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Um estudo de caso de vórtice ciclônico na alta troposfera sobre o

nordeste do Brasil
Luís Eduardo Bondesan Paulino
Maria Assunção Faus da Silva Dias
Departamento de Ciências Atmosféricas do I.A.G.U.S.P.

Abstract
ECMWF (European Centre for Medium Range Weather Forecast) analyses and SMS/GOES IR images are used to
study the period between 14-17 February 1989, when an upper tropospheric ciclonic vortice developed over
northeastern Brazil and weak depletion of the convective activity ocurred over the Amazon.

1. Introdução
De maneira geral, a atividade convectiva sobre a região amazônica sofre intensificação com a penetração de sistemas
frontais na América do Sul (Virji e Kousky,1982; Kousky e Ferreira,1982; Oliveira,1987) e desintensificação quando da
formação de vórtices ciclônicos fechados na alta troposfera sobre o Nordeste do Brasil durante o verão (Virji, 1981,
V81). Em V81 esses vórtices se deslocam para o oeste, penetrando no continente, enfraquecendo a Alta da Bolívia e
destruindo a atividade convectiva sobre a Amazônia. Os vórtices são geralmente persistentes (10 dias),
caracterizados por nebulosidade mínima em seus centros devido à forte subsidência e pela presença de alguma
atividade convectiva na direção de sua propagação (Kousky e Gan, 1981, KG81). Os vórtices se formam e se
intensificam à frente de sistemas frontais de latitudes médias que se encontram num estágio de forte
desenvolvimento, de modo que a penetração do cavado associado em altos níveis e a advecção quente nos níveis
baixos e médios amplificam a crista sobre o continente em altos níveis, o que consequentemente leva à amplificação
do cavado subsequente situado sobre a costa leste do continente sul americano (KG81; Gan e Kousky, 1986). O
aquecimento na parte inferior junto ao vórtice pode criar situações instáveis que consigam vencer os efeitos
dominantes da subsidência e dissipar o sistema (KG81). Neste trabalho é estudado um caso sinótico de penetração
de um vórtice ciclônico sobre o Nordeste do Brasil, em que houve apenas uma leve diminuição da atividade convectiva
sobre a Amazônia, e em que não houveram penetrações de sistemas frontais intensos sobre o continente.

2. Dados e metodologia
São utilizadas imagens (canal IR) do satélite SMS/GOES com um intervalo médio de 3 horas, em horários sinóticos
para o período de 15 a 17 de fevereiro de 1989. Também são utilizadas análises do ECMWF (Level-IIIb), para os
níveis de 850, 500 e 200 hPa válidas para às 12UTC dos dias 14 a 17 de fevereiro de 1989. Com essas análises
foram traçados os campos de vento, vorticidade, divergência, velocidade vertical, perfis temporais das componentes
do vento e vorticidade, além de perfis verticais de temperatura. Cartas de superfície da DHN (Serviço Meteorológico
Marinho) estão disponíveis para o período, e são utilizadas para localizar os sistemas frontais no período do estudo.

3. Discussão
As cartas de superfície (figuras não apresentadas) mostram que os sistemas frontais no período foram pouco intensos
e não penetraram sobre o Brasil central. Não houve interação evidente entre esses sistemas e a atividade convectiva
na Amazônia, como é verificado nas imagens de satélite (figura 1).
No dia 14 as linhas de corrente nos 200 hPa (fig. 2a) mostram uma circulação ciclônica aberta sobre a costa NE do
Brasil, um forte escoamento de sul no centro do continente, que é característico dos meses de verão, além de um leve
cavado cruzando os Andes em torno de 25oS. O campo de vento nos 850 hPa mostra uma região de forte
convergência em 42.5oW e 7.5oS (figura não apresentada). Fotos de satélite do dia 14 não estão disponíveis para
análise.
No dia 15 as linhas de corrente nos 200 hPa (fig. 2b) já mostram o vórtice fechado e deslocado um pouco para oeste,
o escoamento de sul no centro do continente virou para sudoeste, e o cavado em torno de 25oS se aprofundou e
avançou sobre o continente. O campo de vento em 850 hPa mostra que a região de convergência se intensificou e se
deslocou para 45oW e 5oS (figura não apresentada). O campo de vorticidade relativa também mostra intensificação
da região com o máximo de vorticidade negativa, indicando o período de maior organização do vórtice (figura não
apresentada). Ao longo do dia 15 as fotos de satélite mostram o desenvolvimento e o deslocamento de dois sistemas
convectivos em torno de 43oW e 10oS, que durante a tarde e início da noite se unem. O sistema resultante se
expande meridionalmente e rapidamente se desloca para oeste, chegando em torno de 50oW e 10oS às 21UTC
(figuras não apresentadas).
No dia 16 as linhas de corrente nos 200 hPa (fig. 2c) mostram o vórtice sobre o continente, com seu centro em torno
de 42.5oW e 7.5oS. O escoamento no centro do continente não apresenta mais o caráter meridional, e o cavado em
torno de 25oS se aprofundou e avançou ainda mais sobre o continente, intensificando a crista a sua frente. O campo
de vento em 850 hPa ainda mostra alguma convergência sobre o Nordeste, porém muito menos intensa em relação

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aos dois dias anteriores (figura não apresentada). O campo de vorticidade relativa mostra desintensificação da região
com um máximo de vorticidade negativa em relação ao dia anterior, indicando que, apesar de bem organizado, o
vórtice já começa a se desintensificar, provavelmente devido a sua interação com o sistema convectivo altamente
ativo no dia anterior, que com a liberação de calor latente e seu consequente transporte para os níveis altos conseguiu
diminuir a intensidade da subsidência associada a circulação térmica direta do vórtice (figura não apresentada). Ao
longo da madrugada e manhã do dia 16 as fotos de satélite mostram um deslocamento rápido do sistema convectivo,
que se mantém quase que meridional. Entre a tarde e a noite o sistema atinge 68oW e 12oS, e organiza toda uma
faixa de convecção no sentido noroeste-sudeste até o litoral do Paraná (figuras não apresentadas). Essa organização
é provavelmente devida ao fato do sistema encontrar com uma faixa de grande contraste de umidade criada pela
frente que penetrou no continente anteriormente. Uma comparação horário a horário com o dia anterior não mostra
nenhum decaimento considerável da atividade convectiva sobre a região amazônica (figura 1).

No dia 17 as linhas de corrente nos 200 hPa mostram que o vórtice se dissipou, e o cavado em torno de 25oS perdeu
um pouco de curvatura, enquanto que a crista a sua frente se manteve intensa. O campo de vento nos 850 hPa volta
a mostrar alguma convergência sobre o Nordeste, em torno de 45oW e 7.5oS (figura não apresentada). O campo de
vorticidade relativa em 200 hPa mostra o Nordeste coberto por uma região com vorticidade positiva, indicando o
desparecimento do vórtice (figura não apresentada). No dia 17 as fotos de satélite mostram que a faixa de convecção
no sentido noroeste-sudeste se mantém ao longo do dia (figura 1). Sobre o Nordeste, em torno de 43oW e 10oS, na
região um pouco a frente da posição do vórtice notamos a partir das 06UTC o aparecimento, desenvolvimento e
deslocamento de nebulosidade associada ao vórtice, que por volta das 21UTC já aparece em torno de 47oW e 10oS.
Uma comparação horário a horário com os dias anteriores mostra um leve decaimento da atividade convectiva sobre a
região amazônica em torno da 12UTC (figura 1).
Para melhor ilustrar os deslocamentos do vórtice e do cavado foram plotadas seções temporais da vorticidade relativa
para 7.5oS e 25oS (figura 3). Observando essas seções ficam claros o deslocamento para oeste do vórtice ciclônico,
e a penetração do cavado nos 200 hPa de oeste para leste, típico de latitudes médias.

4. Conclusões
Durante o período de estudo o vórtice ciclônico que penetrou continente adentro sobre o Nordeste do Brasil suprimiu
de apenas levemente a convecção sobre a Amazônia. O primeiro fator que contribuiu para isso ocorrer foi a
desintensificação do vórtice pela presença de um sistema convectivo altamente ativo no dia 15, que liberou calor
latente suficiente para que a circulação térmica direta do vórtice fosse enfraquecida levando à dissipação do vórtice.
Outro fator considerado foi a propagação para oeste, um tanto a frente do vórtice, de outro sistema convectivo que se
deslocou e se manteve ativo no período devido à disponibilidade de umidade na região amazônica. A ausência de
penetrações de sistemas frontais intensos sobre o continente durante o período atesta que esses sistemas não
contribuíram de maneira significativa para a convecção na Amazônia.

5. Bibliografia
Gan, M.A.; Kousky, V.E., 1986. Vórtices ciclônicos da alta troposfera no oceano Atlântico Sul. Revista Brasileira de
Meteorologia, 1, 19-28.
Kousky, V.E.; Gan, M.A., 1981. Upper tropospheric ciclonic vortices in the tropical South Atlantic. Tellus, 33, 538-551.
Kousky, V.E.; Ferreira, N.J., 1981. Interdiurnal surface pressure variations in Brazil: their spatial distibutions, origins
and effects. Mon. Wea. Rev., 109, 1999-2008.
Oliveira, A.S., 1986: Interações entre sistema frontais na América do Sul e a convecção na Amazônia. Dissertação de
Mestrado em Meteorologia, INPE, SP.
Virji, H., 1981. A preliminary study of summertime tropospheric circulation patterns over South America estimated from
cloud winds. Mon. Wea. Rev. 109, 559-610.
Virji, H.; Kousky, V.E., 1982. A entrada de um sistema frontal em latitudes baixas e seus efeitos na atividade
convectiva tropical. Anais do II Congresso Brasileiro de Meteorologia, Pelotas.

Agradecimentos
Os autores agradecem aos Profs. Drs. Adilson W. Gandú e Pedro L. S. Dias pelas valiosas sugestões, e ao CNPq e
FAPESP pelo apoio recebido.

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