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Esse espírito de tudo destruir para dar lugar ao “novo” tem feito grandes estragos à vida
urbana das cidades do interior de São Paulo. Segundo um observador europeu de 1914,
Ninguém sabe a data inicial das velhas igrejas, nem os nomes dos primeiros
arquitetos. ... As pessoas mais instruídas, e que o espantarão por seu saber de
filósofos, letrados ou matemáticos, permanecem mudas diante dessas questões
rudimentares. Inexoravelmente os paulistas demoliram seus monumentos de
outrora, tanto temem, mais que tudo, parecer atrasados!2
Nesse ambiente viveu o músico Nabor Pires Camargo no início do século vinte. Na
vertigem da modernidade, o tempo se encurta, as multidões anônimas nos fazem
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Tavares, Manoel Ramos, 1940, p.. Arquivo Público Municipal Nilson Cardoso de Carvalho.
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Paul Adam, apud Barbuy, H., em A Cidade Exposição. São Paulo: EDUSP, 2006.
companhia, o convívio modorrento da vila torna-se entediante. Esse era o sentimento de
muitos dos homens “cosmopolitas” sobre as pequenas vilas em que haviam nascido.
Vilas antiquadas, ignorantes das novidades do mundo que vinham de Paris.
Vilas de doces que demoram uma vida para cozinhar, de tempo para as conversas, de
homens e mulheres que se conheciam a vida inteira, e conheciam, mesmo que de ouvir
dizer, os pais e avós dos conhecidos. Vilas de redes sociais estáveis, embora de pouco
convívio “social”. As pessoas nas vilas não convivem com desconhecidos, convivem
com parentes, compadres e compadres de parentes, nas suas casas, nas festas da Igreja e
nos bailes nos sítios.
Nesse mundo pequeno também era preciso passaporte para entrar, mas os
“cosmopolitas” às vezes se ressentem por não serem bem recebidos com suas
credenciais de dinheiro, glória ou letramento. Na vila alguém conhecido tinha que
apresentar o recém chegado ao grupo de convívio, e se responsabilizar por sua
idoneidade. Aí as portas se abriam, devagar, como em todo lugar.
Mas na virada dos anos 1900 os baluartes da vida urbana e letrada reclamam privilégios
em relação ao mundo rural tradicional. São “modernos”, têm quase como missão tirar
esses “caipiras” das vilas de sua ignorância do mundo, de sua vida sonolenta e arcaica.
Viveu nesses anos no vórtice de um embate, que hoje poderíamos repensar, para viver
melhor, entre o “arcaico” e o “novo”. Suas músicas desse período são registros bem
humorados dessa guerra simbólica em que se envolveu, com outros de seu tempo, como
Monteiro Lobato, Mário de Andrade e Almeida Júnior. Retratou uma São Paulo com
bondes e vacas, caçoava das boinas francesas dos estudantes da elite paulistana e
registrava nas músicas a vida da sua vila. Vida “caipira”, gentil, desconfiada de
estranhos e de novidades saídas de lugar nenhum. Vila que acabou se rendendo às
críticas dos cosmopolitas e destruindo seu patrimônio, para dar lugar aos modernos
“bangalôs”, que agora, também já “arcaicos”, estão sendo destruídos.
Então aqui vai reproduzida a partitura de Espanta-Vaca, como aperitivo para essa obra
tão interessante. Quem quiser conhecer mais, pode pesquisá-la no Arquivo Público de
Indaiatuba, ao vivo e a cores, pois são parte do Fundo Nabor Pires Camargo.
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