Você está na página 1de 2

C1

%HermesFileInfo:C-1:20100815:

DOMINGO, 15 DE AGOSTO DE 2010 O ESTADO DE S. PAULO

Negligência Criatividade Paulistânia


Falso pediatra atendeu menina Premiados nos EUA, designers Rosane Ghedin, a freira executiva
que morreu em clínica no Rio mudam facetas de São Paulo que administra quase R$ 700 milhões
Pág. C5 Pág. C9 Pág. C10

Metrópole

FILIPE ARAUJO/AE
estadão.com.br

Na era CSI, perícia na maior parte do País


não tem o mínimo para solucionar crimes
Vannildo Mendes / BRASÍLIA

Levantamento feito pelo ‘Es-


tado’ em todo o País consta-
tou que a perícia criminal – sal-
vo raríssimas exceções – é tão
precária que beira a indigên-
cia. A polícia não tem a parafer-
nália tecnológica da ficção do
seriado de TV CSI, nem possui
o estritamente necessário.
Não há maletas para perícia de
local de crime, câmaras frias
decentes para conservação de
corpos, reagente químico ou
laboratório para os exames
mais elementares.
Em todo o País, existem ape-
nas60InstitutosdeCriminalísti-
ca e de Medicina Legal (ICs e
IMLs) para examinar causas de
mortes e produzir provas crimi-
nais. Para atender aos 5.560 mu-
nicípios, seriam necessárias 360
unidades desse tipo, ou seis ve-
zes mais,uma média deum insti-
tuto para cada 15 municípios.
Existempoucomaisde 12milpe-
ritos para atender a todos os Es-
tados nas 32 especialidades de
perícia criminal adotadas no
País. A correlação recomendada
por organismos internacionais é
de 1 perito para cada 5 mil habi-
tantes. Para todo o território, se-
riamnecessários38milprofissio-
nais, o triplo do quadro atual.
Em alguns Estados, as velhas
geladeiras dos IMLs estavam
quebradas, produzindo mau
cheiro e cenas degradantes. Há
locais em que, nos acidentes de
trânsito, os corpos das vítimas
ficam até dez horas na estrada à
espera de remoção. Por falta de
câmaras frias, pessoas são sepul-
tadas às pressas, sem autópsia, e
sódepoisexumadasparaconclu-
são de exames que vão detectar
se a morte derivou de crime, aci-
dente ou causas naturais.
A reportagem do Estado en-
viou nas últimas duas semanas
às 27 unidades da federação um
questionário perguntando se as
polícias tinham ao menos os
itensessenciais para a realização
de perícias criminais: a maleta
com kit de varredura de locais de
crime (notebook, GPS, trena a
laser, máquina fotográfica digi-
tal, etc), exame de DNA, exame
debalística(commicrocompara-
dor), câmaras frias (para preser-
vação de corpos), cromatógra-
fos gasosos, luz forense, labora-
tório de fonética, reagente quí-
mico e luminol. Sem eles, é im-
possível produzir prova científi-
ca cabal para esclarecimento de
crimes.
Na média nacional, a perícia
criminal brasileira foi reprovada
porque apenas 37% das respos-
tas foram positivas. De um total
de 207 itens – 9 para cada um dos
23 Estados que responderam ao
questionário –, só 78 foram assi-
nalados “sim”. Os 63% restantes
responderam“não”(45%)e“par-
cialmente”(84%).Emmuitosca-
sos, parcialmente é quase nada
(veja as respostas na pág. C4).

Resumo. O Norte e o Nordeste


concentram as estruturas mais
precárias.OSul eo Sudestereve-
laram os melhores serviços. Os
casosmaisgravessãoosdeSergi-
pe, Maranhão, Roraima e Rio
Grande do Norte, onde nenhum
dositensbásicospesquisadoses-
tavam em funcionamento.

Sergipe, o pior do ranking,


realiza seus exames na Bahia
Pág. C4

7 8 9 10 11 12
C4 Cidades/Metrópole
%HermesFileInfo:C-4:20100815:

DOMINGO, 15 DE AGOSTO DE 2010 O ESTADO DE S. PAULO

ANÁLISE CRIMINAL. Longe da ‘Era CSI’

OS NOVE EQUIPAMENTOS DA BOA PERÍCIA

l Itens básicos de investigação criminal verificados nos Estados

Na cena do crime No Instituto de Criminalística


Luz forense Luminol Exame de DNA
1
Dispositivo que possibilita a
2 Substância usada na
4 Fundamental
varredura, com ondas multi-espectrais, identificação de vestígios de investigação de paternidade
de locais de crimes na busca de sangue humano invisíveis a olho e identificação de
evidências não visíveis a olho nu. Auxilia, nu. É um dos equipamentos criminosos a partir de
sobretudo, na elucidação da dinâmica mais usados pelos material genético colhido
do evento e na determinação de autoria. investigadores para revelar dos suspeitos. Sua
É possível detectar traços biológicos cenas ocultas de um crime universalização na perícia
(como sangue, pelos, unhas, saliva, criminal dos Estados vai
sêmen, ossos, fibras de tecidos), viabilizar o banco de dados
químicos e físicos de perfis genéticos que o
Brasil está montando em
Exame de balística
parceria com o FBI 6 Feito com o microcomparador,
dispositivo para identificação de
Laboratório de projéteis de arma de fogo usados em
5 fonética forense crimes contra a pessoa ou contra o
Usado no patrimônio. É usado também em
esclarecimento de periciais dos cartuchos (por meio de
crimes a partir da marcas específicas que cada arma faz)
análise da voz dos
envolvidos e dos sons e Câmaras frias
imagens do ambiente 9 Equipamento para a
Reagente
8 químico
manutenção da integridade
corporal de vítimas de crime. É
Cromatógrafos gasosos Usados na
7 Técnica de separação de misturas identificação de
crucial para a realização da
necropsia e auxilia os legistas na
e identificação de seus componentes, drogas, nas pesquisas
análise dos efeitos das lesões e
usado no levantamento de de espermatozóide
das alterações do corpo após a
vestígios de crime, em casos de crimes
morte. Indispensável para o
sobretudo tráfico de sexuais e nas perícias
Maleta com o kit de perícia exame médico-forense não só na
3
Tem notebook, câmera fotográfica de alta resolução,
drogas. Possibilita o papiloscópicas
determinação da causa da morte
exame automatizado de
GPS, trena a laser e outros dispositivos para exame de quanto no tempo transcorrido
substancias tóxicas e
local de crime. É fundamental para levantamento de entre o óbito e o exame
entorpecentes para
vestígios em casos de crimes contra a pessoa, contra o necrostópico
produção de laudos
patrimônio, ambientais e acidentes de trânsito
precisos e confiáveis

A situação da perícia nos Estados

Sem equipamento,
O Estado tem o equipamento
Tem parcialmente

1 1 LUZ FORENSE 2 2 LUMINOL 3 3 MALETA COM O KIT DE PERÍCIA 4 4 EXAME DE DNA

5 5 LABORATÓRIO DE 6 6 EXAME 7 7 CROMATÓGRAFOS 8 8 REGENTE 9 9 CÂMARAS


FONÉTICA FORENDSE DE BALÍSTICA GASOSOS QUÍMICO FRIAS

Estados têm de 5 6
RR
9
AP 1 2 3 4 5 6 7 8 9

dividir exames AM
4 5
7 8 9
6
1
6 7 8
2 3
PA
4
9
5 2
6 8
MA
3 5
9
CE
2 3 4 5 8 9

RN 2 5 6 7 8
PI
Perícia de Sergipe, por exemplo, virou ‘sucursal’ da baiana; no AC 2 5 6
PB*
PE 2 3 5 6 7 8 9
2 5 6
Maranhão, corpos são guardados em velhas geladeiras comuns 7 8 9
RO MT TO*
SE
AL 2 3 4 5 6 8
8
1 2 3 5 1 2 4 5
BA 1 2 3 4 5 6 7 8 9
6 7 8 9 6 7 8 9
BRASÍLIA ultravioleta. “Infelizmente, até gãos ou pela iniciativa privada. GO
estalâmpada está queimada”,la- Rondônia melhorou de posição 1 2 3 4 DF 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Piordorankingnacionalelabora- mentou o coordenador de perí- e está implementando seu Insti- 5 6 7 8 9 MG
do pelo Estado, a perícia crimi- cias do Estado, Adelino Costa tuto de DNA Criminal. Enquan-
1 2 3 4 5
nal de Sergipe virou uma “sucur- Lisboa.Todososdemais itenses- to ele não vem, os exames são MS* ES 1 2 3 4 5 6 7 8 9
6 7 8 9
sal” da Bahia, onde realiza a tão em falta. feitos em Manaus.
maiorparte dosexames median- UmdospioresEstadosdoNor- Pernambuco,apesardesuaim- SP RJ*
teconvênio. Muitasdessasanáli- te, Roraima não tem laboratório portância regional, ainda não
1 2 3 4 5 6 7 8 9
ses enfrentam uma arrastada lis- deDNA,nunca tevecromatógra- tem exame de DNA e as poucas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 PR
ta de espera, uma vez que a Bahia fos gasosos, a luz forense está maletas de perícia que possui
atende vários outros Estados. em falta há dois anos e desde não dispõem de notebook digi- SC 1 2 3 4 5 6 7 8 9
Enãosetrata de umcaso isola- maio de 2010 não há reagentes tal. O Piauí não tem laboratório
RS
do.Sergiperespondeu“não”ato- químicos nem luminol. Os exa- de DNA nem câmaras frias no * Não respondeu
1 2 3 4 5 6 7 8 9
dososquesitosapresentadospe- messãoimprovisadoscommate- IML,cromatógrafosouluzforen-
la reportagem. No Estado, as rial emprestado por outros ór- se. Mas é generoso para compar-
poucas câmaras frias existentes tilhar o raro microcomparador
INFOGRÁFICO: WILLIAM MARIOTTO E MARCOS MÜLLER/AE
são antigas e vivem quebrando. balístico com Estados ainda
Adquiridoem 1990,omicrocom- ● Excelência mais desfalcados, como Mara- Câmaras frias. O Rio Grande OutroEstadosucateado,oMa- Minas Gerais, apesar da ex-
parador balístico está inutiliza- A pesquisa nacional constatou nhão e Ceará. doNorteviveumasituaçãoambí- ranhão precisa resolver o crôni- pressão geográfica e econômica,
do.A maleta deperícia sergipana ilhas de excelência – Bahia, São Santa Catarina, que já foi o gua: tem laboratório de DNA, co problema da conservação de também registra deficiências:
não tem notebook nem GPS, a Paulo, Brasília e Rio Grande do pior Estado do Sul, deu um salto mas faltam técnicos para operá- corpos, feita em velhas geladei- não tem notebooks nas maletas
câmera fotográfica é analógica e Sul. Este último tem os melhores desde2005 com a criação do Ins- lo. A câmara fria tem mais de 30 ras comuns. Já em Alagoas não nem câmaras frias. No laborató-
a trena, manual. Em vez de luz índices de elucidação de crimes tituto Geral de Perícias. Mas ain- anos de uso e dá pane frequente, hácromatógrafosnem luzforen- rio de DNA existem apenas free-
forense multiespectral, a polícia graças à contribuição da perícia. da não tem luz forense e precisa ocasião em que líquidos escor- se e as geladeiras do IML vivem zers para custódia de amostras. /
usanas análisesuma precárialuz de reforços em alguns itens. rem dos corpos de defuntos. dando problema. VANNILDO MENDES

Rio. Segundo a socióloga Julita Especialista


Solução de homicídio
HÉLVIO ROMERO/AE
Lemgruber, diretora do Centro 1999, mais da metade da frota
de Estudos de Segurança e Cida- do Instituto Médico Legal es-
dania da Universidade Cândido tava parada. No Instituto de
no Rio ainda é uma Mendes, o Rio chegou ao fundo
do poço no ano passado, quando
atingiu a taxa de 2,8% de homicí-
Criminalística, em 2001 a má-
quina de análise de projéteis
operava desregulada. Em
das mais baixas dios esclarecidos, a menor do
Brasil e uma das mais baixas do
mundo. Só em 2010, quando a
2004, a falta de funcionários
atrasava investigações.
Aos poucos, chegaram cro-
Em Brasília, que tem polícia Delegacia de Homicídios passou matógrafos e espectrôme-
Taxa de esclarecimento técnica modelo, a divisão de co- a funcionar com especialistas e tros, equipamentos capazes
era de 2,8% em 2009 e municação, comandada por um investimentos em tecnologia, de identificar microvestígios
delegado, alegou que não teve elevou-se para 20% a taxa de es- semdestruí-los.Nesteano,fo-
neste ano passou para tempo para responder ao ques- clarecimentos. ram comprados 180 veículos
20%; SP, RS, BA e DF tionário, entregue dez dias an- A média nacional é de 25%. Os paraoIC.Masaindaháproble-
solucionam 60% tes. As informações foram dadas campeões são Rio Grande do Curso. Perioli já esteve nos Estados Unidos como aluno mas. Estudo apontouo déficit
extraoficialmente por um peri- Sul, São Paulo, Bahia e DF, com de 1.020 funcionários nos
to. Os demais Estados confir- maisde60%.“Não sereduzavio- dois institutos. Perioli diz já
BRASÍLIA

Vinte e três Estados responde-


mam carência já mapeada pelo
Ministério da Justiça.
lência escondendo dados, mas
combatendo a impunidade, com
PERITO DE SP SERÁ ter solicitado as contrata-
ções. Hoje, são 3.240.
ram ao questionário da reporta-
gem, a maioria por e-mail, após
A Polícia Técnico-Científica
do Espírito Santo respondeu
investimento em equipamento
de ponta e a qualificação de pes- INSTRUTOR NOS EUA Osresultados emSão Paulo
despertaram a atenção do
muita insistência. Entre eles, a “sim” a todos os quesitos. Mas, soal”, observou a socióloga. americano Charles Saba, che-
Secretaria de Segurança do Cea- quando questionada sobre a efi- fe do U.S. Police Instructor
rá se negou a responder oficial- ciência, reconheceu que todos Elvis Pereira minal paulista está na contra- Teams, que treina policiais
mente, mas, com a condição do os itens precisam de reforços ur- LEIA AMANHÃ, NO ‘METRÓPOLE’ mãodasituaçãonacional.Emou- nos EUA. No ano passado, Pe-

O
anonimato, um delegado refor- gentes. Deixaram de responder MINISTÉRIO INVESTE R$ 100 MI superintendente tubro, será instrutor do Crimi- rioli passou por lá como alu-
çou as suspeitas: a situação da ao questionário os Estados de EM TECNOLOGIA DE PERÍCIA da Polícia Científi- nal Scene Investigation (CSI). no.Em doismeses, voltaráco-
perícialocalédramáticaeo Esta- MatoGrossodoSul,Paraíba, To- ca de São Paulo, Quandoassumiuasuperinten- mo o primeiro perito brasilei-
do tem de recorrer a vizinhos, cantins e Rio, que ostenta um PERÍCIAS MALFEITAS Celso Perioli, vai dência, em 1998, Peroli recebeu ro a atuar no CSI. “O trabalho
até mesmo ao Piauí, para fazer dos piores índices de esclareci- RESULTAM EM IMPUNIDADE mostrar por que a perícia cri- dois institutos defasados. Em dele é fora de série”, diz Saba.
testes elementares de balística. mento de crimes do País.

Você também pode gostar