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Incerteza na medição

Marco Antonio Ribeiro


marcotek@uol.com.br
T&C Treinamento e Consultoria Ltda.
Keywords
Incerteza, erro, medição, metrologia
Resumo
O presente trabalho é endereçado a vários grupos de leitores que requerem um
entendimento da medição e da incerteza na medição, em ciência e tecnologia, na
academia e na planta de processo, no projeto, operação, calibração e auditoria da
medição.
Ele enfatiza a importância da determinação e diminuição da incerteza em todas as
medições. Esclarece as dúvidas e ambigüidades de termos como erro e incerteza,
mostra as correlações entre incerteza e algarismos significativos, display dos
instrumentos. Apresenta os diferentes algoritmos para cálculo da propagação e
combinação das incertezas.

1
Incerteza na medição
1 Introdução
Há vários livros e artigos sobre os conceitos e terminologia da medição, escritos
de maneira clara e consistente e há também outros livros, artigos, trabalhos e
consultorias feitas de modo mutuamente inconsistente e pouco rigoroso em vários
aspectos. Por exemplo, faz-se grande confusão em terminologia e concepções de erro
e incerteza, exatidão e precisão, calibração e ajuste. Há falta de consistência na
medição, avaliação da incerteza na medição, apresentação do resultado completo da
medição, instrumento, padrão de calibração, escolha e manutenção de padrões de
calibração, uso de unidades recomendadas, aceitas e não aceitas pelo SI. Este
trabalho interessa a projetistas, operadores, instrumentistas, metrologistas, pessoal da
qualidade. Ele procura esclarecer as dúvidas e incongruências na metrologia,
mostrando o que é incerteza, como ela é calculada e propagada e como ela deve ser
comunicada. Também mostra como na economia mundial global os corpos técnicos e
as instituições como ISO (Organização de Padronização Internacional), BIPM (Bureau
Internacional de Pesos e Medidas), OIML (Organização Internacional de Metrologia
Legal), IEC (Comissão Internacional Eletrotécnica) publicam e disseminam suas
normas e seus relatórios técnicos. E principalmente como o Guide to the Expression
of Uncertainty in Measurement, o GUM ou o ISO Guide é mais citado que utilizado
de modo consistente com a incerteza industrial e como ele é completamente ignorado
na academia. O autor espera que este trabalho, com sua combinação de princípios
gerais e exemplos específicos, ajude o leitor que quer conhecer algo sobre incerteza,
mas que não ousa consultar tais publicações.
2 Historia de Arquimedes
O problema que Arquimedes (287 a 212 A.C.) resolveu era basicamente de
incerteza de medição. O rei mandou o ourives fazer uma coroa de ouro e entregou-lhe
uma determinada quantidade de ouro. Quando a coroa estava pronta o rei queria
garantir que todo o ouro entregue foi usado para fazer a coroa ou se o ourives
substituiu o ouro por cobre ou outro metal mais barato. Arquimedes percebeu que o
caminho do experimento era através das densidades do ouro e da liga da coroa.
Sabendo que a densidade do ouro puro é de

ρouro = 15,5 g/cm3

e medindo-se a densidade da liga da coroa, é possível decidir se a coroa é realmente


de ouro, comparando-se as duas densidades. Supondo que a densidade da coroa seja
de

ρcoroa = 13,8 g/cm3

Sejam duas medições da densidade da coroa. A primeira medição obtida é de

ρcoroa = 15 ± 2 g/cm3

Esta medição garante que a densidade está no intervalo de 13 a 17 g/cm3


A segunda medição obtida é de

2
ρcoroa = 13,9 ± 0,2 g/cm3

Esta medição garante que a densidade está no intervalo de 13,7 a 14,1 g/cm3
Os dois resultados são mostrados graficamente na Fig. 1.
O primeiro ponto a notar nestes resultados é que, embora a segunda medição
seja mais precisa, a primeira medição provavelmente é também correta. Cada medição
possui uma faixa de valores dentro da qual se espera que a densidade caia e estes
valores se sobrepõem, de modo que é perfeitamente possível e mesmo provável que
ambos os resultados sejam corretos.
Os resultados da primeira medição possuem incerteza tão grande que ela não é
útil para resolver o problema da falsificação. As densidades do ouro e da liga da coroa,
ambas caem dentro da faixa medida, de 13 a 17 g/cm3 , de modo que nenhuma
conclusão pode-se tirar destas medições.
Por outro lado, a segunda medição indica claramente que a coroa não é de ouro
puro, pois a densidade da liga suspeita, 13,8 g/cm3 cai confortavelmente dentro da
faixa estimada de 13,7 a 14,1 g/cm3 e a densidade do ouro, 15,5 g/cm3 está longe
desta faixa. Como as medições são feitas para se permitir uma conclusão, as
incertezas experimentais não podem ser muito grandes. Porém, as incertezas não
precisam ser extremamente pequenas. Neste aspecto, este exemplo é típico de muitas
medições científicas, para os quais as incertezas devem ser razoavelmente pequenas
mas não precisam ser extremamente pequenas.

Densidade ρ
3
(g/cm )

17

16
Ouro
a
1 medição 15

14
a
2 medição Liga

13

Fig. 1.1. Duas medições da densidade de uma coroa suposta de ouro. Os dois
pontos mostram as melhores estimativas das duas medições. As duas barras verticais
mostram suas margens de incerteza ou intervalos dentro dos quais se acredita que as
densidades provavelmente caem. A incerteza da primeira medição é tão grande que as
densidades da coroa suspeita e ouro caem dentro de suas margens de incerteza, de
modo que esta medição não determina qual material é usado. A incerteza da segunda
medição é dez vezes menor e sua medição mostra que a coroa não é feita de ouro.

3
3 História de Rayleigh
John William Strutt, mais conhecido como Barão Rayleigh (1842 –1919), físico
inglês que e o químico William Ramsay (1852-11916), descobriram o elemento argônio
e com isso ganharam o prêmio Nobel de Física em 1904, baseando-se nas incertezas
da medição da densidade do nitrogênio. Eles mediram a densidade do nitrogênio por
dois métodos distintos: o método “físico” do nitrogênio da atmosfera e o método
“químico” do nitrogênio obtido da amônia e encontraram uma pequena discrepância: o
nitrogênio físico ou atmosférico era 0,1% mais denso que o nitrogênio químico obtido
da amônia. Em vez de desprezar a incerteza, eles insistiram nas medições e tentaram
novo método, onde acharam que o nitrogênio atmosférico era 0,5% mais denso que o
químico. Concluíram que o nitrogênio do ar era uma mistura com outro elemento
químico. Este gás é o argônio. Mesmo que na atmosfera haja 78% de nitrogênio e
somente 1,2% de argônio, mas o argônio é 1,4 mais denso que o nitrogênio. Mesmo
naquela época, a incerteza das medições originais de Rayleigh e Ramsay era da
ordem de ±0,03%, capaz de detectar a discrepância sistemática das medições.
Esta história ilustra a importância de medições mais precisas, da vantagem de
utilizar métodos diferentes para medir a mesma grandeza e a importância de explicar a
discrepância. Aliás, aprende-se mais com o erro do que com o acerto. Temos o
paradigma errado de distorcer os fatos para acontecer o resultado esperado e não
temos a sabedoria de fazer a coisa certa e analisar os resultados inesperados. Desde a
academia temos o mau hábito de forçar os resultados ser iguais ao que a teoria vigente
estabelece. E com isso, aprende-se pouco.
4 Importância da incerteza na tecnologia
Atualmente, vive-se em um mundo cercado de incerteza. Será que o tempo estará
bom para ir à praia no fim de semana? Será que o nível de colesterol está normal?
Qual a melhor aplicação do pouco de dinheiro que restou do salário? Obviamente, para
eliminar ou, no mínimo, diminuir esta incerteza, deve se consultar os profissionais
acreditados em cada área: o meteorologista (não confundir com metrologista), o
médico que irá solicitar um exame de laboratório e um consultor de finanças.
E no mundo da Instrumentação, povoado e baseado em medições? Em ciência e
tecnologia o conceito de incerteza tem um significado mais restrito, criado pela
necessidade de se obter medições mais precisas e exatas. Medição precisa e exata
implica na existência de padrões de medição e na avaliação da incerteza no processo
de medição. O ramo da ciência que cuida de manter e melhorar a precisão e exatidão
da medição em qualquer aplicação é a metrologia. Metrologia inclui a detecção,
descrição, identificação, análise e minimização de erros e o cálculo correto e a
completa das incertezas resultantes.
Na indústria, há muitas razoes para se determinar e diminuir a incerteza das
medições, tais como:
1. Atender as exigências do pessoal da Qualidade (e.g., ISO 9000), quando são
estabelecidas as tolerâncias máximas das malhas criticas.
2. Atender as exigências contratuais de transferência de custodia, onde o vendedor
e comprador estabelecem os limites máximos da incerteza e o método para
administrar as não conformidades, quando tais limites são excedidos.
3. Atender as exigências legais de medição fiscal e de apropriação na medição de
petróleo e gás natural, quando são estabelecidos os limites máximos de
incertezas e os períodos mínimos de calibração.

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4. Atender as exigências legais de valores de pressão (NR 13) em caldeiras e
vasos de pressão por questão de segurança e valores de análise e composição
para fins de meio ambiente (ISO 14 000).
5. Atender as exigências da ISO 17 025 que estabelecem limites de incertezas
para acreditacao de laboratórios da Rede Brasileira de Calibração.
5 Incerteza e erro
Quando se faz uma medição de uma grandeza física, de algum modo, a medição
é assumida ser errada. A diferença entre o valor da medição e o valor do parâmetro
sendo medido (mensurando - o nome é feio, mas é assim que o VIM 2006 define a
quantidade sob medição) é conhecida como erro. O valor total deste erro é constituído
de várias fontes de erro: sistemáticas, aleatórias e grosseiras. Todo livro ou artigo que
fala de erro sempre explica estes termos, ad nauseam. Erro sistemático é aquele que é
igual em todas as medições e possui uma distribuição retangular. Erro aleatório é
aquele que é diferente nas diversas medições replicadas e possui uma distribuição
normal ou gaussiana. Erro grosseiro é aquele raro, esporádico, cometido pelo engano
do operador. Ele deve ser detectado por testes de validade e deve ser descartado
quando ruim ou usado quando considerado bom. Sempre haverá o risco de usar uma
medição ruim ou de desprezar uma medição boa. Normas não falam do erro grosseiro,
pois assumem que treinamento, motivação ou coerção irão evitar seu aparecimento.
Como valor verdadeiro é algo abstrato e ideal, é complicado determinar o erro e
por isso a maioria das normas prefere o termo incerteza. Neste contexto, incerteza é o
grau de dispersão de várias medições replicadas feitas do mensurando, quando se
alteram as condições ambientais, operador, instrumento, método.
Erros aleatórios são tratados por Estatística. A maioria das pessoas acha que a
Estatística melhora a precisão da medição, o que é errado. Através de métodos e
parâmetros estatísticos, pode-se determinar uma probabilidade para assegurar que
uma medição caia dentro de determinado intervalo. A Estatística nem determina o valor
do erro, pois se o fizesse, ele poderia ser eliminado.
Para agradar ao pessoal de Automação e usando um termo que lhes é querido: a
medição é uma operação não determinística. Ela não define o valor de uma variável,
mas estabelece limites de valores para assegurar que a medição caia neste intervalo.
Quando se diz que a temperatura medida da sala é de (24 ± 2) oC com probabilidade
de 95%, não há garantia que a temperatura seja igual a 24 oC. O que se garante é que
há uma probabilidade de 95% que a temperatura esteja entre 22 e 26 oC. E mesmo
assim, ainda há 5% para ela estar a 27 oC e isso deve ser aceitável.
6 Incerteza e algarismos significativos
A incerteza de uma medição no contexto de chão de fábrica deve ser expressa
por um único algarismo significativo. Casos limites, quando ela é expressa com dois
algarismos, envolve incertezas próximas de 1, como 1,5% (caso da incerteza imposta
pela ANP – Agência Nacional de Petróleo para a medição de gás natural em medição
fiscal). A expressão da incerteza é algo não determinístico, duvidoso e por isso é até
ridículo expressar incertezas como ±0, 001 245% como encontrado pelo autor em suas
inúmeras consultorias pelo Brasil afora.
Um valor cabalístico e interessante é a incerteza expressa como a raiz quadrada
da soma de 1, 12 + 12 = 1,4 . Pelas regras em vigor de arredondamento, 1,4 é igual a 1.
Aí teríamos o absurdo de que a incerteza da soma de duas grandezas da mesma
ordem ser igual a uma parcela. Pessoas conservativas fazem 1,4 igual a 2. Agora
também há a incongruência, pois esta valor é igual a 1 + 1 = 2, que é o algoritmo da

5
propagação das incertezas dependentes. Possivelmente, este é o principal caso onde a
incerteza final é expressa em dois algarismos significativos.
Usam-se incertezas com um algarismo adicional em cálculos intermediários, para
diminuir a incerteza do arredondamento, mas o resultado final deve ser consistente
com as incertezas componentes e geralmente deve ser expressa com um único
algarismo significativo.
Há uma correlação da incerteza e o número de algarismos significativos com que
se trabalha. Quando se trabalha com um único algarismo significativo, a incerteza varia
de 10 a 100%. Quando se trabalha com dois algarismos, a incerteza varia de 1 a 10% e
com três, de 0,1 a 1%. Por exemplo, quando se trabalha com um algarismo, ele varia
de 1 a 9 e a incerteza é de 1. assim, 1 para 9 é 10% e 1 para 1 é de 100%. Com dois
algarismos, 10 a 99 a incerteza é de 1, assim 1 de 10 é 10% e 1 de 99 é 1%. E assim
sucessivamente.
Outra confusão que se faz é a propagação de incertezas devida aos cálculos
envolvendo incertezas diferentes. Na determinação laboratorial de densidade (os
puristas gostam de massa específica, vá lá) de óleo, pela medição de sua massa e seu
volume. Tipicamente a incerteza da balança é muito melhor (5 algarismos
significativos) do que da vidraria (3 algarismos significativos). O resultado final deve ser
com 3 algarismos significativos, mas muita gente de laboratório aprendeu na academia
com 5 algarismos e ninguém os convence a usar apenas 3). Ou seja, o resultado
correto da divisão é:

1,0000 kg
= 1,00 kg/m 3
1,00 m 3

Porém muitos ainda querem que seja o resultado inconsistente de:

1,0000 kg
3
= 1,0000 kg/m 3
1,00 m
7 Incerteza e arredondamento
Arredondamento provoca erro. Operações aritméticas provocam erro. Por
exemplo, seja a conta de dividir 1 m por 3 e multiplicar por 3. Todo mundo já achou que
dá 1, mas está todo mundo enganado. 1 m (com um algarismo significativo) dividido
pela constante 3 dá 0,3 m (conservando um algarismo significativo). Agora, 0,3 m
vezes a mesma constante 3 dá 0,9 m. Ou seja, a simples conta de dividir por 3 e seu
arredondamento deu um erro de ±10% nos cálculos. Está muito grande? Então,
recomenda-se usar um instrumento de melhor qualidade, e.g., uma régua de melhor
precisão que resulte numa medição de 1,0 m (1 m é diferente de 1,0 m!). Agora, 1,0 m
dividido por 3 dará 0,33 m (mantendo os dois algarismos significativos da medição
original). Multiplicando-se pela constante 3, tem-se agora 0,99 m. O erro provocado
pelo arredondamento passou para ±1%, menor que os ±10% anteriores, mas ainda
incomodando.
8 Propagação da incerteza
A incerteza se propaga de modo diferente, em função da relação matemática que
define o mensurando. A regra básica na propagação de incertezas, que simplifica os
cálculos e não requer derivadas parciais e seus coeficientes de sensibilidade é:
1. Na soma e subtração, as incertezas se propagam pela “soma” das incertezas
absolutas.

6
2. Na multiplicação e divisão, as incertezas se propagam pela “soma” das
incertezas relativas.
A soma das incertezas pode ser feita por dois algoritmos distintos, dependendo
de as incertezas serem dependentes ou independentes.
1. Para incertezas dependentes a soma das incertezas é direta, com 2 + 2 = 4.
2. Para incertezas independentes a soma das incertezas é feita pela raiz
quadrada da soma dos quadrados, com 2 + 2 = 3. ( 2 2 + 2 2 = 3 )
Por exemplo, determinar o perímetro de um terreno assumido quadrado, com o
comprimento medido de um lado igual a (10 ± 1) m. O perímetro é a soma dos 4 lados
e portanto a soma de (10 ± 1) m. Como o lado é medido apenas uma vez e usado 4
vezes, então a incerteza dos 4 lados é dependente e o perímetro vale 40 m ± 4 m.
Porém, trabalhando mais e medindo os 4 lados, tem-se agora as incertezas
independentes, pois os lados são independentes (mesmo sendo o mesmo operador e
usando o mesmo instrumento, nas mesmas condições ambientais). Agora o perímetro
vale 40 m ± 2 m ( 12 + 12 + 12 + 12 = 2 ). Trabalhou-se mais, mediram-se os 4 lados e a
incerteza do perímetro é menor. Fica para o leitor o problema: o que se fez para se
obter um perímetro de 40 m + 3 m?
Outro exemplo, agora para mostrar a propagação da incerteza do produto de
duas grandezas. Determinar a área deste mesmo terreno quadrado com lado de
(10 m ± 1) m. O resultado pode ser:
1. (100 ± 20 ) m2
2. 100 m2 + 21 m2 – 19 m2
3. [100 ± (20 ± 1)] m2
4. (100 ± 14) m2
O resultado 1 é obtido pela aplicação da regra da propagação das incertezas no
produto: soma direta das incertezas, assumindo-as dependentes, ou seja, medindo
apenas um lado do quadrado e usando-o duas vezes no produto. Antes, deve-se
transformar a incerteza absoluta em relativa: (10 ± 1) m fica 10 m ± 10%
(10% = 1/10 x 100%). Assim, a incerteza resultante fica igual a 10% + 10% = 20%, ou
seja, a área é de 100 m2 ± 20% ou voltando para incerteza absoluta: (100 ± 20) m2 .
O resultado 4 é análogo ao 1, obtido pela aplicação da regra da propagação das
incertezas no produto: soma direta das incertezas, assumindo-as independentes, ou
seja, medindo-se os dois lados do quadrado e usando as duas incertezas
independentes no produto. Antes, deve-se transformar a incerteza absoluta em relativa:
(10 ± 1) m fica 10 m ± 10%. Agora, a incerteza resultante fica igual a

10 2 + 10 2 = 14

ou seja, a área é de 100 m2 ± 14% ou voltando para incerteza absoluta: (100 ± 14) m2 .
O resultado 2 é também fácil de se obter: se o lado do quadrado mede (10 ± 1) m,
então seu lado varia de 9 m a 11 m. Ora, o quadrado de 9 é 81 e o quadrado de 11 é
121, e como a área nominal do terreno é 100 m2, então a área e sua incerteza vale de
81 a 121 m2 ou 100 m2 + 21 m2 – 19 m2
O resultado 3 é obtido multiplicando-se (10 ± 1) por (10 ± 1). Como a incerteza
deve ser expressa por um único algarismo significativo, (20 ± 1) fica igual a 20, que é
igual ao resultado 1. Se em vez de desprezar o 1 em face do 20, mas se fizer a conta,
tem-se 100 + 21 – 19, que é o resultado 2.

7
Um engenheiro, para recordar seu curso de Cálculo III, poderia também expressar
a incerteza do produto AB (A e B sendo os lados de um terreno retangular) pelas
derivadas parciais e a incerteza total do produto seria:

∂( AB) = A∂B + B∂A + ∂A∂B

O termo da derivada segunda pode e deve ser desprezado.


9 Incerteza e catálogo do instrumento
A incerteza do instrumento deve estar expressa no seu catálogo, geralmente no
item precisão. (A maioria dos catálogos coloca-a no item exatidão). Aqui está a
confusão.
A precisão do instrumento expressa no seu catálogo vale nas seguintes
condições:
1. Instrumento novo
2. Instrumento calibrado
3. Nas condições de referência, consensada em (24 ± 2) oC.
Ora, se o instrumento está calibrado, então o seu erro sistemático é zero, com a
incerteza de sua precisão.
A precisão do instrumento depende de vários parâmetros, tais como: linearidade,
reprodutibilidade, histerese, banda morta, resolução, sensitividade.
Outros dados importantes e úteis do catálogo do instrumento são:
Desvio (deriva, drift) devido à temperatura – quanto de incerteza adicional deve
ser somada à original quando o instrumento opera diferente da condição de (24 ± 2) oC.
Desvio devido ao tempo – quanto de incerteza adicional deve ser somada à
original ao longo do ciclo de vida do instrumento. Este item é fundamental para definir
períodos de calibração do instrumento.
Há ainda outros desvios devidos à pressão estática (instrumento é originalmente
calibrado à pressão atmosférica e será usado em outra pressão estática maior) e
devido à posição.
As incertezas expressas nos catálogos devem ser claras e devem ser indicados
os fatores de cobertura aplicados à incerteza total expandida. Catálogos americanos se
referem a 3 σ (99,7%) e catálogos brasileiros se referem a 2σ (95,4%) e o BIPM sugere
1 σ (66,3%), que é a incerteza padrão referente a um desvio padrão. No Brasil, o
default é 2 σ (95,4%).
O ponto de partida para o calculo correto da incerteza de uma malha com vários
instrumentos são as precisões do instrumento expressas em seus catálogos, que
devem ser entendidas, calculas a partir de fundo de escala, valor medido, limite de
faixa superior (URV ou URL), amplitude de faixa.
10 Incerteza de instrumento analógico e digital
Todo instrumento, analógico ou digital, apresenta erro de medição e possui uma
incerteza. Há uma concepção errada de achar que o instrumento digital é sempre mais
preciso que o analógico. A incerteza do instrumento depende da sua qualidade, seus
componentes, seu projeto, sua montagem, sua tecnologia. E quando se fala de
analógico e digital, só se pensa no display, enquanto deveria se considerar função do
instrumento, mensurando, tecnologia e display. Por exemplo, o relógio é um
instrumento indicador (pode ser analógico ou digital) da variável tempo calendário
(analógica), com tecnologia analógica (mecânica) ou digital (com microprocessador).
Obviamente, ao mesmo custo, um relógio com tecnologia digital, com qualquer display

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é mais preciso, estável e com melhor desempenho que um mecânico analógico (que
tende a desaparecer ou ficar restrito aos Rolex privativos).
Quanto ao display, o instrumento com mostrador analógico, pode apresentar erro
de paralaxe, que é um erro devido ao mau treinamento (ou altura) do operador que se
coloca na posição errada para fazer a leitura. Quando há apenas uma medição com
erro de paralaxe, tem-se um erro grosseiro. Quando há várias medições, todas erradas
e com erro de paralaxe, então se tem erro sistemático. Mas, em outro contexto todos
estes erros sistemáticos podem se tornar aleatórios.
Porém, o mostrador digital também apresenta um erro inerente, chamado de erro
de quantização. Todo mundo já viu no catálogo do voltímetro digital (com 3 ½ dígitos)
que sua precisão está expressa, e.g., em ±0,1% do valor medido ± n dígitos. Esta
parcela de ±n dígitos é o erro de quantização, devido ao fato inerente do último digito
variar discretamente: o dígito 4 só pode ir para 3 ou para 5. Mesmo quando estiver no
limite de passar para 5 ainda mostra 4 e por isso há um erro de 1 digito. (Quem tem 66
anos de idade, na véspera de fazer 67 ainda tem 66 anos, portanto com um erro de 1
ano). Por não ser entendido, a maioria dos cálculos de incerteza de instrumentos
digitais feitos na indústria não considera o erro de quantização.
11 Combinação de incertezas diferentes
Um problema comum é o seguinte: fazem-se medições do mesmo mensurando
com instrumentos de precisões diferentes e como estas medições devem ser
combinadas e como deve ser expressa o resultado da medição com sua incerteza.
A regra é: quando duas ou mais medições são feitas do mesmo mensurando, com
incertezas diferentes, o resultado final da medição é a média ponderada de todas as
medições, onde os pesos são os inversos dos quadrados das incertezas nas medições
originais. Parece complicado, mas é simples, depois de entendido. É uma regra obvia e
lógica: o instrumento que tiver a melhor precisão (incerteza menor) deve ter um peso
maior para determinar o valor final da medição e assim o resultado final estará mais
próximo da melhor medição.
Se x1, x2, ..., xN, são medições de uma única quantidade x, com incertezas
conhecidas σ1, σ2, ..., σN, então a melhor estimativa para o valor verdadeiro de x é a
média ponderada:

x pond =
∑w x i i

∑w i

onde as somas são de todas N medições, i = 1, 2, ..., N e os pesos são os inversos dos
quadrados das incertezas correspondentes:

1
wi =
σi2

A incerteza em xpond é
1
σpond =
∑w i

onde ainda a soma é de todas as medições i = 1, 2, ..., N.


Para fixar idéias, seja o seguinte probleminha rápido: tem-se a medição de um
mesmo resistor elétrico R com os seguintes resultados:

9
1. (11 ± 1) Ω
2. (12 ± 1) Ω
3. (10 ± 3) Ω
Qual é a melhor estimativa de R e sua incerteza?
As três incertezas σ1, σ2 e σ3 são 1, 1 e 3. Os pesos correspondentes wi = 1/σi2 são:

w1 = 1 w2 = 1 w3 = 1/9

A melhor estimativa para R é

(1× 11) + (1× 12) + ( 91 × 10 )


R= = 11,42 Ω
1 + 1 + 91

A incerteza neste resultado é dada por:


1
σpond = = 0,69
1
1+ 1+
9

O resultado final é dado como

R = 11,4 ± 0,7 Ω

Para comparação, o resultado com a terceira medição desprezada, cuja


incerteza é três vezes maior que as duas primeiras e por isso é pouco importante é,

Restimado = 11,5 ± 0,7 Ω

O resultado é muito próximo do obtido com as três medições, 11,42 ± 0,69 Ω,


(com um algarismo a mais, provisoriamente) e mostra que realmente a terceira
medição tem um pequeno efeito.
12 Conclusão
A única certeza na medição é que ela sempre possui uma incerteza. Às vezes, o
a incerteza é chamada de erro. Em trabalhos práticos de cálculo e expressão da
incerteza na indústria, sempre utilizar apenas um algarismo significativo para a
incerteza. Identificar as fontes de incerteza, conhecer os diferentes algoritmos de
calculo na propagação da incerteza, fazer a calibração periódica dos instrumentos para
limitar as incertezas sistemáticas e ter um plano correto de manutenção para não
deixar que as incertezas aleatórias nominais, expressas nos catálogos, aumentem.
Finalmente, entender que o gerenciamento da incerteza da medição é um processo
contínuo e não apenas exercício feito uma única vez.
13 Bibliografia
1. Bucher, J. L., Metrology Handbook, Milwaukee, ASQ, 2004
2. Rabinovich, S.G., Measurement Errors and Uncertainties, 2a. ed., New York,
Springer Verlag, 2000.
3. Kirkup, L. & Frenkel, R., An Introduction to Uncertainty in Measurement, New
York, Cambridge, 2006.
4. Taylor, J.R., Error Analysis, 2a. ed., Sausalito, USB, 1997.

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