODEPA. Situacién de avance del aio agricola 74/75, Santiago, 1974. Artigo do primeiro diretor da Oficina de Planificacién Agricola (ODEPA) durante o periodo da Junta e atual decano da Faculdade de Agronomia da Universidade do Chile, José Garrido, e de Samuel Irrazaval: “Segu. ridad de tenencia en la Agricultura”. El Mercurio, 75-74. . “Califican Agricultores: “Terremoto verde’ es caida de producidn de trigo”. El Mercurio, 21-1-76. e 21. ODEPA — Oficina de Planificacién Agricola (N. do T.). INDAP — Instituto de Desarrollo Agropecuario (N. do T.). SAG — Servicio Agricola y Ganadero (N. do T.). 184

Você também pode gostar