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A MORTE QUE FEZ UM HOMEM RICO

1. Um homem tinha muitos filhos, e já todos os homens da freguesia eram seus compadres.
2. A mulher alcançou outra vez e pronta estava para parir. O homem, que não queria pedir a
mais ninguém, abalou de casa.
3. Encontrou no caminho um homem muito desfigurado, que lhe perguntou aonde ele ia.
4. Ele contou-lhe, e o homem disse-lhe que voltasse para trás, que ele era o seu padrinho.
5. Assim foi.
6. Quando acabou o baptizado, o homem disse:
7. — Compadre, repare bem para mim, para me conhecer onde quer que me encontrar. Eu
sou a Morte. Tu muda de casa e faz-te médico, que hás-de ganhar muito dinheiro. Em tu
me vendo aos pés da cama de qualquer doente, é porque ele escapa. Em tu me vendo à
cabeceira, é porque ele morre.
8. O homem assim fez; começou a ter muita fama e ganhava muito dinheiro e já estava muito
rico mais os filhos.
9. Num dia a Morte chegou-se ao pé dele e disse-lhe:
10. — Bem, agora já te fiz rico, mas hoje chegou a tua vez e venho matar-te.
11. O homem pediu muito que o deixasse viver mais um ano.
12. A Morte consentiu.
13. O homem então mandou fazer uma torre de bronze, com as paredes muito grossas, para a
Morte lá não entrar.
14. Quando o ano estava quase a acabar, ele mandou fazer um anel de ouro, meteu-o no
dedo e fechou-se na torre.
15. Estava lá a jantar, e apareceu-lhe a Morte ao pé dele.
16. Ele, muito assustado, perguntou-lhe:
17. — Ó comadre Morte, tu por onde é que entraste?
18. A Morte disse que pelo buraco da fechadura.
19. Ele então disse-lhe:
20. — Já que tu te meteste pelo buraco da fechadura, hás-de meter-se pelo buraco desta
cabaça.
21. A Morte meteu-se e ele tapou a cabaça com uma rolha e disse à Morte:
22. — Agora sai daí para fora se és capaz.
23. A Morte disse-lhe:
24. — Ó compadre, pois eu fiz-te tanto benefício, e tu agora queres-me aqui deixar dentro
desta cabaça? Tira-me a rolha, que eu não te faço mal.
25. O homem tomou a perguntar-lhe se ela não lhe fazia mal.
26. A Morte disse que não.
27. Ele destapou a cabaça e, ao tempo que destapou, caiu, mas não morto, e a Morte roubou-
lhe o anel.
28. Ele disse:
29. — Ó comadre, então tu prometeste-me que não me matavas, e agora queres-me matar.
Deixa-me ao menos rezar um Padre-Nosso e uma Ave-Maria pela minha alma.
30. A Morte consentiu.
31. Ele que fez?
32. Começou a rezar o Padre-Nosso até ao meio e depois tornava a começar.
33. De modo que a Morte não o podia matar.
34. O homem então saiu da torre e começou outra vez na sua vida.
35. Um dia andava ele à caça e a Morte fingiu-se de morta no meio do monte.
36. O homem chegou e, julgando que era um homem morto, disse:
37. — Ah! Pobre homem, quem te matou? Deixa-me ao menos rezar um Padre-Nosso e uma
Ave Maria pela tua alma.
38. Rezou, mas ao tempo que acabou, a Morte levantou-se e matou-o.

Consiglieri Pedroso, in Contos Populares Portugueses

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