Marketing viral na área de saúde, dá para fazer?
Olinto Manso Pereira
Sócio-Diretor da Digital Design Comunicação
Resumo
A área de saúde tem sofrido, ao
longo dos anos, um processo de
transformação profunda, tanto sob o
ponto de vista epidemiológico quanto
mercadológico. Qualquer mercado sofre
pequenas ou grandes reacomodações,
portanto é vital para as organizações
obter o know-how necessário para
suportar as mudanças de cenário e
crescer com elas, sejam micro ou
globais.
A boa notícia é que mudanças de
paradigma estão acontecendo em muitas
áreas, e muitas soluções já estão
surgindo do mundo corporativo e se
capilarizando, via benchmarking para
outras áreas do conhecimento. Afinal, o
Introdução
Muitos mercados estão em
franco processo de transformação, não
só a área de saúde. A propaganda
tradicional, por exemplo, está sofrendo
uma grande crise no mundo todo. A
causa é a mudança da dinâmica do
consumo. O consumidor passou de
mero expectador a agente transformador
das decisões dentro dos “cérebros” das
companhias. Muito embora a academia
preconize inúmeras ferramentas de
marketing para solução dos problemas
corporativos, há um elemento que faz
com que as estratégias falhem: a
diminuição do volume financeiro
histórico aplicado como investimentos
nesta área.
Não resta dúvida de que esta
redução gera vários problemas na
construção de qualquer execução de
MBA em Gestão Empresarial pela FGV
Formado em Odontologia pela FOB-USP
olinto_manso@yahoo.com
mundo está se transformando
rapidamente e os hábitos de consumo
também. Isto também se aplica aos
hábitos de consumo de serviços de
saúde.
O presente estudo visa
apresentar algumas informações e idéias
oriundas das práticas de marketing
contemporâneo, especialmente do
marketing viral e confrontá-las com o
que se faz hoje no dia-a-dia comercial
dos estabelecimentos de saúde. Não se
pretende aqui trazer novas soluções em
marketing e sim novas perguntas e uma
nova maneira de observar a prática
comercial nos serviços de saúde.
marketing bem sucedida. Os grandes
investimentos em comunicação estão
restritos ao pequeno círculo das grandes
corporações.
Esta redução de aporte de capital
afeta a qualidade das informações de
mercado, pois a diminuição da verba
direcionada para pesquisas, que são
vitais para embasar os planos
estratégicos das companhias, provoca
vieses na construção da inteligência
competitiva, acarretando em falhas de
abordagem do consumidor e do
posicionamento das marcas por parte
dos anunciantes. Sem este insumo, tudo
acaba em “achismo” - isto é - prejuízo.
Outro fator que sofre grande
influência da diminuição das verbas de
marketing é o empobrecimento do
espectro de atuação das ações
comerciais. Frequentemente os volumes
de recursos não são suficientes para
financiar devidamente a entrega das
mensagens publicitárias aos seus
prospects. Em função dessa ineficácia,
nem o alvo se acerta, a mosca, então,
nem se fala.
Na área de saúde, os tratamentos
preconizados para cada doença só
podem ser colocados em prática se
forem reconhecidos cientificamente,
i.e., devem ter significância estatística.
Na propaganda e no marketing, muitas
vezes a comprovação científica da
eficácia de uma estratégia é proibitiva
sob o ponto de vista financeiro, mesmo
em países de economia madura.
Fazendo uma analogia, basta imaginar
ter de fazer uma pesquisa para
investigar a doença e a eficácia de
tratamento de cada paciente a ser
tratado num consultório ou hospital.
Faz, entretanto, um erro sério de
avaliação quem pensa que a área de
saúde está isenta desta condição a que
está sujeito o mercado de marketing e
propaganda. As dinâmicas dos
tratamentos e das doenças certamente
têm uma boa previsibilidade, pois foram
amplamente investigadas...mas e as
pessoas? Os consumidores? Estes são
completamente imprevisíveis, estão
sujeitos a condições culturais, sociais,
micro e macro-econômicas, políticas e
muitas outras.
Ora, quem demanda de uma
empresa de bens de consumo duráveis
ou não, por exemplo, são os
consumidores. As empresas têm que
saber o que esses consumidores querem,
como são, onde moram, como utilizam
os produtos, como os enxergam nos
pontos de vendas, quando e como
lembram da marca e como se sentem
em relação a ela. Tudo isso para
responder uma única pergunta: “Meu
caro cliente, do que exatamente você
precisa, como quer que eu lhe entregue
e quanto você está disposto pagar por
isso?”
E nos consultórios, hospitais,
clínicas? Temos doentes sim. Mas antes
de serem doentes, são consumidores. Os
mesmos que tiram o sono dos homens e
mulheres de marketing.
Muito se tem discutido a
respeito do ultra-tecnicismo dos
profissionais de saúde, sobre o quanto
isso tem prejudicado as profissões de
saúde e os pacientes, bem como sobre a
humanização dos serviços de saúde. O
que pouco se fala, entretanto, é em
relação ao que pensa o paciente, que é o
agente de onde parte todo recurso
financeiro que sustenta o segmento.
Este silêncio é fácil de entender. Poucos
sabem o que o paciente quer além de
curar sua doença ou restabelecer sua
saúde.
Esse tecnicismo, inerente às
profissões de saúde, é muito importante
por um lado, pois baliza o que deve ser
feito sob o ponto de vista operacional.
Com a grande oferta de profissionais,
certamente o melhor técnico vence a
concorrência quando se trata, por
exemplo, de um mercado com grande
oferta de serviços de saúde de baixa
qualidade. Não nos esqueçamos, no
entanto, de que quando se trata de
prestação de serviços, seja de qual
natureza for, é preciso também dedicar
esforços sob os aspectos táticos e
estratégicos dos negócios. Nesta hora, o
profissional de saúde deve transcender o
modus operandi clínico cotidiano e
tornar-se gestor.
Segundo a teoria neo-clássica do
processo administrativo, o gestor deve
administrar seus negócios a partir de
três dimensões, a saber: estratégica, de
longo prazo, de onde emanam as
decisões que afetarão toda a equipe;
tática, geralmente anual, administrada a
partir de cada equipe e operacional, que
está relacionada com os afazeres de
cada membro individualmente
(Drucker, 2002).
Com esta visão tático-
estratégica, o profissional é capaz de
observar sua prática sob o ponto de
vista comercial. Passa a atender a estas
novas demandas, até então não
percebidas. Para isto é que se fazem
necessárias as ferramentas de
marketing, entre elas, o objeto deste
artigo: o marketing viral.
O marketing viral é uma
ferramenta de marketing de guerrilha.
Conceitualmente, guerrilha é uma luta
armada realizada por meio de pequenos
grupos (...) que, com extrema
mobilidade e grande capacidade de
atacar de surpresa, visa o crescimento
progressivo das próprias forças
mediante a incorporação de novos
combatentes. (Hollanda, 1997)
A capacidade de atingir
objetivos com baixos custos e alta
eficácia (pouca verba e a sua eficiente
aplicação), incorporação de novos
combatentes no decorrer da batalha e
incremento de mobilidade (o
testemunho positivo de pacientes que
tiveram uma boa experiência com a
utilização do serviço a novos prospects),
e atacar de surpresa (atingir o target -
público-alvo - com idéias originais e
interessantes que provoquem
comentários positivos que retro-
alimentem o ciclo) é de onde o
marketing de guerrilha tira sua
inspiração das práticas de guerrilha
tradicional.
Revisão Bibliográfica
Segundo Levinson (1994), o
idealizador e principal disseminador do
conceito de marketing de guerrilha,
empreendedores e outros tipos de
pequenos negócios têm ampla vantagem
sobre os grandes na implementação
dessas táticas, pois apresentam mais
facilidade em produzir publicidade
gratuita, são mais próximos de seus
consumidores e consideravelmente mais
ágeis no atendimento.
Gerir com eficácia a vocação
dos pequenos empreendimentos quanto
a capacidade de aproximação com seus
clientes, vai ao encontro de uma
tendência mundial apontando para a que
as ações de marketing focalizem-se na
experiência do usuário em detrimento
da aplicação de grande parte do budget
na veiculação das mensagens pelos
meios tradicionais. Isto em parte é feito
pelas ações de marketing promocional.
A definição de marketing
promocional a segundo a AMPRO
(Associação Brasileira de Marketing
Promocional) é “Atividade do
marketing aplicada a produtos, serviços
ou marcas, visando, por meio da
interação junto ao seu público-alvo,
alcançar os objetivos estratégicos de
construção de marca, vendas e
fidelização”.
Pesquisa encomendada por essa
mesma associação apontou um
incremento de 20% dos investimentos
previstos para 2007, sendo que o
volume financeiro em 2006 ficou em
torno de 20 bilhões de Reais. Segundo o
Ibope Monitor, ferramenta que avalia a
distribuição das verbas publicitárias e
acompanhamento das estratégias de
mídia dos players, o crescimento em
investimento neste mesmo período para
as mídias tradicionais (TV, rádio,
jornais, revistas) foi de 23%, circulando
um total neste setor de mais de 50
bilhões de reais em 2007.
Os números do marketing
promocional são impressionantes, tendo
em vista que os percentuais de
investimento dos dois segmentos
equiparam-se, sendo a atividade
relativamente recente no país (A
AMPRO faz 15 anos em 2008).
A análise destes números
demonstra que o incremento do volume
de investimento em marketing
promocional deve-se essencialmente ao
aumento da procura desta modalidade
de comunicação por parte dos pequenos
anunciantes, pois, além de mais barata,
está na tendência correta, pois o
consumidor está cada vez mais sensível
à experiência com os produtos e
serviços. O marketing de guerrilha
promove a “emboscada”, utilizando
estratégias e táticas promocionais necessidades de um usuário. Ele precisa
(distribuição gratuita de prêmios, fazer bastante sucesso e ser tão legal,
ofertas, promoções, sorteios, blitz, caprichado e produtivo, que o usuário
lançamento de produtos, eventos, etc.) e vai recomendá-lo a cinco amigos. Os
a originalidade destas ações faz com produtos devem vender-se a si próprios
que as pessoas comentem umas com as ao criar e reforçar o vírus de idéia.”
outras, provocando o efeito viral.
GODIN (2001) prevê a “morte”
dos meios de comunicação tradicionais.
“Fazer marketing interrompendo as
pessoas não é mais eficaz em termos de
custo. Você não pode sair à cata de
gente e enviar mensagens comerciais
indesejadas, em grandes grupos, e
esperar que algumas te mandem
dinheiro. Em vez disso, o futuro
pertence aos profissionais de marketing
que estabelecem uma base e preparam o
terreno aonde as pessoas interessadas
podem fazer negócios umas com a
outras. Aqueça as redes de
consumidores, para depois sair do
caminho e deixá-los conversar.”
Mensagens publicitárias
interessantes e surpreendentes o
suficiente para serem transformadas em Figura 1: Dinâmica do envio e recepção de
conteúdo pelo próprio consumidor têm mensagens publicitárias por marketing de interrupção
uma chance grande de atrair o interesse versus marketing viral. Fonte: adaptado de GODIN,
Seth. Marketing Idéiavirus. Rio de Janeiro. Ed.
de outros consumidores e vender Campus, 2001 p. 30/31
produtos.
Experiências bem sucedidas com
produtos e serviços também provocam o Discussão
testemunho positivo por parte do
usuário que qualifica essa boa É possível então transformar a
impressão em seus ciclos de prestação de serviços tradicional em um
convivência e em suas redes sociais. No novo conceito, onde o que está em
mundo de hoje, pessoas se agrupam por questão é a comercialização de um
interesses comuns também de maneira conceito de negócio ou idéia em saúde?
online. Este é o ambiente ideal para O que precisa ser feito? Com quais
proliferação dos “virus de idéias”. recursos?
Muitos confundem propaganda Há alguns elementos na prática
boca-a-boca com marketing viral. Há em saúde que são perfeitamente
realmente algumas semelhanças. A aplicáveis sob o ponto de vista do
diferença fundamental é que o gestor Marketing de Guerrilha, Marketing
deve não só prestar um bom serviço, Promocional e Marketing Viral.
mas dedicar-se a ser antes de tudo, um Serviços de saúde atendem aos
comerciante de idéias. Godin ressalta principais pré-requisitos do Marketing
que “um comerciante de idéias percebe de Guerrilha, pois são no geral
que o primeiro objetivo de um produto pequenos e de fácil gestão. A agilidade
ou serviço não é apenas satisfazer as nas decisões é fundamental para
implementar idéias criativas e de baixo
custo. Tudo depende da capacidade de
cada profissional perceber as
oportunidades certas e construir uma
estratégia que cative o cliente e fidelize-
o.
Estas oportunidades podem
surgir de conversas com os pacientes
sobre como eles vêem os serviços de
saúde no geral em relação ao seu
próprio negócio, como funciona a razão
e os sentimentos dos pacientes desde o
momento do agendamento de um
horário até o resultado final do
tratamento. Sugerimos que os
profissionais selecionem aleatoriamente
alguns pacientes para uma entrevista
baseada em perguntas abertas. Boas
idéias sempre surgem de informações
de qualidade.
Com base nesta “anamnese”,
estabelece-se um plano estratégico de
ação. Muitas informações podem ser
inteiramente novas, já que o paciente
oferece uma visão de fora do negócio
(trade-off) ricamente detalhada com
suas impressões subjetivas. Isto pode
garantir o “elemento surpresa” da
estratégia. No momento em que se
identificam novas necessidades, ocorre
inovação. Com esta idéia original, traz-
se o cliente como combatente aliado a
sua causa: obter mais clientes.
Idéias podem surgir também de
situações inusitadas.
Kelley (2001), fundador da
IDEO, uma das maiores e mais
influentes empresas de inovação do
mundo, aconselha: “Tente abordar
projetos com humildade e com
reconhecimento de que respostas podem
vir dos lugares que você menos
suspeita. Chamamos isso de ‘olhar de
soslaio’ e de ‘polinização cruzada’, o
que é bastante libertador e poderoso. Se
você espera encontrar respostas fora do
comum, é muito mais provável que isso
aconteça. Na natureza, sabemos que a
polinização cruzada leva a variedades
superiores de plantas. O mesmo
acontece com produtos e serviços. Inicie
um projeto com a suposição de que a
polinização cruzada pode ajudá-lo a
inovar e você terá maior probabilidade
de estar pronto para dar saltos de
criatividade necessários para a
inovação.”
Com a estratégia concebida, é
hora de operacionalizá-la. O marketing
promocional então entra para realizar
esta experiência satisfatória e
inovadora, promovendo a abordagem de
guerrilha, que pode ocorrer, por
exemplo, dentro das dependências
físicas do estabelecimento de saúde. Isto
pode ser feito pelo próprio profissional,
mobilizando sua equipe, ou contratando
uma empresa especializada. Deve ser
um evento onde a experiência de
satisfação seja tão intensa, que o
paciente fique motivado a contar para
outras pessoas espontaneamente.
Segundo Godin, há alguns
fatores que tornam viral uma
experiência. É preciso que ela traga
reputação àqueles clientes que se
prontifiquem a ser os “agentes
contaminadores” por recomendar o
vírus; A ação deve provocar grande
satisfação no usuário; Deve possuir
mecanismos intrínsecos de “fluidez”, ou
seja, incitar a divulgação espontânea da
experiência nos ciclos de relação do
público-alvo (online e offline); A
empresa deve promover ações desta
natureza com certa freqüência.
A escolha dos perfis de clientes
que irão participar da ação também é
importante, pois a exclusividade
associada à capacidade do usuário em
dizer que participou de uma experiência
desta natureza desperta interesse em
outras pessoas. Um caso clássico desta
estratégia foi o lançamento do Gmail e
do Orkut, onde os usuários só poderiam
participar dos serviços com convite.
Bastou dizer que “só alguns entram”
para que ficassem conhecidos
mundialmente.
Considerações Finais
As modalidades de marketing
propostas neste artigo são perfeitamente
aplicáveis no contexto dos serviços de
saúde, considerando que:
Pequenos negócios são mais
susceptíveis a desenvolver ações de
marketing de guerrilha por não terem
grandes orçamentos de marketing, por
sua natureza de pequeno porte e pela
proximidade com o consumidor final.
Profissionais precisam sair da
dimensão operacional e assumir funções
táticas e estratégicas para executar ações
comerciais.
Clientes devem ser investigados
como consumidores e pacientes. Sob o
ponto de vista da doença, dá-se o plano
de tratamento. Sob a óptica do
consumo, a entrevista de pacientes leva
ao atendimento de novas necessidades,
gerando a necessidade de um plano de
marketing.
Idéias inovadoras tendem a
surgir a partir da investigação dos
hábitos de consumo. São estas idéias
que promovem o atendimento de
necessidades ainda ocultas, que
possibilitem ações de marketing de
guerrilha bem sucedidos e vírus de
idéias que se espalhem.
Pacientes tendem a procurar
profissional de saúde baseado em
testemunho ou indicação de pessoas
conhecidas.
Existe massa crítica, em geral,
para ativar clientes da carteira de um
profissional ou empresa de saúde e
promover entrevistas e, por conseguinte,
novas experiências satisfatórias.
Por fim, as estratégias podem
provocar situações positivas que vão
desde a indicação de novos pacientes,
ao aumento da reputação de um
profissional em dado círculo de
relacionamento. Aproveitar estes
elementos de inovação para prevenir
doenças e promover saúde possibilita
aumento da eficácia dos tratamentos,
melhorando a qualidade de vida da
população, objetivo maior do exercício
de qualquer profissão de saúde.
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