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Parei a moto, tirei o capacete e desliguei o motor.

A faculdade ainda era apenas


murmúrio de início de manhã. Cada um deles parecia preocupado em conhecer suas
novas salas, seus novos colegas e reencontrar antigos professores - fossem eles bons ou
ruins. Eu só tinha um objetivo. Fingir ser mais um cara misturado à multidão.

Ninguém precisa saber da onde vim ou o que faço na faculdade mais cara dessa cidade
do interior de Los Angeles e o meu desafio é viver um dia de cada vez para que eu
mesmo me esqueça do que fui acusado. Inocente ou não, eles estão atrás de mim. Aliás,
estão atrás de nós dois e eu sei que ela não suporta mais fugir. Quem suportaria? Passar
anos cruzando o país na carona de uma moto também não é a melhor idéia de vida que
eu faço. Espero só que a minha companhia seja suficiente para ela como a dela sempre
foi suficiente para mim.

Alícia. Não dá pra descrever tudo que esse nome representa, mas sei que nunca amei
alguém como a amo e, por isso, a protegeria com minha própria vida se fosse preciso.
Nós temos uma relação bastante aberta e conversar é rotina. Conto tudo do que sinto pra
ela e ela também confia com todas as forças do seu ser que posso cuidar dela a ponto de
depositar em mim suas dúvidas e seus medos. Acho que posso dizer que formamos uma
dupla e tanto.

Levantei os olhos e passei a mão por meus cabelos para espetá-los um pouco mais para
cima. Não chego a ser vaidoso, mas meu cabelo liso demais pra o tipo de arrumação que
eu costumo fazer acaba sempre me deixando irritado. Venho tentando fazê-lo ficar
arrepiado desde os dezesseis anos, quando resolvi sair de casa e correr atrás do que
queria. A música também me acompanhou até aqui então minhas calças rasgadas e
camisas escuras nunca foram um problema no meio em que vivo. Além de Alícia,
minha guitarra é minha melhor companheira e meus amigos é o público.

- Bom dia – ouvi a voz estridente de alguma garota eufórica e levantei pra abrir o
compartimento da moto e pegar um caderno de anotações.
- Bom dia – disse de volta sem esconder a boa reparada que dei em seu corpo magro
demais para o meu gosto.
- Você é novo aqui? – ela perguntou sorrindo e eu fiquei me perguntando se seria
melhor tratá-la bem para conhecer contatos interessantes através dela ou ignorá-la e me
livrar dos prejuízos de ter uma loira, estilo líder de torcida, atrás de mim pelo resto do
semestre.
- Sou – respondi seco. - Qual o seu curso? – obviamente escolhi a primeira opção.
Ninguém é de ferro.
- Ah, eu faço moda no bloco D. O que você faz?
- Música.
- Ai. Meu. Deus – e aqui ela deu um gritinho. – Então vamos estudar no mesmo bloco!
- Imagino que sim – respondi já quase arrependido de ter puxado assunto. –Qual é seu
nome?
- Sharon – ela respondeu estendendo a mão.
Peguei sua mão bastante magra e a puxei para perto de mim em função de diminuir a
distância e beijar seu rosto.
- Então, Sharon, gostei de falar com você. – menti. – Preciso subir para minha primeira
aula, mas a gente conversa depois, certo?
- Ok – ela replicou ainda sorrindo.
Saí de perto dela andando de costas e, com uns cinco passos de distância, me virei em
direção ao pavilhão principal e voltei a caminhar de cabeça baixa como faço quase
sempre. Estou acostumado a andar a passos longos e sem levantar o rosto. Aprendi a me
cuidar depois de alguns incidentes nos últimos dois anos.

Subi os quatro degraus que levavam diretamente ao meu bloco e fui percorrendo o
longo corredor enquanto examinava os horários em cada porta para descobrir qual seria
a sala da minha primeira aula. Imaginava que talvez fosse ter algumas matérias
interessantes, mas não fazia idéia do que esperar do último semestre na faculdade. Com
certeza o curso deveria ser mais puxado e os professores mais apressados em passar o
conteúdo. Ótimo. Preciso mesmo de mais coisas para ocupar a minha mente.

Passei pela terceira porta sem sucesso e, ao encostar-me à quarta, ela se abriu à minha
frente de supetão e uma garota ruiva e miúda saiu apressada com uma muda de roupas
nas mãos. Ela passou por mim quase sem me notar e bateu seu ombro no meu quando
não conseguiu fazer a curva necessária pra se desviar do estranho parado à porta.
- Ah não – ela sibilou ao derrubar todas as roupas que trazia nas mãos e perceber que se
batera em mim. Ficou estagnada por um momento enquanto olhava para mim e para as
roupas parecendo indecisa entre pegar o que deixara cair ou desculpar-se.
Sorri tentando parecer legal e abaixei pra entregá-la as roupas antes que todos os seus
colegas saíssem da sala e viessem ver a cena que mais parecia um daqueles filmes
clichê.
- Isso é seu? – perguntei do jeito mais cafona que consegui.
- Sim, é meu – ela me olhou furiosa. E, depois de ter praticamente me fuzilado com o
olhar, abrandou o tom de voz pra replicar um agradecimento sussurrado. - Obrigada –
parecia tentar ser sincera. Deve ter percebido que, o que quer que a tenha motivado a
parecer um dono de loja chinesa à beira da falência, não era culpa minha.
- Sabia que não é educado sair correndo dos lugares? – perguntei percebendo que o tom
de voz tinha abrandado no pedido de desculpas. Não sabia por que estava fazendo isso,
mas de repente quis cutucá-la.
Ela só me olhou mais uma vez e, parecendo querer gravar alguma coisa de mim na
memória, virou-se sem me responder e andou apressada em direção ao fim do corredor.
Não entendi muita coisa, mas o castanho dos seus olhos apreensivos se fixou em minha
mente enquanto, mais distraído do que havia me habituado a andar, continuei a procurar
a sala onde aconteceria a minha primeira aula.

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