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PIPE 2008

II PROJETO INTEGRADO DE PRÁTICA EDUCACIONAL DO CURSO DE LETRAS


18 de fevereiro a 26 de maio de 2008

FICÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (2000-2007)

O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza


1ª edição
Editora Record
Rio de Janeiro, 2007
Resenha produzida por 222 páginas
Daniel de Oliveira Fagundes da Silva
Lilian Fernada Lunardelli
Luciana Ribeiro de Souza

Contexto
Cristovão Tezza nasceu em Lages, Santa Catarina, em 1952. Aos dez anos mudou-se para Curitiba, cidade que serviu de cenário
para parte de sua literatura. Estudou Letras na Universidade de Coimbra, Portugal. Tornou-se Doutor em Literatura Brasileira
pela Universidade de São Paulo. Atualmente leciona na Universidade Federal do Paraná.
Recebeu prêmios importantes com as seguintes obras: Ensaio da Paixão (1982), Prêmio Cruz e Souza; Aventuras Provisórias
(1988); segundo lugar no concurso Petrobrás de Literatura Brasileira; Breve Espaço entre a Cor e a Sombra (1998), Prêmio
Machado de Assis/Biblioteca Nacional; O Fotógrafo (2004), Prêmio da Academia Brasileira de Letras e Bravo, de melhor
romance; O Filho Eterno (2007) foi considerado antecipadamente como o melhor romance do ano, o que se confirmou com o
Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte, melhor obra de ficção.
Outras obras: Trapo (1988); A Suavidade do Vento (1991) e Uma noite em Curitiba (1995).

Enredo
O filho eterno é a história do relacionamento entre duas personagens: um pai e um filho. Apresenta ao longo da narrativa os
sentimentos e as emoções de um pai que depositou todas as suas expectativas no nascimento do primeiro filho, Felipe. A espera
e a ansiedade pela vinda deste filho ao mundo suscitaram uma reflexão sobre sua vida, o pai se imaginava num futuro pleno de
realizações pessoais e profissionais, podendo assim, servir como referência para o filho.
Toda sua ansiedade transformou-se em decepção quando constatou que o menino nascera com síndrome de Down. Diante
desta difícil constatação chegou a desejar a morte do menino, pois assim poderia livrar-se do problema que tinha nas mãos e da
vergonha que teria que enfrentar por toda a vida.
O tempo transformou o desejo inicial de morte, numa busca inconsciente pela vida do menino, marcando assim a evolução de
Felipe e a transformação de seu pai, que mesmo sem conseguir admitir, passou a identificar características suas no filho, e
associá-las a alguma passagem de sua vida. De igual forma ocorreu a manifestação emocional, expressa na angústia e no medo
que sentiu, quando Felipe desapareceu momentaneamente, e ele pôde sentir de forma concreta a possibilidade de perdê-lo
para sempre.
Durante os vinte e seis anos de vida do eterno menino, narrados no livro, o pai foi descobrindo o filho, e assim, pôde descobrir a
si próprio.

Análise
O romance de Cristovão Tezza é narrado em terceira pessoa, apresentando ao longo da obra um jogo narrativo surpreendente
que permite reconhecer através do personagem Pai dados biográficos do autor.
O enredo gira em torno de duas personagens principais: pai e filho. As outras personagens apresentadas no romance são
secundárias, inclusive a mãe, que apesar de ser a primeira personagem apresentada pelo narrador através de sua própria fala “-
Acho que é hoje – ela disse.” (pág. 9), é pouco mencionada durante a obra. O narrador utiliza os pronomes “ele” e “ela”, para se
referir aos pais e à irmã de Felipe, o único personagem com nome declarado.
Quando se trata da relação de afeto com um filho, e principalmente, quando este apresenta uma anomalia, espera-se que a
figura da mãe tenha destaque, porém, no romance é a paternidade que é enfatizada.
No início, o personagem central, vive o conflito de tornar-se pai. A narrativa torna-se mais densa quando ocorre a quebra de
suas expectativas, ao saber que seu primeiro filho nascera com síndrome de Down, este passa então, a ser a chave de seus
PIPE 2008
II PROJETO INTEGRADO DE PRÁTICA EDUCACIONAL DO CURSO DE LETRAS
18 de fevereiro a 26 de maio de 2008

FICÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (2000-2007)

conflitos internos. O Pai é personagem introvertido, ansioso, que tem dificuldades para demonstrar seus sentimentos. Um
homem de vinte e oito anos, que bebe e fuma compulsivamente. Vê a solidão como um projeto de vida, para assim demonstrar
sua aversão à sociedade, e a literatura como fuga da realidade. Pode ser definido como: “... o eterno observador de si mesmo e
dos outros. “Alguém que vê, não alguém que vive.” (pág. 98). Um militante sem causa, um escritor sem projetos realizados que
não consegue viver de seu próprio trabalho.
Felipe é apresentado pelo narrador pelas características de um portador de síndrome de down: “... algumas características...
sinais importantes...vamos descrever: Observem os olhos, que tem as pregas nos cantos, e a pálpebra oblíqua...o dedo mindinho
das mãos, arqueado para dentro...achatamento da parte posterior do crânio...a hipotonia muscular...a baixa implantação da
orelha e...” (pág. 30). Segundo o pai: “é uma pedra silenciosa no meio do caminho” (pág. 112).
O narrador invade os pensamentos do pai testemunhando todos os acontecimentos de sua vida, de forma invisível está
presente em todos os cenários da narrativa, assim expõem ao leitor, os sentimentos, as emoções e as aflições de criar um filho
com necessidades especiais em uma época que pouco se sabia sobre a Síndrome.
A linha cronológica da narrativa é trabalhada de forma que, ao passo que Felipe cresce, aprende andar, desenvolve a fala e
inicia a vida escolar, o narrador nos conta passagens da adolescência do pai; assim, as principais mudanças de espaço ocorrem
juntamente com as interrupções do tempo cronológico, que surgem toda vez que o pai faz uma reflexão sobre a própria vida,
regredindo no tempo e no espaço, transportando-se para situações diversas, como a passagem por Portugal e pela a Alemanha,
os trabalhos, os estudos, a infância em Santa Catarina, o grupo de teatro amador, o mestre guru e o primeiro amor vivido na ilha
da Cotinga. Dessa maneira, o pai transita psicologicamente, entre o presente e o passado, e fantasia um futuro, onde cria
algumas expectativas no leitor, em um período entre 03 de novembro de 1980 até 2006. Paralelamente, Felipe não tem essa
noção do tempo “Incapaz e entrar no mundo da abstração do tempo, a idéia de passado e de futuro jamais se ramifica em sua
cabeça alegre; vive toda manhã, sem saber, o sonho do eterno retorno.” (pág. 183).
Durante toda a narrativa, Felipe recebe estímulos para sua evolução motora e mental: a esperança do pai com isto é aproximar
o filho da normalidade, uma conquista, que na verdade, sabe que será impossível.
A voz que narra não explicita o sentimento do pai pelo filho eterno, pois as suas emoções são contidas a ponto de fazer o leitor
duvidar de seu amor por Felipe. Todavia, na passagem do texto, onde o menino desaparece fica evidente o amor do pai pelo
filho, expresso no desespero, na angústia e no medo de perder Felipe, que um dia desejou que morresse “Só descobriu a
dependência que sentia pelo filho no dia em que Felipe desapareceu pela primeira vez... ainda em pânico... que agora lhe toma
por inteiro, a pior sensação imaginável na vida – quase a mesma sensação terrível do momento em que o filho se revelou ao
mundo, da qual ele jamais se recuperará completamente...” (pág. 161), embora ele próprio não admita isto “Esse é o
retrospecto desenhado com calma quase vinte anos depois. No momento, tudo é de uma banalidade absurda...” (pág. 161).
Como desfecho dos conflitos internos do pai, há a superação do desequilíbrio emocional, ocorrido com o nascimento de Felipe,
que é constatada quando pai e filho compartilham, de forma carinhosa, a uma partida de futebol na televisão.

Referências
BRAIT, Beth. A personagem. 7ª ed. São Paulo: Ática, 2000. Série Princípios.
DIMAS, Antonio. Espaço e romance. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1994. Série Princípios.
FORSTER, Edward. Aspectos do romance. 2ª ed. São Paulo: Globo, 1998.
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão) 10ª ed. São Paulo: Ática, 1985. Série
Princípios.
NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1995. Série Princípios.
TEZZA, Cristovão. O filho eterno. 1ª ed. São Paulo: Record, 2007.
TEZZA, Cristovão.biografia. Disponível em www.cristovaotezza.com.br em 12/04/2008.

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