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Ídolos com pés de grana e propaganda

Alceu A. Sperança

Por qualquer ângulo


que se contemple a
realidade brasileira, a
impressão que se tem é de
que tudo está malfeito,
por fazer ou precisando
de uma bela meia-sola.
Saúde, educação,
infraestrutura,
industrialização, reforma
agrária, segurança, tudo:
os três níveis de governo
– federal, estadual e
municipal – têm sido
ineficientes em tudo.

Estranhamente, no entanto, gestores e legisladores malsucedidos


apresentam altíssimos índices pessoais de popularidade, um prêmio
à sua incapacidade para resolver o drama urbano e social que
produz, por exemplo, o triplo eixo crime/violência/insegurança.
Big Brother venceu. A propaganda comanda nossas vidas de
forma implacável: até os piores absurdos, como achar que é “defesa
da vida” condenar milhares de mulheres à morte, impedindo que
tenham assistência médica em caso de aborto, são explicados por
palavras-chave que induzem a pensar de acordo com a fórmula
bolada pelo propagandista.
“O marketing é agora o instrumento de controle social e forma a
raça impudente dos nossos senhores”, escreveu o filósofo francês
Gilles Deleuze (1925−1995), em seu Post-Scriptum sobre as
Sociedades de Controle.
Certo: para o governo,
quem ganha mil e cem
reais e paga a metade em
impostos e mais um naco
em juros do crédito/fiado
é classe média. E classe
média, para o povo
miserável, é a coisa mais
próxima da riqueza que
lhe foi dado conhecer.

Mas os verdadeiramente ricos brasileiros − que correspondem a


1% da população do País − gastam em três dias o mesmo que os
pobres em um ano. Não é uma calúnia eleitoral de ocasião: é
informação fidedigna, emanada da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios (Pnad), do IBGE.
Falam em pré-sal como se fosse o acesso dos coitadinhos ao
paraíso da abastança e do consumo, mas nenhuma gota dele serviu
até agora para melhorar a situação social. São apenas palavras
jogadas ao vento. Segundo um pesquisador do Ipea, Sergei Soares,
“o Brasil ainda é um monumento à desigualdade”.
Para facilitar o controle sobre as comunidades, o individualismo
também é estimulado: você pode ganhar na loteria e assim vai se
isolar dos seus semelhantes para se proteger deles. Yes, you can:
“Quando um sujeito não se sente parte do coletivo, ele não é capaz
de exigir seus direitos e dignidade dentro do ambiente de trabalho”,
diz a socióloga Selma Venco, da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp).
Esse individualismo, mesmo onde há atividades coletivas, tem
levado a uma superexploração do trabalho e, com isso, a um quadro
em que a população, especialmente os melhores dela, que são os
trabalhadores, veem-se acometidos das mais diversas moléstias:
síndrome do pânico, depressão, problemas músculo-esqueléticos e
cardiovasculares.
“Há casos extremos
de suicídios de
engenheiros e
empresários, além de
mortes de cortadores de
cana-de-açúcar”,
segundo José Marçal
Jackson Filho,
ergonomista da
Fundacentro.

Enquanto isso, os controladores dos corações e mentes gastam


fortunas para manter a docilidade que lhes garante uma paz
aparente, como a felicidade plástica de Matrix. Cerca de um trilhão
de dólares é torrado em propaganda de produtos de consumo em
todo o mundo.
Tendo dinheiro, gaste. Consuma, esbanje. Não tendo, sofra,
estrague até a saúde e a paz, despreze a felicidade para consegui-lo
de qualquer jeito para gastar alucinadamente.
Tudo se resume a conseguir, gastar, consumir, descartar. E mesmo
consumindo freneticamente, como não está feliz, precisa aprovar os
donos do mundo como bons e justos, para se iludir com a matriz e
não ficar ainda mais triste e doente. Big Brother se torna ídolo,
fautor e benfeitor, seja federal, estadual ou municipal.
alceusperanca@ig.com.br
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O autor é escritor

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