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DO ACOLHIMENTO IMPRODUTIVO
VITÓRIA
2009
ANDRÉ DOS SANTOS PIMENTEL
DO ACOLHIMENTO IMPRODUTIVO
VITÓRIA
2009
“Comungar é tornar-se um perigo: viemos pra incomodar.”
ANEXOS .................................................................................................................. 21
ESTÁGIO DE EMBRIÃO
A primeira vivência de rua do grupo no estágio foi um encontro com a entidade “rua”,
no Centro de Vitória. Ali, após discutir brevemente sobre as experiências pessoais
de cada membro, o grupo partiu para uma caminhada em duplas pelas ruas. A
sensação de penetração em um novo espaço ficava clara à medida que as cenas de
um cotidiano até então desconhecido se revelavam aos olhares: em sentido oposto
aos espaços movimentados do cotidiano, que conferem cor de povo, sociedade e
multidão aos conglomerados urbanos, a rua do centro de Vitória à noite exibe o
vazio da urbe e suas novas configurações.
O povo da rua, que durante o dia aceita ou finge aceitar o papel de coadjuvante
social de tudo, mostra-se com suas características afloradas, com sua coletividade
pulsante e escancarada de humanidade, averso a modelos e formatos, como diz
Espinosa na fala de Pilatti:
Bauman (2004) traça o perfil de insegurança que se produz nos centros urbanos da
contemporaneidade, em que o encontro é relegado a situações limítrofes e usuais. A
civilidade, para o sociólogo, é a “atividade que protege as pessoas umas das outras,
permitindo, contudo, que possam estar juntas”, e, segundo Sawaia (1999), esse
processo civilizatório acaba por produzir elementos de exclusão e inclusão, que
delineiam uma sociedade com lugares bem definidos para cada componente do
tecido social.
Esse processo indica uma essência comum a grande parte dos moradores com
quem conviveríamos na fraternidade católica, para os quais a rua constituiu-se
enquanto alternativa às inúmeras circunstâncias relacionadas às histórias de vida
pessoais, condições físicas e mentais.
Logo após esse primeiro contato, a metodologia que se seguiria para a atuação na
Fraternidade Católica se definiu sem a necessidade de estudos preliminares. A
imersão do projeto político da pesquisa-intervenção gritava como única forma válida
para viver em plenitude os roteiros imanentes à vida de cada irmão acolhido, por
meio da revisão das relações entre sujeito e objeto e entre teoria e prática.
O que se pretendeu nesse locus temporal de imersão na Fraternidade foi muito mais
a experiência da produção de acontecimentos do que uma produção de verdades
científicas.
Sobre a ideia nietzschiana de vontade de potência, adormecida, mas ainda viva nos
irmãos acolhidos, remeto o leitor às palavras do próprio ao dizer da força do homem,
que se cria e se destrói nas emergências de sentido de vida e do eterno retorno:
A reinvenção das formas de vida presente na fala dos moradores traz à tona a
noção de autopoiese formulada pelos biólogos Humberto Maturana e Francisco
Varela e lembrada por Virginia Kastrup em sua obra “A Invenção de Si e do Mundo:
uma introdução do tempo e do coletivo no estudo da cognição”.
1
É fato que os moradores acolhidos, apesar de conviverem na mesma casa, não compartilhavam de uma
mesma vivência. Era comum que não soubessem sequer nomes ou histórias daqueles a quem se chamava
“irmãos” acolhidos.
A OFICINA DE MUSICALIZAÇÃO
A composição de Luizinho, chamada “Luizinho Vem Cá”, fala de sua infância e dos
momentos que passou até chegar na Fraternidade Católica, ambientada num
cadenciado samba que confere uma certa felicidade travestida de uma história nem
sempre tão alegre.
Já a composição de Odilon, reflete um ponto que seria crucial para pensar todos os
processos que norteiam o saber/fazer na Fraternidade Católica: a dicotomia fé e
alienação. A música, em ritmo de pop rock, fala de um Deus maravilhoso e
misericordioso, que salva e que utiliza a fraternidade católica (e seu fundador) como
o espaço de aproximação com os moradores de rua.
A oficina de música não cumpria seus objetivos em virtude da não adesão dos
acolhidos, como grupo. Apenas Odilon e Luizinho participavam. O primeiro limitado
às suas vontades e, o segundo, sem vontade alguma.
O CINE NA FRATERNIDADE
Assim sendo, no dia marcado, fui à toca cedo, avisando que voltaria às 16
horas para fazer o cinema. Providenciei pipoca, refrigerantes e, o mais
importante, o data show. Uma tela de mais de 100 polegadas para aqueles
que poucas oportunidades tiveram de frequentar um cinema era o convite
ideal para o momento. O grande problema foi utilizar o DVD da coleção
Cinemateca Veja, que tinha somente o áudio original, ou seja, apenas em
inglês. As legendas não representavam grande conforto para aqueles cuja
alfabetização era precária ou inexistente. Mesmo assim, a magia do cinema
conquistou os acolhidos e, durante duas horas, todos penetraram o universo
da escola preparatória de Welton, no estado de Vermont (EUA). Durante a
primeira hora narrei as legendas, mas depois percebi que as limitações da
linguística em muito pouco ou nada contribuam para enriquecer o momento
e, portanto, os deixei viajar livremente, criando diálogos e lendo as
expressões marcadas nos rostos repletos de humanidade dos atores.
De um ou dois envolvidos na oficina de música, passamos a um grupo de
seis valentes acolhidos que não se intimidaram com o filme em língua
estrangeira.
2A Fraternidade Católica estava, nesse momento, se preparando para deixar o Espírito Santo, levando toda
sua estrutura (e alguns moradores) para Governador Valadares, em Minas Gerais.
da Fraternidade Católica, e assistir a um filme num sábado à tarde seria um pecado
quase mortal.
CANIL DE HOMENS
Vários são os relatos biográficos que mostram a relação de São Francisco de Assis
com os animais, baseado num mútuo sentimento de carinho. Joergensen (1982,
p.318) conta-nos de um episódio em que numa caminhada, ao parar para
descansar, uma multidão de aves de diversas regiões vieram lhe saudar, cantando e
pousando em sua cabeça, braços e em volta de seus pés.
O tempo tem mostrado que a inspiração da Fraternidade Católica por São Francisco
de Assis não se limita somente ao auxílio aos pobres, mas também na paixão do
santo por animais. A metodologia de trabalho em muito se assemelha à de um canil:
dá banho, tosa (cabelo e barba) e alimenta. Não há planejamento de atividades que
envolvam os moradores, tampouco momentos de potencialização de suas ações. O
acolhimento proposto pela Fraternidade Católica não supera o modelo de alienação
encontrado em instituições disciplinares como presídios, reformatórios e canis.
Ainda, o discurso dos irmãos acolhidos alimenta um ideal de casa com grande
aproximação ao que Marc Augé chama de lugar antropológico, que seria
simultaneamente:
Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as
obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem
nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser:
Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas
necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se
não tiver as obras, é morta em si mesma. (Tg 2, 14-17)
Não muito diferentemente dos leigos, os religiosos não tem, em sua maioria,
formação religiosa consistente. Os estágios da formação dessa linha da Igreja
Católica são satisfeitos durante o período de adesão às fraternidades católicas
dessa natureza, desde o começo até a conclusão. De uma forma geral, o corpo
religioso é constituído por iniciantes que, apesar das manifestas boas intenções, não
possuem condições de suprir as carências psicossociais que se apresentam e
tampouco as espirituais, que ficam a cargo do guardião. A figura do guardião,
representada na Fraternidade Católica de Vitória pelo Irmão Francisco (nome
fictício), é cercada por contradições: é o que tem a formação completa e a quem
cabe a orientação e coordenação dos irmãos religiosos e irmãos acolhidos na casa.
Todavia, suas práticas denotam um grande autoritarismo e o cerceamento das
produções espontâneas de qualquer natureza.
O perfil que hoje se manifesta nos irmãos religiosos parece ser muito maior que a
mera presentificação de suas atitudes oriundas de uma formação social distanciada
da realidade dos moradores de rua e da pobreza como fenômeno social, e não
individual. A fala de Guattari (1986, p. 239 e p. 240) sobre o desejo sinaliza o
caminho pelo qual o sentido de justiça social norteador dos pensamentos dos irmãos
religiosos se funda:
Acho muito mais vantajoso partir para uma teoria do desejo que o
considere como pertencendo propriamente a sistemas maquínicos
altamente diferenciados e elaborados (…) Há máquinas territorializadas,
assim como também máquinas desterritorializadas que funcionam num
nível de semiotização completamente outro.
E mais adiante:
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Tradução do Centro Bíblico Católico. 156 Ed.,
São Paulo, Ave Maria, 2003.
VÁRIOS AUTORES. População de Rua: Quem é, como vive, como é vista., São
Paulo: Hucitec, 1994.
ANEXO A
O céu no infinito
Resplandece o seu brilho
Anunciando o nosso Cristo
Pai Eterno concebido
As aves e as feras
Que vivem sobre a terra
Se agrupam na serra
Com gritos e com festas
Elenco: Robin Williams , Robert Sean Leonard , Ethan Hawke , Josh Charles , Gale
Hansen
Duração: 02 hs 09 min
Sinopse
Apaixonado por poesia e com um pensamento altamente liberal, ele logo transforma
a rotina de seus alunos com seus métodos pouco convencionais. Cheio de humor e
sabedoria, Keating inspira os rapazes a abrirem suas mentes, a seguirem seus
sonhos e a viverem intensamente. Logo que entra na sala, vai dizendo: "Carpe
diem", aproveitem o dia!.
Roteiro: Helvécio Ratton e Dani Patarra, baseado no livre homônimo de Frei Betto.
Elenco: Caio Blat, Daniel de Oliveira, Cássio Gabus Mendes, Ângelo Antonio, José
Carlos Aragão, Odilon Esteves
Duração: 01 h 50 min
Sinopse
Frei Ivo e Frei Fernando partem para o Rio de Janeiro, onde são surpreendidos e
torturados por oficiais brasileiros que, acusando-os de traidores da igreja e traidores
da pátria, perguntam por informações sobre o local de reunião do grupo para a
posterior captura e execução de seu líder, Carlos Marighella. Após sofrerem cruel
tortura, os frades informam aos policiais o horário e o local de reunião do grupo,
onde Marighella costuma receber recursos oriundos da igreja. Marighella é então
surpreendido e executado por policiais do DEOPS paulista, sob o comando do
delegado torturador Fleury. Frei Betto, refugiado no interior do Rio Grande do Sul, é
encontrado, preso, e une-se ao restante do grupo no presídio de Tiradentes, em São
Paulo, em 1971. Os frades são posteriormente julgados e sentenciados a quatro
anos de reclusão em regime fechado.
A única exceção é Frei Tito, que liberto por um processo de negociação para a
libertação de um embaixador seqüestrado pela ALN, exila-se na França. Frei Tito
não consegue superar as seqüelas psicológicas sofridas após ser preso e torturado
e acaba suicidando-se, ainda na França.