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Memórias de um sargento de milícias (1853)

A frieza com que a única obra ficcional de Manuel Antônio de Almeida foi recebid
a, inclusive por escritores que lhe votavam amizade, evidencia o quanto a mesma
fugiu dos padrões estéticos vigentes no país, na metade do século XIX. É verdade
que há nesta obra várias passagens de grande ingenuidade narrativa, em especial
nos diálogos travados com os leitores, quando o autor anuncia ou posterga os ac
ontecimentos futuros. Porém, diferentemente de seus contemporâneos, intoxicados
de clichês românticos, Almeida inova ao apresentar certo relativismo moral, cert
o cinismo simpático que o torna condescendente com as transgressões dos personag
ens, transformando estes pecados e pequenos crimes em situações irresistivelment
e cômicas e não em melodramas baratos. Assim, ele anula a dicotomia entre o bem
e o mal, tão a gosto do Romantismo, e cria a obra mais original do período.
ENREDO
Os portugueses Leonardo Pataca e Maria-da- Hortaliça encontram-se numa viagem de
navio rumo ao Brasil. Pataca aplica uma pisadela no pé de Maria que retruca, da
ndo-lhe um beliscão. Iniciam assim o namoro que culminará com o nascimento do he
rói do romance, Leonardo, ?filho de uma pisadela e de um beliscão?. No Rio de ja
neiro, o menino terá como padrinho um barbeiro (o compadre) e uma parteira (a co
madre) que o protegerão, já que Maria-da-Hortaliça trai muitas vezes o companhei
ro e acaba fugindo de volta para Portugal com um capitão de navio. Em conseqüênc
ia, Pataca acaba expulsando de casa o menino Leonardo com um vigoroso pontapé e
apaixona-se pela cigana, que, por sua vez, também o abandonará.
Leonardo é adotado pelo padrinho, o compadre, que se afeiçoara a ele. À medida,
porém, que vai crescendo torna-se cada vez mais abusado, briguento e pouco dado
ao estudo. O compadre sonha com uma carreira sacerdotal para o afilhado e conseg
ue torná-lo sacristão. Mas Leonardo não durará muito no posto, pois detesta o pa
dre que comanda a igreja da Sé e vinga-se dele revelando para todos os fiéis o a
mor proibido entre o religioso e a cigana, a mesma pela qual Pataca se apaixonar
a. A partir daí, Leonardo não demonstra qualquer interesse pelo trabalho ou pelo
s estudos.
Torna-se um vadio, de vida desregrada, mas extremamente simpático, obtendo sempr
e a proteção de alguém. Certo dia, conhece a jovem Luisinha, que é sobrinha de u
ma vizinha mais ou menos rica, a Dona Maria. Apesar da moça ser despida de maior
es encantos, Leonardo passa a gostar dela. Entretanto, logo em seguida surge um
concorrente mais velho e mais interesseiro, José Manuel, que através de várias m
aquinações acabará se casando com Luisinha.
Leonardo nada sofre porque gosta de Vidinha, mulata sensual e livre de maiores i
njunções morais, com a qual acaba tendo um caso. Como Vidinha tem muitos pretend
entes, armam-se várias confusões, atraindo a atenção de uma espécie de Chefe de
Polícia da época, o major Vidigal, terror dos malandros e vagabundos. Leonardo é
preso, foge, volta a ser preso e é obrigado a se tornar soldado a serviço de Vi
digal. Então prega uma peça no major que, por isso, decide açoitá-lo. Sabedora d
isso e sempre disposta a ajudar Leonardo, a comadre forma uma comissão de senhor
as para interceder junto ao incorruptível major. Além dela, vão Dona Maria, a tu
tora de Lusinha, e Maria Regalada, que na juventude volúvel tivera uma relação a
rdente com o Vidigal. O major recebe as senhoras e quando Maria Regalada o chama
para um canto e lhe faz uma promessa (a de reatarem o antigo amor), ele cede: L
eonardo não apenas recuperará a liberdade como será promovido a sargento. No mes
mo dia, José Manuel, que se revelara um péssimo marido, tem uma apoplexia e morr
e, deixando Luisinha viúva e livre para se casar com Leonardo na mesma igreja da
Sé, onde o agora sargento das milícias fora sacristão.
Embora o título do único romance de Manuel Antônio de Almeida indique um relato
em primeira pessoa, (Memórias...), o mesmo dá-se em terceira pessoa através de u
m narrador onisciente. Este narrador não é neutro, contudo, já que interfere con
tinuamente no andamento da história com comentários humorísticos e com avisos ao
s leitores a respeito de fatos que irão acontecer.

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