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HISTÓRIA DO BURRO COM RABO DE LÉGUA E MEIA

Er a u m a v e z u m b u r r o , Ora nas abas da mui


antiga vila de Valença,
à beira do rio Minho, o
que s
e chama à beirinha,
possuía o moleiro um
campo para onde
costumava soltar o
jerico a pastar. A erva
verdadeiramente cor de era tenra, bem medrada
burro a fugir, rijo de e verde verdinha;
cascos, fino de orelha, crescia onde devia
boa boca, com uma crescer e também nas
malha arruçada na testa margens, tão rente à
que lembrava o água, que a corrente a
malmequer e a estrela- afagava e anediava
do-mar. O dono, moleiro como a cabeleira
exacto na maquia, desatada. O jumento,
trazia-o muito bem que era guloso, olhava
tratado, pois não havia para essas touceiras meio
melhor para carregar as aquáticas, morto por
taleigas, com ele no lhes chegar o dente.
meio das taleigas, e Mas sempre que ia a
tropical lesto como se estender para lá o
não levasse mais do que pescoço, o moleiro,
penas em cima do como se não fizesse
lombo. O meritório e outra coisa senão estar
guapo burrico tinha, a vigiá-lo, com a mão
porém, um defeito, um em cutelo dava-lhe nas
enorme defeito. Não era orelhas para trás. E lá
teimoso como um burro, escapavam as ricas
o que estava na ordem ervas! Havia, é certo, o
natural das coisas, nem seu perigo em colhê-las.
como dois burros, nem O terreno era traiçoeiro.
ainda como dez, mas Mas deixá-lo! Embora
como cem burros a um timorato por índole, não
tempo. Quando nadando melhor que um
porfiasse meter por prego, cada vez se
determinado caminho sentia mais tentado
não havia vozes, ralhos, pelo pelo fruto proibido.
arrocho que fossem Só de olhar para lá,
capazes de o fazer crescia-lhe água na
desistir do seu burrical boca. De noite sonhava
intento. e via-se atolado na
delícia de manducar à tripa forra a erva
excelente.

Aquilino Ribeiro

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