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COMENTÁRIOS AO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.

343/06

EULER JANSEN*

O § 4º do art. 33 da Lei 11.343, 23 de agosto de 2006, apresenta a seguinte redação:


§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser
reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de
direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às
atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Desde logo, convém elogiar a posição do legislador que procurou criar um
mecanismo através do qual o juiz possa melhorar a situação daquelas pessoas que ainda não
estão completamente corrompidas pelas organizações criminosas, dando-lhes a possibilidade
de se recuperarem. Buscou, assim, estabelecer uma punição adequada que satisfaça às
finalidades de retribuição e de prevenção (geral e especial) da pena, sem que seja necessária
toda a força prevista para o delito, com pena in abstracto que varia entre 05 e 15 anos de
reclusão e 500 a 1.500 dias-multa.
As condições elencadas são indubitavelmente oportunas, pois excluem aqueles mais
ligados aos diversos crimes, com maus antecedentes, reincidentes e aqueles que integram
organizações criminosas – das quais, em regra, não se sai com vida. Neste ponto, impõe-se
uma pergunta: qual elemento ou quais elementos o magistrado fixador da pena levará em
consideração para diminuí-la diante da amplitude dessas frações (um sexto a dois terços)?
Veja-se que no ordenamento jurídico penal são contempláveis dois tipos de causas
especiais de aumento ou diminuição de pena, as de fração fixa (p. ex. o 1/3 do furto noturno
ou o 1/2 pelo fato do agente ser pai da vítima nos crimes contra os costumes) e as de conteúdo
variável (p. ex. as majorante do roubo, que variam de 1/3 até 1/2, ou a minorante da tentativa,
que variam de 1/3 a 2/3).
As primeiras têm natureza objetiva, ou seja, quando verificadas, diminuem ou
aumentam a pena com uma fração fixa, não permitindo ponderação, diante dessa objetividade.
Já as causas de aumento ou diminuição de conteúdo variável requerem normalmente uma
maior ponderação do magistrado, pois podem ser mais ou menos cumpridas, isto é, permitem
que o magistrado estabeleça a fração adequada ao caso concreto. A título de exemplo, citamos
a minorante da tentativa (art. 14, § 2º, parágrafo único, do CP). Nesse caso, de acordo com a
maior ou menor distância entre a conduta e a consumação do crime, pode o julgador optar por
diminuir mais ou menos a pena, numa proporcionalidade direta. O mesmo acontece na
hipótese de várias outras minorantes e majorantes.
A minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, apesar de conter várias
condições objetivas, não estabelece uma fração fixa, mais uma faixa de frações. Trata-se de
uma situação incomum na sistemática do ordenamento jurídico penal já esboçada, pois o
magistrado não tem um norte para ponderar a ampla faixa de diminuição da pena, no caso de
1/6 a 2/3. Por outro lado, não se pode imaginar que a intenção do legislador, ao criar a norma,
foi que algumas daquelas condições possam não ser cumpridas. Todas devem ser cumpridas,
conforme demonstra a conjunção “nem” utilizada para ligar seu último elemento.
Guilherme Nucci – trazendo luz para esta questão – recomenda, de forma oportuna, a
utilização dos “elementos do art. 59 do Código Penal, com a especial atenção lançada pelo art.

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Euler Paulo de Moura Jansen é juiz de Direito da 3ª Vara de Bayeux/PB, professor de Direito Processual Penal
e Técnica de Elaboração de Decisões Cíveis (ESMA/PB) e dos módulos de Sentença Criminal e Princípios do
Processo Penal (FESMIP/PB), especialista lato sensu em Direito Processual Civil (PUC/RS) e em Gestão
Jurisdicional de Meios e de Fins (UNIPÊ/PB) e autor do livro Manual de Sentença Criminal (Renovar-RJ, 2006).
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42 desta Lei”1. Alerta, entretanto, para o perigo do bis in idem que pode ocorrer na aplicação
dessa terceira fase (própria para as minorantes e majorantes) dos mesmos critérios existentes
para a fixação da pena-base. Neste ponto, convém lembrar que constitui princípio da
aplicação da pena a utilização, na fase mais qualificada, de circunstância que possa servir em
duas fases distintas.
Outro ponto relevante do dispositivo em estudo é a expressa vedação da conversão
da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, quando da aplicação dessa
causa especial de diminuição de pena. À primeira vista, parece ser uma simples restrição.
Entretanto, para termos outra compreensão, devemos estar atentos à regra de interpretação
que afirma a inexistência de palavras desnecessárias e inúteis na lei, especialmente ao teor do
art. 44 da Lei de Drogas:
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são
inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória,
vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Ora, se o art. 44 da citada lei já prevê a impossibilidade de conversão da pena
privativa de liberdade em restritiva de direitos, para que o mesmo comando no art. 33, § 4º?
Em resposta, entendemos que não há redundância. Como a norma em estudo (art. 33, § 4º)
prevê uma série de condições que, se atendidas, gerarão direitos para o agente do ato
criminoso, essa aparente restrição pretende, na verdade, conceder ao incriminado que satisfaz
aquelas condições todos os direitos que foram negados no art. 44, restando apenas a
impossibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
Observe-se que a regra geral do art. 44 é atenuada pela norma especial do art. 33, § 4º, que,
como condição especial, restringe as proibições apenas à impossibilidade de conversão da
pena aplicada.
Assim, se o indivíduo condenado por tráfico de drogas a uma pena-base de seis anos,
permanecendo esta na segunda fase (de atenuantes e agravantes) satisfizer as condições
previstas no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, pode ter a pena privativa de liberdade
diminuída de 2/3 (indo para dois anos), além de poder ser beneficiado com a aplicação de
sursis da pena e indulto. Importante assinalar que graça e anistia são vedações constitucionais
(art. 5º, XLIII, da CF) e não há a menor possibilidade de abrandamento dessa norma
estabelecida na Lei Maior.
Essa nos parece ser vontade da lei, preocupada em dar uma nova chance àqueles que,
numa primeira desventura, enveredam pelos crimes mais graves ligados a drogas e
entorpecentes. A vontade da lei toma por base a política de combate ao tráfico, que assim
pode ser expressa: por um lado, quer dar nova oportunidade àqueles que ainda podem se
redimir e, por outro, quer punir exemplarmente aqueles que teimam em se desviar da boa
conduta. Através da flexibilização estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006,
concretiza-se a intenção da Constituição Federal que sabe ser um manancial de direitos e, ao
mesmo tempo, sabe dar ao criminoso a punição esperada pela sociedade ante o cometimento
de uma espécie de crime que a aflige mais e mais a cada dia.

1
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008. p. 331.

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