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Publicado em 1937, o romance de Amado sofreu represálias por parte do poder


instituído, que se estendia desde autoridades locais, coronelismo até o ͞estado novo͟
varguista.

A narrativa envolve Pedro Bala, líder dos ͞capitães͟, filho de um grevista morto pela
polícia, com um tiro. Em torno dele, outros meninos, como Sem -Pernas, João Grande,
Professor, Gato, Querido-de-Deus e Pirulito, dentre outros.

Cometendo furtos e vivendo como gente grande, no areal de Salvador, os meninos,


por volta de quatorze ou quinze anos, são mostrados como vítimas da sociedade
capitalista. Vale lembrar que o livro sai em 1937, auge do varguismo. Os adultos
respeitados pelo grupo são apenas dois : pa dre José e Aninha, mãe de santo. Uma cena
emblemática, é o momento em que Professor (João José) toma o capote de um
homem que se ofendera com seu desenho, tendo inclusive apanhado deste homem. O
capote torna a figura do adulto um estrangeiro, alguém fora d o ambiente quente de
Salvador. Com a indumentária mal apanhada no corpo, Professor se mostra meio
menino, meio adulto.

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Os policiais também fazem parte dos sonhos de ódio dos capitães. Até a família
singela, que adota Sem-Pernas, padece, vítima do assalto dos meninos, pois eram
ricos. Professor chega a ser reconhecido, na rua, como um futuro desenhista de
sucesso, mas não consegue acreditar na proposta de um homem bem vestido que lhe
dá um cartão. O menino prefere ficar com a piteira que recebera, deixando o cartão
pela sarjeta.

Marcando época, está a varíola, que acaba vitimando ricos e pobres. Boa -Vida, um dos
capitães, é acometido pela ͞bexiga͟, mas fica saudável.

Com a chegada de Dora ao trapiche, percebe-se um rito de passagem para todo o


grupo. Seus pais haviam morrido de ͞alastrim͟, a varíola. Protegida pelo bando, torna-
se uma mescla de menina e menino, ágil, companheira, vestida de homem, no início
de sua aparição na história. Presos, Dora vai a um orfanato e Pedro ao reformatório.
Torturado, não revela a morada dos outros capitães. Com ajuda dos demais que
ficaram fora, consegue fugir, mesmo enfraquecido por passar oito dias em uma cafua,
espécie de solitária. Dora é retirada do orfanato pelo bando, muito doente. Ela e Pedro
se amam no trapiche e, em seguida, ela morre. Impossível não lembrar Romeu e
Julieta, muito menos esquecer Iracema, enterrada na praia, deixando seu amado
Martim com sua memória. Dora é levada mar adentro, oferecida a Iemanjá. Sem-
Pernas também passa por uma espécie de rito de crescimento, quando se vê seduzido
pela quarentona que o acolhe, envolvida no mesmo plano de outrora, entrar e abrir
caminho para os demais roubarem.

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Logo em seguida, os capitães irão se dispersar. Gato vai para Ilhéus, Professor parte
para o Rio de Janeiro (capital do país), Pirulito torna -se frade, padre José vai ao
interior, em nova paróquia, Volta Seca entra para o bando de Lampião, João Grande
vira marinheiro, Sem-Pernas suicida-se e Querido-de-Deus segue sua vida de
capoerista. Pedro Bala deixa o trapiche, torna -se líder comunista, após se envolver
com os doqueiros. Fim.

O livro revela a diferença de classe e a violência contra os mais pobres, vitimados pelo
que se acostumou a ler como ͞os ricos͟. De caráter panfletário e feito em forma de
uma sequência de episódios, ͞Capitães da areia͟ se esforça para expor a vida de
meninos abandonados em um caráter quase documental, uma vez que as notícias
publicadas antes do primeiro capítulo, dariam v erossimilhança à narrativa, numa uma
necessidade de fazer da obra uma arma contra a miséria.

Lima Barreto já se enveredara pelo caminho das diferenças sociais, assim como Aluísio
Azevedo. Contudo, a linguagem do texto de Amado é mais simples e as imagens
diretas. Há pouca profundidade psicológica, quando o foco não é Pedro Bala. Uma
cena estapafúrdia se dá quando Sem-Pernas, menino de, no máximo quatorze anos, sai
do cinema e vai a uma sorveteria, com sua então família de pessoas ricas mas que nem
desconfiam de seu passado ou intenções. Pois quando ao menino é oferecido sorvete,
o narrador revela seu pensamento: queria uma cervejinha. Enfim, prevalece a
caricatura, mesmo na exposição das angústias, por exemplo, de Sem Pernas ou
Professor. Há quem diga que lhes falta carinho de mãe, daí todos buscassem algo a
substituir, como Dalva (Gato), padre (Pirulito), famílias (Sem pernas) e por aí vai. Mais
de uma vez, o narrador explica o óbvio, dizendo ao leitor que Dora é ͞mãe, irmã e
noiva͟ de Pedro. Haja paciência. De fato, as carências são bem claras, mas não
aprofundadas. Existe um tanto de determinismo na construção das figuras, rodeadas
pelas docas sujas, bares com homens jogando baralho, bebedeira, putas, soldados
cheios de ódio e a imensidão do mar. O bando d e Ezequiel é consequência clara do
ambiente sem regras e miserável... assim como a ideia de um reformatório pior que
uma prisão.

Os ͞capitães͟ são mesmo equivalentes à origem do termo : ͞caput͟, em latim,


͞cabeça͟, ou seja, capazes, racionais, capitais. Não são adultos tampouco crianças; são
da areia: nem mar, nem terra.

Dora, um símbolo, é anagrama de ͞roda͟ e também ͞a dor͟...

Enfim, a chance do debate sobre a miséria e o valor da confiança e união seriam o lado
positivo de mais um romance socialista de Jorge Amado.

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