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A autonomia profissional do enfermeiro

A enfermagem, apesar de sua simplificada compreensão tanto na comunidade como no meio profissional da
área da saúde, é uma profissão complexa, em decorrência das múltiplas facetas do trabalho que realiza. Esta
simplificação parece ser o resultado de incompreensões acerca tanto de sua natureza e domínio como do seu
valor humano, científico e ético e, especialmente, da importância e necessidade dos cuidados de enfermagem
para o sucesso do processo terapêutico como um todo. A carência de tecnologias para instrumentalizar o seu
trabalho, bem como a falta de clareza que os próprios profissionais de enfermagem têm sobre os elementos do
seu processo de trabalho e da sua organização e, especialmente, pela maneira como se comportam nas relações
com os demais profissionais da área da saúde parecem contribuir para o surgimento e manutenção destes
equívocos de percepção.
Muitos dos trabalhadores da enfermagem, ao avaliarem superficialmente a importância de empreender esforços
para aprofundar os estudos sobre o trabalho da enfermagem, podem considerá-los desnecessários e, até mesmo,
supérfluos. Entretanto, se não conhecermos profundamente o conjunto de nossas ações no emaranhado das
ações de saúde e se não reconhecermos a natureza e o domínio deste nosso trabalho, não teremos como
argumentar nem pragmática nem legalmente para produzir as mudanças que desejamos na e para a nossa
profissão.
Um tema bastante controverso, que vem sendo motivo de discussões, reflexões e estudos, diz respeito à
autonomia do enfermeiro no seu exercício profissional. Do ponto de vista das relações sociais, um trabalho é
autônomo se e somente se é empreendido sem a intermediação de outras ações conduzidas por outros
profissionais para começar ou terminar. Assim, no âmbito institucional, rigorosamente, nenhum trabalho em
saúde é absolutamente autônomo, restando-nos pensar na possibilidade de uma autonomia relativa para o
exercício de ações específicas, porém, contendo momentos de complementaridade com outros trabalhos. A
presença de diversos elementos na realidade do trabalho da enfermagem a configuram como uma profissão que
possibilita ao enfermeiro amplos espaços de exercício de autonomia e de poder decisório, permitindo romper-se
com o mito de ser a enfermagem uma profissão subalterna, assim considerada até mesmo por grande parte de
seus próprios trabalhadores, porque estão impregnados, dentre outros, de sentimentos de impotência, limitação,
desprestígio, desvalorização e falta de reconhecimento, no contexto das profissões da área da saúde.
A importância do trabalho da enfermagem nos espaços institucionais reside na garantia da busca por uma
assistência à saúde contínua e integral, cuja concretização decorre da atuação do enfermeiro sobre o ambiente
institucional, organizando-o para torná-lo terapêutico, e sobre as pessoas, por meio da execução, coordenação e
gerenciamento de ações prestadas pelo conjunto de todos os trabalhadores da área da saúde que atuam neste
ambiente e que se destinam ao atendimento das necessidades de saúde da clientela. Uma vez que a organização
do trabalho é expressão da vontade de quem o organiza, quando os demais pautam o seu trabalho conforme as
determinações de quem o organizou, isto se dá em resposta ao poder que emana das atividades organizacionais,
em que as ações de coordenação e gerência direcionam-se a conseguir que as diversas tarefas assistenciais
sejam cumpridas pelos diferentes profissionais. Portanto, organizar, coordenar e gerenciar o trabalho
assistencial permitem ao enfermeiro pôr em ação determinada forma de exercício de poder que estas condições
oportunizam.
Embora a função de organizador não estabeleça uma hierarquia, na qual os demais profissionais fiquem
hierarquicamente subordinados ao enfermeiro, porém, seu exercício pode determinar uma forma funcional de
subordinação dos outros profissionais ao enfermeiro, como resultado das funções de coordenação e gerência
que desempenha. Sob essa ótica, o trabalho do enfermeiro pode ser visto e percebido de uma nova forma,
extraordinariamente diferente daquela que nos habituamos a ver. Portanto, devemos nos perguntar qual o
entendimento que se deve ter, quando se fala em autonomia profissional do enfermeiro e para realizar o quê? A
autonomia do enfermeiro está em realizar as funções para as quais detém competência técnica e legal e não
para realizar aquilo que técnica e legalmente compete a outro profissional, mesmo quando por ele
negligenciado, mal executado, esquecido ou desconsiderado. A autonomia do enfermeiro está em exercer a
enfermagem, conforme lhe assegura a Lei do Exercício Profissional e preconizam os órgãos formadores e de
fiscalização, e não no exercício do que seja competência de outra profissão.
Assim, precisamos romper estrategicamente com nossas raízes servis e assumir nossa competência para
enunciar nossos próprios preceitos para, desse modo, integrar a equipe de saúde como sua parte constituinte,
em igualdade de condições com os demais profissionais, para decidirmos sobre o nosso próprio trabalho e
sobre o trabalho em saúde, o qual deve ser compreendido como um trabalho coletivo, desenvolvido por meio
de ações das diferentes categorias profissionais, e de caráter cooperativo, que se caracteriza pela existência de
relações de interdependência no nível do saber-fazer específico de cada uma, no âmbito de sua competência
técnica e legal, numa relação de complementaridade entre elas e não necessariamente de subordinação de umas
às outras, em todas as situações. Portanto, o trabalho em saúde contempla espaços de liberdade para as tomadas
de decisão e autonomia consoantes às competências técnicas e legais de cada categoria profissional, naquilo
que de fato e de direito lhes corresponde realizar.

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