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A logoterapia de Viktor Frankl

Artigo de Anselmo Borges, Diário de Notícias, 29 de dezembro de 2007

Num tempo em que o mundo é atravessado por enormes perplexidades e as pessoas são
assaltadas pela dúvida, pelo desânimo e até pelo niilismo, quereria, no décimo
aniversário da sua morte, deixar uma homenagem a um homem que, na situação mais
degradada e degradante dos campos de concentração nazis, mostrou como e porquê é
possível manter a dignidade. Refiro-me a Viktor Frankl, fundador da chamada terceira
corrente de psicoterapia de Viena: a logoterapia.
Ele próprio sintetizou o núcleo do seu pensamento: "O que é, na realidade, o Homem? É
o ser que decide o que é. É o ser que inventou câmaras de gás, mas ao mesmo tempo é o
ser que entrou nelas com passo firme, murmurando uma oração."

A logoterapia parte de uma concepção filosófica que tem o Homem enquanto pessoa
como centro. O impulso primário da pessoa não é, como pensou Freud, a vontade de
prazer, também não é a vontade de poder, como queria Adler, mas a vontade de sentido.
Este sentido não se inventa, mas descobre-se: numa obra, num amor, numa tarefa a
realizar. No fundo, cada um tem de perguntar: o que é que a vida quer de mim? "Em
última instância, viver significa assumir a responsabilidade de encontrar a resposta
correcta para os problemas que a vida coloca e cumprir as tarefas que ela continuamente
aponta a cada pessoa."

O que distingue então Frankl de Freud e de Adler é que enquanto estes reduziam o
Homem a um ser que procura a satisfação dos impulsos em ordem ao restabelecimento
de um equilíbrio homeostático intrapsíquico, para Frankl, ele não é só um sistema
psicológico. É preciso compreendê-lo na sua totalidade: corpórea, psíquica e espiritual.
"A realidade humana refere-se sempre a algo para lá de si mesma. Está dirigida para
algo que não é ela mesma. Os seres humanos procuram mais para lá de si mesmos: um
sentido no mundo. Procuram encontrar um significado a realizar, uma causa a servir,
uma pessoa a quem amar. E só assim os seres humanos se comportam como
verdadeiramente humanos."

No indescritível sofrimento dos campos de concentração -- ele, que perdeu lá a mulher,


o pai e a mãe, era o prisioneiro número 119 104 --, aprofundou a importância que têm as
ideias para a forma de viver. Pôde constatar que, se eram as pessoas com vida interior e
intelectual mais intensa que sofriam mais, também eram elas que tinham maior
capacidade de resistir. Aí, percebeu que "quem tem algo por que viver é capaz de
suportar qualquer como". Por isso, referia aos companheiros de desgraça "as muitas
oportunidades existentes para dar um sentido à vida. Este infinito significado da vida
compreende também o sofrimento e a agonia, as privações e a morte. Assegurei-lhes
que nas horas difíceis havia sempre alguém que nos observava - um amigo, uma esposa,
alguém que estivesse vivo ou morto ou um Deus - e que de certeza não queria que o
decepcionássemos."

Frankl constatou que os prisioneiros que perdiam a fé e a esperança no futuro punham


em risco a saúde e a própria sobrevivência. Mas também viu que há o que ninguém
pode tirar ao Homem, mesmo num campo de concentração: "a última das liberdades
humanas - a escolha da atitude pessoal perante um conjunto de circunstâncias - para
decidir o seu próprio caminho." Mesmo "essa tríade trágica na qual se incluem a dor, a
culpa e a morte, pode chegar a transformar-se em algo positivo, quando se enfrenta com
a postura e a atitude correctas."

Quando as pessoas não encontram sentido, surgem as neuroses que chamou noógenas:
não provêm de conflitos instintivos ou inconscientes, mas da falta de sentido e atingem
o núcleo mais íntimo da pessoa. A logoterapia é precisamente terapia de encontro de
sentido: ajuda cada um a descobrir o sentido pessoal da sua vida a realizar.

Na busca de sentido último, o Homem, inconscientemente, procura Deus - O Deus


Inconsciente é o título de uma das suas obras.

No nosso tempo, já não é o sexo que é reprimido, mas o que é espiritual e religioso. Daí,
a falta de sentido, de orientação, e, consequentemente, o tédio e o vazio.

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