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O pedágio do fumante

Quer largar o cigarro e não consegue? Mude-se para Nova York

Mesmo os inimigos mais cruéis do cigarro ficam condoídos com a via-crúcis dos fumantes de Nova York no
inverno. Eles descem dos escritórios e, ali na calçada, tremendo de frio, acendem o cigarro e se dedicam a um
sofrido e cada vez mais discriminado vício-prazer. Inverno ou verão, o pedágio na via-crúcis também está ficando
muito caro. Os constantes reajustes dos chamados "impostos do pecado" flagelam cada vez mais os fumantes.

Nova York é o estado americano que taxa o cigarro com mais brutalidade. Com o último reajuste agora em
abril, de 39 centavos para 1,50 dólar sobre o maço, o imposto triplicou em dois anos. O maço custa agora mais de 5
dólares para o consumidor. Para o pessoal nas calçadas de Manhattan, a tragada poderá custar ainda mais se
depender do prefeito Michael Bloomberg. Ele quer aumentar o imposto municipal sobre o maço de cigarro para 1,50
dólar. Agora é de apenas 8 centavos.

Nada mais justo, argumentam os defensores de impostos cada vez mais altos. Um estudo do Centro para a
Prevenção e Controle de Doenças estima que cada maço de cigarro vendido no país custe mais de 7 dólares em
assistência médica e perda de produtividade.

Para estados e prefeituras, o imposto se revela uma saída política muito saudável. Governadores e prefeitos
tapam em parte o rombo orçamentário aumentando um dos raros impostos com maciça aceitação popular. Os
fabricantes de cigarro hoje são os vilões da preferência nacional, e assim os políticos estão no melhor dos mundos.
Arrecadam dinheiro e posam de paladinos da saúde pública.

Atualmente, em 24 dos 50 estados americanos estão em curso projetos de lei para reajustar o imposto sobre
o cigarro. Contra o álcool, muito mais consumido do que o cigarro, a campanha é menor: somente em nove estados
existem projetos para aumentar o imposto.

Esta filosofia do governo de sufocar os fumantes é descrita como infame por Chris Edwards, diretor de
estudos tributários do conservador Cato Institute, em Washington. Para ele, uma sociedade justa e democrática não
resolve seus problemas ao criar um grupo de párias (os fumantes) para depois taxá-los de maneira atroz.

Para Edwards, existe também um problema social. Ele diz que os impostos do pecado são regressivos porque
os menos afluentes gastam mais de sua renda com cigarro e álcool do que os ricos. Em Nova York, o prefeito
bilionário Bloomberg não quer aumentar o imposto de renda municipal ou o de propriedade.

John Barrett, pesquisador de política pública da Universidade Suffolk, em Boston, vê problemas práticos com
os impostos do pecado. Ele argumenta que resolvem problemas fiscais apenas no curto prazo, pois no longo prazo
fumantes se esquivam da taxação comprando cigarros em estados com impostos mais baixos, pela internet ou no
mercado negro.

Jonathan Gruber tinha dúvidas éticas e pragmáticas sobre os impostos do pecado quando trabalhava no
Departamento do Tesouro. Mas mudou de idéia quando voltou à vida acadêmica no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT). Em seu estudo, ele e o colega Sendhil Mullainathan concluíram que esses impostos não são tão
regressivos como se imagina porque os pobres tendem a largar ou reduzir o consumo de cigarro quando o preço
aumenta.

O imposto, na verdade, é o dissuasivo mais eficaz para os fumantes que sonham em abandonar o vício mas
não conseguem. Um aumento de 10% no preço resulta numa queda de 5% no consumo. A arma é tão eficiente que
um dia os políticos podem precisar de outro pecado para taxar.

Caio Blinder, da EXAME, em 06/05/2002.

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